Lixo no lixo

Promotor pede a suspensão dos contratos de lixo de São Paulo

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24 de novembro de 2004, 13h22

O promotor de Justiça Tulio Tadeu Tavares, do Ministério Público paulista, ajuizou ação na Primeira Vara de Fazenda Pública contra as contratações de coleta de lixo feitas pela prefeita Marta Suplicy. O MP paulista quer a suspensão dos contratos.

De acordo com a ação, funcionários da Secretaria de Obras do município cometeram atos ilegais tendentes a fraudar a licitação para a contratação das empresas para executar o serviço de limpeza pública de São Paulo. As fraudes se estenderiam por outras nove cidades paulistas.

Segundo o Ministério Público “interceptações telefônicas, judicialmente autorizadas revelaram que agentes de empresas do setor de limpeza urbana (varrição e coleta de lixo), em conjunto e de forma organizada, atuavam ilegalmente nas cidades e comarcas de Sertãozinho, Jaboticabal, Barretos, Monte Alto, Caçapava, Matão, Araraquara, Franca, Ribeirão Preto e São Paulo, com o intuito de fraudar licitações públicas do setor, enriquecer-se ilicitamente e causar dano ao erário”.

Além do secretário municipal de Obras, Osvaldo Misso, são citados outros cinco funcionários da secretaria e nove empresas participantes da licitação. O contrato de limpeza pública de São Paulo, com prazo de 20 anos prorrogável por outros 20 anos, é de cerca de R$ 10 bilhões, podendo chegar a R$ 20 bilhões.

De acordo com as investigações do Ministério Público o resultado da licitação estava “amarrado” ao resultado de outra concorrência realizada concomitantemente pelas subprefeituras de São Paulo com a previsão de vitória dos consórcios Bandeirantes e São Paulo Limpeza Urbana e da empresa Qualix.

Segundo o Ministério Público, a a administração, através da “contratação mais cara do mundo”, acabou contratando duas empresas condenadas por improbidade administrativa e proibidas a fazer contratos com o poder público durante cinco anos – a Vega Engenharia Ambiental S/A e a Cavo Serviços e Meio Ambiente. Além disso, garante o Minsitério Público, a Veja deve mais de R$ 1 bilhão em tirbutos e contribuições ao governo federal.

Garante ainda o MP paulista que “a presente ação tem por escopo, unicamente, restabelecer a moralidade administrativa flagrantemente lesada no certame licitatório”.

Leia a íntegra da ação

A Promotoria de Justiça da Cidadania da Capital ajuizou no, dia 23 de novembro de 2004, AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL POR ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA contra OSVALDO MISSO, MARCO ANTONIO FIALHO, ANTONIO CARLOS NOGUEIRA PIMENTEL JÚNIOR, ZENAIDE FRAGA BUENO, JEALCI REIMUNDES DE QUEIROZ, ECOURBIS AMBIENTAL S/A (pessoa jurídica de propósito específico, constituída pelo Consórcio Bandeirantes II), SP LIMPEZA URBANA S/A — SAMPALIMP (pessoa jurídica de propósito específico, constituída pelo Consórcio São Paulo Limpeza Urbana), VEGA ENGENHARIA AMBIENTAL S/A, CAVO – SERVIÇOS E MEIO AMBIENTE S/A., SPL CONSTRUTORA E PAVIMENTADORA LTDA, CONSTRUTORA QUEIROZ GALVÃO S/A, HELENO E FONSECA CONSTRUTÉCNICA S/A., LOT OPERAÇÕES TÉCNICAS LTDA, sendo as três primeiras integrantes do Consórcio São Paulo Limpeza Urbana, e as três últimas integrantes do Consórcio Bandeirantes II, e empresa QUALIX SERVIÇOS AMBIENTAIS LTDA.

O teor da ação é o seguinte:

EXCELENTÍSSIMO (A) SENHOR (A) DOUTOR (A) JUIZ(A) DE DIREITO DA … VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DA CAPITAL.

“Ora, a prefeitura fez tudo errado, a começar do modelo de coleta de lixo que adotou, dirigido propositalmente para a concentração nas mãos de poucos prestadores do serviço…” (CLÁUDIO WEBER ABRAMO, mestre em lógica e filosofia da ciência pela UNICAMP) [1].

“Eu gostaria até de revogar [a licitação], se você quiser saber, para preservar a minha integridade. Mas não posso fazer isso. Não tenho alternativa” (OSVALDO MISSO, Secretário da Secretaria de Serviços e Obras da Prefeitura de São Paulo) [2].

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, representado pelos Promotores de Justiça da Cidadania da Capital, abaixo-assinados, com fundamento nos artigos 37 § 4º, 129, inciso III, 170, inciso IV, 173, § 4º, da Constituição Federal; 3º da Lei 8.666/93, e 25, inciso IV, alínea b, da Lei n. 8.625/93; 942, caput, do Código Civil; Lei n. 8.429/92; Lei n. 7.347/85 e Lei n. 8.884/94, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, promover a presente AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL POR ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, sob o rito comum ordinário, com pedido medida liminar inaudita altera parte, em face de:

1. OSVALDO MISSO, RG xxx, CPF n. xxx, brasileiro, casado, engenheiro civil, Secretário Municipal da Secretaria de Serviços e Obras da Prefeitura de São Paulo, podendo ser encontrado na Rua xxx, n. xxx, Ipiranga – São Paulo/SP;

2. MARCO ANTONIO FIALHO, RG n. xxx, CPF n. xxx, brasileiro, solteiro, geógrafo, Chefe de Gabinete da Secretaria de Serviços e Obras da Prefeitura de São Paulo e Presidente da Comissão Especial de Licitação da Concorrência Pública n. SSO/19/2003, podendo ser encontrado na Rua xxxx, Ipiranga – São Paulo/SP;


3. ANTONIO CARLOS NOGUEIRA PIMENTEL JÚNIOR, RG n. xxx, CPF xxx, brasileiro, solteiro, engenheiro civil, Chefe da Assessoria Técnica da Secretaria de Serviços e Obras da Prefeitura de São Paulo e Membro da Comissão Especial de Licitação da Concorrência Pública n. SSO/19/2003, podendo ser encontrado na Rua xxx xxx, Ipiranga – São Paulo/SP;

4. ZENAIDE FRAGA BUENO, RG n. xxx, CPF xxx, brasileira, separada, advogada, Chefe da Assessoria Jurídica da Secretaria de Serviços e Obras da Prefeitura de São Paulo e Membro Titular da Comissão Especial de Licitação da Concorrência Pública n. SSO/19/2003, podendo ser encontrada na Rua xxx, Ipiranga – São Paulo/SP;

5. JEALCI REIMUNDES DE QUEIROZ, RG n. xxx-X, brasileira, solteira, contadora, Chefe da Assessoria Econômico-Financeira da Secretaria de Serviços e Obras da Prefeitura de São Paulo e Membro Titular da Comissão Especial de Licitação da Concorrência Pública n. SSO/19/2003, podendo ser encontrada na Rua xxx, Ipiranga – São Paulo/SP;

6- ECOURBIS AMBIENTAL S/A, pessoa jurídica de propósito específico, constituída pelo Consórcio Bandeirantes II, registrada na Junta Comercial do Estado de São Paulo, sob o n. xxx, sediada na Rua xxx, Itaim Bibi, São Paulo – São Paulo;

7. SP LIMPEZA URBANA S/A – SAMPALIMP, pessoa jurídica de propósito específico, constituída pelo Consórcio São Paulo Limpeza Urbana, registrada na Junta Comercial do Estado de São Paulo, sob o n. xxx, sediada na Praça xxx, Moóca, São Paulo – São Paulo;

8. VEGA ENGENHARIA AMBIENTAL S/A, CNPJ n. xxx, sediada na Praça xxx, Moóca – São Paulo – SP, Cep: xxx, integrante do Consórcio São Paulo Limpeza Urbana;

9. CAVO – SERVIÇOS E MEIO AMBIENTE S/A., CNPJ n. xxx, sediada na Rua xxx Vila Olímpia – São Paulo – SP, Cep: xxx, integrante do Consórcio São Paulo Limpeza Urbana;

10. SPL CONSTRUTORA E PAVIMENTADORA LTDA, CNPJ n. xxx, sediada na Av. xxx; Bairro xxx – Sorocaba – SP, Cep:xxx, integrante do Consórcio São Paulo Limpeza Urbana;

11. CONSTRUTORA QUEIROZ GALVÃO S/A, CNPJ n. xxx, sediada na Rua xxx – xxx, Itaim Bibi – São Paulo – SP, Cep: xxxx, integrante do Consórcio Bandeirantes II;

12. HELENO E FONSECA CONSTRUTÉCNICA S/A., CNPJ n. xxx, sediada na xxx, Brooklin Novo – São Paulo – SP, Cep: xxx integrante do Consórcio Bandeirantes II;

13. LOT OPERAÇÕES TÉCNICAS LTDA, CNPJ n. xxx, sediada na Rua xxx, Jardim Prudência – São Paulo – SP, Cep: xxx, integrante do Consórcio Bandeirantes II;

14. QUALIX SERVIÇOS AMBIENTAIS LTDA., CNPJ xxx, sediada na Rua xxx, xxx, Itaim – São Paulo – São Paulo,

pelos motivos de fato e de direito a seguir deduzidos:

I. DOS FATOS

I.a – Introdução.

O incluso procedimento investigatório PJC-CAP 324/03-A é constituído de peças extraídas do procedimento investigatório PJC-CAP 324/03, que, por sua vez, foi instaurado com o fim de apurar denúncias de irregularidades ocorridas na Concorrência n. 19/SSO/03, promovida pela Secretaria de Serviços e Obras da Prefeitura do Município de São Paulo, para “a seleção de interessados na outorga da exploração, em regime de concessão, dos serviços divisíveis de limpeza urbana prestados em regime público”, pelo prazo de 20 (vinte) anos, prorrogável por igual período, ao preço de quase R$10.000.000.000,00 (dez bilhões de reais), podendo chegar a quase R$ 20.000.000.000,00 (vinte bilhões de reais), em caso de prorrogação.

Durante as investigações, esclareceu-se que os atos ilegais ocorridos na Capital, tendentes a fraudar o certame licitatório em questão, tinham ligação direta com atos ilegais que se alastravam por mais 09 (nove) cidades do interior do Estado de São Paulo.

Interceptações telefônicas, judicialmente autorizadas (fls. 373/381), implementadas pelo Grupo de Atuação Especial Regional para Prevenção e Repressão ao Crime Organizado – GAERCO de Ribeirão Preto, do Ministério Público do Estado de São Paulo, revelaram que agentes de empresas do setor de limpeza urbana (varrição e coleta de lixo), em conjunto e de forma organizada, atuavam ilegalmente nas cidades e comarcas de Sertãozinho, Jaboticabal, Barretos, Monte Alto, Caçapava, Matão, Araraquara, Franca, Ribeirão Preto e São Paulo, com o intuito de fraudar licitações públicas do setor, enriquecer-se ilicitamente e causar dano ao erário.

Os inúmeros diálogos interceptados estão sendo transcritos pelo Instituto de Criminalística de Ribeirão Preto. A partir daí, serão empreendidas diligências para a apuração detalhada do empreendimento criminoso e identificação de todas as pessoas nele envolvidas.

Estão atuando nas investigações as Promotorias de Justiça da Cidadania da Capital e de Ribeirão Preto, o Grupo de Atuação Especial para Prevenção e Repressão ao Crime Organizado – GAECO da Capital e o Grupo de Atuação Especial Regional para Prevenção e Repressão ao Crime Organizado – GAERCO de Ribeirão Preto.


A presente ação tem por escopo, unicamente, restabelecer a moralidade administrativa flagrantemente lesada no certame licitatório n. 19/SSO/03, e, conseqüentemente, estancar o dano perpetrado contra o erário da Capital. Por fim, punir os agentes responsáveis pelos atos ilegais até então levantados.

Apurou-se que o resultado final da licitação para a concessão dos serviços de coleta de lixo da capital, promovida pela Secretaria de Serviços e Obras, por ação e obra de agentes do setor da limpeza urbana, estava “amarrado” ao resultado da Concorrência n. 04/SMSP/COGEL/2003, promovida pela Secretaria das Subprefeituras de São Paulo, que tramitava concomitantemente com aquela, para a contratação de empresas para a execução do serviço indivisível de varrição da cidade de São Paulo: O Consórcio Bandeirantes II ganharia a concorrência para efetuar a coleta de lixo do Agrupamento Sudeste; o Consórcio São Paulo Limpeza Urbana ganharia a concorrência para efetuar a coleta de lixo do Agrupamento Noroeste. Por sua vez, a empresa Qualix Serviços Ambientais S/A atuaria na concorrência para a coleta de lixo como empresa de “cobertura” àqueles dois consórcios, e ganharia o lote mais rentável da licitação da varrição, ou seja, o da Subprefeitura da Sé.

Foi o que aconteceu.

