Obrigação do INSS

Doméstica desempregada tem direito a salário-maternidade

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8 de outubro de 2004, 13h07

A exigência do INSS de que o salário-maternidade deve ser pago pela Previdência Social somente enquanto existir a relação de emprego é ilegal. A decisão é da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-SP).

A 62ª Vara do Trabalho de São Paulo condenou uma patroa ao pagamento do salário-maternidade de sua ex-empregada doméstica. A empregadora entrou Recurso Ordinário contra a sentença da Vara. Alegou que a decisão seria inconstitucional, que não há lei que obrigue o empregador a arcar com salário-maternidade de doméstica e que tal obrigação cabe ao INSS.

O juiz Sérgio Pinto Martins, relator do recurso, explicou que “a reclamante, por ser doméstica, não tem direito a garantia de emprego da gestante, mas faz jus ao salário-maternidade. São direitos diversos, que têm proteção diversa”.

O relator afirmou que o pagamento do benefício é regulado pelo artigo 97 do Regulamento da Previdência Social (Decreto nº 3.048, de 6/5/99), definindo que “o salário-maternidade da empregada será devido pela previdência social enquanto existir a relação de emprego”.

Para o juiz, não há previsão legal para essa exigência e não existe carência legal para a concessão de salário-maternidade para as seguradas empregada, trabalhadora avulsa e empregada doméstica (art. 26, VI, da Lei nº 8.213/91).

“O INSS, como órgão pertencente à Administração Pública da União, não pode se negar a conceder o benefício com base no regulamento, pois está adstrito ao princípio da legalidade (art. 37 da Constituição), devendo observar aquilo que a lei não proíbe ou não determina expressamente, que é a manutenção da condição de empregada para a concessão do benefício do salário-maternidade”, explicou o juiz.

O relator acatou recurso determinando a exclusão da condenação no pagamento do salário-maternidade na sentença da 62ª VT. Segundos o TRT paulista, a obrigação neste caso é do INSS. Se o entendimento for mantido, a doméstica terá de acionar o INSS para tentar receber o dinheiro. A decisão da 3ª Turma foi unânime.

Leia o voto

Processo nº 20030045040

62ª Vara do Trabalho de São Paulo

Recorrente: xxxxxxxxx

Recorrido: xxxxxxxxxxxxxxx

EMENTA

Salário-maternidade. Empregada doméstica.

Não é requisito para a percepção do salário-maternidade estar empregada. É condição para o recebimento do benefício apenas a manutenção da qualidade de segurada da trabalhadora. Exigência do regulamento de condição de emprego é ilegal, pois exorbita da previsão da Lei n.º 8.213.

RELATÓRIO

1. Interpõe recurso ordinário xxxxxxxxxxxx afirmando que a decisão é inconstitucional, por ferir o inciso II do artigo 5.º da Constituição. Afirma que é parte ilegítima para figurar no polo passivo da reclamação. A petição inicial é inepta. O ônus da prova era da reclamante.

Não há lei que determine o salário-maternidade.

É o relatório.

II- CONHECIMENTO

2. O recurso é tempestivo. Houve pagamento das custas e do depósito recursal, na forma legal (fls. 51/2). Conheço do recurso por estarem presentes os requisitos legais.

III- FUNDAMENTAÇÃO

VOTO

1. Inconstitucionalidade

3. Inexiste violação ao inciso II do artigo 5.º da Constituição, pois a matéria é de lei ordinária. Se houvesse, seria reflexa ou indireta e não direta.

No STF há julgamentos no mesmo sentido:

A petição de agravo regimental não demonstra a falta de fundamentação do acórdão recorrido. Por outro lado, é firme a jurisprudência da Corte no sentido de que a ofensa ao artigo 5.º, II, da Carta Magna, por demandar o exame prévio da legislação infraconstitucional, é alegação de violação indireta ou reflexa à Constituição, não dando margem, assim, ao cabimento do recurso extraordinário. Agravo a que se nega provimento” (STF, 1ª T, Ag 308990-MG, Rel. Min. Moreira Alves, j. 27.3.2001, DJ 18.5.01, p. 78).

Trabalhista. Acórdão que não admitiu recurso de revista, em razão da ausência de autenticação das peças do agravo. Alegada afronta ao artigo 5.º, II, XXXV, LIV e LV, da Constituição Federal.

