Jader Barbalho

Ministro recebe denúncia contra Jader, mas julgamento é adiado.

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27 de novembro de 2004, 8h34

O julgamento do inquérito em que o deputado federal Jader Barbalho (PMDB-PA) é acusado de peculato foi suspenso por pedido de vista do ministro Marco Aurélio. O crime deve prescrever nos próximos dias. Se o caso não for julgado na próxima semana, o deputado poderá se livrar da acusação. Ele é acusado de ter se apropriado de mais de US$ 913 mil.

O relator do processo, Carlos Velloso, recebeu a denúncia. O voto foi acompanhado por outros cinco ministros. Até o momento, apenas o ministro Gilmar Mendes votou pelo não recebimento da denúncia.

Na denúncia, oferecida pelo Ministério Público Federal, em março de 2001, o parlamentar é acusado de desviar recursos do Banco do Estado do Pará (Banpará) entre outubro de 1984 e agosto de 1985, época em que exercia o cargo de governador do estado. A acusação relata o desvio de dez cheques administrativos do banco, supostamente depositados em conta bancária de Barbalho, segundo o STF.

Na fundamentação do seu voto, Carlos Velloso sustentou que o vínculo causal entre os valores “criminosamente” desviados do banco e seus destinatários foram “exaustivamente” demonstrados pela auditoria do Banco Central, cujo relatório fundamentou a denúncia para reabertura do inquérito.

O ministro refutou todas as teses apresentadas pela defesa. Disse que não procede a alegação de ocorrência de coisa julgada ao afirmar: “As decisões passadas que mandaram arquivar inquéritos ou peças de acusação sobre o caso não causam preclusão”. Refutou também a alegação de inépcia da denúncia, que considerou “minuciosa”, com descrição do fato criminoso e todas as suas circunstâncias.

Sobre o argumento da defesa de que o relatório do Banco Central teria sido manipulado e continha imprecisões técnicas, o relator declarou que essas questões deverão ser apreciadas na instrução criminal.

Ele também não acolheu a alegação de prescrição da pretensão punitiva do estado. Explicou que para a defesa, os fatos, no máximo, poderiam ser tipificados como crime contra o sistema financeiro nacional (artigo 5º da Lei 7.492/86), que, por prever pena mais branda, já estaria prescrito. “Esse artigo estabelece os sujeitos ativos dos crimes próprios do sistema financeiro, que não incluem o de governador”, afirmou.

O relator manteve, ainda, a previsão da causa de aumento da pena do parágrafo 2º do artigo 327 do Código Penal, que julga ser aplicada ao cargo de governador e que, no caso, impossibilita a prescrição do crime.

Ao pedir vista dos autos, o ministro Marco Aurélio alegou a necessidade de verificar a existência de fato novo que justificaria a reabertura de inquérito. “O Código de Processo Penal é categórico ao dizer que só se pode pedir a reabertura se surgir fato novo”, argumentou.

Quanto ao fato de que o crime prescreve no dia 4 de dezembro (já se passaram 19 anos, 11 meses e 20 dias da prática do delito), Marco Aurélio disse que fará o possível para devolver o processo a tempo de ser analisado. “Não posso votar sem convencimento e, da minha parte, estarei debruçado no fim de semana sobre o processo, mas não me cabe o pregão”.

Os ministros Eros Grau, Joaquim Barbosa, Carlos Ayres Britto, Cezar Peluso e Ellen Gracie votaram pelo recebimento da denúncia. Já Gilmar Mendes afastou a aplicação da causa de aumento da pena (parágrafo 2º do artigo 327 do CP) por entender que governador exerce a chefia do poder político estadual estando, portanto, excluído da previsão do artigo. Ainda não votaram Celso de Mello, Sepúlveda Pertence e Nelson Jobim.

INQ 1.769

Leia a íntegra do voto de Carlos Velloso

INQUÉRITO 1.769-8 DISTRITO FEDERAL

RELATOR: MIN. CARLOS VELLOSO

AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

INDICIADO: JÁDER FONTENELLE BARBALHO

ADVOGADO: JOSÉ EDUARDO RANGEL DE ALCKMIN E OUTRO

RELATÓRIO

O Sr. Ministro CARLOS VELLOSO: – Trata-se de inquérito que tem como indiciado o Sr. JADER FONTENELLE BARBALHO, atualmente Deputado Federal, visando à apuração da prática do crime de peculato, em detrimento do Banco do Estado do Pará S.A., por desvio de cheques administrativos emitidos no ano de 1984.

Às fls. 176-186, deferi pedido de quebra de sigilo bancário e demais diligências requeridas pelo Ministério Público Federal, dentre as quais a inquirição do indiciado. Realizadas as diligências e elaborado, pela Polícia Federal, relatório de análise dos dados colhidos, encaminhei os autos ao Procurador-Geral da República, que, oficiando às fls. 1.018-1.021, ofereceu denúncia e requereu o desmembramento do feito em relação aos beneficiários e partícipes que não detinham foro por prerrogativa de função.

Pelo despacho de fl. 1.024, deferi o desmembramento e determinei o encaminhamento de cópia dos autos ao Tribunal de Justiça do Estado do Pará.

Em 08.3.2004, foi oferecida, pelo Ministério Público Federal, denúncia contra JADER FONTENELLE BARBALHO, imputando-lhe a prática do delito previsto no art. 312, caput, c/c o art. 327, § 2º, ambos do Código Penal.


Segundo a denúncia, o acusado incorreu no crime de peculato (art. 312, caput, c/c o art. 327, § 2º, ambos do Código Penal), por ter se apropriado de dinheiro pertencente ao Banco do Estado do Pará S/A – BANPARÁ, instituição financeira então pertencente ao Estado do Pará.

O Sr. Jader Barbalho apresentou a resposta de fls. 1.053-1.116, sustentando, em síntese:

a) existência de manifestação de autoridade policial, agente de polícia, “no sentido de que não houve condições de se afirmar que o denunciado teria cometido qualquer delito” (fl. 1.054);

b) violação à coisa julgada, pois o Tribunal de Justiça do Estado do Pará deferiu, em 1993, habeas corpus para impedir seu indiciamento em inquérito policial instaurado para apurar o desvio de recursos do BANPARÁ;

c) inexistência de “provas substancialmente novas” (fl. 1.059), que, nos termos do art. 18 do Código de Processo Penal, poderiam ensejar a abertura de novo procedimento investigatório (Súmula 524-STF), já que o relatório elaborado pelo Banco Central em nada inovou no que tange às investigações já realizadas;

d) inépcia da denúncia, por inobservância do art. 41 do Código de Processo Penal, “porquanto não indica as circunstâncias pelas quais o desvio teria sido perpetrado, limitando-se a sustentar, com muita dificuldade, que o acusado teria sido beneficiário dos recursos apropriados indevidamente” (fl. 1.068);

e) manipulação dos dados constantes das inspeções realizadas pelo Banco Central, que não mereceram manifestação da sua procuradoria jurídica, nem da presidência da instituição, tendo sido apenas encaminhados pelo Procurador-Geral do BACEN, sem a necessária chancela;

f) ocorrência de prescrição, pela superveniência da Lei 7.492/86, que tipifica os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. Assim, o denunciado, na qualidade de Chefe do Poder Executivo Estadual, estaria na condição de acionista controlador do BANPARÁ, incidindo, se fosse o caso, no art. 5º da citada lei, que prevê pena máxima de 6 (seis) anos de reclusão, resultando, de acordo com o art. 109 do Código Penal, em um prazo prescricional de 12 (doze) anos;

g) impossibilidade de aplicação do disposto no § 2º do art. 327 do Código Penal (causa de aumento de pena) ao denunciado, “pois o cargo que exercia à época dos fatos era de Governador de Estado não se enquadrando como função de direção a que se refere o mencionado § 2º” (fl. 1.078), o que reduziria o prazo prescricional do crime de peculato para 16 (dezesseis) anos;