A Administração, na contratação mais cara do mundo no setor, acabou contratando duas empresas condenadas por atos de improbidade administrativa. A Vega Engenharia Ambiental S/A foi condenada nos autos da ação de improbidade administrativa n. 053.99.423.632-9, pelo E. Juízo da 14ª Vara da Fazenda Pública da Capital, cuja sentença foi confirmada pelo E. Tribunal de Justiça. A execução provisória relativa a essa condenação foi suspensa por liminar concedida pelo Superior Tribunal de Justiça (fls. 693/697). A Cavo – Serviços e Meio Ambiente foi condenada em primeira instância em duas ações de improbidade pelo EE. Juízos da 8ª e 13ª Varas da Fazenda Pública da Capital, autos n. 1.071/99 e 2112/99-1, respectivamente (fls. 638/660 e 661/676) [3]. Além de condenadas às reparações dos danos que causaram ao erário, as duas empresas foram condenadas à proibição de contratar com o poder público pelo prazo de 5 (cinco) anos.

Não bastasse, a empresa Vega Engenharia Ambiental deve ao Fisco Federal, entre tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal, R$ 1.496.532.728,17 (um bilhão, quatrocentos e noventa e seis milhões, quinhentos e trinta e dois mil, setecentos e vinte e oito reais e dezessete centavos), razão pela qual está sofrendo Execução Fiscal pela Procuradoria da Fazenda Nacional em São Paulo – Projeto Grandes Devedores (fls. 708/728).

No início de outubro de 2004, a Promotoria de Justiça da Cidadania ajuizou outra AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL POR ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, em face de VEGA ENGENHARIA AMBIENTAL S/A., CONSTRUTORA QUEIROZ GALVÃO S/A., CLIBA LTDA. e servidores do município, buscando a reparação ao erário de R$ 1.401.126.685,74, em trâmite pela E. 4ª Vara da Fazenda Pública da Capital (fls. 729/773).

I.b – Do objeto e especificações gerais da Concorrência 19/SSO/03.

A concorrência 19/SSO/03 tramitou nos autos do procedimento administrativo n. 2003-0.055178-5 e teve por objeto “a seleção de interessados na outorga da exploração, em regime de concessão, dos serviços divisíveis de limpeza urbana prestados em regime público”. Foi instaurada com base na Lei municipal n. 13.478 de 30 de dezembro de 2002, que “dispõe sobre a organização do Sistema de Limpeza Urbana do Município de São Paulo; cria e estrutura seu órgão regulador; autoriza o Poder Público a delegar a execução dos serviços públicos mediante concessão ou permissão; institui a Taxa de Resíduos Sólidos Domiciliares – TRSD, a Taxa de Resíduos Sólidos de Serviços de Saúde – TRSS e a Taxa de Fiscalização dos Serviços de Limpeza Urbana – FISLURB; cria o Fundo Municipal de Limpeza Urbana – FMLU, e dá outras providências”.

O Município de São Paulo, para fins do objeto do certame, foi dividido em dois agrupamentos. O primeiro, denominado de Agrupamento Noroeste (NO), o segundo, de Sudeste (SE), nos termos do item 1.2 do Edital:

“1.2. A licitação é dividida em 2 (dois) Agrupamentos, denominados Agrupamento Noroeste – NO e Agrupamento Sudeste – SE, correspondentes a distintos grupos de Subprefeituras [4] em que se divide o Município de São Paulo, conforme descritos no Anexo II deste Edital.”

O prazo da concessão foi fixado em 240 (duzentos e quarenta) meses, ou seja, 20 (vinte) anos, prorrogável por mais 20 (vinte), nos termos do item 2.1 do Edital:

“2.1. O prazo da concessão será de 240 (duzentos e quarenta) meses, contados a partir da data da assinatura do Contrato de Concessão, prorrogáveis por igual ou menor período, nas condições fixadas na Minuta do Contrato de Concessão – Anexo XIII – e no art. 38 da Lei Municipal nº 13.478/02”.


A Administração estimou o valor contratual, com base em preços de mercado, para os primeiros 20 (vinte) anos, em R$ 4.500.976.730,00 (quatro bilhões, quinhentos milhões, novecentos e setenta e seis mil, e setecentos e trinta reais), para o Agrupamento Noroeste – NO, e R$ 4.498.345.950,00 (quatro bilhões, quatrocentos e noventa e oito milhões, trezentos e quarenta e cinco mil, e novecentos e cinqüenta reais), para o Agrupamento Sudeste – SE, nos termos do item 6.3 do Edital:

“6.3 O valor estimado do Contrato de Concessão, para fins deste Edital, é de R$ 4.500.976.730,00 (quatro bilhões, quinhentos milhões, novecentos e setenta e seis mil, e setecentos e trinta reais), para o Agrupamento Noroeste – NO e de R$ 4.498.345.950,00 (quatro bilhões, quatrocentos e noventa e oito milhões, trezentos e quarenta e cinco mil, e novecentos e cinqüenta reais) para o Agrupamento Sudeste – SE.”

A tarifa mensal foi estimada em R$ 18.754.069,70 (dezoito milhões, setecentos e cinqüenta e quatro mil, sessenta e nove reais, e setenta centavos), para o Agrupamento Noroeste – NO, e R$ 18.743.108,12 (dezoito milhões, setecentos e quarenta e três mil, cento e oito reais, e doze centavos), para o Agrupamento Sudeste (SE), nos termos do item 6.4 do Edital:

“6.4 O valor de referência da tarifa mensal, para fins deste Edital, é de R$18.754.069,70 (dezoito milhões, setecentos e cinqüenta e quatro mil, sessenta e nove reais, e setenta centavos), para o Agrupamento Noroeste – NO, e R$18.743.108,12 (dezoito milhões, setecentos e quarenta e três mil, cento e oito reais, e doze centavos) para o Agrupamento Sudeste (SE).”

O critério de julgamento das propostas comerciais foi o da menor tarifa global apresentada pelos concorrentes, nos termos do item 9.2.1 do Edital:

“9.2.1. O julgamento da proposta comercial será efetuado em função da menor tarifa global apresentada pelos licitantes, procedendo-se à classificação das propostas pela ordem crescente de tarifas propostas.”

Para os fins de celebração do contrato, a Prefeitura Municipal seria representada pela Autoridade Municipal de Limpeza Urbana – AMLURB, autarquia ligada à Secretaria de Serviços e Obras, criada pela Lei municipal n. 13.478/02 (Anexo XIII, do Edital), e os vencedores do certame deveriam constituir sociedade de propósito específico, nos termos do item 15 do Edital.

Atuou no caso a Comissão Especial de Licitação designada pela Portaria n. 175/SGM/03, conforme publicação feita no Diário Oficial do Município do dia 6 de agosto de 2003, composta por MARCO ANTÔNIO FIALHO, RG n. 15.176.308, Presidente; ANTÔNIO CARLOS NOGUEIRA PIMENTEL JÚNIOR, RG n. 12.396.122, Membro Titular; ZENAIDE FRAGA BUENO, RG n. 6.301.300, Membro Titular; JEALCI REIMUNDES DE QUEIROZ, RG n. 7.116.957-X, Membro Titular.

I.c – Do procedimento licitatório.

No dia 14 de abril de 2003, por força do artigo 39 da Lei n. 8.666/93, a Secretaria de Serviços e Obras promoveu a primeira audiência pública sobre a concorrência. O objetivo desta audiência foi dar início ao procedimento licitatório para concessão de serviços divisíveis de limpeza urbana do município de São Paulo, prestado em regime público. A mesa diretora dos trabalhos, composta pelo Secretário de Serviços e Obras, OSVALDO MISSO, pelo diretor do Departamento de Limpeza Urbana – LIMPURB, FÁBIO PIERDOMENICO, pelo Chefe de Gabinete da Secretaria de Serviços e Obras, MARCO ANTONIO FIALHO, fez aos presentes a apresentação do Sistema de Limpeza Urbana do Município de São Paulo e exposição sobre a concessão dos serviços. Esclareceu que, para os fins do serviço de coleta de lixo que se pretendia realizar, o Município de São Paulo seria dividido em dois agrupamentos e que a concessão dos serviços divisíveis seria pelo prazo de 20 anos, prorrogável por igual período.

No dia 16 de julho de 2003, em atendimento ao disposto no artigo 29, § 1º, inciso I da Lei municipal n. 13.478/02, foi realizada a segunda audiência pública, que teve por objeto a discussão da minuta do edital da concorrência em questão. A minuta do edital foi disponibilizada ao público e aos interessados somente no dia da audiência.

No dia 21 de agosto de 2003, a Secretaria de Serviços e Obras – SSO publicou no Diário Oficial do Município o Edital do Processo Administrativo n. 2003-0.055.178-5, Concorrência Pública n. 19/SSO/2003.

Cinco interessados acorreram ao certame:

1. Consórcio Bandeirantes II (formado pelas empresas Construtora Queiroz Galvão S.A., Heleno & Fonseca Construtécnica S.A. e Lot Operações Técnicas Ltda.);

2. Consórcio São Paulo Limpeza Urbana (formado pelas empresas Vega Engenharia Ambiental S.A., Cavo Serviços e Meio Ambiente S.A. e SPL Construtora e Pavimentadora Ltda.);

3. empresa Qualix Serviços Ambientais Ltda.;


4. Consórcio SPLimpa, formado pelas empresas, CPBO Engenharia Ltda., Construtora OAS Ltda. e H.Guedes – Engenharia Ltda.;

5. Consórcio Bandeirantes I, formado pelas empresas Delta, Limpel e Cliba. Somente os três primeiros foram habilitados: Consórcio Bandeirantes II, Consórcio São Paulo Limpeza Urbana e empresa Qualix Serviços Ambientais Ltda. (fls. 85/87).

As propostas comerciais apresentadas pelos concorrentes habilitados foram abertas no dia 27 de abril de 2004.

No dia 21 de julho de 2004, a Comissão expediu dois ofícios: a) um, ao Consórcio São Paulo Limpeza Urbana, solicitando-lhe descontos na proposta comercial, para adequação dos preços (fls. 90/91); b) outro, ao Consórcio Bandeirantes II, solicitando-lhe descontos nos preços somente em relação à proposta para o Agrupamento Sudeste (fls. 92/94).

À concorrente e demandada Qualix, a Comissão não concedeu a oportunidade de apresentação de nova proposta.

No dia 23 de julho de 2004, o Consórcio Bandeirantes II e o São Paulo Limpeza Urbana apresentaram as novas propostas com os descontos solicitados pela Comissão (fls. 95/97 e 98/99).

No dia 27 de julho de 2004, às 15h., a Comissão se reuniu e fez a classificação das propostas comerciais, que foi publicada no Diário Oficial do Município do dia 28 de julho de 2004 (fls. 104/107):

a) AGRUPAMENTO NOROESTE: 1° lugar: Consórcio São Paulo Limpeza Urbana, com a tarifa mensal global de R$ 20.096.015,51, 2° lugar: Qualix Serviços Ambientais Ltda., com a tarifa mensal global de R$ 20.995.274,79; e 3° lugar: Consórcio Bandeirantes II, com a tarifa mensal global de R$ 21.004.558,06;

b) AGRUPAMENTO SUDESTE: 1° lugar: Consórcio Bandeirantes II, com a tarifa mensal global de R$ 21.483.184,17, 2° lugar: Qualix Serviços Ambientais Ltda., com a tarifa mensal global de R$ 22.736.889,58, e 3° lugar: Consórcio São Paulo Limpeza, com a tarifa mensal global de R$ 22.874.166,67.

No dia 04 de agosto de 2004, inconformada com os privilégios conferidos pela Comissão somente aos dois consórcios concorrentes e com a conseqüente classificação das propostas comerciais, a concorrente e demandada Qualix interpôs dois recursos: um, questionando a classificação relativa ao Agrupamento SE, tendo à frente o Consórcio Bandeirantes II; outro, questionando a classificação relativa ao Agrupamento NO, tendo à frente o Consórcio São Paulo Limpeza (fls. 143/211). Aduziu, em síntese, a recorrente, que as oportunidades para a apresentação de novas propostas conferidas somente aos dois consórcios ofenderam os princípios da legalidade, da isonomia, da publicidade e da moralidade; que os atos praticados pela Comissão, por não se sujeitarem aos princípios referidos, eram nulos; que os preços das propostas, no caso, inclusive os seus, eram excessivos. Ao fim, pugnou: a) pela desclassificação de todas as propostas; b) pela concessão de oportunidades a todos os concorrentes para a apresentação de novas propostas, ou; c) pela declaração da nulidade do procedimento licitatório.

No dia 23 de agosto de 2004, o demandado OSVALDO MISSO, secretário da SSO, deu provimento parcial aos recursos interpostos pela demandada Qualix, desclassificando as propostas de todos os concorrentes e concedendo a todos eles a oportunidade de apresentação de novas propostas comerciais, no prazo de 8 (oito) dias.

No dia 9 de setembro de 2004, a Comissão abriu as novas propostas comerciais apresentadas por todos os concorrentes, para os dois agrupamentos.

