Causas e conseqüências

MP quer que servidores da Justiça indenizem por dias parados

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1 de outubro de 2004, 20h18

O Ministério Público de São Paulo quer que os servidores do Poder Judiciário paulista se abstenham de “promover divulgar, incentivar, coordenar, deflagrar, comandar ou executar greve” sem antes “garantir a prestação do serviço público de forma adequada”. Na Ação Civil Pública, ajuizada nesta sexta-feira (1º/8), os promotores pedem que seja aplicada multa diária de R$ 100 mil em caso de descumprimento da determinação.

Assinada pelos promotores de Justiça do Consumidor, Gilberto Nonaka e Deborah Pierri, a petição, apesar de reconhecer o direito dos funcionários de greve, requer que os grevistas sejam condenados a indenizar os danos causados a todos os usuários dos serviços do Judiciário. Isso porque eles não garantiram a devida prestação jurisdicional durante os 91 dias em que ficaram parados.

Pede, ainda, que eles sejam condenados ao pagamento de indenização de R$ 50 mil por dia de paralisação, valor que deve ser acrescido de juros legais e correção monetária, desde a data da citação. Os valores, se concedidos, devem ir para o Fundo de Reparação de Interesses Difusos.

Leia íntegra do pedido

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTRO JUIZ DE DIREITO DA ____VARA CÍVEL DA COMARCA DA CAPITAL.

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, pelos Promotores de Justiça infrafirmados, vem, perante Vossa Excelência, com fundamento nos artigos 127 e 129, III da Constituição Federal, arts. 1º, IV , 3º e 5º da Lei 7.347/85, arts. 81 e 82 do Código de Defesa do Consumidor, art. 81 do Código de Processo Civil, entre outros, ajuizar a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, com pedido liminar, em face das seguintes entidades:

ASSEJT ASSOCIAÇÃO DOS SERVIDORES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, pessoa jurídica com sede na Rua Tabatinguera, 68, Centro, São Paulo/SP, CEP: 01020-000;

AASPTJSP ASSOCIAÇÃO DAS ASSISTENTES SOCIAIS E PSICÓLOGOS DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, pessoa jurídica com sede na Rua Barão de Itapetininga, 125, 2º andar, conjunto 21, Centro, São Paulo/SP, CEP: 01042-001;

AOJESP ASSOCIAÇÃO DOS OFICIAIS DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, pessoa jurídica com sede na Rua Tabatinguera, 93, 22º andar, Centro, São Paulo/SP, CEP:01020-001;

ASJCOESP ASSOCIAÇÃO DOS SERVENTUÁRIOS DA JUSTIÇA E CARTÓRIOS OFICIALIZADOS, pessoa jurídica com sede na Praça da Liberdade, 130, 3° andar, Liberdade, São Paulo/SP, CEP:01572-900;

SINDICATO UNIÃO DOS SERVIDORES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, pessoa jurídica com sede na Rua do Carmo, 44, 3° andar, Sé, São Paulo/SP, CEP:01019-020;

FENASJ FEDERAÇÃO NACIONAL DOS SERVIDORES DO PODER JUDICIÁRIO DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL, pessoa jurídica com sede na Rua Tabatinguera, 68, Centro, São Paulo/SP, CEP:01020-000;

ASSOJURIS ASSOCIAÇÃO DOS SERVIDORES DO PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE SÃO PAULO, pessoa jurídica com sede na Rua Álvares Cabral, 1336, Ribeirão Preto/SP, CEP:14010-080;

AFITAC ASSOCIAÇÃO DOS FUNCIONÁRIOS DO 1º TRIBUNAL DE ALÇADA CIVIL, pessoa jurídica com sede na Rua Boa Vista, 84, sobreloja A, CEP:01014-000;

AFSTAC ASSOCIAÇÃO DOS FUNCIONÁRIOS DO 2º TRIBUNAL DE ALÇADA CIVIL, pessoa jurídica com sede na Praça João Mendes, 18º andar, sala 1844, São Paulo/SP, CEP: 01511-010;

AFFIF – ASSOCIAÇÃO FAMÍLIA FORENSE DE ITAPETININGA, pessoa jurídica com sede em Itapetininga, na Rua José Soares Hungria nº 641, Jardim Mesquita, CEP 18213-490;

APATEJ – ASSOCIAÇÃO PAULISTA DOS TÉCNICOS JUDICIÁRIOS, pessoa jurídica com sede em Osasco, na Avenida das Flores nº 579, 2º andar, Jardim das Flores, CEP 06110-100;

AECOESP – ASSOCIAÇÃO DOS ESCREVENTES DOS CARTÓRIOS OFICIALIZADOS DO ESTADO DE SÃO PAULO, pessoa jurídica com sede nesta capital, na Praça da Sé nº 96, 2º andar, centro, CEP 01001-001;

ASSOJUBS – ASSOCIAÇÃO DOS FUNCIONÁRIOS DO PODER JUDICIÁRIO DA BAIXADA SANTISTA E LITORAL SUL, pessoa jurídica com sede na cidade de Santos, na Avenida São Francisco nº 261, sala 01, CEP 11013-203;

AFPJB – BAURU – ASSOCIAÇÃO DOS FUNCIONÁRIOS DO PODER JUDICIÁRIO DE BAURU, pessoa jurídica com sede na cidade de Bauru, na Rua Olavo Bilac, 4026, Bela Vista, CEP 17530-454;

ASSERJUS – ASSOCIAÇÃO DOS SERVIDORES DA JUSTIÇA DE TATUI, com sede na cidade Tatuí, na Av. Cônego João Clímaco, 460, Jardim Santa Helena, CEP 18270-540; e

AJESF – ASSOCIAÇÃO DOS SERVIDORES DA JUSTIÇA DE FRANCA, com sede na cidade de Franca, na Avenida Dr. Ismael Alonso Y Alonso, 2301, bairro São José, CEP 14400-770, pelos motivos de fato e de direito que seguem.

