Primavera silenciosa

Correto uso de agrotóxicos é evolução na produção rural brasileira

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13 de outubro de 2004, 18h42

O título do livro de Raquel Carson, lançado em 1962, trazia um alerta apavorador: o mundo está sendo envenenado pelos pesticidas. Foi o estopim da revolução ecológica.

O vilão da história era o DDT, um produto químico sintetizado em 1939 e utilizado para matar insetos. Sua fama cresceu no combate à malária. Depois, o uso acabou ampliado contra as pragas agrícolas. Parecia panacéia.

Descobriu-se, porém, que o veneno embutia males que suplantavam seus benefícios. O problema todo se originava na elevada persistência de suas moléculas. Quer dizer, o produto químico não se degradava no meio ambiente, penetrando nas cadeias alimentares. Resíduos do pesticida foram encontrados em tecidos gordurosos dos pingüins. Na Antártida.

Por aqui, somente em meados da década de 70 começa o movimento ambientalista. Os agrônomos paulistas, liderados por Walter Lazzarini Filho, lançam um grito de guerra contra os pesticidas organo-clorados, a classe do DDT e do BHC.

Uma década de lutas resultou na proibição do uso agrícola dos pesticidas sintetizados à base de cloro. As pesquisas em todo o mundo atestavam seu acúmulo nos organismos vivos, provocando doenças degenerativas. Uma lenta e cruel intoxicação.

Em 1989, nova e rigorosa legislação passou a exigir o receituário agronômico, visando o uso adequado dos pesticidas. Estes, trocaram de nome: passaram, para desgosto das multinacionais, a ser denominados de agrotóxicos. Quase um palavrão.

O livro de Carson desencadeou um processo de mudança global impressionante, provocando a troca de um paradigma na agronomia. Antes, os produtos utilizados para combater pragas e doenças deveriam ser duradouros e de largo espectro. Pulverizados nas lavouras, aniquilavam de tudo.

Depois, inverteu o conceito. Moléculas biodegradáveis e de aplicação seletiva passaram a ser pesquisadas. Estava decretado o fim da primeira geração dos pesticidas. Os inseticidas fosforados, com toxicidade aguda ao homem, sofreram a carga da saúde. Também acabaram restritos.

Progressivamente, os defensivos agrícolas foram se tornando mais específicos e menos tóxicos. Ganharam em eficiência de controle e reduziram o consumo por área de aplicação. Na década de 60, utilizava-se uma média de 1200 gramas de inseticidas por hectare; essa média caiu para 69,5 em 1990.

O rigor provocado pela crítica ambientalista se refletiu nos laboratórios das multinacionais. Hoje, as avaliações toxicológicas e ecológicas consomem 40% dos seus investimentos em pesquisa. A cada 20 mil moléculas sintetizadas, apenas uma chega ao mercado, após 8 anos de análise. Belo crivo.

Um número fantástico atesta o avanço do setor: o Brasil recolhe 65% das embalagens vazias de agrotóxicos. Com apenas 4 anos de trabalho, ultrapassou de longe os EUA, onde apenas 25% das embalagens são retiradas do campo, mesmo índice da França. Na Alemanha, beira os 50%.

A legislação, aprovada em 2000, obriga os vendedores de agrotóxicos a receberem de volta as embalagens vazias. Agricultores, cooperativas, lojas de vendas e empresas fabricantes acertaram o passo e colocaram ordem na matéria. Funcionou.

Dos agricultores se exige a lavagem, por três vezes, com água limpa. Depois, os recipientes são encaminhados para os locais de entrega. Há, já, 100 centrais e 150 postos de recebimento espalhados pelo país. Devem reciclar 15 mil toneladas de embalagens em 2004, transformadas em tubos de fiação elétrica.

Elogiar multinacional, no Brasil, parece heresia. Entretanto, a zona rural deixou de ser empesteada graças à decidida atuação das grandes empresas, que criaram o Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias (impEV), apenas para tocar esse projeto. Cenas de horror desapareceram no campo. Não se vê mais donas-de-casa carregando água em baldes de venenos vazios.

Tanto quanto o plantio direto, técnica que revolucionou o cultivo nacional, o uso adequado de agrotóxicos representa uma grande evolução na produção rural. Os modernos pulverizadores nada se parecem com as antigas máquinas de aplicação, que deixavam escorrer a calda nociva no fígado dos trabalhadores.

Restam problemas, por certo. Especialmente em regiões mais atrasadas onde se pratica a olericultura ou a fruticultura, análises de sangue humano ainda detectam níveis intoleráveis de contaminação por agrotóxicos. Resíduos continuam sendo observados em frutas e legumes comercializados, indicando má agricultura. Falta poder público atuante para coibir o desleixo.

As mazelas, todavia, não impedem ressaltar o progresso verificado. Para quem enxerga o lado positivo das coisas, os ecologistas estão vencendo a parada. Talvez um dia, com a engenharia genética evoluindo, a agricultura se livre dos agrotóxicos. Pelo menos de sua peçonha.

Tudo se conquistou graças ao trabalho consciente de muitos profissionais, no setor público e nas empresas. Somente a indústria de agrotóxicos nacional emprega 1700 agrônomos. Um exército de gente capaz.

Pois bem. Na terça-feira, 12 de outubro, foi o dia das crianças. Os católicos reverenciam, ainda, a passagem de Nossa Senhora Aparecida. Poucos sabem, porém, que também se comemorou a data dos agrônomos. Essa história de sucesso é a melhor homenagem que se pode prestar aos técnicos, reconhecendo seu mérito.

Foram eles que impediram a primavera de silenciar.

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