Financiamento estudantil

Caixa é obrigada a aceitar inscrição de estudante no Fies

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13 de outubro de 2004, 20h19

A Caixa Econômica Federal está obrigada a aceitar a inscrição de uma aluna do curso de Enfermagem da faculdade Uninove no processo seletivo do Financiamento Estudantil (Fies). A determinação, válida até que seja julgado se houve indevida discriminação da estudante, é da juíza Louise Vilela Filgueiras Borer, do Juizado Especial Federal de São Paulo.

De acordo com o advogado Raimundo Audalécio Oliveira, Antonia Anaclecia Fama Oliveira inscreveu-se no Fies dentro do prazo estabelecido e teve o registro confirmado pelo Instituto Educacional (IES) três dias depois. No entanto, ao consultar o resultado do processo seletivo viu que a inscrição não “havia sido, sequer, processada”.

Na definição para “inscrição não processada” do benefício, diz Audalécio Oliveira, o Fies-Caixa relaciona os seguintes impeditivos: se o curso obtiver avaliação negativa no Provão (três conceitos D ou E consecutivos), inscrição não confirmada pelo IES e restrições regulamentares como ser beneficiário do antigo Creduc ou ter contrato ativo ou liquidado ao Fies.

Segundo o advogado, no entanto, a baixa nota do Provão não é culpa da estudante; a inscrição foi, sim, confirmada pelo IES; e Antonia nunca participou de outro programa de financiamento, já que é a primeira vez que é matriculada em um curso superior.

Leia a íntegra da inicial

EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ(A) DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL FEDERAL DA CAPITAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO.

“A justiça é qual uma Deusa

que somente aparece para

os que nela acreditam”

(Piero Calamandrei, Eles os Juízes, Vistos por um Advogado – Ed. Martins Fontes, 2000)

PEDIDO DE LIMINAR

ANTONIA ANACLECIA FAMA OLIVEIRA, brasileira, solteira, auxiliar de enfermagem, portadora da Cédula de Identidade RG nº 25.370.328-1- SSP/SP e CPF/MF nº 163.264.048-19, residente e domiciliada na Rua Dendezeiro nº 223 – Ermelino Matarazzo – São Paulo – SP – CEP: 03813-130 , por seu advogado infra-assinado (Doc. 1), vem, mui respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, propor a presente

AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER

COM PEDIDO DE LIMINAR

em face da:

CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CAIXA, instituição financeira pública, inscrita no CNPJ (MF) sob o nº 00.360.305/0235-89, sito à Praça da Sé, nº 111, – Centro, São Paulo, SP, CEP: 01001-001 (Doc. 2); pelos fundamentos fáticos e de direito abaixo expostos:

DOS FATOS, FUNDAMENTAÇÃO E DO DIREITO

I. Ab initio, é de se consignar, que o caso em epígrafe, trata-se de uma relação de consumo, artigos 2º e 3º ambos do Código de Defesa do Consumidor.

II. Nesse sentido o Colendo Superior Tribunal de Justiça, consolidou o tema em apreço, ao editar recentemente a Súmula nº 297 (DJU, de 09.09.2004, págs. 148/149):

“O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeira”

III. Também a título preliminar, é de se esclarecer, que a legitimação do pólo passivo, se extrai, uma vez que, é a ré – Caixa Econômica Federal – CAIXA, a instituição financeira e pública, que administra e concede o FIES – Financiamento Estudantil, conforme se confere pelos documentos acostados, que traz seu timbre e/ou nomeclatura.

IV. A requerente é matriculada regularmente no CURSO SUPERIOR DE ENFERMAGEM, período matutino, junto a UNINOVE – Centro Universitário Nove de Julho – SP, Campos Memorial da América Latina, mantida pela AENJ – Associação Educacional Nove de Julho, em para o 2º semestre de 2004, em 27 de maio de 2004, com o RA 904200108, conforme os inclusos documentos (Doc. 3).

V. A estudante-requerente, efetuou inscrição no FIES – FINANCIAMENTO ESTUDANTIL, em 29 de agosto de 2004, dentro do prazo estabelecido, via Internet, forma exclusiva de inscrição, obtendo o Código FIES 005.126.491. A inscrição foi confirmada, pela instituição educacional ora epigrafada, em 01/09/2004, conforme o incluso comprovante (Doc. 4).

VI. Ocorre que, em 01 de outubro do corrente, ao consultar o resultado do processo seletivo, também pela Internet, constatava-se, que a referida inscrição não havia sido, sequer, processada (Doc. 5).