I – DOS FATOS:

Os servidores do Poder Judiciário, na data de 27 de setembro de 2004, depois de 91 (noventa e um) dias de greve, resolveram retornar ao trabalho, isto após deixarem aproximadamente 12.000.000 (doze milhões) de processos amontoados, 450.000 (quatrocentos e cinqüenta mil) audiências suspensas e 1.200.000 (um milhão e duzentas mil) novas ações paralisadas. (1)

Segundo a imprensa, pressionados pelos próprios familiares, que temiam “a onda de holerites zerados” e o risco de demissão por abandono de emprego, os servidores aceitaram os 14% (quatorze por cento) de reajuste oferecidos pelo Tribunal de Justiça, muito embora a reivindicação, no início da paralisação, que se deu em 29 de junho de 2004, era de reposição salarial de 39% (trinta e nove por cento).

Não se discute, nesta ação coletiva, o direito de greve, que é consagrado constitucionalmente. E nem se afirma que os servidores do Poder Judiciário não possam exercer tal direito, pelo simples fato de não haver sido regulamentado, pois foi consagrado pela Constituição Federal há mais de 16 (dezesseis) anos.

Isto porque, a inércia do Poder Legislativo, e também do Poder Judiciário (2), não podem prejudicar o direito de greve de que são titulares os servidores públicos, aliás, garantia fundamental esta que representa o pleno exercício do Estado Democrático de Direito.

Mas o exercício do direito de greve pelos servidores do Poder Judiciário, ainda não regulamentado, não pode prejudicar os direitos individuais e coletivos garantidos à sociedade, notadamente àquela parcela que necessita da prestação jurisdicional.

É que a sociedade possui o direito de obter a prestação dos serviços públicos em geral de maneira contínua, adequada e eficaz.

Com a greve dos servidores do Poder Judiciário, desencadeada em 29 de junho de 2004 e encerrada na data de 27 de setembro de 2004, como restou demonstrado, inúmeros processos não tramitaram ou, sequer, foram distribuídos, além de milhares de audiências que não foram realizadas. (3)

Isto demonstra que os réus, desencadeando e comandando a greve dos servidores do Poder Judiciário, por 91 (noventa e um) dias, extrapolaram, pois não garantiram um serviço público prestado de forma adequada e eficaz, vindo a prejudicar inúmeras pessoas.

Os próprios demandados acabaram informando à imprensa, quando a greve dos servidores da Justiça Paulista completava 87 dias, que: “a categoria rejeitou os 14,58% de reajuste salarial, feita pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Os servidores pedem 26,39% de reajuste. De acordo com o comando de greve, cerca de 75% (setenta e cinco por cento) dos 43 mil trabalhadores estão parados em todo o Estado”.

Isto demonstra que, propositadamente, o serviço público essencial desenvolvido pelo Poder Judiciário acabou prejudicado, por responsabilidade daqueles que comandavam a greve dos servidores.

Segundo levantamento da OAB-SP, a Justiça parou todos os trabalhos em 16 cidades, entre elas, grandes fóruns, como o de Ribeirão Preto. E a paralisação do Judiciário causa problemas para pessoas que estão sem receber indenizações, ou pensões alimentícias, negócios que não foram fechados por falta de certidões. Ela informa, também, que 1.500 presos que cumpriram pena também não foram libertados.

Em entrevista dada ao jornal “O Estado de São Paulo” (4), o juiz de Direito e Diretor do Fórum João Mendes Júnior , Dr. Irineu Fava afirmou que “quando não havia greve, eram realizadas, em média, até sete audiências por dia, em cada vara, e que “a greve prejudicou a todos, indistintamente”, sendo que “a grande prejudicada com esse movimento é a população”.


Como observou o editorial do jornal “O Estado de São Paulo” , “com os cartórios fechados, os processos não tramitam, novas ações não podem ser protocoladas e audiências agendadas há meses simplesmente são canceladas. Com isso, crianças e idosos ficam sem receber pensões alimentícias, presos com direito ao regime semi-aberto têm de continuar em prisões de segurança máxima, inquilinos inadimplentes passam a se locupletar à custa dos proprietários, empresas ficam impossibilitadas de promover alterações societárias e o setor imobiliário não consegue formalizar negócios, por falta de certidões negativas. Até as mais elementares garantias fundamentais, como concessão de habeas corpus são atingidas pela paralisia dos serviços judiciais”.

Houve uma inequívoca afronta ao princípio da continuidade da prestação do serviço público de distribuição de Justiça, que é verdadeiramente essencial para a sociedade.

Note-se, de outro lado, que a Constituição Federal assegurou a “tripartição do poder”, afirmando no art. 2° que “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

Comentando tal dispositivo, afirma Alexandre de Moraes que:

“a Constituição Federal, visando, principalmente, evitar o arbítrio e o desrespeito aos direitos fundamentais do homem, previu a existência dos Poderes do Estado (CF, arts. 44 a 126), bem como da instituição do Ministério Público (CF, arts. 127 a 130), independentes e harmônicos entre si, repartindo entre eles as funções estatais para que bem pudessem exercê-las, bem como criando mecanismos de controles recíprocos, sempre como garantia da perpetuidade do Estado Democrático de Direito”.

 

Tanto isso é verdade que o Ministro Edson Vidigal, DD. Presidente do E. Superior Tribunal de Justiça, durante inauguração do pavilhão do pátio do Tribunal, afirmou que “em São Paulo, há quase 90 (noventa) dias, a democracia não se realiza, a República está ferida, o Estado está capenga, o governo está incompleto. É o caso de intervenção federal para garantir o livre funcionamento de um dos Poderes”. (5)

 

É bem verdade que o autor coletivo possui entendimento diverso no tocante à intervenção federal no Estado de São Paulo, mas é certo, porém, que a greve desencadeada de forma abusiva acabou por afrontar o Estado Democrático de Direito, tornando a divisão do poder incompleta, pois prejudicou a distribuição de Justiça.

