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Troca de arquivos de músicas na Internet chegou para ficar

Autor

  • Nehemias Gueiros Jr

    é advogado especializado em Direito Autoral Show Business e Internet professor da Fundação Getúlio Vargas-RJ e da Escola Superior de Advocacia — ESA-OAB/RJ consultor de Direito Autoral da ConJur membro da Ordem dos Advogados dos Estados Unidos e da Federação Interamericana dos Advogados – Washington D.C. e do escritório Nelson Schver Advogados no Rio de Janeiro.

3 de outubro de 2004, 17h01

No dia 22 de junho passado, a RIAA (Recording Industry Association of América), entidade que congrega as gravadoras americanas, comemorou o processo número 3.000 ajuizado contra pessoas e empresas que estariam “baixando” arquivos musicais da Internet sem pagar os direitos autorais aos produtores fonográficos, ou seja, as próprias gravadoras. Segundo a RIAA, a prática de troca de arquivos é diretamente responsável pela queda da venda de CDs entre os anos de 2000 e 2003.

O que não foi lembrado, é que a economia americana mergulhou numa pequena recessão após os fatídicos atentados de 11 de setembro de 2001, fato que pode ser comprovado pela queda similar na performance de diversas outras indústrias nesse mesmo período. É importante analisarmos com um pouco mais de vagar e isenção todos esses fatos envolvendo a polêmica questão do download de arquivos musicais.

Existem dois outros segmentos competindo diretamente com a música e que também são facilmente encontráveis – e baixáveis – através da Internet: vídeo games e DVDs. E ambos os segmentos, que são baixados tranquilamente da Web, continuam vendendo muito bem obrigado no mercado físico. Além disso, no primeiro trimestre/2004 as vendas de CDs convencionais cresceram 11% nos Estados Unidos, em relação ao mesmo período do ano anterior, o que certamente a RIAA irá trombetear como sendo o resultado de sua agressiva movimentação judicial contra a troca de arquivos.

Comparando-se o crescimento dos dois setores, tanto o de venda comum de CDs (com acréscimo de 11%) como o de troca de arquivos (com 5 milhões de pessoas a mais), pode-se verificar que enquanto o número de pessoas trocando arquivos na Internet cresceu, a venda de CDs também cresceu, o que pode demonstrar que a atividade de troca de arquivos não lá esse efeito tão devastador sobre a venda convencional de música. Um estudo do Prof. Felix Oberholzer-Gee, da Universidade de Harvard, na Costa Leste americana indicou que “a troca de arquivos musicais não gera efeitos mensuráveis sobre a venda de CDs”.

O que estamos assistindo com a beligerância da RIAA nos EUA, na realidade, é uma intolerância em enxergar o óbvio ululante: a troca de arquivos chegou para ficar e quem não se adaptar vai ficar para trás. Os usuários e internautas já se acostumaram com essa forma de consumir música e letras e cada vez mais artistas e intérpretes acreditam que ela auxilia na divulgação de suas criações intelectuais, numa época em que o acesso à programação das emissoras de rádio é substancialmente restrito, principalmente para os estreantes. É somente da troca de arquivos que poderá surgir uma solução jurídico-econômica para esse impasse.

Quem sabe na forma de uma licença genérica (blanket license), similar à que há anos já é empregada pelas emissoras de rádio e de TV a cabo para utilização de material protegido? Um sistema similar pode nortear o futuro da normatização da prática da troca de arquivos, que afinal irá mesmo migrar para o cotidiano das nossas vidas como todas as tecnologias que a precederam.

Não é necessário reinventar a roda para alcançar um denominador comum jurídico que permita a todos os titulares de direitos e interessados verem seus objetivos atingidos. Diversos advogados, juristas e especialistas vêm se debruçando sobre essa questão, inclusive a rumorosa EFF (Electronic Frontier Foundation), uma organização sem fins lucrativos dedicada à proteção das liberdades individuais na Era Digital.

Considerando que as indústrias do cinema, dos vídeo-games e do software continuam a crescer normalmente e os eventuais danos causados à indústria musical pela troca de arquivos são discutíveis, a implantação de valores adicionais de cobrança para satisfazer os direitos autorais pode ser uma saída, sem precisar atingir patamares exorbitantes.

Segundo estudos da EFF, poder-se-ia juntar cerca de US$ 3 bilhões num fundo adicional, que é mais ou menos o que a indústria fonográfica alega estar perdendo anualmente com o file-sharing em todo o mundo, a partir de uma taxa fixa mensal de R$ 5.00 (cinco dólares dos Estados Unidos) cobrada dos usuários. Esta taxa poderia vir embutida, por exemplo, nas mensalidades dos provedores de Internet e seria semelhante ao fee pago por uma TV a cabo como a Net.

Em vez de substituir o business model da indústria fonográfica, a idéia é complementá-lo, criando uma receita nova, mas regular e estável para fazer frente aos direitos autorais gerados pela utilização econômica dos fonogramas musicais em escala global. Claro que outros problemas acessórios surgiriam, tipo quem administraria o dinheiro, de que forma seria liquidado, a conversão para as moedas de outros países etc., mas, afinal, na década de 60, quando foi pela primeira vez proposto o sistema de TV a cabo, a indústria da TV aberta ficou perplexa e tudo parecia uma grande fantasia, que hoje é realidade em qualquer favela carioca.

Efetivamente não será fácil costurar um acordo que satisfaça a todas as partes envolvidas, mormente se considerarmos os milhões de pessoas que neste exato instante em que você está lendo este artigo estão “baixando” músicas de graça da Rede, mas não fazer nada ou simplesmente criar novas leis penais por força da pressão da indústria fonográfica seria tão somente incrementar a criminalização de milhões de pessoas diariamente.

O admirável mundo novo da Internet precisa apenas de um pouco mais de estudo, uma abordagem nova, que não exclua nem a tecnologia, nem o comércio e nem o Direito, para não correr o risco de invadir outras áreas jurídicas, como a privacidade, o direito ao desfrute de todas as tecnologias criadas pelo engenho humano e a liberdade de escolha. Compartilhe a música, mas seja consciente e lembre-se dos direitos autorais de terceiros embutidos nas obras musicais que encantam a sua vida. O download com finalidade lucrativa é crime.

Autores

  • é advogado especializado em Direito Autoral, Show Business e Internet, professor da Fundação Getúlio Vargas-RJ e da Escola Superior de Advocacia — ESA-OAB/RJ , consultor de Direito Autoral da ConJur, membro da Ordem dos Advogados dos Estados Unidos e da Federação Interamericana dos Advogados – Washington D.C. e do escritório Nelson Schver Advogados no Rio de Janeiro.

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