Questão suscetível de ser apreciada senão por via da legislação infraconstitucional que fundamentou o acórdão, procedimento inviável em sede de recurso extraordinário, onde não cabe a aferição de ofensa reflexa e indireta à Carta Magna. Recurso não conhecido. (STF, 1ª T, RE 232731-DF, j.13.4.99, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 6.8.99, p. 50).

Recurso extraordinário: descabimento, quando fundado na alegação de ofensa reflexa à Constituição.

1. Tem-se violação reflexa à Constituição, quando o seu reconhecimento depende de rever a interpretação dada a norma ordinária pela decisão recorrida, caso em que a hierarquia infraconstitucional dessa última que define, para fins recursais, a natureza de questão federal.


2. Admitir o recurso extraordinário por ofensa reflexa ao princípio constitucional da legalidade seria transformar em questões constitucionais todas as controversas sobre a interpretação da lei ordinária, baralhando as competências repartidas entre o STF e os tribunais superiores e usurpando até a autoridade definitiva da Justiça dos Estados para a inteligência do direito local (STF, 1ª T., Ag Reg. em AG. de Instr., 134736-SP, j. 21.6.94, Rel.

Min.Sepúlveda Pertence, DJ 17.2.95, p. 2.747).

A reclamante, por ser doméstica, não tem direito a garantia de emprego da gestante, mas faz jus ao salário-maternidade. São direitos diversos, que têm proteção diversa.

Não há inconstitucionalidade a ser declarada. A matéria é de lei

ordininária.

2. Parte legítima

4. A reclamada é parte legítima para figurar no polo passivo da ação, pois era a empregadora da reclamante. O INSS não é parte no feito. Rejeito.

3. Inépcia

5. A inicial não é inepta, pois atende os requisitos do parágrafo 1.º do artigo 840 da CLT, tendo causa de pedir e pedido.

4. Ônus da prova

6. A reclamante não juntou certidão de nascimento da criança para fazer jus ao benefício, nem demonstrou que a ré tinha conhecimento de sua gravidez, de forma a obstar seu direito ao salário-maternidade. A demandada afirma que foi a reclamante quem se demitiu.

5. Salário-maternidade

7. Previa o artigo 95 do Regulamento da Lei dos Benefícios da Previdência Social, baixado pelo Decreto n.º 357, de 7 de dezembro de 1991, que “o salário-maternidade só será devido pela Previdência Social enquanto existir a relação de emprego, cabendo ao empregador, no caso de despedida sem justa causa, o ônus decorrente da dispensa”.

Prescrevia o artigo 95 do Regulamento dos Benefícios da Previdência, determinado pelo Decreto n.º 611, de 21 de julho de 1992, que “o salário- maternidade somente será devido pela Previdência Social enquanto existir a relação de emprego”.

Dispunha o artigo 95 do Regulamento dos Benefícios da Previdência Social, estabelecido Decreto n.º 2.172, de 5 de março de 1997, que “o salário-maternidade da empregada será devido pela Previdência Social enquanto existir a relação de emprego”.

Atualmente a matéria é regulada pelo artigo 97 do Regulamento da

Previdência Social, especificado pelo Decreto n.º 3.048, de 6 de maio de 1999, indicando que “o salário-maternidade da empregada será devido pela previdência social enquanto existir a relação de emprego”.

É sabido que o INSS, no âmbito administrativo, não paga o salário-maternidade se deixa de existir a relação de emprego. O fundamento é o artigo 97 do Decreto n.º 3.048/99.

Ocorre que não existe previsão legal para a determinação do artigo 97 do Regulamento da Previdência Social.

Independe de carência a concessão de salário-maternidade para as seguradas empregada, trabalhadora avulsa e empregada doméstica (art. 26, VI, da Lei n.º 8.213/91).

É mantida a qualidade de segurado até 12 meses após a cessação das contribuições, caso deixe de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração (art. 15, II, da Lei n.º 8.213).

A lei não dispõe que o salário-maternidade só é pago na vigência da relação de emprego. Logo, o decreto não pode dispor sobre o que a lei não prevê.

O decreto tem por objetivo esclarecer o conteúdo da lei, regulamentá-la. Entretanto, não tem o Brasil regulamento autônomo, mas apenas regulamento de execução da lei (art. 84, IV, da Constituição). Leciona Michel Temer que o conteúdo do regulamento é predeterminado pela lei.

