Relação trabalhista

Voluntário religioso não tem vínculo empregatício, decide TRT-SP.

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28 de novembro de 2004, 10h00

Integrantes e seguidores de sociedades políticas e religiosas não precisam ser empregados ou trabalhadores voluntários. Com este entendimento, os juízes da 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região negaram vínculo empregatício a um membro da TFP – Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade.

O seguidor recorreu ao TRT-SP contra sentença da 48ª Vara do Trabalho de São Paulo, que não reconheceu a relação de emprego com a TFP.

No Recurso Ordinário, ele afirmou que a TFP não é uma igreja, “mas uma associação civil que visa lucro”. Sustentou que trabalhava como encarregado de serviços gerais e que sociedade “nega-lhe a condição de sócio-fundador e também a de empregado, restando-lhe a condição de trabalho escravo”.

O reclamante acrescentou, ainda, que “o Judiciário não pode lavar as mãos, fingir ou fechar os olhos para essa relação empregatícia; a ré defende o ideário dos grandes latifúndios improdutivos do país, não o ideário dos sem-terra, sem-tradição e sem-família”.

Para o relator do recurso, juiz Rafael Pugliese Ribeiro, “não são apenas os estudiosos de teologia que exercem uma profissão de fé, nem se pode dizer que todos os teólogos são, necessária e exclusivamente, missionários da pregação. A atividade humana não está referenciada por uma espécie de vetor maniqueísta que recusa uma atividade ideológica para opor a mordaz titulação de trabalho escravo contra a possibilidade de uma relação empregatícia”.

“A dúvida, que poderia militar em favor do autor, foi tirada por ele mesmo quando foi ao Poder Judiciário para postular direito próprio de sócio-efetivo. Ou bem uma coisa, ou bem outra. Jamais as duas, concomitantemente”, afirmou o juiz relator.

Pugliese afirmou que “nem tudo na vida em sociedade se resume em relações jurídicas, tampouco relações onerosas, sendo útil à sociedade a benemerência, e assegurado à liberdade individual a escolha de convicções próprias que situam o relacionamento”. A maioria da 6ª Turma acompanhou o relator.

RO 00252.2000.048.02.00-6

Leia o voto

Natureza: Recurso Ordinário

Recorrente: Vanderson Meirelles

Recorrido: Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade

Origem: 48ª Vara do Trabalho de São Paulo

//#/2004-09-14/

Ementa:

Relação de emprego. Atividade religiosa e ideológica. TFP. Não são apenas os estudiosos de teologia que exercem uma profissão de fé, nem se pode dizer que todos os teólogos são, necessária e exclusivamente, missionários da pregação. Nem tudo na vida em sociedade se resume em relações jurídicas, tampouco relações onerosas, sendo útil à sociedade a benemerência, e assegurado à liberdade individual a escolha de convicções próprias que situam o relacionamento, concomitantemente, fora do regime celetista e fora do regime da Lei nº 9.608/98.

Contra a sentença que julgou improcedente o pedido, recorre o autor alegando preliminar de nulidade; diz que o Juízo singular recusou-se a falar sobre a confissão real que denotava o reconhecimento do vínculo empregatício, como também omitiu a avaliação da impossibilidade jurídica da atividade voluntária, religiosa ou confessional para as características que definem a constituição da ré; diz que também houve omissão quanto à impossibilidade fática e jurídica de configuração da atividade voluntária, sob o regime da Lei 9.608/98, porque não houve o termo de adesão exigido por lei; diz que essas omissões não foram corrigidas com os embargos de declaração, fazendo caracterizar a falta de fundamentação.

Quanto ao mérito, sustenta a existência de relação empregatícia e a violação da Lei 9.608/98 e art. 3º da CLT. Alega que: não houve adesão sob o regime da Lei 9.608/98; o trabalho era voltado à atividade-fim da ré em situação símile a muitos precedentes jurisprudenciais deste Tribunal; a ré não é uma igreja, mas uma associação civil que visa lucro; o autor trabalhava como encarregado de serviços gerais; a ré nega-lhe a condição de sócio-fundador e também a de empregado, restando-lhe a condição de trabalho escravo; o Judiciário não pode lavar as mãos, fingir ou fechar os olhos para essa relação empregatícia; a ré defende o ideário dos grandes latifúndios improdutivos do país, não o ideário dos sem-terra, sem-tradição, sem-família; o autor não participou da constituição societária da ré; houve confissão real do vínculo empregatício em parecer do Ministro Russomano e confirmação desse vínculo por parecer do Professor Amauri Mascaro Nascimento.

Pede o reconhecimento da relação de emprego. Juntou jurisprudência (fls. 400/426). Contra-razões às fls. 431/540, em 111 páginas, acompanhadas de jurisprudência (fls. 541/681). O Ministério Público teve vista dos autos e não emitiu parecer.