No mérito, a defesa alega, em síntese:

a) incongruência da denúncia, pois os valores decorrentes dos desvios dos cheques administrativos do BANPARÁ representam apenas a quinta parte dos recursos movimentados pelo denunciado, junto ao Banco Itaú S/A;

b) irrelevância do fato de o denunciado estar presente na agência no dia em que os referidos cheques foram aplicados;

c) intenção deliberada de incriminação do denunciado, pois não se identificou os outros investidores que teriam, em conluio com o denunciado, emitido cheques que, junto com os cheques administrativos do BANPARÁ, teriam sido utilizados na aquisição dos Títulos de Renda Fixa ao Portador;

d) falta de apuração, por meio de rastreamento, de quem seria o beneficiário do resgate da aplicação realizada junto ao Banco Itaú S/A;

e) possibilidade de os cheques emitidos pelo denunciado terem sido utilizados por terceiros, na citada aplicação, já que não eram exatamente coincidentes com o resíduo existente entre os cheques administrativos e os títulos adquiridos;

f) inconsistência da afirmação de que o acusado foi um dos beneficiários das aplicações financeiras realizadas com os cheques administrativos, já que, apesar de apontados depósitos em sua conta corrente em valor correspondente à reaplicação dos Títulos de Renda

Fixa, não existem registros de identificação dos beneficiários das outras reaplicações e nem do vínculo desses com o denunciado;

g) interrupção da seqüência dos números constantes das fichas de registro de caixa dos terminais bancários, o que demonstra que “foram efetivamente seccionadas para permitir a alegação de implicação do Denunciado” (1.097);

h) inexistência de indicação, documentalmente comprovada, de que os resgates e aplicações realizadas no Banco Itaú S/A estivessem relacionadas ou vinculadas ao resgate da aplicação de cheques administrativos do BANPARÁ.

Às fls. 1.120-1.121, a defesa requereu juntada de cópia da perícia realizada na Ação Cautelar de Antecipação de Provas 2001.1224391-1, que tramitou no Juízo da 21ª Vara de Justiça Cível de Belém, bem como de cópia dos despachos, proferidos pelo Presidente do Tribunal de Justiça do Pará, que inadmitiram os recursos extraordinário e especial interpostos contra o acórdão que confirmou a sentença de homologação da prova constituída judicialmente.


A perícia (fls. 1.125-1.406) analisou o desvio de recursos por meio de 18 (dezoito) cheques administrativos do BANPARÁ, dentre os quais 10 (dez) foram objeto da presente denúncia. Estas, em síntese, as conclusões da perícia:

a) possibilidade de o produto dos desvios de recursos do

BANPARÁ terem produzido reflexos financeiros negativos para a instituição, já que essa, em virtude de deficiências em sua reserva bancária, recorreu a empréstimos e incorreu em penas pecuniárias. Os reflexos dos desvios, porém, não poderiam ser precisamente indicados, pois o Estado do Pará assumiu as dívidas da referida instituição em contratos celebrados em 09.5.85 e 06.12.89;

b) inexistência de prejuízos a terceiros, pois os recursos desviados foram originários do próprio BANPARÁ;

c) impossibilidade de identificação dos mecanismos utilizados e dos efetivos beneficiários dos 10 (dez) cheques administrativos citados na denúncia, pois o relatório do Banco Central teria sido elaborado sem exame acerca da pertinência das afirmações ali contidas e sem suporte probatório suficiente.

Sobre os documentos (fls. 1.120-1.411) apresentados em complementação à resposta (Lei 8.038/90, art. 5º), dei vista ao Ministério Público Federal, que ratificou a manifestação de recebimento da denúncia (fls. 1.415-1.424), aduzindo, em síntese:

a) irrelevância, para o oferecimento da peça acusatória, do relatório policial, que concluiu não ser possível individualizar as condutas, já que o Ministério Público é o titular privativo da ação penal pública;

b) inexistência de coisa julgada, pois a decisão que arquiva inquérito ou peças de informação “’não causa a preclusão, sendo uma decisão tomada rebus sic stantibus, que não produz coisa julgada’ (MIRABETE, Julio F. Código de Processo Penal Interpretado 3

ed. Atlas: São Paulo. 1995. p. 57)” (fl. 1.416);

c) existência de novas provas a fundamentar a presente denúncia;

d) aptidão da denúncia, que expõe o fato criminoso, suas circunstâncias, a qualificação do acusado e a classificação do crime;

e) inocorrência de crime contra o Sistema Financeiro Nacional a justificar a ocorrência de prescrição, pois este Tribunal decidiu que a Lei 7.492/86, que disciplina os referidos crimes, não se aplica a Governadores e Secretários de Estado, por impossibilidade de se equiparar o Estado a instituição financeira;

f) incidência da causa de aumento de pena prevista no § 2º do art. 327 do Código Penal, pois não há como afastar a função de Governador de Estado do conceito de “ocupante de função de direção de órgão da administração direta” (fl. 1.423);

g) procedência das afirmações feitas na denúncia, pois não configura contradição o fato de o denunciado ter movimentado, nas aplicações em Títulos de Renda Fixa, valor superior ao dos cheques administrativos desviados, já que houve a complementação dos valores por cheques emitidos pelo próprio denunciado e por outros recursos.

Requer, ao final, seja julgada procedente a pretensão punitiva deduzida na denúncia.

É o relatório.

INQUÉRITO 1.769-8 DISTRITO FEDERAL

VOTO

EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL.

PECULATO. Código Penal, art. 312. PRESCRIÇÃO: NÃOOCORRÊNCIA.

DENÚNCIA: CPP, art. 41. GOVERNADOR DE

ESTADO: Código Penal, art. 327. COISA JULGADA:

NÃO-OCORRÊNCIA.

I. – A denúncia descreve crime em tese, crime de peculato —— Código Penal, art. 312 —— e contém os requisitos inscritos no art. 41, CPP.

Deve ser recebida, portanto.

II. – Prescrição: não-ocorrência, presente a causa de aumento de pena inscrita no art. 327, § 2º, do Código Penal.

III. – Coisa julgada: não-ocorrência, por isso que a decisão que manda arquivar inquérito ou peças de informação não causa preclusão. Súmula 524-STF.

IV. – Denúncia recebida.

O Sr. Ministro CARLOS VELLOSO (Relator): A denúncia atribui ao Sr. Jader Barbalho a prática do crime de peculato —— Código Penal, art. 312, caput, c/c o art. 327, § 2º, ambos do Código Penal —— porque teria ele, quando governador do Estado, se apropriado de dinheiro pertencente ao Banco do Estado do Pará S/A – BANPARÁ, instituição financeira que pertencia ao Estado do Pará.

Os fatos tidos como delituosos estão assim descritos na denúncia (fls. 02-08):

“(…) 1. No ano de 1984, o hoje Deputado Federal JADER BARBALHO exercia o cargo de Governador do Estado do Pará. Conforme relatório

final produzido pelo Banco Central do Brasil (fls. 3467/3882 – apensos 35/36), bem como demais elementos carreados aos autos, o ora denunciado, na condição de Chefe do Poder Executivo estadual, apropriou-se de dinheiro pertencente ao Banco do Estado do Pará S.A. – BANPARÁ, instituição financeira então pertencente ao Estado do Pará, em ardiloso esquema criminoso como se passa a demonstrar.