No dia 15 de setembro de 2004, a Comissão classificou as novas propostas dos concorrentes:

a) AGRUPAMENTO NOROESTE: 1° lugar: Consórcio São Paulo Limpeza Urbana, com a tarifa mensal global de R$ 19.989.118,80 (dezenove milhões, novecentos e oitenta e nove mil, cento e dezoito reais e oitenta centavos), 2° lugar: Consórcio Bandeirantes II, com a tarifa mensal global de R$ 20.045.910,00 (vinte milhões, quarenta e cinco mil e novecentos e dez reais); e 3° lugar: Qualix Serviços Ambientais Ltda., com a tarifa mensal global de R$ 20.079.875,00 (vinte milhões, setenta e nove mil, oitocentos e setenta e cinco reais);

b) AGRUPAMENTO SUDESTE: 1° lugar: Consórcio Bandeirantes II, com a tarifa mensal global de R$ 20.997.836,00 (vinte milhões, novecentos e noventa e sete mil, oitocentos e trinta e seis reais), 2° lugar: Consórcio São Paulo Limpeza Urbana, com a tarifa mensal global de R$ 21.349.145,98 (vinte e um milhões, trezentos e quarenta e nove mil, cento e quarenta e cinco reais e noventa e oito centavos), e 3° lugar: Qualix Serviços Ambientais Ltda., com a tarifa mensal global de R$ 21.397.250,83 (vinte e um milhões, trezentos e noventa e sete mil, duzentos e cinqüenta reais e oitenta e três centavos).

A Ata de Deliberação foi publicada no dia seguinte (fl. 107).


No mesmo dia em que publicou oficialmente a classificação das propostas comerciais – 16.09.04 –, a Comissão fez consulta formal aos três concorrentes “sobre a possibilidade de desistência” do direito de interpor recurso contra aquela decisão. Os três concorrentes renunciaram ao direito de recorrer (fls. 249/254).

Em 17 de setembro de 2004, o demandado OSVALDO MISSO homologou o certame licitatório 19/SSO/2003, adjudicou, respectivamente, ao Consórcio São Paulo Limpeza Urbana o Agrupamento Noroeste, e ao Consórcio Bandeirantens II, o Agrupamento Sudeste, e convocou os consórcios vencedores para a assinatura dos contratos (fls. 109 e 256/257).

O Agrupamento Noroeste foi adjudicado ao CONSÓRCIO SÃO PAULO LIMPEZA URBANA, pelo prazo de 20 (vinte) anos de concessão e valor total de R$ 4.797.388.512,00 (quatro bilhões, setecentos e noventa e sete milhões, trezentos e oitenta e oito mil e quinhentos e doze reais).

O Agrupamento Sudeste foi adjudicado ao CONSÓRCIO BANDEIRANTES II, pelo prazo de 20 (vinte) anos de concessão e valor total de R$ 5.039.480.640,00 (cinco bilhões, trinta e nove milhões, quatrocentos e oitenta mil, e seiscentos e quarenta reais).

No dia 6 de outubro de 2004, a Secretaria de Serviços e Obras – SSO, na pessoa do seu secretário, o demandado OSVALDO MISSO, representando a Prefeitura Municipal de São Paulo e a Autoridade Municipal de Limpeza Urbana – AMLURB, celebrou os contratos n. 26/SSO/04 e 27/SSO/04, respectivamente, com a ECOURBIS AMBIENTAL S/A, pessoa jurídica de propósito específico, constituída pelo Consórcio Bandeirantes II, adjudicatário do Agrupamento Sudeste, no valor de R$ 5.039.480.640,00, pelo prazo de 20 anos, e com a SP LIMPEZA URBANA S/A – SAMPALIMP, pessoa jurídica de propósito específico, constituída pelo Consórcio São Paulo Limpeza Urbana, adjudicatário do Agrupamento Noroeste, no valor de R$4.797.388.512,00, pelo prazo de 20 anos (fls. 268/314 e 315/361). Os extratos dos dois contratos foram publicados no Diário Oficial do Município do dia seguinte (fl. 111).

II. – Das ilegalidades ocorridas no curso do procedimento da Concorrência 19/SSO/03.

As inúmeras e gravíssimas ilegalidades praticadas no curso do procedimento da Concorrência 19/SSO/03 levam, inevitavelmente, à sua nulidade.

Documentos registrados em cartório e interceptações de conversas telefônicas entre agentes ligados a empresas do setor do lixo revelaram uma trama criminosa organizada, que tinha por escopo fraudar e direcionar o resultado de licitações relativas à limpeza urbana. Nove cidades do interior do Estado de São Paulo – Sertãozinho, Jaboticabal, Barretos, Monte Alto, Caçapava, Matão, Araraquara, Franca, Ribeirão Preto – e a própria capital do Estado foram palcos de atuação da empresa criminosa.

No município de São Paulo ficou comprovado que aqueles agentes buscaram “amarrar” o resultado da licitação da concessão do serviço de coleta de lixo ao resultado da licitação da varrição.

À trama criminosa daqueles agentes, soma-se todo um conjunto de ilegalidades praticadas pelos integrantes da Comissão Especial de Licitação e pelo então Secretário de Serviços e Obras, o demandado OSVALDO MISSO, no curso do procedimento da concorrência 19/SSO/03.

Vejamos cada uma das ilegalidades praticadas.

II.a – Do conluio entre empresas do setor do lixo, objetivando direcionar os resultados da Concorrência 19/SSO/03 para a concessão dos serviços de coleta de lixo e da Concorrência n. 04/SMSP/COGEL/2003, para a contratação de empresas para a execução do serviço de varrição da cidade de São Paulo.

No município de São Paulo, concomitantemente, estavam em andamento a Concorrência 19/SSO/03, para a concessão do serviço de coleta de lixo, promovida pela Secretaria de Serviços e Obras, e a Concorrência 04/SMSP/COGEL/2003, para a contratação de empresas para a execução do serviço de varrição, promovida pela Secretaria das Subprefeituras. Essa última, que também está sendo investigada pela 3ª Promotoria de Justiça da Cidadania da Capital, foi revogada na primeira quinzena de outubro de 2004 (fl. 787).

O acerto espúrio entre as empresas do setor do lixo, “amarrando” o resultado da concorrência da coleta de lixo ao da varrição, consistiu no seguinte: Os consórcios São Paulo Limpeza Urbana e Bandeirantes II venceriam a concorrência da coleta de lixo; a demandada Qualix, que atuaria como empresa de “cobertura” na primeira licitação, venceria o certame para a varrição da Subprefeitura da Sé, a mais rentável das 31 (trinta e uma) Subprefeituras.

Esse conluio entre as empresas do setor ficou comprovado por um documento registrado sob o n. 1.472.271, perante o 10º Cartório de Registros de Títulos e Documentos da cidade de São Paulo, pela empresa FOLHA DA MANHÃ S/A, que edita o jornal FOLHA DE S. PAULO (fls. 365/367). Referido documento foi registrado no dia 15 de abril de 2004, ou seja, 12 dias antes da abertura das propostas comerciais dos concorrentes habilitados ao procedimento da Concorrência 19/SSO/03, dando conta de que o Consórcio Bandeirantes II venceria a licitação para a coleta de lixo do Agrupamento Sudeste, e o Consórcio São Paulo Limpeza Urbana venceria a licitação para a coleta de lixo do Agrupamento Noroeste. Exatamente o que aconteceu, cinco meses depois.


Um outro documento foi registrado pelo administrador ENIO NORONHA RAFFIN, perante o 1º Tabelionato de Notas de Porto Alegre – RS, dando conta de que os Consórcios Bandeirantes II e São Paulo Limpeza Urbana seriam os vencedores da Concorrência 19/SSO/03 (fls. 368/369). Referido documento foi registrado no dia 25 de fevereiro de 2004, ou seja, mais de dois meses antes da abertura das propostas comerciais dos concorrentes habilitados à Concorrência 19/SSO/03.

Os diálogos entre agentes do setor do lixo, interceptados pelo GAERCO de Ribeirão Preto, revelam o direcionamento dos dois certames.

Foram interceptados diálogos de ligações feitas ou recebidas pelos telefones celulares n. (16) 8114-1333, (16) 8111-2445 e (16) 8137-2991, pertencentes a Rogério Tadeu Buratti (ex-presidente da empresa Leão e Leão), Wilney Barquete (então presidente da empresa Leão e Leão Ambiental) e Marcelo Franzine (então diretor comercial da empresa Leão Ambiental). As interceptações telefônicas se deram de abril a setembro de 2004.

Analisando o teor das conversas gravadas, o GAERCO de Ribeirão Preto assinalou:

“Do exame dos diálogos registrados constata-se, de maneira inequívoca, a associação de WILNEY BARQUETE, MARCELO FRANZINE, FERNANDO FISCHER, LUZ CLÁUDIO LEÃO e ROGÉRIO TADEU BURATTI, além de outras pessoas a serem devidamente identificadas, para a prática reiterada de crimes previstos na Lei de Licitações (em especial os previstos nos artigos 90 e 95). Observa-se, ainda, que para alcançarem seus objetivos ilícitos, tais pessoas corrompem os agentes públicos responsáveis por zelar pela regularidade dos procedimentos licitatórios (crime de corrupção ativa).

Desse modo, conseguem informações privilegiadas desses funcionários públicos, manipulam os editais de licitação para que sejam redigidos da maneira que mais interessa à empresa Leão e Leão, notadamente no que tange aos requisitos para participação nos certames. Posteriormente, obtidas as informações privilegiadas e limitado a um pequeno número de empresas o acesso às concorrências, os investigados entram em contato com os outros licitantes e com eles fazem todo tipo de conluios visando aniquilar qualquer forma de competição. Dessa maneira, asseguram êxito nos procedimentos licitatórios, mesmo com preços bastante superiores aos que deveriam ser cobrados. Auferem, assim, lucros astronômicos em prejuízo da sociedade. Mister salientar que o esquema fraudulento sucintamente descrito é grandioso. Atinge grande número de municípios do Estado de São Paulo, enseja enormes desfalques ao erário e encontra-se em franca expansão” (fl. 495).

O documento elaborado pelo GAERCO de Ribeirão Preto, com parcial transcrição das conversas gravadas, faz um breve relato da atuação organizada de agentes do setor do lixo (fls. 495/520).

Como faz prova o documento de fl. 518, a demandada Qualix e a empresa Leão & Leão Ltda. estavam habilitadas à concorrência da varrição.

No dia 16 de junho de 2004, Wilney (W) , então presidente da empresa Leão e Leão, liga para Rogério Buratti (B) , ex-presidente daquela empresa, e travam o seguinte diálogo:

W – Tô precisando da tua ajuda, senão vou me foder.

B – O que foi ?

W – Tô tendo uma informação que eles vão assinar o contrato de concessão, vão cancelar a varrição, já mostraram uma lista de empresas que vão assinar uma emergência em outubro. Você tem idéia disso, ou não (….)

W – Disse que é certo já, os convites do baile já foram distribuídos.

B – Eu não acho muito provável não. Porque eu acho que se for acontecer isso com você, eles pelo menos me falariam. Eles me consultariam do ponto de vista para saber se tudo bem pra mim, não muito preocupados com você. Mas eles me perguntariam pra mim se me causaria problemas. Eu tenho certeza.

W – Disse que tem umas cisões já decididas, a Qualix sendo vendida para a Queiroz Galvão e a Camargo Correa sendo vendida para a Vega.

B – A Cavo ?

W – A Cavo está sendo vendida para a Vega.

B – Ah, é ? E a Camargo sai do mercado do lixo ?

W – A Camargo sai do mercado do lixo. E isso aí tá amarrado ao contrato da concessão. (fl. 518)

Vê-se, neste diálogo, que Wilney e Buratti, em junho de 2004, já falavam da possível revogação da concorrência da varrição, o que de fato ocorreu no início de outubro. Depois falaram de cisões entre as empresas Qualix, Queiroz Galvão, Vega, Cavo e Camargo Correa, que estariam amarradas à concorrência da coleta de lixo. Todas esses empresas “disputaram” o objeto da Concorrência 19/SSO/03, para a coleta de lixo.

Numa conversa interceptada no dia 25 de maio de 2004, às 10h. e 9min., Rogério Buratti e HNI (posteriormente identificado como sendo Marcelo, fl. 382) combinam se encontrar para uma conversa sobre assunto não revelado, ocasião em que o primeiro não aceita que o encontro seja num banheiro localizado nas imediações do aeroporto de Congonhas:


R- Então se vai pensando num lugar. Pela região do aeroporto… R- Duas pessoas que não podem ser vistas!

HNI- No banheiro.

R- No banheiro não, né meu. Aí vão achar que nós somos boiola! Aí não dá. (Risos)

R- Nós pode até se acusado de corrupto, mas boiola não dá! (fl. 517).

Numa outra situação, agentes do setor de limpeza combinam valores de propostas comerciais a serem apresentadas:

M- A gente pode fazer, se for o caso, uma composição, entra um pertinho do outro.

F- É, eu tô pensando em entrar com um número cheio. Dois e oitenta.

M- Pra gente conversar disso, eu preciso compor o meu preço. E pra compor o meu preço eu preciso do teu preço. (dia 22/7/04, 16h. e 29min., fl. 502).