O Ministro Edson Vidigal afirmou, ainda, ao jornal “O Estado de São Paulo” (6) que fez a advertência para lembrar à cúpula do Judiciário de São Paulo que o setor público tem o dever de ser previdente. Ao mesmo tempo, juntou à sua advertência a indignação popular, porque a população se sentia prejudicada e sem defesa. Para ele, um setor essencial como o Judiciário não poderia ficar sujeito ao que decidem ou não os grevistas. “Estabeleceu-se o caos, o movimento paralisou o setor imobiliário, as finanças públicas, o sistema prisional, deixou de conceder habeas corpus ou ordem de prisão”.

Destarte, restou demonstrado que os réus, desencadeando, insuflando e comandando a greve dos servidores do Poder Judiciário, acabaram abusando do direito constitucional garantido, vindo a prejudicar e causar danos materiais e morais à sociedade.

Oportuno observar, por fim, que também o exercício profissional restou prejudicado, pois a classe dos Advogados, indispensável à administração da Justiça (CF, art. 133), acabou prejudicada pela paralisação dos trabalhos forenses.

E note-se que tais profissionais, os Advogados, que apenas pretendiam garantir o exercício da profissão, ao se insurgirem contra a greve, pedindo “a volta da Justiça”, em ato público de livre exercício da manifestação de pensamento, também garantido constitucionalmente, isto em 27 de setembro de 2004, acabaram sendo achincalhados e ameaçados no sentido de que, nos balcões dos cartórios, os servidores iriam “dificultar ao máximo a vida deles”. (7)

Assim sendo, não há dúvida de que a greve proporcionada e comandada pelos demandados causou prejuízos à população e a todos aqueles que necessitavam de uma prestação jurisdicional.

II – DA LEGITMIDADE ATIVA:

O Ministério Público se legitima à presente ação civil pública, pois dentre as suas missões constitucionais está a de ajuizar ação civil pública para a defesa de todo e qualquer interesse difuso e coletivo (CF, art. 129, III).

Não fosse isso bastante, revela anotar-se que também ao Ministério Público é dada a legitimação para defesa da ordem jurídica e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127).

Nessa ordem de idéias, temos então que a presente ação civil pública colima assegurar e defender os interesses difusos dos titulares do direito de acesso aos serviços judiciais, impedidos que foram, por quase três meses, em razão de atos ilegais e imoderados dos réus.

É sabido que a noção de interesse difuso é extraída do Código de Defesa do Consumidor, pois tomados como aqueles interesses transindividuais, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias fáticas (CDC, art. 81, I).

Na mesma linha de raciocínio leve-se em conta que dentre os interesses individuais indisponíveis está o direito fundamental de acesso à justiça (CF, art. 5º, XXV).

Não custa ressaltar que dentre os direitos dos cidadãos está o de receber da Administração Pública os serviços de modo eficiente e contínuo, consoante se conclui na conjugação dos artigos 37 da Constituição Federal e 22 do Código de Defesa do Consumidor.

Por fim, temos que os artigos 1º, IV e 5º, caput da Lei 7.347/85 legitimam o Ministério Público ao ajuizamento de ação de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados em decorrência de violação de interesses difusos e coletivos.

III – DA LEGITMIDADE PASSIVA:

A legitimidade passiva dos réus decorre da sua responsabilização pelos danos morais e patrimoniais decorrentes dos seus atos especialmente pela paralisação abusiva dos serviços prestados pelo Poder Judiciário.

Revela anotar que a solidariedade passiva entre os réus decorre da conjugação dos artigos 21 da Lei 7.347/85 e o próprio Código de Defesa do Consumidor.

Todos os réus, indistintamente, incentivaram os serventuários da justiça a aderirem movimento grevista ilícito, extrapolando do seu direito enquanto entidades associativas, que dentre as várias atribuições está a de proporcionar a melhoria da condição de seus associados, evidentemente sem que isso implique em abuso do direito (CC, art. 187).

Com efeito, embora se reconheça a garantia do direito de greve, a própria Constituição Federal impõe limites e responsabilidade pelos abusos cometidos.

Isso porque, se a ordem jurídica reconhece um direito subjetivo, também espera de seus titulares a observância da finalidade social existente em todo direito, pois é isso que assegura a própria vida em sociedade.

Lembra o consagrado autor:

“Assim, toda vez, que na ordem jurídica o indivíduo no exercício do seu direito subjetivo excede os limites impostos pelo direito positivo, aí compreendido não só o texto legal mas também as normas éticas que coexistem em todo sistema jurídico, ou toda vez que o indivíduo no exercício do seu direito subjetivo o realiza de forma contrária à finalidade social, verifica-se o abuso do direito. Com raízes profundas no direito romano, em que muitos viram as suas primitivas formas, a teoria encontrou suas primeiras aplicações no direito de propriedade, cujo uso e gozo limitou, invadiu o direito das obrigações, e dominou mesmo o contrato, em que o absolutismo proclamava que era este lei entre as partes; passou ao direito do trabalho, regulando as greves e o lock-out; influenciou no direito administrativo o exercício do poder; e hoje não é estranha sequer ao direito internacional. Compreende-se bem o instituto quando considera que o direito subjetivo, poder de agir, é, na sua realização normal o uso, e na sua realização anormal, o abuso.” (8)


Apenas para finalizar, a responsabilidade decorre de ato próprio, pois a despeito das contínuas assembléias terem deliberado pelo continuísmo do movimento paredista, os réus olvidando-se das responsabilidades inerentes às entidades associativas, insuflaram a atitude dos servidores a permanecerem no movimento, agindo com excesso, que outros setores essenciais não poderiam, porquanto regulados pela Lei 7.783 de 28 de junho de 1989.

Aliás, o fato do direito de greve dos servidores públicos ainda não estar regulada por lei específica, não faculta às entidades associativas a cometerem abusos, especialmente o de impedir o acesso à justiça de toda a população do Estado de São Paulo e por isso devem ser responsabilizados.(9)

Leve-se em conta que a atitude dos réus causou danos a um número considerável de pessoas, advogados, partes, presos com alvarás de solturas expedidos e não cumpridos, credores de alimentos, empresas que deixaram de formalizar negócios por falta de acesso a certidões necessárias. Enfim, um pool de interessados que foram afetados individualmente pelos danos causados cujos prejuízos deverão ser apurados individualmente, mas precedida da necessária condenação genérica a que se refere o artigo 95 do Código e Defesa do Consumidor.

