Sem censura

Jornal é autorizado a publicar reportagem sobre Erick Vidigal

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24 de novembro de 2004, 9h38

O jornal Folha de S. Paulo foi autorizado a publicar reportagens sobre o advogado Erick Vidigal, filho do ministro Edson Vidigal, presidente do Superior Tribunal de Justiça. O juiz João Luiz Fischer Dias, da 9ª Vara Cível de Brasília, reconsiderou a decisão que tomou na segunda-feira (22/11). A reportagem foi publicada nesta quarta-feira (24/11).

O juiz havia proibido o jornal de divulgar qualquer fato relacionado à denúncia do Ministério Público contra o advogado. Nesta terça-feira (23/11), após o jornal recorrer, Dias cassou a liminar e extinguiu o processo.

O juiz reconheceu que Erick Vidigal “omitiu informação essencial […] quanto à existência de denúncia oferecida pelo Ministério Público e recebida pelo juiz federal competente”. O juiz considerou ainda “temerária” a ação em que o advogado pedia a proibição de divulgação de qualquer notícia que, direta ou indiretamente, se relacionasse a ele.

A Folha, representada pela advogada Taís Gasparian, argumentou que a pretensão de Erick Vidigal “institui verdadeira censura” ao jornal, “violando, com toda a obviedade, o comando constitucional do artigo 220 e seus parágrafos […], o que não se pode admitir”.

Em entrevista à Folha de S. Paulo, o ministro Edson Vidigal disse que não fala com seu filho há mais de um ano. O presidente do STJ afirmou que é contra “qualquer tipo de censura”. Ele disse, ainda, que Erick Vidigal não deveria ter procurado o Judiciário para impedir a veiculação da reportagem.

Histórico

Nesta terça-feira (23/11), Erick Vidigal declarou guerra contra a Folha de S. Paulo. Motivo: a publicação, em parte dos exemplares do jornal, de reportagem que relata detalhes de um processo contra ele que corre em segredo de Justiça. Apesar da proibição judicial da publicação na noite de segunda-feira, cerca de 46% de uma tiragem de 297 mil exemplares já haviam sido concluídos (às 20h30) e foram para as bancas.

Procurado pela revista Consultor Jurídico, Rodrigo Ferreira, advogado de Erick Vidigal, disse que a divulgação da notícia, ainda que em parte dos exemplares, caracterizaria desobediência.

A reportagem em questão traz a denúncia feita pelo Ministério Público pela suposta negociação de decisões judiciais feita por Erick Vidigal, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, que favoreceriam o ex-policial e empresário João Arcanjo Ribeiro, o Comendador, e seu contador, Luiz Alberto Dondo Gonçalves. A denúncia foi acatada pelo juiz César Augusto Bearsi, da 3ª Vara Federal de Cuiabá (MT).

A briga entre o jornal e Erick Vidigal começou em fevereiro de 2003. Na época, a Folha divulgou a primeira notícia sobre o caso. Assinada por Josias de Souza, diretor da sucursal brasiliense do jornal, ela tratava da suposta venda de Habeas Corpus a Dondo Gonçalves. Informações do MP reproduzidas pelo jornal dão conta de que Erick teria participado das negociações.

No mesmo mês, o vice-presidente do STJ entrou com ação por danos morais e queixa-crime contra Josias de Souza. Também representou na Procuradoria-Geral da República contra Taques; Mauro Zaque de Jesus, promotor de Justiça de Mato Grosso; e César Augusto Bearsi, juiz federal. Edson Vidigal entrou, ainda, com representação contra Josias de Souza, na Procuradoria-Geral da República.

Erick Vidigal entrou com ação de danos morais contra o jornal Folha de S. Paulo e contra o jornalista. Também ajuizou queixa-crime contra Josias de Souza. Erick Vidigal entrou ainda com representação na Procuradoria Regional da República da 1ª Região para pedir instauração de processo administrativo contra Taques.

Leia a liminar que autoriza a publicação e, em seguida, a reportagem.

“Sentença

Erick José Travassos Vidigal ajuizou ação cautelar inominada incidental ao processo nº 2003.01.1.0441991-5 contra Empresa Folha da Manhã S/A afirmando que a ré pretendia fazer uso de documentos sigilosos carreados ao processo principal, com violação do segredo de Justiça.

Deferida a liminar, fls. 05/09.