A concorrência da varrição foi suspensa pelo Tribunal de Contas do Município no dia 07 de abril de 2004, permanecendo nesta situação até a sua revogação, dia 6 outubro de 2004 (fl. 791), o fatídico dia em que foi assinado o contrato da concorrência da concessão da coleta de lixo.

No dia 5 de maio de 2004, às 8h. e 57min., Rogério Buratti e Wilney conversaram sobre a suspensão da concorrência da varrição:

R- E aí, que que vai acontecer? (…)

W- Ta confuso, eu tô indo pra lá hoje, eu tinha marcado uma conversa com o Cacaio, ele falou que quer falar comigo. Tá assim: é só o Tribunal responder o questionamento e a parte da varrição tá liberada também, entendeu.

R- Sei, sei.

W- E ontem a charuteira lá falou que o secretário está esperando o Tribunal se posicionar. Só que quem conversaria com o Tribunal seria o Humberto. Só que nessa confusão que tá, você acredita que o Humberto vai lá? R. (risos)…

Frisa-se, mais uma vez, que a transcrição dessas escutas telefônicas está sendo feita pelo Instituto de Criminalística de Ribeirão Preto. Assim que concluída, serão empreendidas diligências pela Promotoria de Justiça da Cidadania da Capital e de Ribeirão Preto, do GAECO da Capital e do GAERCO de Ribeirão Preto, para a identificação e responsabilização de todos os agentes que participaram da trama criminosa supracitada.

O período de escuta (abril/setembro/2004) coincide, na Concorrência 19/SSO/03, com período em que se deram a abertura das propostas comerciais (27 de abril de 2004, terça-feira), os pedidos de descontos aos consórcios concorrentes (21 de julho de 2004), a apresentação das novas propostas comerciais pelos consórcios concorrentes (23 de julho de 2004), os recursos interpostos pela demandada Qualix contra a primeira classificação das propostas comercias (4 de agosto de 2004), o parcial provimento dos recursos da demandada Qualix (23 de agosto de 2004), a abertura das novas propostas comerciais ofertadas pelos três concorrentes (9 de setembro de 2004) e a classificação das novas propostas comerciais (15 de setembro de 2004).

II. b – Da convocação da segunda audiência pública sem observância do prazo legal de antecedência e da subtração ao conhecimento público do teor da minuta do edital que nela seria discutida: ofensa aos princípios da publicidade e da legalidade.

No dia 16 de julho de 2003, em atendimento ao disposto no artigo 29, § 1º, inciso I da Lei municipal n. 13.478/02, foi realizada a segunda audiência pública do certame, que teve por objeto a discussão da minuta do edital.

O ato convocatório foi publicado no Diário Oficial do Município do dia 12 de julho de 2003, um sábado, nos seguintes termos:

“AUDIÊNCIA PÚBLICA – A Secretaria de Serviços e Obras – SSO, em face da relevância da matéria relativa à prestação de serviços de limpeza urbana e buscando empreender maior divulgação do procedimento licitatório na modalidade concorrência, que terá, como objeto, a concessão dos serviços divisíveis de limpeza urbana do Município de São Paulo, prestados em regime público, COMUNICA que fará realizar a audiência pública prevista no inciso I do § 1º do artigo 29 nos termos da Lei Municipal n.º 13478 de 30 de dezembro de 2002, no dia 16 de julho de 2003, às 09:00 horas, no auditório do Instituto de Previdência Municipal – IPREM, situado à Avenida Zachi Narchi, n.º 536, Santana, nesta Capital, ocasião em que será submetida à discussão a minuta do instrumento convocatório respectivo.” (g.n.)

Esta audiência foi maculada por dois vícios insanáveis:

a) não foi divulgada com antecedência mínima de dez dias úteis da sua realização, como exige o art. 39, caput, segunda parte, da Lei 8.666/93;

b) a minuta do edital que seria nela discutida não foi publicada e divulgada, no mesmo prazo, para o conhecimento do público interessado.

O ato convocatório foi publicado no dia 12 de julho de 2003, sábado. A audiência foi realizada no dia 16 de julho daquele ano. Portanto, a audiência foi divulgada com apenas 2 (dois) dias úteis de antecedência da data da sua realização.


Embora tendo por objeto a discussão da lei interna da presente concorrência, ou seja, a minuta do edital, o teor daquele documento somente foi disponibilizado aos interessados durante a audiência. E pelo dispositivo legal acima citado, a disponibilização do texto a ser discutido deveria anteceder a audiência por 10 (dez) dias. Neste particular, a Administração subtraiu ao público o conhecimento do teor do texto que com ele pretendia discutir, debater. Evidente que, nessas condições, a discussão sobre a minuta ficou totalmente comprometida. Se somente a Administração conhecia o teor da minuta, somente ela estava preparada para debater e, obviamente, para defender o documento que redigiu.

O público interessado ficou em total desvantagem. Não lhe foi assegurada a oportunidade para preparar-se para o debate. Conseqüentemente, debate não houve. O que era para ser uma audiência de discussão não passou de mera reunião.

Oportuno frisar que a primeira voz que se levantou contra essa audiência foi a da empresa SPL Construtora e Pavimentadora Ltda., que, mais tarde, integrou o Consórcio São Paulo Limpeza Urbana, um dos vencedores do certame. Em ofício datado de 02 de julho de 2003, endereçado à Sra. Prefeita Municipal, Marta Suplicy, a empresa denunciou que as audiências públicas “não cumpriram dispositivos legais exigíveis” (fls. 562/580).

Essa audiência é flagrantemente nula, porque realizada sem observância de norma cogente, de comando inflexível, portanto. Os atos subseqüentes, por óbvio, também são nulos.

II.c – Da nulidade do edital por ausência do anexo da planilha orçamentária.

O Edital da Concorrência 19/SSO/03 foi disponibilizado ao público e aos interessados em CD Rom (doc. fl. 897).

A planilha orçamentária não fez parte do Edital da Concorrência 19/SSO/03, em forma de anexo, em total desobediência ao art. 40, § 2º, inciso II, da Lei n. 8.666/93, verbis:

“Art. 40. O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguinte:

§ 2º Constituem anexos do edital, dele fazendo parte integrante: …

II – orçamento estimado em planilhas de quantitativos e preços unitários.”

No caso, acompanharam o Edital os seguintes anexos:

1. Anexo I Especificações técnicas

2. Anexo II Descrição dos Agrupamentos a serem licitados

3. Anexo III Obrigações Específicas de cada Agrupamento

4. Anexo IV Modelo de Carta de Apresentação

5. Anexo V Modelo de Carta de Credenciamento

6. Anexo VI Modelo de Declaração de inexistência de fatos impeditivos

7. Anexo VII Análise da capacidade financeira

8. Anexo VIII Documentação referente à qualificação técnica na habilitação

9. Anexo IX Modelo de declaração de disponibilidade de bens e equipe técnica

10. Anexo X Critérios para elaboração e avaliação da aceitabilidade técnica

11. Anexo XI Modelo de Proposta Comercial e Plano de Negócios

12. Anexo XII Modelo de Carta de Solicitação da visita técnica

13. Anexo XIII Minuta do Contrato de Concessão (item 4.2, do Edital).

A planilha orçamentária estava disponível aos interessados somente mediante requerimento escrito, dirigido à Comissão de Licitação, nos termos dos itens 4.4 e 4.5 do Edital:

“4.4. Os demais documentos pertinentes a esta licitação, especialmente os estudos de viabilidade econômica que lhe dão fundamento, ficarão disponíveis aos particulares interessados a partir da publicação deste Edital, até a data da adjudicação do objeto desta licitação ou de sua revogação.

4.5. Para acessar a documentação disponível, os interessados deverão requerer vistas, por escrito, à Comissão Especial de Licitações.”

JESSÉ TORRES PEREIRA JUNIOR, ao comentar a regra insculpida no artigo 40, § 2º, inciso II da Lei n. 8.666/93, quanto aos anexos do edital, registra:

“A importância do § 2º está em indicar quais as peças que integram o edital, a despeito de não constarem de seu corpo, figurando como anexos. Significa dizer que tais peças, também datadas, rubricadas e assinadas pela autoridade competente (originais igualmente juntos nos autos do processo correspondente), vinculam a Administração e os licitantes como se estivessem transcritas no corpo do edital. De sua existência e de seu teor os licitantes não poderão alegar desconhecimento, nem, portanto, esquivarem-se de sua fiel observância, seja na apresentação da documentação de habilitação preliminar, na elaboração da proposta ou na execução do contrato.


A Lei 8.883/94 corrigiu impropriedade na redação do inciso II do § 2º. O que deve constar do edital, como seu anexo necessário, não é um ‘demonstrativo’ do orçamento, como dizia o texto alterado, mas o próprio orçamento.” [5]

A ausência da planilha orçamentária como anexo do edital dificultou a fiscalização pública da composição das estimativas dos preços elaborados pela Administração e, também, a formulação e apresentação das propostas comerciais pelos concorrentes.

Por força dos princípios da legalidade e publicidade, a planilha orçamentária deveria estar disponível ao público em geral, sem nenhum entrave.

Por não observar os ditames do art. 40, § 2º, II, da Lei n. 8.666/93, a Administração, representada pelo demandado OSVALDO MISSO e pela Comissão Especial de Licitação, atentou contra os princípios da legalidade e da publicidade.

Conclusão: é nulo o edital, e, por conseqüencia, é nulo todo o procedimento licitatório da Concorrência 19/SSO/03.

II.d – Dos pedidos de descontos feitos apenas aos dois consórcios concorrentes e subtração desses atos ao conhecimento público: ofensa aos princípios da isonomia, da legalidade, da impessoalidade e da publicidade.

Como anotado acima, no dia 27 de abril de 2004, a Comissão abriu os envelopes contendo as propostas comerciais dos concorrentes habilitados.

No dia 21 de julho de 2004, a Comissão expediu dois ofícios: a) um, ao Consórcio São Paulo Limpeza Urbana, solicitando-lhe descontos na proposta comercial, para adequação dos preços; b) outro, ao Consórcio Bandeirantes II, solicitando-lhe desconto nos preços somente em relação à proposta para o Agrupamento Sudeste. O mesmo tratamento não foi dado à demandada Qualix.

No dia 23 de julho de 2004, o Consórcio Bandeirantes II e o São Paulo Limpeza Urbana apresentaram as novas propostas com os descontos solicitados pela Comissão.

No dia 27 de julho de 2004, às 15h., a Comissão se reuniu e fez a classificação das propostas comerciais: a) AGRUPAMENTO NOROESTE: 1° lugar: CONSÓRCIO SÃO PAULO LIMPEZA URBANA; b) AGRUPAMENTO SUDESTE: 1° lugar: CONSÓRCIO BANDEIRANTES II.

A demandada Qualix interpôs dois recursos contra a classificação das propostas e o comportamento adotado pela Comissão após a abertura das propostas comerciais.

No dia 23 de agosto de 2004, o demandado OSVALDO MISSO deu parcial provimento aos recursos da empresa Qualix: revogou a decisão atacada, desclassificou as propostas de todos os concorrentes e concedeu a todos eles a oportunidade para a apresentação de novas propostas, no prazo de 8 (oito) dias.

Bastante significativa a entrevista dada pelo demandado OSVALDO MISSO ao jornal FOLHA DE S. PAULO, no dia seguinte ao da publicação oficial do resultado acima, para justificar os pedidos de descontos, bem como as novas propostas apresentadas apenas pelos dois consórcios licitantes. Ele confessou que a planilha orçamentária elaborada pela Administração estava errada. Não levou em conta componentes básicos, como BDI (Benefícios e Despesas Indiretas, que inclui lucro e impostos, por exemplo), despesas com PIS, Cofins, ISS, CPMF, Imposto de Renda. Por fim, acabou desabafando que, por ele, até revogaria o certame.

Vejamos alguns trechos da entrevista:

“Folha – Esse desconto dado pelas empresas é normal? Osvaldo Misso – A comissão fez uma análise das propostas. Verificamos que alguns itens estavam com preços fora do padrão. A partir daí solicitamos descontos em itens localizados. Elas reavaliaram e fizeram nova proposta. Folha – Mas os preços continuam bem acima da previsão do edital.

Misso – Na verdade, a proposta é constituída da parte operacional e de investimentos. Na parte operacional, no nosso custo, não foi considerado o BDI [Benefícios e Despesas Indiretas, que inclui lucro e impostos, por exemplo]. No nosso preço ficaram faltando despesas com PIS, Cofins, ISS, CPMF, Imposto de Renda. Folha – Mas por qual motivo esses custos não foram incluídos? Misso – É uma… Não sei. Folha – Foi um erro? Misso – É… A prefeitura lançou seu custo sem BDI…. Folha – A Promotoria diz que considera arriscado prosseguir. Misso – Temos a liberação da Justiça há dois meses. Não estamos fazendo nada correndo. O promotor fez considerações voltadas à condenação das empresas Cavo e Vega. Entre as condenadas estão OAB (sic), CBPO, Odebrecht, que fazem uma série de outras obras, do Estado e da prefeitura. Não podemos deixar de contratar por esse motivo. Estamos trabalhando na licitação há três anos. É um projeto que vai trazer melhoramento. Se, mais tarde, elas forem julgadas e condenadas em última instância, a prefeitura pode encampar, assumir e fazer nova licitação. Não podemos parar São Paulo para esperar essa decisão. Eu gostaria até de revogar, se você quiser saber, para preservar minha integridade. Mas não posso fazer isso. Não tenho alternativa” (g.n., fl. 110).