Além disso, a responsabilidade dos réus vai além dos prejuízos patrimoniais ou extrapatrimoniais sofridos individualmente, mas alcança igualmente a necessidade de indenização pelo dano moral difuso.

 

IV – DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS:

A Constituição Federal, para a atividade privada, assegura o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e os interesses que devam por meio dele defender (art. 9º, caput).

Ressalta, porém, a Carta Política, que a lei infraconstitucional é que definirá os serviços ou atividades essenciais, dispondo sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

Nesse particular, a greve nas atividades privadas consideradas como essenciais, cuja definição encontra-se no bojo da Lei 7.783/89 não é direito amplo e irrestrito, mas ao contrário sofre as limitações definidas no artigo 11 do referido Estatuto.

Sobre isso calha a seguinte decisão, dada em ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Estado de São Paulo em face do Sindicato dos Motoristas e Trabalhadores do ramo de Transportes Urbanos Rodoviários e Anexos de São Paulo e Grande São Paulo, cuja ementa assim foi definida:

“Responde o Sindicato da Categoria por danos coletivos decorrentes da abusividade da greve que planeja e comanda, em prejuízo da qualidade de vida da população urbana (arts. 5º, V e X, da Constituição Federal; 159 do Código Civil; 6º, VI, da Lei 8078/90 e 1º da Lei 7347/85), como ocorre em movimento paredista de surpresa e que bloqueia totalmente o serviço de transporte público, intranqüilizando os moradores com a nocividade de congestionamento do tráfego – recurso provido (em parte) apenas para reduzir “quantum” indenizatório”. (10)

Com relação ao servidor público, a Carta Magna, em seu inc. VII, do art. 37 (com a redação que lhe foi dada pela Emenda Constitucional nº 19/1998) estabeleceu que a o direito de greve deveria ser exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica.

Destarte, não há dúvida de que o Legislador Constituinte assegurou o direito de greve ao servidor público. Ocorre que a lei específica, de que trata a Constituição Federal, ainda não foi editada.

E diante dessa situação, a jurisprudência vem entendendo que o inc. VII do art. 37 da Constituição Federal não é auto-aplicável, acabando por negar o referido direito subjetivo de greve, utilizando-se dos mandados de injunção impetrados apenas para “apontar a mora e recomendar ao legislativo que a supra”. (11)

O E. Supremo Tribunal Federal decidiu que;

“o preceito constitucional que reconheceu o direito de greve ao servidor público civil constitui norma de eficácia meramente limitada, desprovida, em conseqüência, de auto-aplicabilidade, razão pela qual, para atuar plenamente, depende da edição da lei complementar exigida pelo próprio texto da Constituição. A mera outorga constitucional do direito de greve ao servidor público civil não basta – ante a ausência de auto-aplicabilidade da norma constante do art. 37, VII, da Constituição – para justificar o seu imediato exercício. O exercício do direito público subjetivo de greve outorgado aos servidores civis só se revelará possível depois da edição da lei complementar reclamada pela Carta Política. A lei complementar referida – que vai definir os termos e os limites do exercício do direito de greve no serviço público – constitui requisito de aplicabilidade e de operatividade da norma inscrita no art. 37, VII, do texto constitucional. Essa situação de lacuna técnica, precisamente por inviabilizar o exercício do direito de greve, justifica a utilização e o deferimento do mandado de injunção. A inércia estatal configura-se, objetivamente, quando o exercício e irrazoável retardamento na efetivação legislativa – não obstante a ausência, na Constituição, de prazo prefixado para a edição da necessária norma regulamentadora – vem a comprometer e a nulificar a situação subjetiva de vantagem criada pelo texto constitucional em favor dos seus beneficiários”

É bem verdade que a Emenda Constitucional alterou o inc. VII, do art. 37, da CF, que passou a exigir apenas lei ordinária específica. Mas nem esta foi editada.

Assim sendo, a greve nos servidores públicos, assim como tantos outros dispositivos constitucionais, clamam a existência jurídica (v.g a “erradicação da pobreza e da marginalidade” (art. 3°, inc. III), o limite dos juros (art.192, § 3º etc).

Embora saibamos que a greve em serviço público essencial tem sido considerada ilegal por falta de lei específica, como anotado: “No tocante ao exercício do direito de greve, a jurisprudência firmou-se no sentido de não ser auto-aplicável, principalmente nos chamados serviços essenciais, inscritos no art. 37, VII, da Constituição Federal, dependendo, para o seu amplo exercício, de regulamentação, disciplinada em Lei. Dessa forma, entende-se a legitimidade do ato da administração pública que promove o desconto dos dias não trabalhados pelos servidores públicos-grevistas.”(12)

Nesta demanda, partimos do pressuposto de que o direito subjetivo de greve possa ser exercido, uma vez que já se encontra consagrado na Constituição Federal há mais de 16 (dezesseis) anos.

Ocorre que o exercício do direito de greve deve se dar sem afrontar direitos, principalmente os coletivos, consagrados em normas constitucionais ou infraconstitucionais.

Desta forma, tal exercício não pode implicar na afronta a direitos como o de manifestação do pensamento (CF, art. 5°, inc. IV), locomoção (CF, art. 5°, inc. XV), propriedade (CF, art. 5°, inc. XXIII), de defesa do consumidor de serviços públicos (CF, art. 5°, inc. XXXII) etc.

Também não pode afrontar o direito que possui o consumidor de obter “a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral” (Código de defesa do consumidor, art. 6°, inc. IX).

E por se tratar de um serviço público essencial, como ficou assentado no tópico anterior, este deve ser prestado de forma contínua, consoante dispõe o caput do art. 22 do Código consumerista.

Como os réus, ao planejarem, desencadearem e comandarem a greve dos servidores do Poder Judiciário, não observaram as disposições legais mencionadas, vindo a prejudicar inúmeras pessoas que necessitavam da Justiça, deverão ser obrigados a indenizarem os danos morais e materiais causados.