2. Resta nitidamente comprovado nos autos que foram desviados 10 (dez) cheques administrativos do BANPARÁ que compuseram, em parte, as aplicações financeiras em Títulos de Renda Fixa, na modalidade ‘ao portador’, na Agência 0532 (Jardim Botânico-RJ) do Banco Itaú, depositados nas seguintes datas: 17/10, 23/10,

07/11, 08/11, 29/11 e 07/12/1984. Tais aplicações foram feitas pelo denunciado JADER BARBALHO.

3. A sistemática de utilização dos cheques administrativos desviados do BANPARÁ foi bem explicada no relatório produzido pelo BACEN.

Segundo noticiou, ‘as aplicações compostas em parte de cheques administrativos desviados do BANPARÁ, são, em sua maioria, de valores expressivos, conforme informações prestadas pelo Banco Itaú S/A por meio de correspondência de fls. 002 a 005 do Anexo 2 [fls 3929/3932 – apenso 37], as Agências adotavam sistemática especial de captação de recursos, negociando as condições diretamente junto à Mesa de Renda Fixa localizada em São Paulo. Negociadas as condições, eram emitidas pela própria Agência, de imediato, as respectivas Ordens de Compra, utilizadas pelo investidor como comprovante da respectiva aplicação.’

4. Observe-se, por oportuno, que, à época dos fatos ora descritos, verificava-se a corriqueira utilização de cheques e de títulos ao portador, independentemente do valor nominal ou de face. Destarte, o portador do título permanecia no anonimato, como astuciosamente o fez o denunciado. Segundo informou o Banco Itaú ‘quando um mesmo investidor entregava cheques de terceiros para serem aplicados, não cabia ao banco questionar se tal movimentação seria própria ou não. Porém, como havia a necessidade de controlar os cheques acatados, o funcionário procedia a anotação do número das Ordens de Compra nos versos desses cheques ou anotava o número dos cheques na 4ª via da própria Ordem de Compra. Utilizando essas informações foi possível a identificação e vinculação de diversos cheques às aplicações iniciadas com recursos desviados do BANPARÁ.’ (fls. 3478 – apenso 35, grifo nosso).

5. Em relação aos recursos que compunham as aplicações ou reaplicações em Títulos de Renda Fixa, na modalidade ‘ao portador’, ‘esclarece o Banco Itaú na mesma correspondência que na comparação entre os recursos recebidos pelo Caixa (cheques ou resgates) e os comprovantes em Títulos de Renda Fixa (saída), poderão ocorrer faltas (resíduos negativos) ou sobras (resíduos

positivos). Eram importâncias de pequena monta complementadas em dinheiro ou cheque do próprio investidor (resíduo negativo), ou então devolvidas no ato ou depositadas em sua conta corrente, a seu pedido’ (fls. 3479 – apenso 35).

6. Ainda, com precisão, assinalou a auditoria do BACEN:

‘Merece registro o fato de que durante todo o período abordado, os levantamentos mostraram a participação do Sr. Jader Fontenelle Barbalho ora se beneficiando dos resíduos positivos, ora complementando as aplicações com recursos de sua conta corrente nº 96.650-4 mantida na mesma Agência 0532- Jardim Botânico/RJ do Banco Itaú onde foram realizadas as aplicações, ora se beneficiando do produto dos resgates, além de sua presença física naquela Agência em diversos dias em que foram realizadas as aplicações, conforme anotações e assinaturas consignadas nas folhas do Livro de Registro de Aberturas Normais do Cofre Particular nº 144, que integram o Anexo 004 [fls. 3941/3948 – apenso 37], denotando ser ele o titular das operações compostas em parte com os cheques administrativos do BANPARÁ. Constatou-se, também, a utilização do produto dos resgates das aplicações em pagamentos a diversas pessoas físicas e jurídicas que possuíam algum vínculo com o Sr. Jader Fontenelles Barbalho.’ (fls. 3480 – apenso 35, grifo nosso).

7. Passa-se, agora, a detalhar as aplicações que continham valores apropriados do BANPARÁ:

1. 17/10/1984: foram aplicados Cr$ 900.093.087,00, sendo Cr$

50.000.000,00 do cheque administrativo do BANPARÁ n° 648.307 (fls. 4162/4163 do apenso 38), Cr$ 93.000,00, do cheque n° 541423, da conta corrente n° 96.650-4, da agência 0532, emitido em 17/10/1984, por JADER BARBALHO (fls. 4141/4142 do apenso 38) e o restante proveniente de outros recursos. A seqüência numérica das autenticações mecânicas, a utilização de seu cheque para complementar o valor aplicado, bem como sua presença física, exatamente no dia da aplicação (17.10.1984), às 16:00 horas, conforme anotação e assinatura consignadas no Registro de Aberturas Normais do Cofre Particular n° 144 (fls. 3947 – apenso 37), comprovam ser JADER BARBALHO o titular da referida aplicação.

2. 23/10/1984: foram aplicados Cr$ 470.008.956,00, sendo Cr$

100.000.000,00 do cheque administrativo do BANPARÁ n° 648.316 (fls. 4176/4177 do apenso 38), Cr$ 100.000.000,00 do cheque administrativo do BANPARÁ n° 648.317 (fls. 4178/4179 do apenso 38), Cr$ 9.000,00, do cheque n° 541426, da conta corrente n° 96.650-4, da agência 0532, emitido em 17/10/1984, por JADER BARBALHO (fls. 4171/4172 do apenso 38) e o restante proveniente de outros recursos. A seqüência numérica das autenticações mecânicas, a utilização de seu cheque para complementar o valor aplicado, bem como sua presença física, exatamente no dia da aplicação (23.10.1984), às 13:35 horas, conforme anotação e assinatura consignadas no Registro de Aberturas Normais do Cofre Particular n° 144 (fls. 3947 – apenso 37), comprovam ser JADER BARBALHO o titular da referida aplicação.


3. 07/11/1984: foram aplicados Cr$ 1.318.439.358,00, sendo Cr$ 85.000.000,00 do cheque administrativo do BANPARÁ n° 84/030 (fls. 6205/6206 do apenso 46), Cr$ 500.000.000,00 do cheque administrativo do BANPARÁ n° 84/034 (fls. 6207/6208 do apenso 46), Cr$ 96.733.548,00 do cheque administrativo do BANPARÁ n° 84/036 (fls. 6209/6210 do apenso 46), e o restante proveniente de outros recursos, gerou um resíduo positivo que foi depositado na conta corrente n° 96.650-4, da agência 0532, de JADER BARBALHO (fls. 6211/6212 do apenso 46).

A seqüência numérica das autenticações mecânicas, o depósito da sobra da aplicação na sua conta corrente, bem como sua presença física, exatamente no dia da aplicação (07.11.1984), às 18:16 horas, conforme anotação e assinatura consignadas no Registro de Aberturas Normais do Cofre Particular nº 144 (fls. 3947 – apenso 37), comprovam ser JADER BARBALHO o titular da referida aplicação.

4. 08/11/1984: foram aplicados Cr$ 796.571.364,00, sendo Cr$ 500.000.000,00 do cheque administrativo do BANPARÁ n° 84/035 (fls. 7030 do apenso 49), e o restante proveniente de outros recursos. A seqüência numérica das autenticações mecânicas e sua presença física, exatamente no dia da aplicação (08.11.1984), às 15:05 horas, conforme anotação e assinatura consignadas no Registro de Aberturas Normais do Cofre Particular n° 144 (fls. 3947 – apenso 37), comprovam ser JADER BARBALHO o titular da referida aplicação. Observe-se que as operações dos dias 07 e 08/11/1984, tendo sido resgatadas e reaplicadas sucessivas vezes, se juntaram em 29/05/1985.

