Cenário fiscal

É melhor uma guerra santa que uma reforma dos infernos

Autor

2 de outubro de 2004, 14h38

Muitas críticas têm sido feitas à chamada “guerra fiscal”, sob a alegação de que ela promove incentivos fiscais legalmente não permitidos, favorece algumas empresas em prejuízo de outras e acaba prejudicando a arrecadação tributária.

Parece-nos, contudo, que quem critica tal “guerra” ainda não teve tempo de ver os benefícios reais que podem decorrer de toda e qualquer iniciativa que possibilite uma redução de tributos, ainda que temporária.

O conceito de “guerra fiscal” não se aplica apenas às políticas de criação de incentivos tributários pelos Estados. Há instrumentos municipais criados pela imaginação de muitos prefeitos, no âmbito do ISS — Imposto sobre Serviços — que também já mereceram tal nome.

Pode-se definir “guerra fiscal” como o conjunto de benefícios ou incentivos de natureza financeira ou tributária, criados pelo poder público para incentivar, estimular ou premiar empresas que venham a se instalar, permanecer ou ampliar suas atividades em seus territórios.

Os benefícios concedidos podem ser de ordem financeira, como a participação societária, a doação de terrenos, a realização de obras de infra-estrutura, etc., ou de natureza tributária, como isenções totais ou parciais de tributos, ampliação de prazos de recolhimento, regimes especiais de tributação ou fiscalização, etc.

A principal crítica que alguns governadores fazem à “guerra fiscal” baseia-se na suposta perda de postos de trabalho. O Governador de São Paulo, por exemplo, disse recentemente que incentivos concedidos por outros Estados poderiam significar uma perda de 8 bilhões de reais na arrecadação paulista, além de ter eliminado um grande número de empregos na região metropolitana da Grande São Paulo.

Embora seja compreensível a preocupação do executivo com a suposta perda de arrecadação e com a alegada diminuição de empregos, há outros fatores a serem considerados nessa questão, pois não se pode olhar para a árvore perdendo a visão da floresta…

A perda de arrecadação, neste caso, não é absoluta, mas relativa. Sustenta-se que caiu a percentagem da participação paulista no volume de ICMS cobrado nos últimos dez anos. Isso, na verdade, não resulta da “diminuição” de São Paulo, mas sim do crescimento de outros Estados.

Não estou falando de teorias, teses ou suposições, mas conheço os fatos e vou mencioná-los. Não citarei nomes, mas tenho-os à disposição dos interessados.

Uma fábrica de eletrodomésticos de médio porte, que tinha sede em Itapevi, desejava aumentar sua produção, mas foi impedida de ampliar sua fábrica neste Estado face a restrições ambientais. Mudou-se para o Estado do Ceará, com incentivos no caso restritos a doação de terreno e infra-estrutura. Teoricamente, São Paulo perdeu 200 empregos e alguma arrecadação. Os empregos foram compensados em curto prazo, pois no local onde estava a fábrica foi instalado outro empreendimento, ligado ao ramo de serviços de logística, onde trabalham hoje 300 pessoas. Houve, pois, aumento de 50% no número de empregos. A arrecadação em nada diminuiu, pois a maior parte da produção é exportada, portanto isenta do ICMS mesmo quando estava a indústria neste Estado. Por outro lado, o Ceará ganhou muito, lá tendo sido criados novos empregos, o que é muito positivo até para São Paulo, que deixa de ser o destino de migrantes sem trabalho.

Em outro caso, uma conhecida fábrica de ferramentas, que também exporta, mudou-se de Santo André para Minas Gerais. Na sua antiga e obsoleta fábrica paulista foram extintos cerca de 100 empregos, mas naquele mesmo local hoje funciona um moderno “shopping center”, que emprega quase 1.000 pessoas, aliás com melhores salários. A região melhorou muito com a saída da fábrica, em todos os sentidos, inclusive do ponto de vista urbanístico.