Note-se que o Código de defesa do consumidor, depois de afirmar que “os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos” (caput do art. 22), consagra que “nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista no próprio Código” (parágrafo único do art. 22).


Sobre a continuidade dos serviços públicos enquanto essenciais discorre a doutrina:

“Desde o preâmbulo da CF de 1988 a justiça é posta como um dos valores a que a sociedade almeja. Contudo, para que se chegue a esse Princípio-valor é necessário que se ponha a funcionar toda uma estrutura, um Poder para que se aplique as normas impregnadas de justiça aos conflitos de interesse, que in caso é o Poder Judiciário. Sem a jurisdição não há solução seguro de litígios, e sem esta, não há harmonia e ordem entre os homens. Portanto, a administração da justiça deve ser contínua, pois com ela está a estabilidade das relações sociais e de toda uma Ordem Jurídica. (…) Inclui-se neste contexto da Administração da Justiça os órgãos jurisdicionais, os magistrados e serventuários da justiça, ou seja todos os protagonistas que oficiam para o andar dos processos judiciais. Portanto, a administração da justiça é outro serviço que se qualifica como essencial e que logo não poderá sofrer interrupção sob pena de haver abalos na Ordem Social e Jurídica ”. (13)

Assim, sob esses fundamentos é que se formulam os pedidos, especialmente o de obrigar os responsáveis a indenizarem pelos danos difusos causados.

 

VI – DOS DANOS MORAIS DIFUSOS E AÇÃO CIVIL PÚBLICA COMO INSTRUMENTO DE REPARAÇÃO

 

A responsabilização pelo dano moral já é mais do que aceita em nosso país, tanto mais porque, o Código Civil no seu artigo 186 afasta qualquer dúvida sobre a sua possibilidade em casos de práticas de atos ilícitos. (14)

Na mesma trilha também está o art. 187 ao tratar do abuso de direito, plenamente aplicável ao presente caso, pois os réus excederam-se no seu direito de greve, olvidando-se dos fins sociais inerentes aos serviços de cunho essenciais.

De fato, o cabimento de indenização por dano moral cada vez mais vem sendo aceito pela doutrina e jurisprudência.(15)

Na verdade, quando se comenta sobre dano moral necessariamente implica na lesão que afeta o patrimônio moral do indivíduo ou da coletividade, isto é, o conjunto de bens não patrimoniais ou patrimônio ideal.

A ocorrência da lesão enseja a necessidade de indenização, ou para o retorno do “status quo ante”, ou na sua impossibilidade a alternativa é a compensação na forma de pagamento de indenização em pecúnia.

Se o dano moral é reparável, necessário dizer que é possível à aplicação dessa premissa na seara dos interesses difusos e coletivos.

Vale lembrar, que a proteção dos valores morais não se restringe aos valores morais individuais de pessoas perfeitamente identificadas, pois outros entes também merecem tal reparação (pessoas jurídicas, comunidades etc).(16)

Aliás, convém traçar analogicamente o disposto no CDC (art. 6º , VI), que dentre os direitos básicos prevê a reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.

É preciso que se compreenda que o dano moral não é exclusivamente aquele que gera desconforto psíquico às pessoas individualmente consideradas, mas também as lesões provocadas na coletividade.

Sobre isso, confiram-se as lições de André Ramos:

“As lesões aos interesses difusos e coletivos não somente geram danos materiais, mas também podem gerar danos morais. O ponto-chave para a aceitação do chamado dano moral coletivo está na ampliação de seu conceito, deixando de ser o dano moral um equivalente da dor psíquica, que seria exclusividade de pessoas físicas. Como esclarece Gabriel Stiglitz, devemos ter em mente a ampliación del ámbito de actuación del dano moral, hacia una concepción no restringida a la idea de sufrimiento o dolor espiritual, sino extensiva a toda modificación disvaliosa del espíritu” .

O abalo no patrimônio moral da coletividade também merece a proteção, pois sofre o sentimento de desapreço e de perda de valores essenciais, o que afeta a sociedade como um todo.

Carlos Alberto Bittar Filho discorrendo sobre o dano moral coletivo alude que a expressão significa lesão ao patrimônio valorativo de certa comunidade maior ou menor (negros, índios, homossexuais, nação), idealmente considerada, que tenha sido agredida de maneira injustificável sob o ponto de vista jurídico.(17)

A injusta ação perpetrada pelos réus contra a sociedade brasileira configura-se agressão transindividual, afetando a crença na eficácia da proteção legal de seus direitos fundamentais, provocando intranqüilidade no cidadão, fazendo-o acreditar que a lei da selva é a que dita as normas de convivência.(18)

Se os danos dessa natureza são indivisíveis, a lesão moral coletiva deve ser reparada de modo coletivo, para que os indivíduos e as instituições sérias desse país grandioso não percam a credibilidade de que as leis devem ser fielmente cumpridas e para que não se instale o caos social, gerado e estimulado pelos réus.

Os réus visando unicamente os benefícios econômicos diretos e indiretos, ainda que se considere legítima a reivindicação de melhoria salarial, agiram com abuso; pois olvidaram-se de que se inserem nos quadros da Administração da Justiça cuja continuidade é fator fundamental em regimes democráticos.

 

Cumpre frisar, por oportuno, que os danos foram impingidos a número indeterminado de pessoas, vez que, não somente afetaram as economias dos advogados, mas, principalmente milhares de jurisdicionados.

São essas coletividades de interessados, difusamente considerados, que merecem a justa indenização pelo espanto e pela dolorosa sensação de que as Instituições democráticas possam ser reféns de um grupo de servidores.

