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STF não admite execução provisória de pena restritiva de direito

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23 de novembro de 2004, 20h22

Enquanto o réu puder recorrer da sentença condenatória, não é possível executar provisoriamente penas restritivas de direitos –aquelas que substituem as penas privativas de liberdade, impondo certas restrições ou obrigações. A decisão foi tomada pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, que concedeu Habeas Corpus para dois acusados de crime de apropriação indébita de contribuição previdenciária (artigo 168, Código Penal), nesta terça-feira (23/11).

Os ministros seguiram o voto de Cezar Peluso, que havia pedido vista dos autos. Ficou vencido o relator do processo, Eros Grau. Peluso sustentou que a Constituição (artigo 5º, inciso LVII) impede a execução provisória da sentença penal condenatória, seja qual for a pena aplicada. Citou também o artigo 147 da Lei de Execução Penal (7.210/84), que demonstra a impossibilidade de se executar provisoriamente penas restritivas de direito. “A execução provisória como tal é inadmissível”, ressaltou.

Os réus foram condenados, em primeiro grau, às penas de prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária (artigo 43 do Código Penal). A condenação foi mantida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região que, após requerimento do Ministério Público, determinou que as penas fossem executadas provisoriamente.

Segundo o STF, contra a medida, os réus recorreram ao Superior Tribunal de Justiça, que suspendeu apenas a execução da pena de multa. No Supremo, pediram HC para suspender a execução provisória de todas as penas restritivas de direito.

HC 84.677

Leia o voto do ministro Cezar Peluso

HABEAS CORPUS N. 84677

RELATOR: MIN. EROS GRAU

PACIENTE: ÉLCIO MOSSI E RUBEN PAGLIARIN

IMPETRANTE: LUÍS CARLOS DIAS TORRES E OUTRO (A/S)

VOTO-VISTA

EMENTA: PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. INADMISSIBILIDADE

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO:

1. Consta do relatório que os ora pacientes foram condenados à pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, e, ainda, ao pagamento de 11 (onze) dias-multa, pela prática do crime de apropriação indébita previdenciária. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos (prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária). A condenação foi mantida pelo TRF da 4a Região e impugnada mediante recurso especial. Não tendo sido este admitido, interpôs o paciente embargos de divergência pendentes de julgamento.

2. Não obstante, o Ministério Público requereu a execução provisória da sentença condenatória, o que foi deferido pelo Tribunal Regional Federal. Para combater tal medida, o paciente impetrou habeas corpus perante o Superior Tribunal de Justiça, que o deferiu parcialmente, para suspender apenas a execução da pena de multa, determinando o prosseguimento da execução das penas restritivas de direitos.

3. Este habeas corpus tem o mesmo objeto: pretensão de que seja suspensa a execução provisória das penas restritivas de direitos.

4. O Ministério Público opina pela concessão da ordem, sob argumento de que a decisão impugnada viola o art. 147 da Lei de Execuções Penais, não sendo caso de “invocar o art. 27, § 2o, da Lei 8.038/90, pois, independentemente do efeito meramente devolutivo dos recursos constitucionais, há norma específica vedando que a execução da pena restritiva de direitos tenha início anteriormente ao trânsito em julgado da condenação” (fls.131).

5. Entende o ilustre Ministro Relator que razão não teria o paciente, pois:

“4. Ao contrário do que alegam os impetrantes, não há qualquer violação aos princípios constitucionais da ampla defesa, do duplo grau de jurisdição e da presunção de inocência.

Esgotados os recursos ordinários com efeito suspensivo, admite-se a execução provisória da sentença, ainda que convertida a condenação em penas restritivas de direitos”

6. S. Excelência indica vários precedentes da Corte que afirmam a possibilidade “de a condenação poder ser executada provisoriamente” (item 6).

7. Pesa-me divergir do ilustre Ministro Relator.

8. É que, conforme votei nos autos da Reclamação nº 2.391-5 – ainda pendente de julgamento, no Plenário -, o disposto no inc. LVII do art. 5o da Constituição Federal impede a execução provisória da sentença penal condenatória, seja qual for a pena aplicada, verbis:

“Parece-me óbvio que essa disposição constitucional não é, como não o é norma constitucional alguma, mera recomendação, nem tomada teórica de posição do constituinte a respeito da natureza da condição processual do réu; ela não tem menos óbvio sentido prático. Embora alguns vejam, em tal norma, uma suposta presunção de inocência, parece-me lícito abstrair indagação a esse respeito, no sentido de saber se hospeda, ou não, presunção de inocência. Há autores, sobretudo na Itália, que a propósito de regra análoga sustentam não conter presunção alguma, nem de inocência, nem de culpabilidade, senão e apenas enunciado normativo de garantia contra possibilidade de a lei ou decisão judicial impor ao réu, antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, qualquer sanção ou conseqüência jurídica gravosa que dependa dessa condição constitucional, ou seja, do trânsito em julgado de sentença condenatória. Em outras palavras, independente de saber se contém, ou não, alcance de presunção – pode-se até dizer que a presunção de inocência é só uma das decorrências ou consectários dessa garantia, projetando-se como tal, por exemplo, na distribuição do ônus da prova no processo, o certo é que essa cláusula garante ao réu, em causa criminal, não sofrer, até o trânsito em julgado da sentença, nenhuma sanção ou conseqüência jurídica danosa, cuja justificação normativa dependa do trânsito em julgado de sentença condenatória, que é o juízo definitivo de culpabilidade.