Quem pensa que tirar fábricas de São Paulo significa apenas uma perda, está vendo a árvore e ignorando a floresta…A vocação das grandes metrópoles neste século é a prestação de serviços, a educação, a cultura, o entretenimento, não as indústrias…

Na questão municipal o cenário não é muito diferente. Cabe aqui o registro de que a migração eventual de prestadores de serviços é uma tendência natural neste século, onde os avanços da tecnologia reduzem distâncias e permitem, por exemplo, que um jornalista consiga residir até em outro país e prestar serviços a um veículo de comunicação brasileiro. Isso ocorre com várias profissões que não exigem a presença física do prestador de serviços, cujas atividades são exercidas através de instrumentos da informática, da tecnologia digital e de outros modernos sistemas de trabalho que ignoram fronteiras, barreiras físicas e principalmente as ridículas posturas de governantes que ainda estão na Idade Média.

No caso do ISS a postura equivocada de inúmeros prefeitos acabou por empurrar muitos contribuintes ou para a total informalidade ou para o território onde outros alcaides conseguiam ver a “floresta”.

Não tem sentido que se continue tributando serviços a uma alíquota de 5%, que só podia prevalecer há trinta anos atrás, quando a fúria arrecadatoria dos ensandecidos do planalto ainda não havia criado a COFINS , a CSSL e o PIS que, somados, representam outros 5% sobre a mesma base de cálculo. Esse aumento brutal da carga tributária sobre os serviços passou a exigir dos contribuintes que se refugiassem nas cidades onde o prefeito conseguiu reduzir o imposto. E esses pequenos municípios, que até então eram apenas dormitórios, passaram a ter escritórios, que atraíram novas construções, que atraíram moradores, comércio, etc.

Nos exemplos aqui citados não houve redução de empregos. Houve substituição e até aumento em alguns casos. A queda de arrecadação ainda não foi suficientemente demonstrada e, se existir, que cuide o executivo de reduzir seus gastos.

A “guerra fiscal” , ao viabilizar o crescimento de outras unidades da Federação, ao incentivar o desenvolvimento de municípios pequenos e mesmo ao fazer com que no lugar onde havia fábricas poluidoras surgissem empreendimentos modernos, melhorou a qualidade vida em várias regiões do Brasil onde antes o sonho de nossos irmãos era vir para trabalhar em São Paulo. Mas como muitos desses sonhos viraram pesadelos, o crescimento que tivemos gerou mais problemas que riqueza, como é o caso das favelas, por exemplo.

Nenhum governador tem o direito de imaginar que apenas o seu Estado é Brasil. O crescimento do nosso país precisa ser harmônico, sem que se perpetuem os bolsões de miséria que ainda existem por aí. São Paulo não pode ser egoísta e imaginar que será sempre a ridícula “locomotiva” condenada a arrastar eternamente velhos vagões vazios…

A tal “unificação” da legislação do ICMS, a pretexto de combater a “guerra fiscal”, pode se transformar numa enorme aberração jurídica, comprometendo o princípio federativo e talvez condenando o Brasil a ser para sempre uma terra de desigualdades.

Os Estados e Municípios precisam ter o direito de aprovar as suas próprias leis conforme o que for mais conveniente para seu povo. E isso significa poder conceder, respeitados os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal, todos os incentivos fiscais que entender convenientes e adequados para seu progresso.

Esse discurso de “igualdade tributária” ou “igualdade legislativa” só terá sentido quando não existirem mais as diferenças regionais que temos hoje no campo da economia, da saúde, da educação, etc.

Não fossem os incentivos fiscais, o Amazonas não seria brasileiro atualmente, Goiás e Mato Grosso ainda seriam apenas remotas terras indígenas e muitas regiões deste imenso país iriam se despovoando aos poucos, transformando as grandes cidades paulistas em favelas absolutas.

A “guerra fiscal”, portanto, é uma guerra santa e o projeto de unificação da legislação do ICMS, que está sendo preparado de forma sorrateira por tecnocratas fazendários, sem adequada discussão pela sociedade, pode se tornar uma série de regras confiscatórias, onde, a pretexto de combater incentivos fiscais, estaremos combatendo apenas o progresso do País!

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!