Posteriormente, em declarações prestadas à Promotoria de Justiça da Cidadania, alegou o demandado OSVALDO MISSO que a planilha orçamentária apenas não computou as despesas indiretas e a bonificação das empresas. Admitiu que, “as bonificações e as despesas indiretas levam para cima os valores das estimativas” (fls. 263/266).

Pois bem.

Uma vez abertas as propostas, a Comissão deveria fazer a verificação da conformidade de cada uma delas com os requisitos do edital, contrastá-las com os preços de mercado ou com os estabelecidos por órgãos oficiais e desclassificar as propostas inadequadas ou incompatíveis. Em seguida, deveria julgar e classificar as propostas que estivessem de acordo com o edital. Isso tudo, nos termos do art. 43, incisos IV e V, da Lei n. 8.666/93, verbis:

“Art. 43. A licitação será processada e julgada com observância dos seguintes procedimentos:

IV – verificação da conformidade de cada proposta com os requisitos do edital e, conforme o caso, com os preços correntes no mercado ou fixados por órgão oficial competente, ou ainda com os constantes do sistema de registro de preços, os quais deverão ser devidamente registrados na ata de julgamento, promovendo-se a desclassificação das propostas desconformes ou incompatíveis;

V – julgamento e classificação das propostas de acordo com os critérios de avaliação constantes do edital”.

O Edital do certame também é claríssimo a respeito: abertos os envelopes, dever-se-ia proceder à classificação ou desclassificação das propostas (itens 12.2.1 e 12.2.2).

A Comissão constatou nas propostas alguns preços consideravelmente superiores aos constantes dos parâmetros oferecidos pela Prefeitura, como registrou nos ofícios expedidos aos concorrentes preferidos. Depois admitiu que os preços de todos os concorrentes eram excessivos e que a proposta do Consórcio São Paulo Limpeza Urbana era inconsistente. Assim, a decorrência inafastável dessas constatações era a desclassificação de todas as propostas. Aos concorrentes poderia ser aberta a oportunidade para a apresentação de novas propostas, no prazo de 8 (oito) dias. Tudo à luz do art. 48, inciso II, § único, da Lei 8.666/93:

“Art. 48. Serão desclassificadas:

II – propostas com valor global superior ao limite estabelecido ou com preços manifestadamente inexeqüíveis, assim considerados aqueles que não venham a ter demonstrada a sua viabilidade através de documentação que comprove que os custos dos insumos são coerentes com os de mercado e que os coeficientes de produtividade são compatíveis com a execução do objeto do contrato, condições estas necessariamente especificadas no ato convocatório da licitação.

§ 3º Quando todos os licitantes forem inabilitados ou todas as propostas forem desclassificadas, a Administração poderá fixar aos licitantes o prazo de oito dias úteis para a apresentação de nova documentação ou de outras propostas escoimadas das causas referidas neste artigo, facultada, no caso de convite, a redução deste prazo para três dias úteis”.

Regra parecida está estabelecida no item 12.2.2.1 do Edital do certame.

Mas nada disso foi observado ou cumprido. Pior ainda, a expedição dos ofícios aos consórcios preferidos da Comissão – ato cognominado por ela de diligência – foi feita às escondidas. Não foi comunicada ao público. Não foi publicada no Diário Oficial do Município.

O comportamento acima descrito dos integrantes da Comissão feriu frontalmente os princípios da isonomia, da legalidade, da impessoalidade e da publicidade.

Feriu o princípio da isonomia porque não deu o mesmo tratamento a todos os concorrentes. Foi parcial. Dentre os concorrentes a Comissão, fez a sua escolha. Revelou a sua preferência. Bem por isso que o Professor ADILSON ABREU DALLARI, citando CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, ensina:

“por força do princípio da isonomia não pode a Administração ‘desenvolver qualquer espécie de favoritismo ou desvalia em proveito ou detrimento de alguém’”. [6]

Em busca de uma situação mais vantajosa para a Administração, a Comissão não poderia, como fez, discriminar os concorrentes. Deveria colocá-los no mesmo pé de igualdade. Dar a eles as mesmas oportunidades, o mesmo tratamento. É o que impõe o princípio da isonomia.

E feriu o princípio da legalidade porque não observou a disposição legal sobre a questão. Não se sujeitou à ordem legal (Lei n. 8.666/93 e Edital). Vulnerou-a.

Ao escolher, dentre os concorrentes, apenas os dois consórcios para a apresentação de novas propostas, a Comissão os favoreceu, privilegiou-os. Vulnerou, com isso, o princípio da impessoalidade.

Ao ocultar do público as solicitações de descontos e apresentação de novas propostas comerciais feitas aos dois consórcios, não as publicando no D.O.M., a Comissão feriu o princípio da publicidade.


Da forma que agiu, a Comissão produziu ato nulo. Irreversível.

O parcial provimento aos recursos da demandada Qualix, pelo demandado OSVALDO MISSO, não tem o condão de sanar o procedimento, justamente porque contaminado por atos nulos, ilegais.

II.e – Da nulidade do certame por conta dos erros da planilha orçamentária e do julgamento desvinculado do Edital.

Na planilha orçamentária – instrumento fundamental para a formulação das propostas comerciais – houve erros. E erros confessados pelo demandado OSVALDO MISSO. No mínimo, faltou-lhe componentes básicos, como o BDI (Benefícios e Despesas Indiretas, que inclui lucro e impostos, por exemplo).

Constatados aqueles erros e inadequações nos preços dos dois consórcios, num primeiro momento, os integrantes da Comissão cuidaram apenas de pedir a apresentação de novas propostas àqueles, com descontos. Numa segunda etapa, providos os recursos da concorrente e demandada Qualix, o demandado OSVALDO MISSO conferiu oportunidade aos três concorrentes para a apresentação de novas propostas.

Ora, com a consideração de novos componentes – bonificações e despesas indiretas –, os preços estimados pela Administração sofreram alteração para mais. Essa conseqüência foi admitida pelo próprio demandado OSVALDO MISSO, repita-se: “as bonificações e as despesas indiretas levam para cima os valores das estimativas” (fl. 266). Via de conseqüência, a Administração teria em mãos novos preços, que afetariam a formulação das propostas comerciais. Mas ninguém ficou conhecendo os novos preços da Administração. Nem os concorrentes, muito menos a coletividade.

A Comissão, de forma inusitada, modificou implicitamente a planilha orçamentária e o próprio Edital, fazendo “vistas grossas” à disposição do art. 21, § 4º, da Lei 8.666/93, verbis:

“Qualquer modificação no edital exige divulgação pela mesma forma que se deu o texto original, reabrindo-se o prazo inicialmente estabelecido, exceto quando, inquestionavelmente, a alteração não afetar a formulação das propostas.”

Mais: passou a exigir dos concorrentes a consideração de elementos não incluídos explicitamente na planilha orçamentária, o que provocou estranheza aos dois consórcios da sua preferência. O Consórcio Bandeirantes II, às colocações da Comissão respondeu que não havia “indicação específica da razão dos esclarecimentos pedidos” (fl. 95), e apresentou a sua nova proposta comercial. O Consórcio São Paulo Limpeza Urbana, antes de apresentar a nova proposta, sublinhou: “não obstante entendermos que os custos dos insumos estão coerentes com os de mercado” (fl. 98).

Da forma como agiu, a Comissão desvinculou-se do edital, resvalando-se para a seara da ilegalidade. Sobre a questão, oportuna a lição de HELY LOPES MEIRELES:

“Nem se compreenderia que a Administração fixasse no edital a forma e o modo de participação dos licitantes e no decorrer do procedimento ou na realização do julgamento se afastasse do estabelecido, ou admitisse documentação e propostas em desacordo com o solicitado. E edital é a lei interna da licitação, e, como tal, vincula aos seus termos tanto os licitantes como a Administração que o expediu (art. 41). Assim, estabelecidas as regras do certame, tornam-se inalteráveis para aquela licitação, durante todo o procedimento. Se no decorrer da licitação a Administração verificar sua inviabilidade, deverá invalidá-la e reabri-la em novos moldes, mas, enquanto vigente o edital ou convite, não poderá desviar-se de suas prescrições, quer quanto à tramitação, quer quanto ao julgamento. Por outro lado, revelando-se falho ou inadequado aos propósitos da Administração, o edital ou convite poderá ser corrigido a tempo através de aditamento ou expedição de um novo, sempre com republicação e reabertura de prazo, desde que a alteração afete a elaboração das propostas.” [7]

A Comissão, assim que constatou os erros da planilha orçamentária, deveria ter proposto ao demandado OSVALDO MISSO a anulação do certame. Mesmo porque as propostas comerciais já haviam sido apresentadas pelos concorrentes habilitados. Não era possível a mera correção da planilha orçamentária e dos itens 6.3 e 6.4 do Edital, que se referem, respectivamente, aos valores estimados do contrato e da tarifa mensal. Era caso de aplicação do art. 49, da Lei n. 8.666/93.

Conclusão: O julgamento do certame, com a consideração de elementos não constantes da planilha orçamentária, desvinculou-se do Edital, maculando de nulidade o procedimento licitatório, irremediavelmente.

É de se registrar que os erros da planilha orçamentária e a viciada atuação da Comissão levaram a uma verdadeira “dança de preços”, conforme demonstra a memória de cálculos de fls. 362/364.

Com base nos preços de mercado, a Administração estimou o valor do Contrato de Concessão da Concorrência 19/SSO/03 em R$ 4.500.976.730,00 (quatro bilhões, quinhentos milhões, novecentos e setenta e seis mil e setecentos e trinta reais) para o Agrupamento Noroeste – NO e R$ 4.498.345.950,00 (quatro bilhões, quatrocentos e noventa e oito milhões, trezentos e quarenta e cinco mil e novecentos e cinqüenta reais) para o Agrupamento Sudeste – SE.


O valor da tarifa global mensal foi estimado em R$ 18.754.069,70 (dezoito milhões, setecentos e cinqüenta e quatro mil, sessenta e nove reais e setenta centavos) para o Agrupamento Noroeste – NO, e R$ 18.743.108,12 (dezoito milhões, setecentos e quarenta e três mil, cento e oito reais e doze centavos) para o Agrupamento Sudeste – SE.

No campo da probabilidade, os valores das propostas comerciais dos concorrentes poderiam ser inferiores, exatamente iguais ou superiores aos estimados pela Administração.

Abertas as propostas comerciais, no dia 27 de abril de 2004, constatou-se que os menores preços das tarifas globais mensais ofertadas ficaram 14,82% acima dos valores das tarifas estimadas pela Administração.

No dia 28 de julho de 2004, constatou-se que os preços das novas propostas, com descontos, ficaram 10,89% acima dos estimados pela Administração.

No dia 15 de setembro de 2004, abertas as novas propostas dos três concorrentes, os preços das duas melhores propostas ficaram 9,31% acima dos estimados pela Administração, o que representa uma diferença mensal de R$ 3.489.776,97 (três milhões, quatrocentos e oitenta e nove mil, setecentos e setenta e seis reais, e noventa e sete centavos) acima do previsto. No todo, a diferença entre o valor contratual estimado (valor do Ag. NO mais o do SE) e o valor do negócio celebrado (valor do Ag. NO mais o do SE), pelo prazo de 20 (vinte anos), é de R$ 837.546.472,00 (oitocentos e trinta e sete milhões, quinhentos e quarenta e seis mil, e quatrocentos e setenta e dois reais) acima do previsto.

Vê-se, nitidamente, que, quando a Administração admitiu novos componentes à sua planilha orçamentária (despesas indiretas e bonificações), aumentando-lhe o valor, como admitiu o demandado OSVALDO MISSO, e chamou os concorrentes para a apresentação de novas propostas, os preços destes passaram a cair. Ou seja, quando os preços estimados pela Administração subiram, os dos concorrentes caíram. Isso dá a impressão de que se os concorrentes tiverem mais uma oportunidade para apresentar novas propostas comerciais, os seus preços tenderão a cair, ficarão mais baratos e mais interessantes à Administração e à coletividade.

Eventual superfaturamento de preços, decorrente da disparidade entre os valores praticados, no caso, é objeto de investigação dos autos do Procedimento Investigatório PJC-CAP 324/03, em trâmite pela 1ª Promotoria de Justiça da Cidadania da Capital.

II.f – Da nulidade do certame por conta da renúncia dos concorrentes ao direito de recorrer da classificação final, provocada por solicitação da Comissão.

No mesmo dia em que publicou oficialmente a classificação das propostas comerciais – 16.09.04 –, a Comissão fez consulta formal aos três concorrentes “sobre a possibilidade de desistência” do direito de interpor recurso contra aquela decisão. Os três concorrentes renunciaram ao direito de recorrer.