5. 29/11/1984: foram aplicados Cr$ 1.340.058.912,00, sendo Cr$ 400.000.000,00 do cheque administrativo do BANPARÁ n° 84/086

(fls. 8860/8861 do apenso 57), Cr$ 400.000.000,00 do cheque administrativo do BANPARÁ n° 84/088 (fls. 8862/8863 do apenso 57), e o restante proveniente de outros recursos, gerou um resíduo positivo que foi depositado na conta corrente n° 96.650-4, da agência 0532, de JADER BARBALHO (fls. 8866/8867 do apenso 57). A seqüência numérica das autenticações mecânicas, o depósito da sobra da aplicação na sua conta corrente, bem como sua presença física, exatamente no dia da aplicação (29.11.1984), às 10:22 horas, conforme anotação e assinatura consignadas no Registro de Aberturas Normais do Cofre Particular n° 144 (fls. 3947 – apenso 37), comprovam ser JADER BARBALHO o titular da referida aplicação.

6. 07/12/1984: foram aplicados Cr$ 250.023.483,00, sendo Cr$ 250.000.000,00 do cheque administrativo do BANPARÁ n° 84/110 (fls. 8875/8876 do apenso 58), e o restante proveniente de uma pequena complementação. Observe-se que as operações dos dias 29/11 e

07/12/1984, tendo sido resgatadas e reaplicadas sucessivas vezes, se juntaram em 08/01/1986. 8. Todas as aplicações realizadas foram resgatadas e reaplicadas sucessivas vezes, inclusive com a incorporação de outras aplicações e recursos de outras origens. Esta cadeia de aplicações está perfeitamente delineada no minucioso relatório produzido pelo Banco Central a fls. 3467/3882 – apensos 35/36. Ressalte-se que em 31.07.1987 todas as aplicações antes discriminadas se interligaram, data em que o denunciado compareceu duas vezes na agência às 9:30 horas e à 13:30 horas, conforme anotação e assinatura consignadas no Registro de Aberturas Normais do Cofre Particular n° 144 (fls. 3948 – apenso 37), o que comprova, à toda evidência, ser JADER BARBALHO o grande beneficiado pelos desvios ocorridos no BANPARÁ no ano de 1984.

9. Ademais, torna-se ainda mais evidente constatar que o ora denunciado é o titular das referidas aplicações em Títulos de Renda Fixa, quando se verifica que foram beneficiários (destinatários finais) das aplicações o próprio JADER BARBALHO, além de empresas de sua propriedade, familiares, empregados, consoante conclusão do relatório do BACEN a fls. 3882 – apenso 36.

10. O vínculo causal existente entre os valores criminosamente desviados do BANPARÁ e os destinatários dos recursos está exaustivamente demonstrado no excelente trabalho desenvolvido pela auditoria do BACEN (fls. 3467/3882 – apensos 35/36). A visualização por meio de gráfico da série de aplicações e reaplicações dos aludidos

Títulos de Renda Fixa está bem delineada a fls. 3949 (apenso 37).

11. Assim sendo, resta comprovado que nos dias 17/10, 23/10, 07/11, 08/11, 29/11 e 07/12/1984, 10 (dez) cheques administrativos do BANPARÁ n°s. 648.307, 648.316, 648.317, 84/030, 84/034, 84/035, 84/036, 84/86, 84/88 e 84/110 foram descontados e apropriados pelo denunciado JADER BARBALHO, a fim de compor, em parte, as aplicações financeiras deste em Títulos de Renda Fixa, na modalidade ‘ao portador’ na Agência 0532 (Jardim Botânico-RJ), do Banco Itaú.

12. Dessume-se, portanto, que o denunciado, agindo com vontade livre e consciente, dirigida à produção do resultado criminoso, nos dias 17/10, 23/10, 07/11, 08/11, 29/11 e 07/12/1984, apropriou-se de Cr$ 2.481.733.548,00, valor correspondente a US$ 913.315,86, dinheiro pertencente ao Banco do Estado do Pará S.A. BANPARÁ, instituição financeira então pertencente ao Estado do Pará, em proveito próprio.


Está, pois, incurso nas penas dos art. 312, caput, c/c o art. 327, § 2°, ambos do Código Penal, por dez vezes.

(…).” (Fls. 03-07) A denúncia, ao que se vê, afirma ter o acusado, então governador do Estado do Pará, se apropriado de dinheiro pertencente ao Banco do Estado do Pará. Dez cheques administrativos do BANPARÁ foram utilizados pelo acusado para aplicações financeiras, certo que, segundo auditoria do BACEN, “durante todo o período abordado, os levantamentos mostraram a participação do Sr. Jader Fontenelle Barbalho ora se beneficiando dos resíduos positivos, ora complementando as aplicações com recursos de sua conta corrente (…), ora se beneficiando do produto dos resgates, além de sua presença física naquela Agência em diversos dias em que foram realizadas as aplicações (…) denotando ser ele o titular das operações compostas em parte com os cheques administrativos do BANPARÁ. Constatou-se, também, a utilização do produto dos resgates das aplicações em pagamentos a diversas pessoas físicas e jurídicas que possuíam algum vínculo com o Sr. Jader Fontenelle Barbalho” (Denúncia, item 6).

A denúncia, em seguida, conforme vimos, passa a detalhar as aplicações que continham valores que teriam sido apropriados do BANPARÁ (item 7, subitens 1, 2, 3, 4, 5 e 6). A denúncia, depois, deixa expresso que “as aplicações realizadas foram resgatadas e reaplicadas sucessivas vezes, inclusive com a incorporação de outras aplicações e recursos de outras origens”, o que está demonstrado “no minucioso relatório produzido pelo Banco Central às fls. 3.467-3.882 – apensos 35/36” (fl. 06).

Do relatório do Banco Central, referido na denúncia, relatório às fls. 3.467-3.882, apensos 35/36, destaco a sua conclusão:

“7. CONCLUSÃO Os dez cheques administrativos desviados do BANPARÁ, que compuseram, em parte, as aplicações financeiras em títulos de renda fixa ao portador na Agência 0532-Rio Jardim Botânico, do Banco Itaú S/A, foram ali depositados em seis datas distintas: 17/10, 23/10, 07/11, 08/11, 29/11 e 07/12/1984.

À exceção do dia 07/12/1984, em todos os outros foi constatada a presença física do sr. Jader Fontenelle Barbalho na Agência, inclusive com algumas coincidências de horários entre a sua visita à Agência e as autenticações dos documentos que compuseram as aplicações. Nessas mesmas datas, à exceção dos dias 08/11/1984 e 07/12/1984, existem registros de movimentações de recursos financeiros em sua conta corrente n° 96.650-4, mantida na mesma Agência 0532-Rio-Jardim Botânico do Banco ltaú em que foram realizadas tais aplicações, que correspondem aos resíduos positivos e/ou negativos das respectivas operações.

As sucessivas aplicações em títulos de renda fixa ao portador, relacionadas com os desvios do BANPARÁ, foram efetuadas na Agência 0532-Rio Jardim Botânico do Banco Itaú S/A, no Rio de Janeiro, no período de 06/04/1984 a 16/08/1989, em 257 dias úteis.

O gráfico das operações realizadas, objeto do Anexo 005, bem como a descrição constante nos itens 5.1 a 5.6, relativa a cada uma das ocorrências nos 257 dias úteis em que foram efetuadas, demonstram o vínculo causal existente entre os recursos desviados do BANPARÁ, as aplicações/resgates/reaplicações em títulos de renda fixa ao portador e os respectivos beneficiários finais.