Sobre o dano moral leciona Carlos Alberto Bittar Filho: “O dano moral, portanto, é o resultado de golpe desfechado contra a esfera psíquica e moral, em se tratando de pessoa física. A agressão fere a pessoa no mundo interior do psiquismo, traduzindo-se por reações desagradáveis, desconfortáveis ou constrangedoras, bem como trazendo à tona o fato de que o homem é dividido em corpo e espírito…” (19)

Segundo o mesmo autor: “Com supedâneo, assim, em todos os argumentos tratados, chega-se à conclusão de que o dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico: quer isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura em seu aspecto imaterial. Tal como se dá na seara do dano moral individual, aqui também não há que se cogitar de prova de culpa, devendo-se responsabilizar o agente pelo simples fato da violação.” (20)

Pode-se aduzir que a doutrina acima citada é perfeitamente aplicável ao caso em tela.

Não resta dúvidas de que a coletividade foi atingida como um todo, contornada pela lesão aos interesses difusos e coletivos, e essa mesma coletividade espera e aguarda a justa reparação.

Vejamos novamente as palavras de André de Carvalho Ramos:

“Devemos ainda considerar que o tratamento transindividual aos chamados interesses difusos e coletivos origina-se justamente da importância destes interesses e da necessidade de uma efetiva tutela jurídica. Ora, tal importância somente reforça a necessidade de aceitação do dano moral coletivo, já que a dor psíquica que alicerçou a teoria do dano moral individual acaba cedendo lugar, no caso de dano moral coletivo, a um sentimento de desapreço e de perda de valores essenciais que afetam negativamente toda uma coletividade.” (21)

E ainda:

“Tal intranqüilidade e sentimento de desapreço gerados pelos danos coletivos, justamente por serem indivisíveis, acarreta lesão moral que também deve ser reparada coletivamente. Ou será que alguém duvida que o cidadão brasileiro, a cada notícia de lesão a seus direitos, não se vê desprestigiado e ofendido no seu sentimento de pertencer a uma comunidade séria, onde as leis são cumpridas? A expressão o Brasil é assim mesmo deveria sensibilizar todos os operadores do Direito sobre a urgência na reparação do dano moral coletivo.” (22)


Se a seara é de dano aos interesses difusos e coletivos, sem dúvida que a reparação deve ser feita pelo instrumento posto à disposição da coletividade, consoante se vê (art. 1º da Lei 7.347/85). (23)

Releve-se ainda o CDC que também contempla essa indenização (arts. 5º, inciso V e 6º, incisos VI e VII).

Com efeito, o reconhecimento do dano moral difuso implicará na sua destinação ao Fundo de Reparação de Interesses Difusos a que se refere o artigo 13 da Lei 7.347/85.

VI – DO PEDIDO LIMINAR

As notícias publicadas na grande imprensa revelam que, mesmo após longa e penosa paralisação dos serviços da administração da justiça, ao contrário do esperado, os réus anunciam que a greve se encontra apenas suspensa, prometendo retomá-la caso os dias parados sejam objeto de desconto.

Vejamos o teor de algumas reportagens:

“A greve foi suspensa anteontem, após os servidores aceitarem um reajuste de 14% e o desconto dos dias parados por meio de crédito (férias e licença prêmio). A paralisação poderá ser restabelecida, disse Curumba, caso o TJ abra sindicância ou faça desconto em hollerits”. (24)

“Apesar do retorno ao trabalho, os servidores mantêm o estado de greve. Segundo a Associação dos Servidores do Tribunal de Justiça (ASSETJ). Se os dias parados forem descontados no próximo pagamento, dia 06 de outubro, a paralisação poderá ser retomada”. (26)

Isto acarreta intranqüilidade para a sociedade, que necessita dos serviços a serem prestados pelo Poder Judiciário. E além disso, inviabiliza a tripartição do Poder, garantida pela Constituição Federal.

No caso vertente, encontram-se presentes o “fumus boni juris” e o “periculum in mora”.

Com efeito, não há dúvida quanto à presença do fumus boni juris, que ficou cabalmente demonstrado com o fato dos réus terem promovido e comandado a paralisação da administração da Justiça por 91 (noventa e um) dias, olvidando-se sobre a essencialidade dos serviços prestados.

Está patente, ainda, o fundado receio de que, após o trânsito em julgado, venha a tornar-se ineficaz a tutela jurisdicional pretendida (periculum in mora), uma vez que os réus, flagrantemente conclamam os servidores a permanecerem em estado de greve, com a ameaça de que, caso os vencimentos do próximo dia 06 de outubro de 2004, sofram redução dos “dias parados”, retornarão ao estado de greve.

 

De outro lado, a demora no julgamento definitivo desta ação, sem a liminar, representará danos incalculáveis para os usuários dos serviços prestados pelo Poder Judiciário, deixando-os indefesos com atos violadores de seus direitos.

Logo, plenamente demonstrado o risco da demora.

Destarte, presentes o “fumus boni juris” e o “periculum in mora”, para a concessão da liminar.

O art. 12 da Lei nº 7.347/85 – Lei da Ação Civil Pública – dispõe que ”poderá o juiz conceder liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo”, o que pode ser feito nos próprios autos da ação (RJTJESP 113/312 – Cf. Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor, anotado por THEOTONIO NEGRÃO, Nota 1ª ao artigo em tela, 26ª ed., p. 697).

Também o Código de Defesa do Consumidor assegura que “sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu” (art. 84, § 3º).

Vale lembrar, neste passo, que em se tratando de lesão a direitos coletivos lato sensu, mais importante do que reparar é prevenir o dano, porquanto dificilmente os fatos poderão ser revertidos, inteiramente, ao “status quo ante”.

E como ficou demonstrado, é público e notório que os réus apenas suspenderam o estado de greve, que poderá ser retomada, de forma abusiva, voltando a causar prejuízos à população.

Note-se que os supostos “descontos” dos dias parados poderiam ser questionados pela via adequada, não necessitando submeter a sociedade a nova paralisação.

E apenas a imposição de multa, impedindo tal conduta, é que acabará por garantir o direito dos usuários dos serviços prestados pelo Judiciário.

 

Assim sendo, necessária a concessão de liminar, inaudita altera parte, para que seja determinado aos réus que se abstenham de retomar a greve, sem antes garantir e assegurar a prestação dos serviços judiciais de forma adequada, eficiente, segura e contínua (CDC, art. 6º, inc. X e art. 22, caput).