VII. A legenda situacional do FIES-CAIXA, descreve o que significa: “Inscrição não processada” (Doc. 6), in verbis:

1. Curso com avaliação negativa (três conceitos consecutivos “D” ou “E”) no Exame Nacional de Cursos – PROVÃO;

2. Inscrição não confirmada pela Instituição de Ensino Superior – IES;

3. Outras restrições regulamentares (ser beneficiário do antigo CREDUC, ter contrato ativo ou liquidado do FIES, etc.)

VIII. Não se pode querer por em desvantagem a requerente, em virtude de situação que não é culpa sua, vale dizer, que no que tange aos itens: 2 e 3, não subsistem; uma vez que, conforme se verifica, a inscrição foi confirmada pela instituição de ensino (item 2), e em referência ao item 3, não há incidência, haja vista, que cursa pela primeira vez curso superior, tendo iniciado o curso no segundo semestre do corrente ano, portando, não se beneficiou e nunca teve qualquer benefício do FIES, diga-se, também, nem da Caixa.


IX. Pois, em caso de eventual aplicação do item 1, avaliação negativa conceitual no Provão (Exame Nacional de Cursos) da instituição de ensino ora em comento, para não processar a inscrição no referido processo seletivo, de longe não é culpa da estudante-requerente. Razão, mais uma vez, não há, em tão desiderato aplicado pela ré.

X. Daí porque, não há, qualquer razão plausível, para excluir do processo seletivo, muito menos, de negativa de processamento da requerente junto ao FIES.

XI. A propósito o Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078/90, amparou o consumidor-requerente, de tais abusos, se não vejamos:

“ Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:

(…)

III- a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem.

IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços.”

XII. Traduz de ilegalidade a referida atitude da ré, em não processar sua inscrição para fins de financiamento no FIES.

XIII. A presente pretensão encontra-se legalmente amparo no Código de Defesa e Proteção do Consumidor, como anteriormente exposto, norma congente, todavia, mesmo se tratasse de direitos e obrigações, na órbita do novo Código Civil, viável o pedido, certo que o art. 421 traz em seu bojo inovação a respeito da autonomia da vontade, introduzindo o princípio da socialidade, como limitação à liberdade contratual.

XIV. Ainda, nesse contexto, o art. 423 do mesmo Estatuto Civil, inovou, ainda, a matéria quanto ao contrato por adesão, sendo que as cláusulas ambíguas ou contraditórias deverão ser interpretadas de modo mais favorável ao aderente, resguardando-o, por estar numa situação menos vantajosa do que a do ofertante, a exemplo do que já dispunha, desde 1990, o art. 47 do Código do Consumidor.

XV. No que tange, as cláusulas iníquas e abusivas, está em legal amparo, consubstancia-se, em sentido especial, o art. 51, IV, combinado com o § 1º, III, e 4º do mesmo dispositivo, do estatuto consumerista (Lei nº 8.078/90), in verbis:

“ Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

(…)

IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

(…)

§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:

(…)

III – se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.

(…)

§ 4° É facultado, a qualquer consumidor ou entidade que o represente, requerer ao Ministério Público que ajuíze a competente ação para ser declarada a nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto neste Código, ou de qualquer forma não assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes. ”

XVI. Tudo, sob a ótica protetiva do consumidor, e com a coerência de propósito de tutela efetiva, os parágrafos 3º e 5º do artigo 84 do Código de Defesa do Consumidor, também oferecem exemplificação do exercício do poder geral de cautela do Juiz.

XVII. Cristalizado está, que, cabe ao Poder Judiciário, o exercício da jurisdição. A última e mais importante garantia de reconhecimento e satisfação dos direitos fundamentais. E a jurisdição não implica, apenas, o poder-dever de dizer o direito, mas, também e principalmente, o de fazer cumprir o decidido.

XVIII. É bem verdade que, o Poder Judiciário não pode deixar de lado a hierarquia das normas. À parte cabe a exposição dos fatos e ao juiz a sua definição jurídica e normativa. Porém o complexo de autorizações normativas, que se inicia na Constituição, passa pela Lei Complementar e chega à Lei ordinária. Decerto resoluções, portarias, não podem contrariar lei ordinária e muito menos norma constitucional.

XIX. O respeitável jurista, prof. Fábio Konder Comparato, in Direito Público, estudos e pareceres, Ed. Saraiva, 1996, p.139, comenta que:

“ Ora, dentre os princípios constitucionais específicos deve-se salientar, pela sua novidade, o da defesa do consumidor (…) o interprete, notadamente o Poder Judiciário, tem o dever constitucional de aplicar a legislação ordinária vigente – seja ela federal, estadual ou municipal – no sentido mais favorável à proteção do consumidor de bens e serviços, atendendo portanto, como se determina na Lei de Introdução ao Código Civil (art. 5º), aos fins sociais aos quais se destina a lei. Esse fim social de proteção ao consumidor, desde a promulgação da Constituição de 1988, passou a fazer parte das finalidades obrigatórias da ordem jurídica brasileira e deve ser posto em foco pelo aplicador da lei, ainda que esta seja obscura ou silente a respeito. De outro lado, o legislador fica também obrigado a dar cumprimento positivo a esse mandamento constitucional, editando as leis necessárias à sua implantação. A Constituição Federal, de resto, foi muito explícita nesse particular, pois determinou, no art. 48 de suas disposições transitórias, que o Congresso Nacional editasse um Código de Defesa do Consumidor, o que acabou sendo feito com a promulgação da Lei n. 8.708, de 11-9-1990. No que tange à eficácia negativa do princípio constitucional de defesa do consumidor, a despeito da generalidade de seu enunciado, ela se realiza pelo controle judicial da constitucionalidade das leis e atos do Poder Público. As finalidades desse juízo de constitucionalidade, no caso, residem no fato de que o julgador não se depara, como nas hipóteses clássicas, com simples contrariedades normativas quanto à competência ou a forma dos atos e, sim, com incompatibilidades de mérito entre a norma ordinária e o princípio constitucional. E essa incompatibilidade de mérito é representada pela não-conformidade dos efeitos sociais da norma ordinária com as finalidades ou o programa do princípio constitucional. O julgador é, portanto, obrigado a proceder a uma análise mais substancial, e menos formal, da lei ou ato administrativo cuja constitucionalidade está sendo discutida.”


DA MEDIDA LIMINAR

XX. Ademais, é evidente que em não ocorrendo a intervenção desse Juízo, o procedimento ilegal adotado pela ré evidentemente não cessará, e portanto além dos atos já cometidos, já requer que seja determinado liminarmente a que DETERMINE que a ré proceda o processamento da inscrição do fies-caixa da autora e em conseqüência o regular processo seletivo.

XXI. Estando comprovado a existência dos requisitos objetivos ditados pelo Código de Processo Civil, quais sejam, a presença do fumus boni iuris e do periculum in mora, deferida a medida liminar pleiteada, pondo imediato fim aos abusos cometidos contra o direito do consumidor, ora autor, prestados pela Ré, inequívocos estão:

FUMUS BONI IURIS

XXII. Decorre o fumus boni iuris, claramente, isto porque com a verossimilhança das alegações da requerente, e diante, da documentação e da própria legislação que a ampara.

XXIII. Também, nesse interregno, o fumus boni iuris, reside, na própria motivação do legislador ao inserir o art. 4º do CDC, que reconhece a vulnerabilidade do consumidor, bem como garante o fornecimento de produtos e serviços com padrões de qualidade, segurança e desempenho.

PERICULUM IN MORA

XXIV. Evidente está, tal requisito, uma vez que, é urgente a necessidade da jurisdicional, uma vez que, poderá trazer graves prejuízos à requerente, de ver processada e consequentemente a regular seleção para fins de concessão do referido financiamento. Além da necessidade de inibir, quanto antes, tal prática abusiva; bem como, o risco da demora, o que decorre para o trânsito em julgado da ação.

DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA

XXV. É cediço que, segundo a inteligência do Art. 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, INVERTER-SE-Á O ÔNUS DA PROVA, em favor do consumidor prejudicado:

“ Art. 6º – São direitos básicos do consumidor:

(…)

VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil …” (sic.)

XXVI. Desnecessário falar no presente caso da vulnerabilidade do consumidor uma vez que ela é legalmente reconhecida: art. 4º, inciso I do C.D.C.

DOS PEDIDOS

XXVII. Por todo o exposto, requer o Autor a Vossa Excelência:

A. A Concessão da LIMINAR, inaudita altera parte, a fim de determinar a ré que, in continenti, processe sua inscrição e consequentemente o regular processo seletivo do referido financiamento estudantil – FIES , sob pena de multa diária a ser estipulada.

B. A inversão do ônus da prova prevista no inciso III do art. 6º do C.D.C.

C. Que Declare, ex vi, do Código de Defesa e Proteção do Consumidor, a nulidade da cláusula contratual que condicione o processamento de inscrição confirmada pela Instituição, a situações que não representam culpa da aluno-requerenre e/ou a situações não amparada pelo codex consumerista e legislações aplicáveis ao caso.

D. Determinar a citação da ré, já qualificada, para, querendo, contestar, no prazo legal, sob pena de confissão e revelia.

E. Protesta por todos os meios de provas em direito admitidas, especialmente por depoimentos pessoais, pena de confesso, juntada de documentos.

F. Roga, outrossim, os benefícios da Justiça Gratuita, tendo em vista que o autor está impossibilitado de arcar com as despesas e custas processuais, sem prejuízo do sustento próprio e da família, nos termos das Leis nº 5.584/70 e 1.060/50, com a redação que lhe deu a Lei nº 7.510/86, conforme a inclusa Declaração (Doc. 7).

G. Como medida da mais lídima Justiça, ser a ação presente julgada totalmente procedente, tornando-se, assim, definitiva a liminar concedida, também, ser a ré condenada no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios à serem arbitrados.

Dar-se a causa o valor de R$ 1.000,00 (um mil reais), para fins de alçada.

Termos em que,

Pede-se e aguarda deferimento.

São Paulo, 06 de outubro de 2004

RAIMUNDO AUDALECIO OLIVEIRA

OAB/SP 179.031

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