Os levantamentos mostram a participação do sr. Jader Fontenelle Barbalho ora se beneficiando dos resíduos positivos, ora complementando as aplicações com recursos de sua conta corrente n° 96.650-4 mantida na mesma Agência 0532-Jardim Botânico/RJ do Banco Itaú onde foram realizadas as aplicações, além de sua presença física naquela Agência em diversos dias em que foram realizadas as sucessivas reaplicações, conforme anotações e assinaturas consignadas nas folhas do Livro Registro de

Aberturas Normais do Cofre Particular n° 144, que integram o Anexo 004.

Em algumas operações o sr. Jader Fontenelle Barbalho foi beneficiário não apenas dos resíduos das operações mas do produto de seus resgates, cabendo destaque para o resgate de duas aplicações sendo: i) parte da aplicação de 17/06/87, ocorrido em 20/08/87 e ii) parte da aplicação de 20/08/87, ocorrido em 10/08/88, em que além de ser beneficiário direto de parte das aplicações, utilizou-se do produto dos resgates para pagamento de seus seguros de Acidentes Pessoais à Itaú Seguros S/A (v. itens 5.122 e 5.200).

Constatou-se a utilização do produto dos resgates das aplicações em pagamentos a diversas pessoas físicas e jurídicas que possuíam algum vínculo de ligação com o sr. Jader Fontenelle Barbalho e pagamentos a terceiros, por conta e ordem dessas mesmas pessoas.

Do total de 257 dias úteis em que foram realizadas as operações, em 30 (11,6%) foi constatada a presença física do sr. Jader Fontenelle Barbalho na Agência; em 52 (20%) os resíduos positivos e/ou negativos foram recebidos e/ou pagos pelo sr. Jader Fontenelle Barbalho e em 114 (44%) houve pagamentos para o sr. Jader


Fontenelle Barbalho e/ou a pessoas físicas e jurídicas a ele ligadas (Anexo 005).

As aplicações foram efetuadas com recursos que tiveram origem em diversas fontes, a saber: i) nos desvios do BANPARÁ; ii) em cheques de Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários; iii) em cheques de pessoas físicas e jurídicas e iv) em recursos cuja origem não foi possível identificar. Esses recursos se juntaram no momento das aplicações, não havendo como separá-los por fonte nas datas dos resgates uma vez que no momento da aplicação não foi feita tal separação.

As principais origens dos recursos utilizados nas aplicações e os destinatários do conjunto desses recursos, estão identificados no quadro a seguir, cabendo registrar que, em função do tempo decorrido entre a realização das operações e a elaboração deste trabalho, não foi possível identificar algumas fontes e destinos.

ORIGEM VALOR – US$ DESTINO VALOR – US$ Mafra DTVM 2.912.654,92 Ourinvest DTVM 4.303.898,47 Intervalores DTVM 2.333.609,93 Jader Fontenelle Barbalho 4.152.538,53 Ética DTVM 1.496.851,82 Citibank – aplicação ao portador 3.120.759,84

Banco de Investim. Garantia 1.261.457,78 Bras-Mineração 675.000,00

BANPARÁ recurso desviado 913.315,86 ORTAPP Planejamento 503.151,39 Nelson Tanure e RCI Repres 618.823,61 Aderval Reuter Mota 429.427,16 ECCIR Constr. 144.508,67 Eliel Pereira Faustino 392.799,15 Plena DTVM 141.373,84 Fernando Emanuel G. do

Amaral 366.687,46

Sistema DTVM 132.332,53 Diários do Pará 335.287,89 Luiz Gonzaga R. Salomon 92.386,91 Aurélio Augusto Freitas de Meira

323.997,12 Sergio de Oliveira Porto 83.705,98 Silvio Ramalho de Oliveira 318.248,06 Benedicto Rossetti 65.866,75 Fernando de Castro Ribeiro 210.367,47 Raphael Levy 62.262,07 Nelson Tanure e RCI Repres. 129.959,28 Harley Nogueira Junior 56.647,40 Rádio Clube do Pará PRC5 107.485,60 Francisco José Bentes 56.430,64 Luiz Guilherme F. Barbalho 60.971,46 Outros 21.917,76 Fazenda Rio Branco 46.377,01 Origem não identificada 12.353.156,64 Elcione Therezinha Z. Barbalho 42.820,00 Joércio Fontenelle Barbalho 29.718,39 Carajás FM 16.537,94 Passtur Turismo 14.131,61 Laércio Wilson Barbalho 12.377,77 João Carlos de Oliveira Monteiro

6.707,59 Laércio Wilson Barbalho Júnior 5.743,46

Beneficiários não identificados 7.142.310,46 SOMA 22.747,303,11 SOMA 22.747.303,11 Brasília(DF), 04 de outubro de 2002.

(…).”

A defesa do acusado busca apoio na manifestação do agente policial, no sentido de que não haveria condições de se afirmar que o denunciado teria cometido o delito. É que o agente policial afirmara que não seria possível individualizar condutas (fls. 1.000-1.010). Trata-se, entretanto, como bem registra o Ministério Público Federal, de mera opinião manifestada pelo agente do órgão policial.

Está na manifestação do Ministério Público Federal, fl. 1.416 do volume VI: “(…)

5. De fato, a polícia federal —— em relatório confeccionado por agente de polícia —— concluiu não ser possível individualizar condutas (fls. 1000/1010). Pouco importa! É totalmente irrelevante para o oferecimento da peça acusatória a ‘opinião’ do órgão policial. O Ministério Público, como titular privativo da ação penal pública, é que detém a tarefa de avaliar os fatos trazidos aos autos e formar livremente sua convicção, vale dizer, concordando ou não com o relatório produzido pela polícia judiciária. Digase, a propósito, que as investigações que duraram quase 3 (três) anos só foram concluídas depois do excelente trabalho realizado pelo Banco Central, cujo relatório a defesa busca desdenhar. (…).” (Fl. 1.416)

Sustenta-se, também, ocorrer coisa julgada: os fatos que deram suporte à denúncia foram objeto de outros procedimentos, já arquivados. O Tribunal de Justiça do Pará deferiu, em 1993, habeas corpus para impedir seu indiciamento em inquérito policial instaurado para apurar o desvio de recursos do BANPARÁ.

A alegação não tem procedência.

A decisão que manda arquivar inquérito ou peças de informação “não causa preclusão, sendo uma decisão tomada rebus sic stantibus, que não produz coisa julgada”, segundo a lição de Mirabete (“Cód. de Proc. Penal Interpretado”, 3ª ed., Ed. Atlas, 1995, p. 57). No mesmo sentido a Súmula 524-STF. Com propriedade, rebate o Ministério Público Federal a alegação da defesa:

“(…)

8. O presente inquérito – INQ 1769 – foi instaurado em 07.08.2001 – em data posterior à manifestação do então Vice-Procurador-Geral da

República – atendendo a requerimento do Ministério Público Federal, e fundou-se na existência de provas novas. A respeito deste fato, o pedido de instauração de inquérito exaustivamente relatou todas as investigações anteriores a que se refere a defesa e apontou com clareza a existência de provas novas a ensejar a reabertura do caso.


Para que não se torne repetitivo sugere-se a leitura dos itens 33 a 57 (fls. 27 a 34), dos quais destacamos alguns verbis:

‘41. Ressalte-se, por oportuno, que é neste momento que surgem fatos novos aptos a ensejar o presente requerimento de instauração de inquérito penal, pois somente agora, foi possível identificar, com objetividade, os beneficiários do esquema de desvio de recursos do Banco Estadual do Pará.