Não pode, assim, exceder dos limites legais, sob pena de imediata

ilegalidade.

Afirma Hely Lopes Meirelles, citando Medeiros Silva, “que ‘a função do regulamento não é reproduzir, copiando-se, literalmente, os termos da lei. Seria um ato inútil se assim fosse entendido. Deve, ao contrário, evidenciar e tornar explícito tudo aquilo que a lei encerra. Assim, se uma faculdade ou atribuição está implícita no texto legal, o regulamento não exorbitará, se lhe der uma forma articulada e explícita’. Como ato inferior à lei, o regulamento não pode contrariá-la ou ir além do que ela permite. No que o regulamento infringe ou extravasa da lei é írrito e nulo. Quando o regulamento visa explicar a lei (regulamento de execução), terá de se cingir ao que a lei contém”. A função da norma administrativa é esclarecer o conteúdo da lei e não dispor sobre regra não descrita na lei.

Trata o artigo 71 da Lei n.º 8.213/91 sobre o salário-maternidade, mas não manda observar o regulamento, apenas “as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade…”.


Prevê o artigo 73 da Lei n.º 8.213 a concessão do salário-maternidade para pessoas que não são empregadas, como a trabalhadora autônoma e a segurada especial. Indica o artigo 72 da mesma lei que a trabalhadora avulsa também faz jus ao benefício. Logo, não é requisito para a percepção do salário-maternidade estar empregada. É condição para o recebimento do benefício apenas a manutenção da qualidade de segurada da trabalhadora.

O INSS, como órgão pertencente à Administração Pública da União, não pode se negar a conceder o benefício com base no regulamento, pois está adstrito ao princípio da legalidade (art. 37 da Constituição), devendo observar aquilo que a lei não proíbe ou não determina expressamente, que é a manutenção da condição de empregada para a concessão do benefício do salário-maternidade.

Existe jurisprudência entendendo ilegal a exigência de estar a segurada empregada para a concessão do salário-maternidade:

Doméstica- Salário-maternidade. Responsabilidade pelo pagamento.

Como dispõe o art. 7.º parágrafo único, da CF/88, à categoria dos empregados domésticos não foi assegurado o direito à estabilidade preconizada pelo art. 10, II, b do ADCT. Mesmo se resilido o pacto em período coincidente com aquele reservado à percepção do salário-maternidade, pertencendo a responsabilidade do pagamento dessa vantagem à autarquia previdenciária (art. 71, da Lei n.º 8.213/91), nada há que se demandar em face da ex-empregadora. (TRT 10ª R, RO 4.471/99- 3ª T, Rel. Juiz Douglas Alencar Rodrigues, DJU 3.3.2000)

EMPREGADA DOMÉSTICA. SALÁRIO MATERNIDADE. RESCISÃO DO CONTRATO. RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO. É ilegal (art. da Lei n.º 8.3213/91) e inconstitucional (art. 5.º, II) a exigência contida no art. 95 do Decreto n.º 2.172/97, que regulamentou a Lei n.º 8.213/91, no sentido de que o contrato de trabalho da empregada doméstica esteja em vigor para ensejar a percepção de salário-maternidade.

Os decretos, espécie normativa estranha ao processo legislativo previsto na Carta da República (art. 59), não se prestar a erigir regras de comportamento abstratas e genéricas, mas apenas a regular a atuação do ente público responsável pela aplicação e fiscalização do cumprimento da lei (CF, art. 84, IV). Nessa situação, e inexistindo prazo de carência ou outra condição para a fruição do salário-maternidade (art. 27 da Lei n.º 8.213/91); art. 7.º XVIII, da CF), a não obtenção da benesse previdenciária autoriza e justifica o acesso ao Poder Judiciário (CF, art. 5.º, XXXV), na esfera federal comum (CF, art. 109, I), para a reparação do dano patrimonial sofrido. (Recurso conhecido e desprovido) (TRT 10ª R, ROPS 229/2001, Rel. Juiz Douglas Alencar Rodrigues).

Dou provimento ao recurso para determinar a exclusão da sentença da condenação no pagamento do salário-maternidade.

IV- DISPOSITIVO

8. Pelo exposto, conheço do recurso, por atendidos os pressupostos legais, e, no mérito, dou-lhe provimento para excluir da condenação o pagamento do salário-maternidade. Fica mantido o valor da condenação. É o meu voto.

Sergio Pinto Martins

Juiz relator

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