O Capital

AMB critica declaração de Vidigal sobre investidores estrangeiros

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25 de novembro de 2004, 20h54

A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) criticou a afirmação do presidente do Superior Tribunal de Justiça, Edson Vidigal, segunda a qual os Judiciários da América Latina devem ter “o discurso afinado para enviar sinais aos investidores”. Segundo a entidade, a declaração foi dada ao diário Jornal do Comércio do Rio de Janeiro, no dia 11 de novembro.

Em discurso no I Encontro sobre a Reforma Judiciária na América do Sul, nesta quinta-feira (25/11), Vidigal voltou a falar da importância da segurança jurídica para o desenvolvimento econômico do país. Para ele, nesse contexto, “os capitais aportam e demoram. A economia cresce. Diminui o desemprego. Aumenta a arrecadação. Melhora a classe média, e os direitos e vantagens da democracia chegam aos pobres, alcançam a todos”, disse.

Assinado pelo presidente da AMB, Claudio Baldino Maciel, o texto afirma que o compromisso do STJ e de todos os juízes é fazer cumprir as leis e a Constituição e “zelar para que as forças do mercado atuem rigorosamente de acordo” com elas. Para a entidade, é descabida “qualquer sinalização atrativa de tribunal brasileiro a investidores internacionais. Se os Judiciários latino-americanos devem ‘afinar o discurso’, que o seja em torno dos reais valores do Estado Democrático de Direito”.

A maioria das personalidades ourvidas pela Consultor Jurídico não entendeu a mensagem de Vidigal como uma ameaça aos valores democráticos ou à igualdade social, mas como um apelo à maior eficiência e previsibilidade da justiça para estimular o desenvolvimento econômico.

Para o advogado Zanon de Paula Barros, no entanto, a declaração de Vidigal é perfeita . “A segurança jurídica significa uma sociedade estável”, disse. Segundo ele, a questão não está em agradar ou não aos investidores, mas no fato de que a estabilidade judiciária e a certeza do cumprimento das regras jurídicas trarão automaticamente os investimentos e dará confiança “ao cidadão e à sociedade”.

De acordo com Lionel Zaclis, o presidente do STJ tem razão em suas declarações. “Não só o investidor, mas o cidadão se sente mais seguro onde há previsão do que vai acontecer”, afirmou. “Não há como se sentir seguro num país em que as decisões podem representar uma loteria. Para ele, a previsibilidade do Judiciário é uma questão de racionalidade. “Para isso que se estuda direito e para isso que existe jurisprudência. Não se pode julgar de acordo com visão própria”, disse.

Já para o advogado Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa, a tese de Vidigal é “muito bonita, mas a garantia em relação aos contratos não depende só do Judiciário, mas também do governo”. Segundo ele, a maior crítica em direito empresarial é dirigida à lentidão dos julgamentos e à falta de especialização dos juízes, que muitas vezes têm decisões contraditórias. A garantia das decisões será assegurada com mecanismos como “a súmula vinculante obrigará os juízes a decidir de acordo com a determinação da súmula”.

Na opinião do presidente da Associação dos Juizes Federais (Ajufe), Jorge Maurique, a manifestação da AMB repousa em divergências com Vidigal. “O presidente do STJ expressou seu ponto de vista, o que é um direito fundamental garantido pela Constituição da República”, disse. Quanto ao posicionamento do presidente do STJ, ele afirmou entender que “a função do Judiciário é fazer cumprir a lei e a Carta Magna” ainda que, eventualmente, “a decisão entre em choque com interesses privados seja lá de quem for”.

O mérito da declaração de Vidigal é visto pelo mesmo prisma pelo presidente da Associação dos Magistrados Trabalhistas, Grijalbo Coutinho. “A preocupação do Judiciário deve ser com a celeridade, a efetividade decisões judiciais e a maior justiça social”, afirmou. “O Judiciário não pode fechar os olhos para a elevada concentração de renda que existe na América Latina”.

Para ele, a previsibilidade Jurídica pode “ser boa para o mercado, que terá garantia do cumprimento dos contratos, mas não atende à imensa maioria da população, principalmente os consumidores e trabalhadores”. Grijalbo ressaltou ser importante que “nenhuma razão de ordem econômica prejudique a independência do Judiciário, pois ela é um valor que está acima do valor colocado pelo ministro de garantia aos investidores”.

Procurado pela revista Consultor Jurídico, Vidigal afirmou que não ter nada a comentar sobre a nota da AMB. “Eles estão em campanha pela renovação ou não de sua diretoria”, disse. A eleição para a nova presidência da associação foi feita nesta quinta-feira.

Leia a íntegra da nota da AMB

A Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, entidade que congrega cerca de 15 mil magistrados de todas as áreas do Judiciário brasileiro, tendo em vista declarações atribuídas pela imprensa ao Sr. Presidente do Superior Tribunal de Justiça, Ministro Edson Vidigal, no sentido de que os Judiciários da América Latina devem ter “o discurso afinado para enviar sinais aos investidores”, vem a público declarar o seguinte:

1. A magistratura brasileira sempre denunciou publicamente que a reforma do Poder Judiciário é orientada, em grande parte, por interesses de investidores internacionais, bem retratados em documentos do Banco Mundial, especialmente o Documento Técnico 319 (“O Poder Judiciário na América Latina e no Caribe – Elementos para Reforma”), instituição que vem propondo e financiando reformas nos Judiciários de diversos países latino-americanos com fundamento único na previsibilidade das decisões e no maior grau de coerção no cumprimento dos contratos, com o único objetivo de aumentar o lucro dos investidores em países periféricos.

2. A magistratura quer reformas institucionais que sirvam ao povo brasileiro, como a melhoria do acesso à Justiça e a simplificação dos ritos processuais, que tornem o Judiciário menos verticalizado e mais efetivo, democrático e transparente, mas não aceita a reforma de nossa Justiça com base nos interesses do mercado internacional.

3. A prática dos mercados deve ater-se criteriosamente às leis e à Constituição interpretadas por um Poder Judiciário independente e norteado pelos objetivos fundamentais da República, dentre eles a construção de um Estado soberano e de uma sociedade livre, justa e solidária.

4. Sua Excelência preside um prestigiado tribunal nacional cujo compromisso, como o de todos os juízes do país, é o de cumprir e fazer cumprir as leis e a Constituição e zelar para que as forças do mercado atuem rigorosamente de acordo com aquelas, sendo descabida, portanto, qualquer sinalização atrativa de tribunal brasileiro a investidores internacionais. Se os Judiciários latino-americanos devem “afinar o discurso”, que o seja em torno dos reais valores do Estado Democrático de Direito.

5. Por estes e outros motivos, a magistratura nacional não se vê representada nas manifestações do ministro Edson Vidigal.

Brasília, 17 de junho de 2004.

Cláudio Baldino Maciel

Presidente

Associação dos Magistrados Brasileiros

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