42. Por meio do Ofício PRESI 2001/1836, de 19/07/2001, o Presidente do Banco Central apresentou os servidores daquela autarquia, Srs. ANTÔNIO PEREIRA DE SOUZA e NELSON RODRIGUES DE OLIVEIRA, para auxiliar nos trabalhos de apuração.

43. Posteriormente, o Presidente do BACEN, por meio dos Ofícios PRESI 2001/1922 e 2001/1937, respectivamente datados de 27 de julho e 30 de julho, ambos de 2001, esclareceu uma série de questões pertinentes à matéria. São estes os elementos novos que reputo imprescindíveis para abertura do presente inquérito. Note-se que o

Ministério Público Federal não dispunha destes novos fatos em maio de 2001 [data do último arquivamento]

44. Nos ofícios antes mencionados, o Banco Central esclarece os percursos do dinheiro desviado, bem como aponta de maneira inquestionável a participação do Senador JADER BARBALHO nas irregularidades praticadas no BANPARÁ em 1984. Anexo ao Ofício PRESI-2001/1937, a mim dirigido, encontra-se cópia de um quadro demonstrativo elaborado pelos citados técnicos da autarquia no final de junho do corrente ano, descrevendo o caminho percorrido pelos cheques administrativos do Banco Estadual, informando a composição das aplicações e resgates dos recursos desviados em títulos de renda fixa ao portador.

45. Essas percucientes informações prestadas agora pelo Banco

Central do Brasil, somadas à Nota Técnica nº 019/2001, elaborada pela da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, de 2/08/2001, deixam absolutamente claro o fato de que, somente agora, dispõe esta Procuradoria-Geral da República de elementos novos aptos a embasar o presente requerimento de instauração de inquérito penal originário.

46. Noutro giro, cumpre tecer algumas considerações acerca do Inquérito Policial n.º 900765644, instaurado pela Portaria nº 023/90-

DO/DOPS da SSP-PA e arquivado pela Justiça do Estado do Pará. Tal inquérito teve seu objeto de investigação delimitado à apuração tão somente da emissão dos cheques n.º 84/034, 84/035 e 84/036. As razões para a reabertura deste procedimento, sim, implicam a demonstração da presença de novas provas, de que se tem notícia, tal como estabelece o art. 18, do Código de Processo Penal, e a Súmula n.º 524, desse Excelso Pretório.’ (fls. 29/30).

9. Portanto, descabe assinalar a ocorrência de coisa julgada. Aliás, bem ressaltou a auditoria do Banco Central que somente agora, com a quebra do sigilo bancário determinada por V. Exª. é que foi possível reconstituir todos os fatos criminosos, verbis:

‘Por determinação do E. Supremo Tribunal Federal, foram efetuadas diligências junto a diversas Instituições Financeiras no sentido de se apurar e identificar a titularidade e os beneficiários das diversas; aplicações em Títulos de Renda Fixa ao portador efetuadas na Agência 0532-Rio/Jardim Botânico do Banco Itaú S.A, cujos recursos financeiros tiveram origem, em parte, nos desvios ocorridos no Banco do Estado do Pará S.A -BANPARÁ, notadamente nos meses de outubro a dezembro de 1984.

Também foi determinado oficiar o extinto Banco Econômico S.A para que remetesse toda a documentação relativa a um dos cheques desviados do BANPARÁ, o de nº 84/029, de 01/11/84, compensado na Agência Nazaré em Belém/PA.

A quebra do sigilo bancário foi autorizada de forma ampla de modo a permitir que se definissem os autores das ordens de aplicação/resgate, nome e CPF dos proprietários das contas de onde teriam saído os recursos para aplicação, bem como das contas onde os resgates teriam sido depositados.’ (fls. 3.476 – apenso 35)

10. Está demonstrada, pois, a existência de provas novas somente agora obtidas e devidamente analisadas pelo órgão técnico competente. Ademais, se a verificação da coisa julgada é tão patente como alega a defesa indagase por que não foi impetrado habeas corpus, para trancar o inquérito policial, quando da abertura do presente procedimento investigatório há 3 anos? (…).” (Fls. 1.417-1.418)

Sustenta a defesa, também, a inépcia da denúncia, que não teria observado o art. 41 do Código de Processo Penal, “porquanto não indica as circunstâncias pelas quais o desvio teria sido perpetrado, limitando-se a sustentar, com muita dificuldade, que o acusado teria sido beneficiário dos recursos apropriados indevidamente.” (fl. 1.068).

Não procede o alegado.

A denúncia é minuciosa, contendo os requisitos inscritos no art. 41 do CPP. Ela expõe o fato tido como criminoso, com todas as suas circunstâncias, descrevendo crime em tese.


No ponto, escreve o Ministério Público Federal, pelo seu ilustre Chefe, o Prof. Cláudio Fonteles: “(…) 13. Narra a acusação que no ano de

1984, o hoje Deputado Federal JADER BARBALHO, então na condição de Governador do Estado do Pará, apropriou-se de dinheiro pertencente ao Banco do Estado do Pará S.A. – BANPARÁ em esquema criminoso minuciosamente relatado pelo Banco Central do Brasil em documento acostado a fls. 3.467/3.882 – apensos 35/36. Aponta a narrativa acusatória precisamente o desvio de 10 (dez) cheques administrativos do BANPARÁ que compuseram, em parte, as aplicações financeiras em Títulos de Renda Fixa, na modalidade ‘ao portador’, na Agência 0532 (Jardim Botânico-RJ) do Banco Itaú, depositados nas seguintes datas: 17/10, 23/10, 07/11, 08/11, 29/11 e 07/12/1984. Aborda a sistemática de utilização dos cheques administrativos desviados e estabelece com nitidez o vínculo entre os desvios perpetrados e o acusado, especialmente nos itens 6 e 7 (fls. 4/5).

Comprova de forma categórica a presença do Sr. JADER BARBALHO na agência do Jardim Botânico-RJ nos dias em que as operações foram realizadas, conforme anotação e assinatura consignadas no Registro de Aberturas Normais do Cofre Particular n° 144 (fls. 3.948 – apenso 37). A denúncia, pois, individualiza o comportamento criminoso do acusado concluindo:

‘12. Dessume-se, portanto, que o denunciado, agindo com vontade livre e consciente, dirigida à produção do resultado criminoso, nos dias 17/10, 23/10, 07/11, 08/11, 29/11 e 07/12/1984, apropriou-se de Cr$ 2.481.733.548,00, valor correspondente a US$ 913.315,86, dinheiro pertencente ao Banco do Estado do Pará S.A. – BANPARÁ, instituição financeira então pertencente ao Estado do Pará, em proveito próprio.

Está, pois, incurso nas penas dos art. 312, caput, c/c o art. 327, § 2° ambos do Código Penal, por dez vezes.’ (fls. 7).

14. Tem-se, pois, a exposição do fato criminoso, suas circunstâncias, a qualificação do acusado e a classificação do crime.