Apresentou a ré pedido de reconsideração, nesta data, tecendo as seguintes considerações de direito:

a) que jamais cogitou a ré violar segredo de Justiça, pela publicação de documentos juntados aos autos principais;

b) a notícia a ser publicada referia-se a denúncia apresentada pelo Ministério Público contra o autor Erick Vidigal, processo que não está sujeito a qualquer sigilo;

c) a notícia não estaria relacionada a qualquer autoridade do Poder Judiciário;

d) afirma o relevância e o interesse público na divulgação de denúncias que envolvam a prática de crimes de corrupção, principalmente quando referentes a fatos extremamente graves;

e) assevera que a decisão constitui forma de censura prévia, vedada por norma constitucional, art. 220 e seus parágrafos;


f) afirma que o documento a ser divulgado pelo jornal consistente em denúncia contra o autor apresentada pelo Ministério Público não consta como documento sigiloso no processo principal;

g) cita inúmeros precedentes jurisprudenciais do STJ, STF que afastam a possibilidade jurídica da “censura prévia”.

Fundamento

A decisão liminar proferida procurou tão-somente evitar que documentos juntados aos autos da ação de indenização por danos morais, que tramita sob “segredo de Justiça”, viessem a ser publicados pela ré. A própria ré, no pedido de consideração, admite que tal procedimento constituiria ilegalidade.

Declara a ré que, verbis: “jamais cogitou violar segredo de Justiça que paira nos autos do processo principal. Ao contrário do que afirma o autor, não seria publicada notícia embasa nos documentos constantes daqueles autos, mas a notícia se referira a outro processo, em que foi recebida a denúncia apresentada pelo Ministério Público contra o autor Erick Vidigal, processo esse que não está submetido a qualquer sigilo”.

Tem razão a ré em suas ponderações.

Em verdade, o autor omitiu informação essencial na petição inicial quanto à existência de denúncia oferecida pelo MP e recebida pelo Juízo Federal competente.

Considero, portanto, que a ação proposta é temerária e não reúne condições de prosseguimento, em face da ausência do interesse de agir e da possibilidade jurídica do pedido. O seu objetivo é impreciso, em face da omissão antes mencionada.

Dispositivo

Diante do exposto, declaro o autor carecedor direito da ação cautelar. Casso a liminar anteriormente deferida. Extingo o processo, sem análise do mérito na forma do art. 267, VI do CPC. Considerando que não houve citação, deixo de condenar em honorários.

Custas pelo autor. Não havendo recurso, arquive-se.

Brasília, 23 de novembro de 2004.

Publique-se, intimem-se e registre-se.

João Luís Fischer Dias

Juiz de Direito”

Leia a reportagem da Folha de S. Paulo

Justiça

Erick José Travassos Vidigal é suspeito de participar de negociação de decisões judiciais no Superior Tribunal de Justiça

Filho do presidente do STJ vira réu em ação

Josias de Souza

Articulista Da Folha

Por decisão da Justiça Federal, o advogado Erick José Travassos Vidigal tornou-se réu em processo que apura a existência de negociação de “decisões judiciais” no âmbito do STJ (Superior Tribunal de Justiça). Ele é filho do ministro Edson Carvalho Vidigal, Presidente do STJ.

Erick Vidigal foi denunciado pelo Ministério Público em 25 de outubro, junto com outras cinco pessoas. A denúncia foi aceita no último dia 4 de novembro pelo juiz César Augusto Bearsi, da 3ª Vara Federal de Cuiabá (MT).

O caso nasceu de interceptação telefônica feita pela PF (Polícia Federal) com autorização judicial. O conteúdo das gravações foi revelado pela Folha em fevereiro de 2003.Na denúncia acatada pelo juiz o Ministério Público afirma:

“O conteúdo das conversas gravadas revelou […] a existência de uma associação de pessoas, de forma estável e permanente, para o fim de ‘adquirir’ doministrodo STJ Edson Vidigal decisões judiciais favoráveis a João Arcanjo Ribeiro e Luiz Alberto Dondo Gonçalves”.

Conhecido como “comendador”, Arcanjo Ribeiro é apontado como comandante do crime organizado em Mato Grosso. Detido no Uruguai, está prestes a ser extraditado para o Brasil. Dondo Gonçalves é acusado de ser o tesoureiro da quadrilha. Encontras e preso em Cuiabá.

Grupos

De acordo com a denúncia, assinada pelos procuradores Mário Lúcio Avelar e José Pedro Taques, a “associação criminosa” reuniu dois grupos. “O primeiro tinha base na cidade de Brasília e o segundo na cidade de Cuiabá.” O núcleo brasiliense “era provido pelo quarteto Erick Vidigal, Eduardo Vilhena de Toledo, Jaison Osvaldo Della Giustina e Timóteo Nascimento da Silva”. São todos advogados.

