Boa-fé

Dispensa de bancários grevistas põe em risco direito de greve

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8 de outubro de 2004, 18h03

A greve é um direito individual exercido coletivamente, conforme se pode inferir dos artigos 9º da Constituição e 1º da Lei de Greve. Individual, porque pertence a cada trabalhador, de forma distinta, incumbindo-lhe decidir sobre o seu exercício; o seu exercício é coletivo, já que a greve deve ser feita através do sindicato da respectiva categoria profissional (artigo 4º da Lei de Greve).

Conforme a idéia de “paz social”, constitui abuso do direito, a realização de greve durante a vigência de uma convenção coletiva de trabalho (artigo 14 da Lei de Greve). No entanto, a greve é plenamente justificável durante o período de negociação tendente a celebração da convenção coletiva. A greve, na verdade, é a única arma legítima que os empregados possuem para alcançar benefícios sociais importantes, forçando o empregador a negociar. E a greve só alcança seu objetivo se consegue causar incômodos ou prejuízos ao empregador, de forma com que faça que este negocie as reivindicações dos trabalhadores.

Note-se, por outro lado, que a greve deve causar prejuízo apenas aos empregadores, mas não à sociedade. Por isto, a Lei de Greve elencou, taxativamente, as atividades consideradas essenciais, de forma que, apenas em relação a estas, “os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados de comum acordo, a garantir durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade”. (artigo 11).

De acordo com a definição legal, exceto o serviço de compensação bancária, o trabalho desenvolvido pelos bancários não é essencial à comunidade. Observa-se, portanto, que a greve dos bancários, deflagrada em razão da negociação que objetivava a celebração de convenção coletiva com vigência a partir de 1º de setembro de 2004 é perfeitamente legítima e legal. Se ela causa prejuízo aos Bancos, faz parte do jogo democrático, cujo fundamento está na Constituição da República.

À sociedade incumbe reconhecer o exercício deste direito aos bancários, criando mecanismos que permitam a vivência harmônica durante o período da greve.

Necessária, ainda, uma vigilância constante após o término da greve, seja qual for o seu resultado, para que se evitem dispensas que visem a punir empregados que tenham participado da greve, pois estas violariam o princípio da boa-fé objetiva, prevista no artigo 422 do Código Civil.

De fato. Tendo em vista a idéia de que empregado e empregador devem agir com lealdade, um para com o outro, durante a relação empregatícia, caracterizar-se-ia abuso do direito de despedir, a instituição financeira que dispensasse o empregado após o término da greve. Ou seja, o Banco que despede o empregado, tão-somente por este ter participado da greve, age de forma desleal, pois não respeita o exercício de um direito previsto na Constituição, e que todos os membros da sociedade devem observar.

Como, na maioria das vezes, não é possível descobrir a motivação do empregador que dispensa o empregado sem justa causa, nos meses que se seguirem o término da greve dos bancários, a sociedade (em especial os bancários, Bancos, sindicatos, DRT, Ministério Público do Trabalho, e Justiça do Trabalho) deverá estar alerta para que sejam coibidas dispensas que visarem a discriminar os bancários grevistas. Do contrário, é o próprio direito de greve que estará em risco, como também o seu fundamento, que é o Estado Democrático de Direito. Para isto, conveniente e democrático que se exija dos Bancos a motivação de cada dispensa, sob pena de reparação pecuniária pela dispensa discriminatória.

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