(…).” (Fl. 1.419) Ademais, o desmembramento do feito relativamente aos acusados que não gozam do foro por prerrogativa de função que não têm, portanto, foro privilegiado . em nada prejudica a denúncia formulada. Vale transcrever, também nesta parte, a manifestação do Ministério Público Federal:

“(…)

15. Com relação ao argumento de que o desmembramento do feito requerido pelo Ministério Público Federal em relação às pessoas que não gozam de foro por prerrogativa de função, tal circunstância em nada prejudica a denúncia formulada. Primeiro, pelo singelo fato do denunciado ser o único com direito ao foro por prerrogativa de função a ser julgado por esse Excelso Supremo Tribunal Federal. Em segundo lugar, não há qualquer contradição em se afirmar que o único efetivamente beneficiário do esquema criminoso foi o ora denunciado JADER FONTENELLE BARBALHO. A participação ou não das demais pessoas citadas no presente inquérito nos fatos delituosos é tarefa, agora, da justiça estadual do Pará. Vale dizer, para o Ministério Público Federal não resta qualquer dúvida da prática de crime pelo denunciado, tanto é que ofereceu a denúncia, o mesmo não podendo ser dito em relação aos demais. Em suma, refuta-se a preliminar suscitada. (…).” (Fl. 1.420)

Sustenta o acusado, ainda, que o relatório do Banco Central teria sido manipulado e contém imprecisões técnicas. Essa é uma questão que deverá ser objeto da instrução criminal, vale dizer, deverá ser apreciada no contexto probatório.

A alegação da ocorrência de prescrição não procede. É que os fatos, segundo a defesa, estariam a tipificar crime contra o Sistema Financeiro Nacional e estaria mencionado delito prescrito.

No ponto, assim se manifestou o Ministério Público Federal:

“(…)

16. Aduz a defesa, também como preliminar, a ocorrência da prescrição, pois os fatos teriam correspondência fática no art. 5° da Lei n° 7.492/86 e não no art. 312 c/c o art. 327, § 2°, ambos do CP. Alega também a impossibilidade de se aplicar o conceito de função de direção à Governador de Estado.

17. Não há que se sustentar a ocorrência na hipótese de crime contra o sistema financeiro nacional. Disciplina o art. 25 da Lei n° 7.492/86, de forma restrita, quais são os sujeitos ativos dos crimes próprios dó sistema financeiro nacional:

‘Art. 25 – São penalmente responsáveis, nos termos desta lei, o controlador e os administradores de instituição financeira, assim considerados os diretores, gerentes. Parágrafo único – Equiparamse aos administradores de instituição financeira o interventor, o liquidante ou o síndico.’ (grifo nosso). 18. Não está abrangido no dispositivo legal o Governador de Estado. Esse Supremo Tribunal Federal já reconheceu a inaplicabilidade da Lei n° 7.492/86 à Estado da Federação, não cabendo responsabilizar Governadores e Secretários de Estado à luz desse diploma legal. A ementa do acórdão, relatado por V. Exa., está assim disposta verbis:


‘EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. PRECATÓRIOS. SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL: CRIMES: Lei 7.492, ‘de 1986.

artigos 5º, 6° e 7º, II. FALSIDADE IDEOLÓGICA: CÓDIGO PENAL, art. 299, parágrafo único: DISPENSA IRREGULAR DE LICITAÇÃO: Lei 8.666/93, art. 5°. I. – Apreciação da denúncia relativamente ao parlamentar que é titular de foro por prerrogativa de função no Supremo Tribunal Federal. II. – Delito inscrito tio art. 7°, 11, da Lei 7.492/86: inépcia da denúncia, tio ponto. III. – Delitos contra o

Sistema Financeiro Nacional: Lei 7.492/86, arts. 5°, 6° e 7º, II: impossibilidade de o Estado ser equiparado a uma instituição financeira: Lei 7.492/86, art. 1º, parágrafo único: o Estado, ao emitir títulos da dívida pública (Letras Financeiras do Estado) e colocá-las no mercado, para obter recursos para o Tesouro, não atuou como se fosse instituição financeira. Na aplicação da lei penal, vigora o princípio da reserva legal. Somente os entes que se enquadrem no conceito de instituição financeira, definidos no art. 1º e parágrafo único da Lei 7.492/86, é que respondem pelos tipos penais nela estabelecidos. IV. – Falsidade ideológica: C.P., art. 299, parágrafo único: a terceiros é atribuída a escrituração dos dados que continham erros, certo que os precatórios pendentes de pagamento não foram levantados pelo acusado, Secretário de Estado, mas por equipes de diversos órgãos, que teriam cometido as erronias e os equívocos. Impossibilidade de ser responsabilizado o Secretário de Estado pela prática do fato, a menos que fosse possível a invocação da responsabilidade objetiva, inadmissível em matéria penal. V. – Delito do art. 89 da Lei 8.666/93: dispensa irregular de licitação: inocorrência de prova no sentido de que o Secretário de Estado haja determinado, pessoalmente, o ato. Também aqui, ter-se-ia fato de terceiro. VI. – Denúncia rejeitada. Extensão da decisão aos demais denunciados pelos delitos contra o Sistema Financeiro Nacional: Lei 7.492/86, artigos 5° 6° e 7°, II.” (INQ 1690-PE, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, DJ

30.04.2004, grifo nosso).

19. Quanto à interpretação do mencionado art. 25, V. Exa. sustentou que: ‘Tal interpretação, que vê no art. 25 da Lei 7.492/86 unia norma de presunção absoluta de responsabilidade penal, readmite a proscrita responsabilidade penal objetiva e é manifestamente infringente do direito penal em vigor, informado pelo princípio do nullum crimen sine culpa, que requisita, como pressuposto, já ao nível da conduta e, pois, da tipicidade, a efetiva prática ou a participação da e na ação criminosa, em última análise afirmadas desnecessárias.’ (fls. 329/330 do voto).

20. Vale dizer, o Governador não era diretor, gerente, interventor, liquidante ou o síndico do BANPARÁ S.A., que contava com diretoria própria. O acusado agiu na qualidade de chefe da administração estadual, caracterizando, portanto, o crime de peculado e não o delito previsto no art. 5º da Lei nº 7.492/86. Da mesma forma que se apropriou de dinheiro pertencente ao Banco Estadual poderia ter se apropriado de valores ou bens de qualquer outro órgão público que tinha ingerência hierárquica. Em resumo, o fato de ter se apropriado de cheques administrativos do BANPARÁ S.A. não faz com que o denunciado se enquadre como sujeito ativo de crimes contra o sistema financeiro nacional. (…).” (Fls. 1.420-1.422)

Correto o entendimento.

A Lei 7.492, de 1986, art. 5º, posterior à ocorrência dos fatos, no art. 25, estabelece quais são os sujeitos ativos dos crimes próprios do Sistema Financeiro Nacional: o controlador e os administradores de instituição financeira, assim considerados os diretores, gerentes, a estes equiparados o interventor, o liquidante ou o síndico (art. 25, parág. único).

No caso, tem-se o Governador do Estado do Pará, que não era diretor, gerente, liquidante, interventor ou síndico.

A alegação no sentido da impossibilidade de aplicação, no caso, do disposto no § 2º do art. 327 do Código Penal (causa de aumento de pena) não tem procedência. No ponto, assim se manifestou o Ministério Público Federal:

“(…)

21. No tocante à causa de aumento de pena prevista no § 2° do art. 327 do CP, na cota que acompanhou a denúncia está expressamente consignado: ‘10. Cabe neste momento, ainda, algumas observações quanto à causa de aumento de pena prevista no art. 327, § 2º, do CP, acrescentada pela Lei n. ° 6.799/80 – quando o crime for cometido por ocupante de função de direção de órgão da administração direta – descrita na denúncia.

11. É oportuno frisar que o BANPARÁ, à semelhança dos demais bancos estaduais, apresenta-se conto instituição financeira de peculiar feição: consiste em agente do desenvolvimento sócioeconômico do Estado do Pará. Cuida-se de sociedade de economia mista, com participação do Poder Público e de particulares no seu capital e na sua administração. Integra, vale dizer, a Administração indireta, sendo espécie do gênero paraestatal, na medida em que sua criação adveio do próprio Estado, e ao lado do Estado e sob seu controle desempenha as atribuições de interesse público que lhes foram cometidas (a respeito, Cf. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 21ª edição. São Paulo: Malheiros, 1996,


páginas 331/339).