Vilhena de Toledo é filho de Francisco de Assis Toledo, ex-ministro do STJ. Della Giustina é sócio de Erick Vidigal. Nascimento da Silva, embora residente em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, agia em nome do comendador Arcanjo em Brasília, segundo constatou a PF.

Diz a denúncia: “Esse agrupamento, que era provido por dois filhos de ministros do Superior Tribunal de Justiça, tinha a missão de estabelecer a ligação entre o núcleo baseado na cidade de Cuiabá e a cúpula daquele órgão do Poder Judiciário, de forma a tornar possível a negociação de decisões judiciais”.

O grupo cuiabano era integrado, de acordo com os procuradores, por Avelino Tavares Júnior e Samuel Nascimento da Silva. O primeiro é “advogado e sócio de João Arcanjo Ribeiro”. O segundo é “lobista”.


“Esse núcleo”, anota a denúncia, “tinha a missão de […] providenciar os recursos financeiros demandados pelo primeiro núcleo”, para que a “obtenção de sentenças judiciais favoráveis no STJ pudesse fluir”.

Irmãos

A ligação entre os dois grupos “dava-se, primordialmente, por meio dos contatos estabelecidos entre Samuel Nascimento da Silva e Timóteo Nascimento da Silva”. Os dois são irmãos. A eles incumbia, segundo a denúncia, “a tarefa de tratar e negociar não somente com Erick Vidigal […], mas também com o seu sócio Jaison Osvaldo Della Giustina”.

Os contatos entre os irmãos Nascimento da Silva foram captados pela escuta telefônica da PF. A transcrição de suas conversas menciona supostos acertos financeiros com Erick Vidigal. Citaram cifras que variavam de US$ 150mil a dois milhões (a unidade monetária não foi especificada).

Liminar

Um dos diálogos trata de uma decisão do ministro Edson Vidigal, então vice-presidente do STJ. A quadrilha de Arcanjo Ribeiro pleiteava a concessão de um habeas corpus para livrar da cadeia o tesoureiro Luiz Alberto Dondo Gonçalves.

Baseando-se em informações supostamente recebidas de Erick Vidigal, os prepostos do “comendador” concluíram que uma liminar em habeas corpus, que já havia sido negada pelo Tribunal Regional Federal de Brasília, não poderia ser concedida por Edson Vidigal, por contrariar a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

O ministro Vidigal, de fato, indeferiu o pedido. A PF constatou que cópia da decisão foi transmitida de Brasília para o escritório de Avelino Júnior em Cuiabá, onde também se encontrava o advogado Eduardo Vilhena de Toledo.

“As operações destinadas a corromper o ministro Edson Vidigal não se encerram aí”, afirma o texto da denúncia.

Em novo diálogo captado pela escuta telefônica durante a investigação, os representantes do “comendador” Arcanjo Ribeiro “comentam que a liminar no habeas corpus ajuizado não seria deferida por questões técnicas, mas que futuras decisões do STJ atenderiam ao interesse do grupo”.

Depreende-se dos diálogos, prossegue o Ministério Público, “que seria necessário a elaboração de uma peça jurídica em conjunto, isto é, envolvendo os advogados Erick Vidigal, Eduardo Vilhena de Toledo, AvelinoTavares Júnior e Jaison Osvaldo Della Giustina”.

Segundo as conclusões extraídas pelos procuradores da República dos relatórios da PF, “o núcleo de Brasília demandava que a peça jurídica deveria atender à expectativa da cúpula do Poder Judiciário quanto à forma e à técnica de redação[…]”.

“O grupo viu-se forçado a discutir planos para a formação de uma ampla assessoria jurídica”, afirma a denúncia.

Conforme fora noticiado pela Folha, agentes da Polícia Federal comprovaram que Erick Vidigal viajou a Cuiabá, acompanhado de dois sócios, na noite de 22 de janeiro de 2003.

Segundo a polícia, ele chegou à capital deMatoGrosso às 21h, no vôo 2048 da Varig. Reuniu-se com os advogados do“comendador” Arcanjo. E retornou a Brasília de madrugada, às 4h, no vôo 4250 da Vasp.

Para o Ministério Público, os denunciados “levaram adiante a tarefa de planejar, articular e executar ações para a obtenção de decisões favoráveis ao grupo liderado por João Arcanjo Ribeiro […], acessando pessoas ligadas por laços profissionais e familiares ao presidente do STJ”.

O juiz César Augusto Bearsi marcou para o dia 18 de fevereiro de 2005 o “interrogatório” de Avelino Tavares Júnior, o acusado residente em Cuiabá. O juiz determinou ainda a citação e agendamento dos interrogatórios dos “acusados” que moram em outros Estados.

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