 

VII – DOS PEDIDOS FINAIS

Diante do exposto, o autor requer:

1) a concessão de MEDIDA LIMINAR, “inaudita altera parte”, nos termos do art. 12 da Lei nº 7.347/85, a fim de que os réus se abstenham de promover, divulgar, incentivar, coordenar, deflagrar, comandar ou executar greve de servidores do Poder Judiciário, seja qual for o motivo, sem antes garantir e assegurar a prestação do serviço público de forma adequada, eficiente, segura e contínua (CDC, art. 6º, inc. X e art. 22, caput), sob pena do pagamento de multa diária no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), sujeito à correção, a ser recolhida ao Fundo Especial de Despesa de Reparação de Interesses Difusos Lesados, previsto no art. 13 da Lei nº 7.347/85 e regulamentado pela Lei Estadual nº 6.536/89, sem prejuízo de execução específica da mesma obrigação e crime de desobediência;

2) seja determinada a publicação do edital a que alude o art. 94 do Código de Defesa do Consumidor, a fim de que os interessados possam intervir no feito como litisconsortes;

3) seja determinada a citação dos réus, na pessoa de seus representantes legais, pelo correio, a fim de que, advertidos da sujeição aos efeitos da revelia, a teor do artigo 285, última parte, do Código de Processo Civil, apresente, querendo, resposta ao pedido ora deduzido, no prazo de 15 (quinze) dias;

4) seja a presente ação julgada procedente, tornando-se definitiva a medida liminar e proferindo-se sentença em desfavor dos réus, a fim de que:

4.1) sejam condenados a se absterem de promover, divulgar, incentivar, coordenar, deflagrar, comandar ou executar greve de servidores do Poder Judiciário, seja qual for o motivo, sem antes garantir e assegurar a prestação do serviço público de forma adequada, eficiente, segura e contínua (CDC, art. 6º, inc. X e art. 22, caput), sob pena do pagamento de multa diária no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), sujeito à correção, a ser recolhida ao Fundo referido, sem prejuízo de execução específica da mesma obrigação e crime de desobediência;

4.2) sejam condenados, ainda, genericamente, na forma do art. 95 do Código de Defesa do Consumidor, a indenizar os danos causados a todos os usuários dos serviços prestados pelo Poder Judiciário, que suportaram prejuízo em razão da greve;

4.3) sejam condenados, igualmente, pelos danos morais difusos causados, que se requer sejam fixados em R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) por dia de paralisação, acrescidos de juros legais e correção monetária, desde a citação, cujo valor obtido deverá ser recolhido ao Fundo Especial já mencionado, sem prejuízo de execução específica da mesma obrigação e crime de desobediência;

5) sejam os réus compelidos a publicarem, após o trânsito em julgado, a r. sentença condenatória, para o conhecimento geral, em jornais de grande circulação, como o “Estado de São Paulo” e a “Folha de São Paulo”;

Requer também:

6) a condenação dos réus ao pagamento das custas processuais;

7) a dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros encargos, desde logo, a teor do artigo 18 da Lei nº 7.347/85 e do artigo 87 da Lei nº 8.078/90;

8) sejam as intimações do autor feitas pessoalmente, mediante entrega dos autos, com vista, na Promotoria de Justiça do Consumidor, situada na Rua Riachuelo nº 115, 1º andar, São Paulo/SP, em face do disposto no artigo 236, § 2º, do Código de Processo Civil, e no artigo 224, inciso XI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo).


9) Requer, por fim, sejam oficiados aos Presidentes do E. Tribunal de Justiça do Estado e da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção São Paulo, solicitando informar quais foram as entidades que comandaram a greve, bem como aquelas que participaram das negociações visando sua continuidade ou suspensão.

Protesta provar o alegado por todos os meios de prova admitidos em direito, especialmente pela produção de prova testemunhal e pericial e, caso necessário, pela juntada de documentos e por tudo o mais que se fizer necessário e indispensável à cabal demonstração dos fatos articulados na presente inicial, bem ainda pelo benefício previsto no art. 6º, inc. VIII, do Código de Defesa do Consumidor, no que tange à inversão do ônus da prova, em favor da coletividade de consumidores substituída pelo autor.

Acompanha esta petição inicial cópia de jornais e notícias sobre o desenvolvimento da greve.

Dá à causa, para fins de alçada, o valor de R$ 250.000,00 (duzentos e cinqüenta mil reais).

Termos em que,

pede deferimento.

 

São Paulo, 1 de outubro de 2004.

GILBERTO NONAKA

= PROMOTOR DE JUSTIÇA DO CONSUMIDOR =

– designado –

DEBORAH PIERRI

2ª. PROMOTORA DE JUSTIÇA DO CONSUMIDOR

(1) Notícia de capa do jornal “O Estado de São Paulo”, de 28 de setembro de 2004, que possui a seguinte manchete: “Acaba a maior greve do Judiciário de SP”.

(2) A Constituição Federal, em seu art. 5°, inc. LXXI, consagra o MANDADO DE INJUNÇÃO como o instrumento democrático que qualquer pessoa, brasileira ou estrangeira, residente ou não no país, possui para garantir o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, sempre que houver a falta de norma regulamentadora.

(3) O balanço dos danos produzidos pela atitude dos réus pode ser tirado do seguinte levantamento: “Essa foi a maior paralisação da história do Judiciário. O saldo da greve não foi contabilizado, mas estima-se que cerca de 12 milhões de processos ficaram parados, 400 mil audiências não foram feitas, perto de 600 mil sentenças não foram registradas e 1,2 milhão de novos feitos deixaram de ser distribuídos” (cf. Noticias.uol.com.br/ultnot/2004/09/27/ult23u115.jhtm.)

(4) Edição de 24 de setembro de 2004, página A10.

(5) Edição de 25 de setembro de 2004, página A3.

(6) Constituição do Brasil interpretada. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2ª edição, 2003, p. 137.

(7) Publicado no jornal “Folha de São Paulo”, na edição de 21 de setembro de 2004, página A4.