Temos, pois, aqui, o seguinte dilema, já posto pelo Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE: tirando-se as hipóteses de prisão em flagrante – a cujo respeito como modalidade de prisão cautelar, que é, não quero discorrer aqui, bastando estar prevista na Constituição – e de prisão preventiva, cuja finalidade básica é a tutela do processo, a possibilidade de alguém ser ou manter-se preso nos termos de ambas as normas invocadas na sentença não vejo como qualificar-se senão como hipótese típica de execução provisória de sentença penal (recorrível) e que por isso mesmo ofende de modo direto a garantia do inciso LVII do art. 5o da Constituição da República, porque se está impondo àquele que, na forma da mesma Constituição, ainda não foi considerado culpado por sentença transitada em julgado, a mais grave das sanções, que é a privação de sua liberdade.

Parece-me que, além disso – como já salientado pelos Ministros MARCO AURÉLIO e SEPÚLVEDA PERTENCE –, o que acentua a gravidade da interpretação da sentença é que as leis tratem de maneira penosamente invertida e desigual bens jurídicos que estão em posições hierárquicas distantes, ou seja, a lei subalterna não admite, na execução civil provisória, a qual tem só efeitos de caráter patrimonial e quase sempre reversíveis, a prática de atos de adjudicação ou de qualquer outra forma de alienação, ao passo que as duas normas penais aplicadas pela sentença permitiriam a imposição da sanção extrema e gravíssima da privação da liberdade, a qual é irreversível pela razão manifesta de que não há maneira de o sistema jurídica repará-la sequer mediante o expediente subrogatório da indenização (que aliás, não se sabe quando é paga). Esse tratamento normativo desigual, que castiga o réu com perda injusta e irreparável da liberdade física, agride o princípio da proporcionalidade, como variável da razoabilidade. Creio inconcebível que o sistema jurídico tolere essa incoerência de regulamentação desproporcional de conseqüências sancionatórias para valores jurídicos absolutamente díspares, atribuindo prudente proteção a bem jurídico que, diria, não é o mais valioso da vida, o patrimônio, e, na esfera penal, negando-o à liberdade do cidadão! Isso, para mim, ofende frontalmente, além da cláusula constitucional específica (art. 5o, LVII), o princípio da proporcionalidade, que veda toda sanção injustificável quando comparada com conseqüência prevista para hipótese mais grave em abstrato.

Considero, também, absurdo não menor que se possa extrair do preceito constitucional, por exemplo, a conseqüência — como já lembrado, na Turma, pelo Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE — de que estaria proibido lançar, antes do trânsito em julgado da sentença, o nome do réu no rol dos culpados, como se esta fosse a coisa mais importante do sistema jurídico. Como observou S. Exa., nunca se viu ou soube que alguém consultasse alguma vez tal livro! Seria esse, outro tipo gritante de desproporcionalidade: sustentar a impossibilidade de manter o nome do réu no rol dos culpados, mas permitir que ele permaneça preso até que sobrevenha julgamento definitivo, o qual bem pode declará-lo inocente! Nada haveria de razoável nessa desequilibrada ponderação normativa que de igual modo subverteria a escala de valores emergentes da Constituição”.

9. Esta Primeira Turma, em casos assemelhados, tem, aliás, de modo algo sistemático, deferido medidas cautelares, para sobrestar feitos até que o Plenário expeça decisão final nos autos da Reclamação suso citada, v.g.:

“PENA — EXECUÇÃO — PENDÊNCIA DE RECURSO — MATÉRIA EM EXAME NO PLENÁRIO — HABEAS CORPUS — PROCESSO — SOBRESTAMENTO E LIMINAR. O fato de o imediato cumprimento de pena, independentemente do trânsito em julgado da decisão condenatória, encontrar-se sob exame no Pleno do Supremo Tribunal Federal — Reclamação n. 2.391 — direciona à suspensão dos processos em curso sobre idêntica matéria e o deferimento de liminar para soltura do réu” (HC nº 83.415-MC, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, 03.02.2004).

10. No mesmíssimo sentido, vejam-se: HC nº 84.104, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA; HC nº 84.087, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA; HC nº 83.592, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA; HC nº 83.173-QO, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE; HC nº 83.484-MC, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE.

11. Não fora isso, há, como muito bem lembrado pelo nobre Procurador oficiante, regra expressa que prevê o termo a partir do qual poderá ser a execução penal iniciada. Eis o que preceitua o art. 147 da Lei de Execuções Penais:

“Art. 147. Transitada em julgado a sentença que aplicou a pena restritiva de direitos, o juiz de execução, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, promoverá a execução podendo, para tanto, requisitar, quando necessário, a colaboração de entidades públicas ou solicitá-la a particulares” (grifei).

12. À vista dessa norma, tenho por desnecessário aguardar, neste caso, o julgamento da Reclamação nº 2.391, uma vez que tal disciplina da lei subalterna está em perfeita harmonia com a Constituição da República.

13. Isto posto, pedindo vênia ao ilustre Ministro Relator, voto pela concessão da ordem, para trancar a execução provisória, que como tal é inadmissível.

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