O prazo para a interposição de recurso, na espécie, era de 05 (cinco) dias, à luz do art. 109, inciso I, alínea “b”, da Lei n. 8.666/93, verbis:

“Art. 109. Dos atos da Administração decorrentes da aplicação desta Lei cabem:

I – recurso, no prazo de 5 (cinco) dias úteis a contar da intimação do ato ou da lavratura da ata, nos casos de: b) julgamento das propostas.”

Ocorre, no entanto, que os prazos da lei de licitações são indisponíveis. Portanto, os licitantes não poderiam abrir mão do prazo recursal.

Comentando a natureza jurídica dos prazos da lei de licitações, JESSÉ TORRES PEREIRA JÚNIOR proclama:

“os prazos assinados na Lei nº 8.666/93 inserem-se no contexto de normas cogentes, vale dizer, inafastáveis pela vontade dos interessados, porque destinados a proteger o interesse público. Como normas de ordem pública, hão de ser obedecidos estritamente.” [8]

Mas, a Comissão e o Secretário de Serviços e Obras fizeram mais: não publicaram as consultas feitas aos três concorrentes, nem a homologação das renúncias. Tudo isso para acelerar a definitividade da homologação da licitação, impedindo, por estes atos à sorrelfa, o conhecimento público e seu combate por qualquer pessoa. Mais uma vez foi vilipendiado o princípio da publicidade.

Por mais estes atos flagrantemente ilegais da Comissão e do demandado OSVALDO MISSO, é nulo o procedimento licitatório.

III – Da restrição à livre concorrência.

A Constituição Federal, nos artigos 170, inciso IV, e 173, § 4º, garante às pessoas físicas e jurídicas a livre concorrência, verbis:

“Art.170 – A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da Justiça social observados os seguintes princípios:

IV – livre concorrência;

Art.173 – Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo conforme definidos em lei.

§ 4º – A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.”

Esses dois dispositivos constitucionais foram regulamentados pela Lei de Defesa da Concorrência, a Lei n. 8.884/94, que se aplica às pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, em todo o território brasileiro, nos termos do seu art. 15: “Esta Lei aplica-se às pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, bem como a quaisquer associações de entidades de pessoas constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, mesmo que exerçam atividade sobre regime de monopólio legal.”

Pois bem.

O Edital do certame n. 19/SSO/03, no item 1.2, ao dividir o município de São Paulo em dois mega-agrupamentos, o Noroeste e o Sudeste, restringiu, sobremaneira, a livre concorrência. Os nove agrupamentos nos quais estava dividido o município para a execução do serviço de coleta de lixo, na contratação anterior, foram reduzidos a apenas dois agrupamentos gigantes.

Ressalte-se que, na Concorrência n. 04/SMSP/COGEL/2003, promovida pela Secretaria das Subprefeituras, para a contratação de empresas para a execução do serviço indivisível de varrição, a cidade de São Paulo foi dividida em 31 (trinta e um) agrupamentos, correspondentes às 31 (trinta e uma) Subprefeituras em que o município está dividido, atraindo 57 (cinqüenta e sete) concorrentes (fl. 786).

Assim, conforme o disposto no Anexo II do Edital, o AGRUPAMENTO NOROESTE – NO compreende 13 (treze) Subprefeituras: Butantã, Casa Verde/Cachoeirinha, Freguesia/Brasilândia, Lapa, Mooca, Penha, Perus, Pinheiros, Pirituba, Santana/Tucuruvi, Sé, Tremembé/Jaçanã, Vila Maria/Vila Guilherme.

O AGRUPAMENTO SUDESTE – SE compreende 18 (dezoito) subprefeituras: Aricanduva, Campo Limpo, Cidade Ademar, Cidade Tiradentes, Ermelino Matarazzo, Guianazes, Ipiranga, Itaim Paulista, Itaquera, Jabaquara, M´Boi Mirim, Parelheiros, Santo Amaro, São Matheus, São Miguel, Socorro, Vila Mariana e Vila Prudente/Sapopemba.

O gigantismo dos agrupamentos, que proporcionou uma estimativa de valor contratual de quase R$ 10 bilhões de reais, levou a exigências de qualificações técnicas e capacidade financeira dos licitantes altamente limitadoras da concorrência. Tanto assim, que somente quatro consórcios e uma empresa isolada acorreram ao certame. Três apenas foram habilitados.

Também o prazo contratual, 20 (vinte) anos, prorrogável por igual período, limitou a concorrência.

Esse prazo foi fixado com base no art. 38 da Lei municipal n. 13.478 de 2002, que disciplinou a Concessão do Serviço de Lixo na capital paulista, verbis: “O prazo da concessão será determinado no edital de licitação, em função do estudo de viabilidade econômico-financeira da concessão e não excederá o limite máximo de 20 anos, admitida sua prorrogação por igual ou menor período.”

Ora, o dispositivo não impôs que o prazo da concessão devesse, obrigatoriamente, ser de 20 anos. Estabeleceu, apenas, o teto máximo do prazo, significando dizer que ele poderia ser de 5, 8, 10, ou 15 anos.

Em sendo o modelo adotado – exploração da coleta de lixo em regime de concessão – um projeto pioneiro, não custava à Administração ser mais cautelosa e dividir o município em um número maior de agrupamentos, com prazos contratuais menores.

O modelo adotado despertou forte repulsa por parte de uma empresa do setor do lixo, a demandada SPL Construtora e Pavimentadora Ltda, que mais tarde integraria o Consórcio São Paulo Limpeza Urbana, um dos vencedores do certame. Referida demandada, no período compreendido entre 17 de abril de 2003 e 25 de julho daquele mesmo ano, expediu 12 (doze) ofícios à Secretaria de Serviços e Obras e à Prefeitura Municipal, posicionando-se totalmente contrária ao modelo desenhado para a Concorrência 19/SSO/03.

Assim é que, no documento do dia 17 de abril de 2003, argumentou aquela demandada que “mesmo que haja apenas 2 áreas de destino final, nada impede que o modelo adotado preveja que se tenha 31 prestadoras de serviços, como foi, aliás, o modelo adotado em 1992 e que permitiu a elogiada pulverização de empresas do setor”, ressaltando que, na licitação de 2001 [9], sob “esta mesma Administração” a cidade foi dividida em 09 lotes. Sugeriu, por fim, a divisão do município no maior número de lotes possível e o ingresso de empresa estrangeira – o que possibilitaria investimento de capital estrangeiro no País – e a possibilidade de consórcio sem limitação do número de consorciadas. No documento de 23 de abril de 2003, alertou que, nos termos do modelo posto, dividindo o município em apenas 2 lotes, os “únicos prováveis consórcios que poderão apresentar propostas, com vantagem sobre os demais serão: VEGA ENGENHARIA AMBIENTAL/QUALIX e CONSTRUTORA QUEIROZ GALVÃO/CAVO; com grandes possibilidades da VEGA e QUEIROZ GALVÃO serem líderes”. Mais: alertou que a preservação da divisão da cidade em apenas dois lotes representaria privilégio às empresas citadas, o que contrariaria o “princípio da contratação mais vantajosa”. No do dia 24 de abril de 2003, pugnou pela amenização da exigência quanto à capacidade técnica (quantitativos em atestados) e pela divisão do município em mais de 2 agrupamentos, sob pena de correr-se o risco da empresa VEGA, prestadora de serviços de coleta de lixo desde meados de 80, perpetuar-se nos quadros da Prefeitura. No documento de 02 de julho de 2003, fez um relato das contratações do setor da coleta de lixo em São Paulo, desde 1988, demonstrando que as empresas Vega e Cavo vêm sendo contratadas pela Administração desde aquela data. Registrou que o montante envolvido no negócio é o maior, “neste segmento, no mundo”. Fez alguns comparativos: a Telesp fixa foi vendida à Telefônica de Espanha, em 1988, por aproximadamente 5 bilhões de reais; o Sistema Telebrás foi vendido por aproximadamente 20 bilhões de reais; a Vale do Rio Doce, por 2 bilhões de reais”. Alertou que a divisão do município em apenas 2 agrupamentos faria aumentar, inevitavelmente, as exigências de ordem técnica, o que limitaria a participação de interessados. Somente as empresas VEGA, CAVO e QUALIX (ex-Enterpa) – prestadoras do serviço de coleta de lixo à Prefeitura de São Paulo – é que teriam condições de concorrer. No de 18 de julho de 2003, denunciou, com veemência, o caráter limitativo do Edital, nos seguintes pontos: a) os quantitativos exigidos para os resíduos de saúde (atestado de 20% do total de resíduos a serem coletados) possibilitaria a participação de apenas três empresas (Vega, Cavo e Qualix); b) a possibilidade de formação de consórcios com apenas três empresas limitaria a participação de mais interessados no certame; c) a exigência de atestado para todos os itens licitados era altamente limitativo do caráter competitivo do certame. No segundo ofício de 24 de julho de 2003, sugeriu a revisão total do modelo proposto (fls. 547/614).

Estava coberta de razão a demandada SPL. Mas, depois somou as suas forças às das demandadas que antes apontara como condenadas por atos de improbidade administrativa e corriam o risco de se tornarem inidôneas, a Vega Engenharia Ambiental e a Cavo Serviços e Meio Ambiente. Compôs com elas o Consórcio São Paulo Limpeza Urbana, sagrando-se vendedora do certame.

E foi analisando os passos mal dados pela Administração, no caso, que CLÁUDIO WEBER ABRAMO sentenciou:

“Ora, a prefeitura fez tudo errado, a começar do modelo de coleta de lixo que adotou, dirigido propositalmente para a concentração nas mãos de poucos prestadores do serviço, não levando em conta que os custos desse tipo de serviço são sujeitos a uma redução substancial ao longo do tempo, por alterações tecnológicas de processo, e exigindo dos eventuais interessados o cumprimento de condições restritivas” (fl. 615).

O modelo desenhado pela Administração conduziu ao monopólio da coleta do lixo pelos Consórcios Bandeirantes II e São Paulo Limpeza Urbana, por 20 anos, prorrogável por igual período. Isso fere de morte os ditames da Lei da Concorrência.

A Comissão de Estudos da Concorrência e da Regulação Econômica da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção de São Paulo, composta pelos ilustres causídicos FERNANDO PASSOS (Presidente, da Comissão de Estudos da Concorrência e da Regulação Econômica), ADRIANO CANDIDO STRINGHINI (Integrante da Comissão de Estudos da Concorrência e da Regulação Econômica), ALEXANDRE SANTOS DE ARAGÃO (Consultor da Comissão de Estudos da Concorrência e da Regulação Econômica), GIOVANI RIBEIRO LOSS (Integrante da Comissão de Estudos da Concorrência e da Regulação Econômica) e LUCAS PRADO (Integrante da Comissão de Estudos da Concorrência e da Regulação Econômica), em abalizado e substancioso estudo sobre o certame em questão, focando a questão da livre concorrência, demonstrou, às escâncaras, o caráter eminentemente limitativo do Edital.

Sobre a divisão do município em apenas dois agrupamentos, registrou a douta Comissão da OAB:

“No caso em análise se ao invés de apenas dois agrupamentos regionais para concessão do serviço de coleta de lixo, fosse fixado no edital um número maior de agrupamentos [10] a competição por comparação estaria presente.

Além de propiciar uma competição por comparação em face do número maior de concessões existentes, o número maior de agrupamentos, divididos em áreas menores de concessão, ensejaria a participação de um número maior de empresas, o que estimularia não somente a concorrência, como também criaria campo de atuação para pequenas e médias empresas do setor, tanto diretamente neste mercado, como no apoio a um maior número de empresas exercentes desta atividade, potencializando o efeito difusor reticular da concorrência….”

Sobre o prazo contratual de 20 (vinte) anos, assim se manifestou:

“Ora se a própria lei municipal estabelece como limite máximo o prazo de 20 anos, dentro de uma lógica com base no estudo de viabilidade econômica-financeira, não nos parece verossímil que o caso em análise ensejaria a hipótese do prazo máximo. A ausência de uma vultosa obra pública de longo prazo em conjunto com a concessão por si só já seria condição para afastar o prazo máximo. Mas existiram ainda outros fatores como o risco exclusivo do empreendimento, com a ausência do custeio do serviço através do fundo municipal de limpeza urbana (taxa de resíduos, dotações do Município, etc.), dentre outros que justificariam um prazo maior e que não estão presentes no caso em tela. Em síntese o prazo máximo de 20 anos fixado na Lei Municipal parece, em princípio, não ser razoável uma vez que não há tamanho risco de investimentos e a quantidade e montante das obras a serem realizadas.”

Como visto, o Edital da Concorrência 19/SSO/03 é restritivo. Fere o princípio da igualdade. Nesse sentido foi a decisão da Egrégia 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do RE n. 43.856-0-RS, Rel. Min. MILTON LUIZ PEREIRA, publicada no D.O.U. de 01/09/95, p. 27.804, cuja ementa é a seguinte:

“Licitação. Edital. Cláusula restritiva

A exigência editalícia que restringe a participação de concorrentes constitui critério discriminatório desprovido de interesse público, desfigurando a discricionariedade por consubstanciar agir abusivo, afetando o princípio da igualdade”.