(8) Edição de 23 de setembro de 2004, página A4.

(9) Reportagem publicada no jornal “Folha de São Paulo” na data de 28 de setembro de 2004, página A4, com o título: “Greve pára, mas servidores vão fazer ´operação padrão´”.

(10) José Olímpio de Castro Filho, Abuso do Direito no Processo Civil, Forense, 2ª ed., p 21/2.

(11) Lembra Amauri Mascaro Nascimento: “Do Código Civil resulta a figura da indenização por perdas e danos, utilizável nos casos de abuso de direito ou ilegalidade da greve, executável no juízo competente e da mesma forma que os demais pleitos dessa natureza, figurando como réu aquele que tiver dado causa ao dano, o sindicato, comissão dos trabalhadores, um trabalhador ou até mesmo, cabível o litisconsórcio passivo.” (cf. Direito Sindical, p. 456, 2ª ed., 1991 e Comentários à Lei de Greve, p. 170/180, Ed. Ltr, 1991.

(12) Apelação Cível nº 083.250-4/2, 3ª CDPTJ São Paulo, Relator Ênio Santarelli Zuliani, j. 24/8/99.

(13) No Mandado de Injunção n° 586-5/RJ, Rel. Min. Nelson Jobim, publicado no DJ de agosto de 1998, Seção I, página 13, decidiu o E. STF que “o Supremo Tribunal Federal não pode obrigar o legislativo a legislar, mas apontar a mora e recomendar que a supra. Também não pode assegurar ao impetrante o exercício do direito de greve, porquanto esse exercício está a depender de lei Complementar que lhe estabeleça os termos e limites”.

(14) (STF, Pleno, Mandado de Injunção n° 20, Rel. Min. Celso de Mello, publicado no Diário da Justiça de 22 de novembro de 1996, Seção I, página 45.690).

(15) Alexandre de Moraes, Direito Constitucional, Atlas, p. 331, 12ª ed. Confiram-se ainda: STJ – 6ª. T; Rec. Em MS no. 4.538-SC; Rel. Min. W. Patterson, j. 19.9.95, DJU 27/11/95, p. 40.927; STF – 2ª. T, Rextr. 208.278-3/RS, Rel. Min. Carlos Velloso, D.JU 13/10/97, p. 51.487. entre outros

(16) Amadeu dos Anjos Vidonho Júnior e outro. Da continuidade dos serviços públicos essenciais, www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2505

(17) Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda exclusivamente moral, comete ato ilícito.

(18) "Há cabimento de indenização a título de dano Moral, não sendo exigida a comprovação do prejuízo" (STF, RT 614/236); c) “00040 – INDENIZAÇÃO – Dano moral. Reparação que independe da existência de seqüelas somáticas. Inteligência do art. 5º, V, da CF e da Súmula. 37 do STJ. Ante o texto constitucional novo é indenizável o dano moral, sem que tenha a norma (art. 5º, V) condicionado a reparação à existência de seqüelas somáticas. Dano moral é moral.” (1º TACSP – EI 522.690/8-1 – 2º Gr. Cs. – Rel. Juiz Octaviano Santos Lobo – J. 23.06.1994) (RT 712/170). E ainda Súmula 37 do STJ

(19) Confira-se a decisão: Ap. Civ, n. 5.943/94, 2a Câm., TJRJ, por maioria, relator designado Des. Sérgio Cavalieri Filho, in Rev. Dir. TJRJ, n. 26, 1996, Degrau Cultural, p. 225-231.

(20) STIGLITZ, Gabriel A., Dano moral individual e colectivo.- medio-ambiente, consumidor y danosidad colectiva, in Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, Revista dos Tribunais, jul.-set./96

(21) Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro. RDC, vol.12.

(22) “A condenação imposta é mais de efeito moral do que ideologia financeira com correspondente em prejuízo palpável e calculado. O que se objetiva com a compensação, além da chamada consciência pela irresponsabilidade do ato ilícito em cadeia que atormentou a vida de milhões de pessoas, com reflexo econômicos incalculáveis, é o afastamento da noção de impunidade que paira como um perigo para a idéia de cidadania. (….) Ocorre sim lesão de interesses individuais homogêneos, com dano injusto incontestável. O prejuízo é social porque composto de fragmentos da nocividade individual que se soltaram e que somente se fundem em um todo impessoal. A impunidade constitui apologia para a desordem em detrimento da massa indefesa, que sem resposta do Estado-juiz perde a esperança de participar de uma sociedade justa com controle efetivo. Existe base legal para a condenação (arts.5º, V e X, da Constituição Federal; 159 do Código Civil; 6º., VI , da Lei 8.078/90 e 1º da Lei 7.347/85) Cf. Acórdão Ap. C. 083.250-4/2-SP, rel. Ênio Santarelli Zuliani, 3ª. CDPTJ, j. 24/08/99).

(23) Do dano moral coletivo no contexto jurídico brasileiro. Revista de Direito do Consumidor, vol. 12, p.47.

(24) Idem, p. 55.

(25) A ação civil pública e o dano moral coletivo. Revista de Direito do Consumidor, vol. 25, p.82.

(26) Idem, fls. 83.

(27) “No entender de Milton Flaks, não há dúvida de que a ação civil pública, tal como presentemente concebida e desde que bem interpretada, destina-se a ser um dos mais importantes – e talvez o mais eficiente – instrumentos de defesa de interesses difusos ou coletivos, pela abrangência e opções que oferece.12 A segurança e a tranqüilidade de todos indivíduos – assim como o sentimento de cidadania – são bruscamente atingidos quando o patrimônio moral de uma coletividade é lesado sem que haja qualquer direito à reparação desta lesão. (Instrumentos processuais de defesa coletiva, in Revista Forense, n. 320, Rio de Janeiro, out-nov-dez/1992) Apud – André Carvalho Ramos, ob. Cit.

(28) Clipping.planejamento.gov.br/noticias.asp?NOTcod=152925A.

(29) noticias.terra.com.br/Brasil/interna/0,,oi391895’ EI306,00.html.

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