12. A situação jurídica do BANPARA tem conto consectário inexorável a participação ativa do Poder Público na vida e realização da empresa: isto é, reserva-se ao Estado o poder de atuar nos negócios sociais.

13. Essa feição peculiar de que se reveste o BANPARA. assim como todos os bancos estaduais, confere ao Governador do Estado – chefe do Poder Executivo Estadual – poder de direcionamento e atuação nos seus negócios. Aliás, foi o próprio JADER BARBALHO, na condição de Governador do Estado do Pará, que nomeou os dirigentes do BANPARÁ (vide depoimentos dos funcionários do banco). Portanto, resta demonstrada na denúncia a referida causa de aumento.’ (fls.

1.020/1.021)

22. Não há como, portanto, afastar o Governador de Estado, Chefe de Governo da administração estadual, autoridade máxima do Poder Executivo Estadual, do conceito de ‘ocupante de função de direção de órgão da administração direta’ inserto no já mencionado § 2° do art. 327 do Código Penal. (…)”. (Fls. 1.422-1.423)

Correto o entendimento.

Com efeito.

A regra do § 2º do art. 327 do Código Penal é que a pena será aumentada da terça parte quando o autor do crime for ocupante de cargo em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público.

Numa interpretação literal do texto, poder-se-ia concluir que o governador, denunciado pelo crime de peculato, não se incluiria no dispositivo legal indicado. Ter-se-ia, com isso, mera interpretação literal. Mas a interpretação literal não é interpretação, mas simples leitura do texto a ser interpretado. A partir dessa leitura, passa-se, então, à interpretação. Esta exige, primeiro que tudo, que se busque a ratio do texto interpretando, a fim de que seja realizada a sua finalidade. É o que procuraremos fazer. O governador, o prefeito, o presidente da República, enfim, qualquer autoridade pública pode ser sujeito do crime de peculato. É dizer, tais autoridades estão na cabeça do art. 312 do Código Penal. Indaga-se agora: qual a razão da regra do § 2º do art. 327 do Código Penal? A razão é esta: quem exerce cargo em comissão geralmente exerce cargo de direção. Esse servidor tem, pois, relativamente aos servidores que chefia, responsabilidade maior, e maior, evidentemente, poder de disposição dos bens públicos. Se é assim relativamente ao servidor que ocupa cargo em comissão, o que dizer exercentes dos cargos de chefia do executivo, do prefeito, do governador ou do Presidente da República?

Evidentemente que esses dirigentes superiores da administração pública têm responsabilidade muito maior do que o mero exercente de cargo em comissão, do detentor de DAS. E o poder de disposição dos bens públicos, que detêm é, também, muito maior do que o do mero exercente de cargo em comissão, do mero detentor de DAS.

Observada, então, a ratio legis, a razão da norma inscrita no § 2º do art. 327 do Código Penal, forçoso é convir que está o governador nela incluído.

O raciocínio acima não implica interpretação analógica ou extensiva, mas, simplesmente, interpretação compreensiva do texto. Está-se, simplesmente, interpretando a norma, observada a sua razão e a sua finalidade. Afasto, destarte, a alegação no sentido de que não seria aplicável, no caso, a regra do § 2º do art. 327 do Código Penal.

As demais alegações postas na defesa dizem respeito ao mérito da ação penal e somente serão esclarecidas na instrução criminal, com a realização das provas requeridas, como bem deixou expresso o Ministério Público Federal:

“(…)

24. A defesa pretende, na realidade, examinar todo o conjunto probatório carreado aos autos, o que certamente não se coaduna com o presente momento processual de delibação quanto ao recebimento da denúncia. De toda sorte, não procedem os argumentos trazidos pela defesa.

25. Em primeiro lugar, indaga a defesa como ‘poderia o denunciado ter se beneficiado dos recursos como alega a acusatória, se os valores dos Cheques administrativos representam a quinta parte dos recursos movimentados pelo Denunciado’ (fls. 1086).

Não há qualquer contradição. Nunca afirmou o Ministério Público Federal, em sua acusação, que o montante de recursos aplicados nos Títulos de Renda Fixa tenham sido exclusivamente fruto dos cheques administrativos apropriados do BANPARÁ. Ao contrário, sempre se asseverou que o dinheiro desviado do banco estadual fazia ‘parte’ das aplicações. Leia-se, a respeito, o item 2 da denúncia:

‘2. Resta nitidamente comprovado nos autos que foram desviados 10 (dez) cheques administrativos do BANPARÁ que compuseram, em parte, as aplicações financeiras em Títulos de Renda Fixa

(..)’ (fls. 3 grifo nosso).

26. Portanto, não há qualquer contradição em se afirmar que o denunciado se apropriou de US$ 913.315,86 pertencentes à instituição financeira estadual, que somados a inúmeros outros valores —— pouco importando a origem —— compuseram as aplicações em Títulos de Renda Fixa. Isto está claro na denúncia e muito bem assinalado no relatório do Banco Central, especialmente a fls. 3882 do apenso 36. Se ao final das inúmeras aplicações e reaplicações o denunciado obteve ganhos muitos maiores, tal fato em nada afasta sua responsabilidade pessoal pela apropriação de quantia pertencente ao BANPARÁ.

27. Ademais, o próprio denunciado admite que esteve presente pessoalmente na agência do Jardim Botânico (fls. 1089) nos dias em que foram depositados os cheques desviados do BANPARÁ.

Ora, Excelência, só a presença deste indício seria causa bastante (fumus boni juris) para o recebimento da vestibular acusatória. É de se perguntar: por que cheques do banco estadual do Pará estavam sendo depositados numa agência de instituição financeira privada, na cidade do Rio de Janeiro, exatamente nos dias em que o Sr. JADER BARBALHO, então Governador do Estado do Pará, lá esteve presente? Pergunta, que não cala, não a responde a defesa!

(…).” (Fls. 1.423-1.424)

O que deve ser reconhecido, no caso, é que a denúncia descreve crime em tese, crime de peculato inscrito no art. 312 do Código Penal. Sujeito ativo do crime de peculato é o funcionário público, considerado este no seu conceito amplo (Código Penal, art. 327). No que toca ao tipo objetivo do delito, “no peculato próprio, definido no caput do art. 312, as condutas típicas constituem-se em apropriação ou desvio. No peculato apropriação, o agente se dispõe a fazer sua a coisa de que tem a posse legítima, pressuposto do crime. Se ilegítima, ou se o bem não está sob a guarda da Administração pode ocorrer outro delito. No conceito de posse inclui-se não só a detenção material como o poder de disposição dos bens” (Júlio Fabrini Mirabete, “Código Penal Interpretado”, Ed. Atlas, 2ª ed., 2001, pág. 1.904).

Tratando-se de peculato, basta o dolo genérico, vale dizer, a vontade consciente de apropriar-se do dinheiro de que o agente tem a posse ou o poder de disposição, consumando-se o delito de peculato apropriação quando o servidor público “torna seu o dinheiro, valor ou bem móvel de que tem a posse em razão do cargo, ou seja, passa a dispor do objeto material como se fosse seu” (Mirabete, ob. cit., pág. 1.913).

No caso, vale repetir, a denúncia descreve crime em tese, pelo que deve ser recebida. De todo o exposto, recebo a denúncia.

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