Por restringir a livre concorrência e lesar o princípio da igualdade, é nulo o Edital da Concorrência 19/SSO/O3, sendo nulo todo o procedimento licitatório.

IV. Da improbidade administrativa.

A Constituição Federal impõe à Administração Pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obediência aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (art. 37, caput).

No § 4º do mesmo dispositivo, preceitua a Lei Maior que “os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.”

Conferindo eficácia plena àquele comando constitucional, a Lei n. 8.429/92 estabelece no art. 4º que:

“art. 4º – Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos.”

A lei tem por escopo concretizar o direito a um governo probo e a uma administração honesta inerente à cidadania. É um direito político pertencente ao cidadão e à coletividade, [11] pois a probidade administrativa, o patrimônio público e a moralidade são valores relevantes que pertencem a toda a sociedade.

Pois bem.

Na espécie, os demandados violaram flagrantemente os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade. Mais: praticaram ato visando fim proibido em lei e negaram publicidade a atos oficiais. Tudo como descrito nos itens anteriores.

CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO ensina que o princípio da legalidade

“explicita a subordinação da atividade administrativa à lei e surge como decorrência natural da indisponibilidade do interesse público, noção esta que, conforme foi visto, informa o caráter da relação de administração.” [12]

Em outra oportunidade, obtempera:

“Fora da lei, portanto, não há espaço para atuação regular da Administração. Donde, todos os agentes do Executivo, desde o que lhe ocupa a cúspede até o mais modesto dos servidores que detenha algum poder decisório, hão de ter perante a lei – para cumprirem corretamente seus misteres – a mesma humildade e a mesma obsequiosa reverência para com os desígnios normativos. É que todos exercem função administrativa, a dizer, função subalterna à lei, ancilar – que vem de ancilla, serva, escrava.” [13]

Para HELY LOPES MEIRELLES:

“A legalidade, como princípio de administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.” [14]

Por sua vez, FÁBIO KONDER COMPARATO, afirma que a primazia da lei

“deve ser entendida como a incontrastabilidade do comando legal, em relação a qualquer outra norma do ordenamento jurídico e, em especial, a qualquer outra norma emanada pela própria Administração Pública. A vontade estatal, que por via da lei vem à luz, não pode absolutamente ser superada, alterada ou revogada, e, de outro lado, ela supera qualquer outra expressão da vontade estatal já existente, a qual, com outro conteúdo, a ela se oponha.” [15]

JOSÉ EDUARDO MARTINS CARDOZO, no tocante ao princípio da impessoalidade, prescreve:

“…a nosso ver, o princípio da impessoalidade pode ser definido como aquele que determina que os atos realizados pela Administração Pública, ou por ela delegados, devam ser sempre imputados ao ente ou órgão em nome do qual se realiza, e ainda destinados genericamente à coletividade, sem consideração, para fins de privilegiamento ou da imposição de situações restritivas, das características pessoais daqueles a quem porventura se dirija.” [16]

Abordando o princípio da publicidade, MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO ensina:

“Não é preciso penetrar a intenção do agente, porque do próprio objeto resulta a imoralidade. Isto ocorre quando o conteúdo de determinado ato contrariar o senso comum de honestidade, retidão, equilíbrio, justiça, respeito à dignidade do ser humano, à boa fé, ao trabalho, à ética das instituições. A moralidade exige proporcionalidade entre os meios e os fins a atingir; entre os sacrifícios impostos à coletividade e os benefícios por ela auferidos; entre as vantagens usufruídas pelas autoridades públicas e os encargos impostos à maioria dos cidadãos. Por isso mesmo, a imoralidade salta aos olhos quando a Administração Pública é pródiga em despesas legais, porém inúteis, como propaganda ou mordomia, quando a população precisa de assistência médica, alimentação, moradia, segurança, educação, isso sem falar no mínimo indispensável à existência digna. Não é preciso, para invalidar despesas desse tipo, entrar na difícil análise dos fins que inspiraram a autoridade; o ato em si, o seu objeto, o seu conteúdo, contraria a ética da instituição, afronta a norma de conduta aceita como legítima pela coletividade administrada. Na aferição da imoralidade administrativa, é essencial o princípio da razoabilidade.” [17]

Sobre o princípio da publicidade, oportuno, mais uma vez, o conhecimento do ilustre administrativista JOSÉ EDUARDO MARTINS CARDOZO:

“Seria de todo absurdo que um Estado como o brasileiro, que, por disposição expressa de sua Constituição, afirma que todo poder nele constituído ‘emana do povo’ (art. 1º, parágrafo único, da CF), viesse a ocultar daqueles em nome do qual esse mesmo poder é exercido informações e atos relativos à gestão da res publica e às próprias linhas de direcionamento governamental. É por isso que se estabelece, como imposição jurídica para os agentes administrativos em geral, o dever de publicidade para todos os seus atos. Entende-se princípio da publicidade, assim, aquele que exige, nas formas admitidas em Direito, e dentro dos limites constitucionalmente estabelecidos, a obrigatória divulgação dos atos da Administração Pública, com o objetivo de permitir seu conhecimento e controle pelos órgãos estatais competentes e por toda a sociedade….

A nosso ver, todavia, à falta de disposição expressa em contrário, deve-se ter a publicidade como um elemento necessário à formação do ato, ou seja, a seu aperfeiçoamento jurídico. Ato sem publicidade é ato inexistente, ou seja, um não-ato jurídico.” [18]

As condutas dos demandados se amoldam, no caso, aos atos de improbidade administrativa previstos no art. 11 caput, incisos I e IV, da Lei n. 8.429/92:

“Art. 11 – Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

I – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência;

IV – negar publicidade aos atos oficiais.”

O ilustre doutrinador MARCELO FIGUEIREDO, abordando a previsão das infrações aos deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, bem como as previsões dos incisos I e IV do art. 11, da Lei de Improbidade anota:

“Infringe o dever de honestidade o agente que mantém conduta incompatível com a moralidade administrativa. Infringe o dever de imparcialidade aquele que atenta contra a impessoalidade. Infringe a legalidade o agente que não age rigorosamente segundo a lei (sentido amplo) – ‘administrar é aplicar a lei de ofício’. Desleal é o agente que infringe um desdobramento do princípio da moralidade”….

– Inciso I: “Sob o rótulo ‘desvio de poder’, ‘desvio de finalidade’, ‘ausência de motivos’, revelam-se todas as formas de condutas contrárias ao Direito, prejudiciais ao administrado e violadoras, às vezes, da própria Constituição. Há, em síntese, comportamento ilegal ou ilegítimo.”

– Inciso IV: “A publicidade é inerente aos atos oficiais…a defesa de situações procedimentais, exigências da administração etc. somente pode ser efetivada após o conhecimento oficial da parte interessada. O ato jurídico que proporciona a reação é, sem dúvida, a publicidade… A regra pressupõe a conduta do agente que, deliberadamente, infringe o princípio da publicidade” [19].

A punição daqueles que infringem o art. 11 da Lei de Improbidade está definida pelo art. 12 caput e inc. II do mesmo diploma legal:

Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações:

(…)

III – na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.”

Ressalte-se que as condutas empreendidas pelos demandados, frustrando e fraudando o caráter competitivo do certame em questão, é de tal sorte grave que o ordenamento jurídico as tipificou como crime no art. 90, da Lei n. 8.666/93, verbis:

“Art. 90. Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagens decorrente da adjudicação do objeto da licitação:

Pena – detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.”

IV.a – Da responsabilidade dos réus.

O demandado OSVALDO MISSO, secretário da Secretaria de Serviços e Obras, e os integrantes da Comissão Especial de Licitação, os demandados MARCO ANTÔNIO FIALHO, ANTÔNIO CARLOS NOGUEIRA PIMENTEL JÚNIOR, ZENAIDE FRAGA BUENO e JEALCI REIMUNDES DE QUEIROZ, na qualidade de servidores públicos respondem por todos os atos de improbidades administrativas praticados por força dos artigos 1º e 2º da Lei n. 8.429/92.

Pelo apurado até o momento, com exceção da frustração da competição por conta do conluio entre as empresas demandadas, os demandados OSVALDO MISSO e MARCO ANTÔNIO FIALHO são responsáveis por todas as ilegalidades cometidas, no caso, desde a segunda audiência pública, realizada em 16 de julho de 2003. O demandado MARCO ANTÔNIO FIALHO concorreu para as ilegalidades praticadas em relação a este ato na qualidade de Chefe de Gabinete da Secretaria de Serviços e Obras, tendo integrado a mesa diretora dos trabalhos realizados na audiência, ao lado do demandado OSVALDO MISSO.

Os demais membros da Comissão Especial de Licitação, que foi constituída no dia 5 de agosto de 2003, por óbvio, juntamente com o demandado MARCO ANTÔNIO FIALHO, são responsáveis por todas as ilegalidades ocorridas no procedimento a partir do instante em que nele passou a atuar, 6 de agosto de 2003.

Registre-se que, por força do art. 51, § 3º, da Lei n. 8.666/93, os membros da comissão de licitação são solidariamente responsáveis por todos os atos praticados pela comissão, verbis:

“Art. 51, § 3º Os membros das comissões de licitação responderão solidariamente por todos os atos praticados pela comissão, salvo se posição individual divergente estiver devidamente fundamentada e registrada em ata lavrada na reunião em que tiver sido tomada a decisão.”

As empresas demandadas, VEGA ENGENHARIA AMBIENTAL S/A, CAVO – SERVIÇOS E MEIO AMBIENTE S.A., SPL CONSTRUTORA E PAVIMENTADORA LTDA, CONSTRUTORA QUEIROZ GALVÃO S/A, HELENO E FONSECA CONSTRUTÉCNICA S.A., LOT OPERAÇÕES TÉCNICAS LTDA e QUALIX SERVIÇOS AMBIENTAIS LTDA., porque, ajustadas e em conjunto, direcionaram o resultado do certame, frustrando o seu caráter competitivo. As sociedades de propósitos específicos, ECOURBIS AMBIENTAL S/A e SP LIMPEZA URBANA S/A – SAMPALIMP se beneficiaram dos atos de improbidades administrativas praticados, firmando contratos com a Administração. Todas respondem por força do art. 3º, da Lei de Improbidade:

“As disposições desta Lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade administrativa ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta”.

V – Da necessidade e urgência na providência cautelar imediata.

O desembolso mensal, onerando os já combalidos cofres da Municipalidade, por conta dos contratos celebrados no procedimento da Concorrência 19/SSO/03 equivale a impressionantes R$ 40.986.954,80 (quarenta milhões, novecentos e oitenta e seis mil, novecentos e cinqüenta e quatro reais, e oitenta centavos). A ser mantido o monopólio na prestação do serviço de coleta de lixo por parte dos beneficiários do contrato, o valor total a ser despendido por força dessa licitação dirigida e fraudada, após o decurso do prazo de 20 (vinte) anos, chegará à assombrosa cifra de R$ 9.836.869.152,00 (nove bilhões, oitocentos e trinta e seis milhões, oitocentos e sessenta e nove mil, e cento e cinqüenta e dois reais). Após as prorrogações autorizadas pelo leonino ajuste celebrado, esses valores poderão dobrar e chegar próximos a R$ 20.000.000.000,00 (vinte bilhões de reais).

Muito dinheiro já começou a sair mensalmente dos cofres municipais, onerando sobremaneira toda a população paulistana, carente de serviços sociais e de natureza pública. O certame está viciado pelas veementes e claras ilegalidades já apontadas, as quais influenciaram o processo de escolha impessoal daquela que deveria ser a melhor proposta.

Aguardar o curso normal do processo, para dar efetividade ao comando emergente da provável decisão anulatória, implicaria em tornar ineficaz a solução jurisdicional, uma vez que, quando operar-se o trânsito em julgado, imensa soma de dinheiro público já terá sido despendida indevidamente.

Senão, vejamos. Até que se operem todas as citações, sejam apresentadas as defesas preliminares, a demanda seja recebida e o procedimento ordinário tenha início. Até que todos os recursos sejam distribuídos e julgados em definitivo, pelo sobrecarregado aparelho jurisdicional do Estado, todos os beneficiários dessa imoral avença estarão definitivamente locupletados.

A ação para repetição do indébito, dada a sua complexa formatação, e a capacidade ímpar que tais empresas possuem de se desdobrarem em subsidiárias, transferindo patrimônios, confundindo as autoridades a todo tempo com maquinações jurídicas, criando novas pessoas jurídicas, as quais, segundo alegam, nenhuma relação guardam com a original, torna todo o processo, ao final, um inútil jogo de retórica jurídica, em que belas, mas infrutíferas peças jurídicas são elaboradas em um verdadeiro jogo do faz-de-conta.

É fato, e já foi demonstrado à saciedade que o procedimento licitatório da Concorrência 19/SSO/03, do início ao fim, está impregnado de nulidades. Nem ele, nem os subseqüentes contratos podem subsistir. Quanto mais durarem esses contratos, maiores serão as perdas impingidas ao tesouro municipal. O dano decorrente caminhará para a irreparabilidade, dado o gigantismo dos valores envolvidos.