V O T O:

1. Apelo aviado a tempo e modo (fls. 399). Conheço-o.

2. Nulidade. A equivocada alegação de julgamento citra petita não resiste à inspeção do julgado que se pronunciou, integralmente, sobre a coisa litigiosa. Seria o objeto litigioso, a coisa reivindicada, a pretensão deduzida, o bem da vida pretendido que, não sendo julgado, faria definir o julgamento aquém do demandado. A sentença não ofereceu pronunciamento menor do que o objeto da demanda, tendo inspecionado a prova documental, oral e alegações de ambas as partes, para motivar a decisão. A sentença é peça de motivação (CPC, 131, in fine), não de convencimento. O Juiz não tenta convencer as partes quanto à justiça da decisão, tendo somente o compromisso de motivar o julgado, podendo fazê-lo mesmo por fatos e circunstâncias, “ainda que não alegados pelas partes” (CPC, 131). Tanto a invulgar alegação de confissão real resultante de pronunciamento de Parecerista contratado pela ré (um parecer não é corpo de prova, nem o parecerista tem poderes de confissão), quanto a suposta impossibilidade jurídica de atividade voluntária, religiosa ou confessional, são aspectos compreendidos por natural rejeição dentro do sentido do julgado, que não deixou de submeter os fatos da lide à norma regente da coisa litigiosa, tudo visto dentro do conjunto de provas reunidas no processo. Foi feita a subsunção dos fatos à norma com satisfatória motivação.

3. Relação de emprego. O autor, quando ainda tinha 17 anos, foi encaminhado à ré por seu pai, mediante autorização expressa “para um estágio de formação intensiva, em regime de internato, compreendendo estudos e exercícios físicos, oração e outras práticas de piedade cristã, como de disciplina e obediência, tudo com vista ao aprimoramento moral e intelectual dele” (doc. 116, apenso, assinado em 12.03.92 por Crysnogo Meirelles). Aos 24.08.1992, o pai do autor deu autorização expressa, com firma reconhecida, para o autor “residir nas sedes da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade e a participar de todas as atividades dela, como reuniões, congressos, campanhas de rua, caravanas e quaisquer reuniões, congressos, campanhas de rua, caravanas e quaisquer outras, tudo sem despesa para mim, nem remuneração para ele.” (doc. 117, apenso).

3.1. O volume em apenso traz inúmeras fotografias destacando a participação do autor em eventos promovidos pela ré, uniformizado e revelando ares de solenidade e sobriedade bastantes para negar que o fizesse sem estar ali sob a motivação ideológica que livremente aceitou por encaminhamento paternal.

3.1.1. Leio o depoimento pessoal do autor (fl. 315) e constato que ele admitiu ser autor de uma ação cível contra a ré, postulando o reconhecimento de direitos de sócio-efetivo, sob a alegação, igualmente ratificada à fl. 315, de que “os cooperadores em sua quase totalidade dedicam integralmente as suas vidas e tempo em prol da TFP, a qual, em retribuição, proporciona para todos aqueles que não dispõem de recursos próprios — e que são a sua grande maioria — os meios de subsistência, consistentes em moradia, alimentação, seguro-saúde e certa quantia em dinheiro” (doc. em apenso).

3.1.2. Todos esses elementos são expressivos o suficiente para recusar a idéia de “grosseiro simulacro” (fl. 2, § 2), colocando-se o autor na condição de simples digitador, e, como se diz no recurso, em posição alternativa entre empregado e escravo. O autor não pode ser classificado no feitio que ele mesmo oferece de um sem-terra, sem-tradição e sem-família, já que, como destaquei, sua adesão à TFP ocorreu por encaminhamento paternal e definiu um engajamento com atividades ideológicas de muitos anos. Não são apenas os estudiosos de teologia que exercem uma profissão de fé, nem se pode dizer que todos os teólogos são, necessária e exclusivamente, missionários da pregação. A atividade humana não está referenciada por uma espécie de vetor maniqueísta que recusa uma atividade ideológica para opor a mordaz titulação de trabalho escravo contra a possibilidade de uma relação empregatícia.

A dúvida, que poderia militar em favor do autor, foi tirada por ele mesmo quando foi ao Poder Judiciário para postular direito próprio de sócio-efetivo. Ou bem uma coisa, ou bem outra. Jamais as duas, concomitantemente. O que há de mais expressivo nessa conduta do autor é o verdadeiro sentido que reside por trás das suas palavras e intenções que, antes de dizê-las ou de almejá-las, fá-lo sentir-se (affectio) não um digitador, não um empregadinho, não um sem-teto, não um pároco, não um sacerdote, mas um sócio-efetivo, alguém responsável pelos ideários da entidade que não desistiu de seguir, de acompanhar e de servir. Nem tudo na vida em sociedade se resume em relações jurídicas, tampouco relações onerosas, sendo útil à sociedade a benemerência, e assegurado à liberdade individual a escolha de convicções próprias que situam o relacionamento, concomitantemente, fora do regime celetista e fora do regime da Lei nº 9.608 que, sendo de 18.02.98, é posterior ao ingresso do autor.

CONCLUSÃO:

Nego provimento ao recurso.

Dr. Rafael E. Pugliese Ribeiro

Juiz Relator – 6a Turma do Tribunal

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