Urge, portanto, sejam os contratos da concessão em questão suspensos liminarmente, desde já.

A “fumaça do bom direito” (fumus boni juris), que segundo VICENTE GRECO FILHO [20] é a probabilidade ou a possibilidade da existência do direito invocado, está presente. As provas colhidas demonstraram a existência de uma associação entre as empresas demandadas tendente a direcionar o resultado do certame, aniquilando totalmente o seu caráter competitivo. Por outro lado, os agentes públicos que atuaram no procedimento, o demandado OSVALDO MISSO e os integrantes da Comissão de Licitação, praticaram uma gama enorme de ilegalidades, ofendendo os mais caros princípios da Administração e frustrando definitivamente o objetivo primaz da licitação: a busca do melhor negócio para a coletividade. As ilegalidades que praticaram configuram atos de improbidade administrativa e ilícito penal.

O “perigo da demora” (periculum in mora), que se caracteriza, segundo HUMBERTO THEODORO JÚNIOR [21], com a plausibilidade do dano, também ficou configurado. Sem o atendimento do pedido liminar, as demandadas contratadas, com base em procedimento nulo, continuarão percebendo, mensalmente, a vultosa quantia de R$ 40.986.954,80 (quarenta milhões, novecentos e oitenta e seis mil, novecentos e cinqüenta e quatro reais, e oitenta centavos), provocando indevido sangramento dos cofres municipais. Ademais, repita-se, a prestação jurisdicional final da presente ação poderá demorar, no mínimo, 10 (dez) anos, inviabilizando a devida reparação, dado o gigantismo dos valores envolvidos.

Por outro lado, não se pode deixar às empresas, o oportunista argumento de que a concessão da liminar deixará a Cidade privada de um serviço essencial. Evidente que a coleta de lixo é serviço essencial, do qual a coletividade não pode prescindir.

Em sendo assim, para que não se inviabilize a necessária concessão da cautela e não se abandone a tutela preventiva do patrimônio público, mediante o argumento da continuidade do serviço público, é razoável que, suspensos liminarmente os contratos n. 26/SSO/04 e 27/SSO/04, sejam os serviços de coleta de lixo, objeto desses dois contratos, mantidos pelo período de 30 (trinta) dias, em caráter emergencial. Justamente para que a cidade não fique com o serviço essencial paralisado, cessando-se a partir deste prazo qualquer empenho e pagamento derivado das contratações flagrantemente ilegais e imorais. Nesse período (30 dias) a Administração deverá promover a contratação emergencial de empresas para a execução do serviço de coleta de lixo, pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias. Nesse prazo de 180 (cento e oitenta) dias, a Prefeitura Municipal de São Paulo deverá promover a contratação de empresas, mediante licitação, para a execução do serviço de coleta de lixo, sob pena de futura responsabilização por ato de improbidade administrativa por omissão dos seus representantes.

Com tais cautelas, os princípios da economicidade, razoabilidade, eficiência, impessoalidade, legalidade, e, sobretudo, moralidade, serão atendidos.

VI – Do pedido.

Ante todo o exposto, depois de autuada e recebida a presente petição inicial com os documentos que a instruem (arts. 282/283 do Código de Processo Civil e 109 da Lei Complementar Estadual n. 734/93), requer o Ministério Público a Vossa Excelência:

1. A notificação e posterior citação dos demandados para que, querendo, apresentem respostas, no prazo legal, sob pena de presumirem-se verdadeiros os fatos ora alegados (art. 17 da Lei n. 8.429/1992);

2. A intimação da Procuradoria Geral do Município para que, querendo, intervenha nos autos no pólo ativo ou passivo desta ação;

3. Seja concedida medida cautelar liminar “inaudita altera parte” para:

a) determinar a imediata suspensão dos contratos n. 26/SSO/04 e 27/SSO/04, firmados entre a Municipalidade de São Paulo, representada pelo demandado OSVALDO MISSO, e, respectivamente, ECOURBIS AMBIENTAL S/A, pessoa jurídica de propósito específico, constituída pelo Consórcio Bandeirantes II, adjudicatário do Agrupamento Sudeste, no valor de R$ 5.039.480.640,00 (cinco bilhões, trinta e nove milhões, quatrocentos e oitenta mil, seiscentos e quarenta reais), pelo prazo de 20 anos, e SP LIMPEZA URBANA S/A – SAMPALIMP, pessoa jurídica de propósito específico, constituída pelo Consórcio São Paulo Limpeza Urbana, adjudicatário do Agrupamento Noroeste, no valor de R$ 4.797.388.512,00 (quatro bilhões, setecentos e noventa e sete milhões, trezentos e oitenta e oito mil, quinhentos e doze reais), pelo prazo de 20 anos;

b) manter, por 30 (trinta) dias, em caráter emergencial, a execução do serviço de coleta de lixo da cidade de São Paulo pelas empresas demandadas que integram o Consórcio São Paulo Limpeza Urbana, VEGA ENGENHARIA AMBIENTAL S/A, CAVO – SERVIÇOS E MEIO AMBIENTE S/A e SPL CONSTRUTORA E PAVIMENTADORA LTDA, e pelas que integram o Consórcio Bandeirantes II, CONSTRUTORA QUEIROZ GALVÃO S/A, HELENO E FONSECA CONSTRUTÉCNICA S/A e LOT OPERAÇÕES TÉCNICAS LTDA, nos mesmos moldes em que foram contratadas no procedimento da Concorrência 19/SSO/03, cessando-se, após, qualquer pagamento derivado dos contratos n. 26/SSO/04 e 27/SSO/04 ;

c) notificar imediatamente a Prefeitura Municipal de São Paulo, para, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias (que poderá ser ampliado no caso de necessidade devidamente justificada pela municipalidade a este douto Juízo), proceder à contratação de empresas para a execução do serviço de coleta de lixo, mediante licitação, sob pena de responsabilização por ato de improbidade administrativa por omissão;

4. Seja julgada procedente a presente ação para:

a) anular o procedimento licitatório n. 19/SSO/03, promovido pela Secretaria de Serviços e Obras da Prefeitura Municipal de São Paulo, e os contratos dele decorrentes, n. 26/SSO/04 e 27/SSO/04, firmados entre a municipalidade de São Paulo e as empresas de propósito específico ECOURBIS AMBIENTAL S/A e SP LIMPEZA URBANA S/A – SAMPALIMP;

b) condenar, nos termos do art. 12, inciso III, da Lei n. 8.429/92, os demandados OSVALDO MISSO, MARCO ANTÔNIO FIALHO, ANTÔNIO CARLOS NOGUEIRA PIMENTEL JÚNIOR, ZENAIDE FRAGA BUENO e JEALCI REIMUNDES DE QUEIROZ à perda da função pública, à suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, ao pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração por eles percebida e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual sejam sócios majoritários, pelo prazo de três anos;

c) condenar, nos termos do art. 12, inciso III, da Lei n. 8.429/92, as demandadas ECOURBIS AMBIENTAL S/A, SP LIMPEZA URBANA S/A – SAMPALIMP, VEGA ENGENHARIA AMBIENTAL S/A, CAVO – SERVIÇOS E MEIO AMBIENTE S.A., SPL CONSTRUTORA E PAVIMENTADORA LTDA, CONSTRUTORA QUEIROZ GALVÃO S/A, HELENO E FONSECA CONSTRUTÉCNICA S.A. e LOT OPERAÇÕES TÉCNICAS LTDA ao pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração por elas percebida em razão dos contratos n. 26/SSO/04 e 27/SSO/04, e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual sejam sócias majoritárias, pelo prazo de três anos;

d) condenar, nos termos do art. 12, inciso III, da Lei n. 8.429/92, a demandada QUALIX SERVIÇOS AMBIENTAIS LTDA. à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócia majoritária, pelo prazo de três anos;

5) Sejam os valores relativos às multas civis destinados aos cofres da Fazenda do Município de São Paulo;

6) Sejam as partes dispensadas do pagamento de honorários advocatícios, pois se trata de ação civil ministerial.

VII – Das provas.

Protesta o autor pela produção de todas as provas admitidas em Direito, sobretudo a documental, a testemunhal, a pericial e depoimento pessoal dos demandados ou dos representantes das empresas demandadas.

VIII – Do valor da causa.

Dá-se à causa o valor de R$ 9.836.869.152,00 (nove bilhões, oitocentos e trinta e seis milhões, oitocentos e sessenta e nove mil, e cento e cinqüenta e dois reais), correspondente à soma dos valores dos dois contratos celebrados entre as empresas demandadas e a municipalidade.

Termos em que

p. deferimento.

São Paulo, 23 de novembro de 2004.

Túlio Tadeu Tavares

Promotor de Justiça da Cidadania

Sérgio Turra Sobrane

Promotor de Justiça da Cidadania

Silvio Antonio Marques

Promotor de Justiça da Cidadania

Fernando Capez

Promotor de Justiça da Cidadania

Antonio Celso Campos de Oliveira Faria

Promotor de Justiça da Cidadania

Saad Mazloum

Promotor de Justiça da Cidadania

Andréa Chiaratti do Nascimento Rodrigues Pinto

Promotora de Justiça da Cidadania

Luiz Fernando Rodrigues Pinto Júnior

Promotor de Justiça da Cidadania

Roberta Andrade da Cunha

Promotora de Justiça Substituta

Ayman Ramadan

Estagiário do Ministério Público

Notas de rodapé

[1] Licitações, economia e corrupção, Folha de S. Paulo, p. A3, 17 de junho de 2004.

[2] Entrevista concedida à Folha de S. Paulo, em 29 de julho de 2004.

[3] Por conta dessas condenações e considerando o extenso prazo da concessão e o altíssimo valor do negócio, a Promotoria de Justiça da Cidadania da Capital recomendou ao demandado Osvaldo Misso a revogação do certame. Em vão. (v. fls. 698/702).

[4]O AGRUPAMENTO NOROESTE – NO compreende 13 (treze) Subprefeituras: Butantã, Casa Verde/Cachoeirinha, Freguesia/Brasilândia, Lapa, Mooca, Penha, Perus, Pinheiros, Pirituba, Santana/Tucuruvi, Sé, Tremembé/Jaçanã, Vila Maria/Vila Guilherme; o AGRUPAMENTO SUDESTE – SE compreende 18 (dezoito) subprefeituras: Aricanduva, Campo Limpo, Cidade Ademar, Cidade Tiradentes, Ermelino Matarazzo, Guianazes, Ipiranga, Itaim Paulista, Itaquera, Jabaquara, M´Boi Mirim, Parelheiros, Santo Amaro, São Matheus, São Miguel, Socorro, Vila Mariana e Vila Prudente/Sapopemba.

[5] Comentários à Lei das Licitações e Contratações da Administração Pública, 6ª edição, Editora Renovar, 2003, p. 439.

[6] Aspectos Jurídicos da Licitação, Saraiva, 2ª edição, p. 16.

[7] Op. cit., p. 249.

[8] Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros Editores, 19ª ed, p. 502.

[9] Na licitação de 2001, o município de São Paulo foi dividido em 9 Agrupamentos, denominados Agrupamentos I, II, III, IV, V, VI, VII, VIII e IX. Oito empresas foram contratadas para o serviço de coleta de lixo, sendo que a limpeza dos Agrupamentos I e VIII foi feito por uma única contratada.

[10] Não é escopo do presente trabalho indicar um número de agrupamentos entendido como ideal, uma vez que não dispomos do material necessário e nem da expertise para a elaboração de um estudo econômico para tal. Contudo, nos parece que um número excessivamente reduzido de agrupamentos (02) não é, em princípio, justificável. A título de comparação, imaginem-se cidades do interior ou litorâneas que dispõe do serviço de coleta de lixo, com lucratividade e interesse para as empresas concessionárias. Imagine-se em termos comparativos que as subprefeituras de São Paulo são na maioria das vezes muito maiores que estas cidades. Assim, não nos parece razoável que estes serviços de coleta sejam lucrativos e viáveis nestas cidades menores e não possam ser na capital paulistana.

[11] JOSÉ FREDERICO MARQUES. As ações populares no Direito Brasileiro, Revista Forense, 178/47.

[12] “Desvio de Poder”, in RDP 89/24, p. 24.

[13] “Discricionariedade e Controle Jurisdicional”, Malheiros Editores, 2ª ed., 1993, p. 50.

[14]Op. cit., p. 82.

[15] “Licitação – Fator ‘K’, “in Revista Trimestral de Direito Público” 6/1994, pp. 85/92, Malheiros.

[16] Princípios Constitucionais da Administração Pública. Os 10 anos da Constituição Federal – coordenação: Alexandre de Morais. São Paulo: Atlas, 1999, p. 154.

[17] Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1988, Atlas, 1991, p. 111.

[18] Op. cit, p. 159.

[19] Probidade Administrativa, 2ª edição, Malheiros Editores, p.p. 61 e 64.

[20] Direito Processual Civil Brasileiro, p.154, S.Paulo, Saraiva, 1994.

[21] Processo Cautelar, p.78, S.Paulo, LEUD, 1987.

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