Sangue novo

Novos desembargadores tomam posse no Rio de Janeiro

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23 de novembro de 2004, 12h08

Dois novos desembargadores tomaram posse no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, segunda-feira (22/11). O ex-presidente da Amaerj (Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro) e juiz titular da 2ª Vara Empresarial do Rio, Luís Felipe Salomão e o ex-juiz titular da 2ª e 1ª Varas da Infância e da Juventude, Siro Darlan de Oliveira, foram promovidos ao cargo de desembargadores.

Em seu discurso, Siro Darlan lembrou do trabalho feito durante os dez anos em que esteve nas 2ª e 1ª Varas da Infância e da Juventude. Luís Felipe Salomão, por sua vez, destacou as mudanças ocorridas em todo o mundo nas últimas décadas e os novos desafios da Justiça.

Leia os discursos

Discurso de Luís Felipe Salomão

“Tenho andado sob Hélios, sangrento mirante, trabalhando em silêncio meus jardins ausentes.

A minha voz será a do semeador que cante

quando lança nos sulcos a ardente semente.

E fecho, fecho os lábios, e em rosas trementes

desata-se a voz, como a água na fonte.

Que se não têm a pompa, e se não são flagrantes, são as primeiras rosas – irmão caminhante – do desconsolo, o meu jardim adolescente.”

Pablo Neruda

Exmos. Srs. Ministros Paulo Gallotti, do STJ, Desembargador Miguel Pachá, Presidente do TJ/RJ, Deputados Federais Júlio Lopes, Denise Frossard e Valdemar Costa Neto, em cujas pessoas peço licença para saudar todos os integrantes do Colendo Órgão Especial, as autoridades que compõem a Mesa e as outras que aqui comparecem e que, com suas prestigiosas presenças, sublinham, de maneira indelével, a importância dessa posse conjunta, minha e do colega Siro Darlan, no mais alto cargo do Judiciário fluminense.

Agradeço o comparecimento a todos e a cada um, do fundo d’alma, pois muito abrilhantam esse dia festivo.

Meus colegas magistrados, saúdo-os em nome do Presidente Peres, da AMAERJ e da Juíza Andréa Pachá, representando a AMB, figuras que lutam incansavelmente por uma Justiça melhor. Srs. membros do Ministério Público, a quem peço licença para cumprimentar na pessoa do eminente Procurador de Justiça e da Defensoria Pública, das Procuradorias do Estado e do Município, advogados, na pessoa do grande presidente Otávio Gomes, que vem destacando a advocacia do Rio de Janeiro no cenário nacional, serventuários da Justiça, sem os quais nosso trabalho aqui não seria possível, estagiários, estudantes de Direito, amigos, senhoras e senhores.

Fiquei imaginando, para tentar fugir ao lugar comum, o que revelar nessa cerimônia de posse, repleta de simbolismo, quando se chega ao topo da carreira do Judiciário do Estado do Rio de Janeiro.

Foram tantas as posses de Desembargadores, pensei, desde quando instalado o Tribunal da Relação do Rio de Janeiro, em 15 de julho de 1752 – e que funcionou aqui perto, no lugar conhecido hoje como “Palácio Tiradentes”-, que não deve haver tanto mais a ser dito.

Manuseie o magnífico livro comemorativo dos 250 anos dos Tribunais do Rio de Janeiro, generoso trabalho coordenado pelo Desembargador Fonseca Passos, pesquisei algumas tantas atas de posses e os respectivos discursos junto a nossa eficiente Biblioteca , constatando a riqueza, emoção e a força das palavras daqueles que me antecederam e galgaram o mesmo posto.

Dei-me conta de que o destino, esse componente misterioso que vai tecendo, com seus fios coloridos, os rumos de nossas vidas, reservou uma ocasião especial para a nossa posse, colega Siro Darlan. É que o capítulo atinente ao Poder Judiciário na Constituição Federal está sendo modificado nesta mesma semana, após quase treze anos de trabalhos junto ao Congresso Nacional.

Em seguida recordei-me, como num reflexo, o exato momento que ingressei nessa mesma sala para a posse no cargo de Juiz Substituto. Corria o ano de 1990. Em 1989, foram realizadas eleições presidenciais no país, depois de 29 anos.

O mundo estava ficando melhor ou pior naquele início do anos 90? Olhando-se para a África, a libertação de Nelson Mandela e o início da revolução pacífica naquele continente, certamente conduziam a uma visão otimista. A guerra dos Bálcãs e a “limpeza étnica” faziam retornar a Europa ao estágio medieval. O Brasil era eliminado da Copa da Itália, perdendo nas oitavas para a nossa rival Argentina, um a zero, gol de Caniggia.

Mas e o Judiciário brasileiro? Recém saídos de um período de ditadura, os Juízes buscavam sua real identidade. Indagavam sobre a verdadeira função do nosso Poder nos tempos modernos, no Judiciário da redemocratização.

Em um mundo em rápida e constante mutação, a pressão populacional, o desgaste do meio ambiente, as rebeliões de sociedades tradicionais precisando se adaptar a uma ruptura tecnológica crescente e acelerada, o Judiciário é um Poder em busca de sua identificação.


Resolvedor de conflitos ou guardião das promessas constitucionais, parceiro na construção da nova cidadania nacional, a partir do pacto nascido com a Constituição de 1988?

Justiça só nos autos do processo ou ativismo judicial?

Juiz atendendo o povo no palácio ou na praça?

Qual o perfil dos juízes que estão sendo selecionados e preparados, ao longo desses quase quinze anos, entre o início dos anos noventa e o começo do novo século? Estão sendo recrutados aqueles que resolverão problemas intersubjetivos ou os que interferem em políticas públicas e interpretam as leis sempre para a consecução do bem comum. Os que tornam reais os direitos constitucionais ou os que, burocraticamente, promovem o andamento dos processos? O que deseja a sociedade?

Os problemas do mundo não mudaram tanto desde então, e o Judiciário continua, hoje, com o mesmo dilema, quase como no paralelo do mito de Orfeu.

Como se sabe, o mito grego de Orfeu e Eurídice nos fala sobre desgosto e perda, mas também da inevitável busca de nossa real identidade. Orfeu, da Trácia, tocava a música mais suave do mundo, capaz de instilar um sopro de vida numa pedra. Enamorou-se por Eurídice, que, picada por uma cobra, acabou morrendo. Arrasado e sem motivo para continuar vivendo, Orfeu se dirigiu aos portões de Hades, indo buscar seu amor perdido onde nenhum ser humano tem permissão de entrar até o dia de sua morte. A música tocada por Orfeu foi tão pungente que o severo barqueiro Caronte, que transporta as almas dos mortos, esqueceu-se de verificar se Orfeu trazia na língua a moeda necessária. Com a sua música, conseguiu penetrar no mundo das sombras e foi ter com Hades, senhor do mundo subterrâneo. Com mais místicas melodias tocadas por Orfeu, o rei dos mortos concordou que ele levasse Eurídice de volta. Mas com uma condição: “Não pares, não fales e, acima de tudo, não olhes para trás. Vai embora e confia que não estarás sozinho em sua trilha”. Orfeu atravessou os salões silenciosos e seguiu na trilha da luz. De repente se assombrou. E se Hales o enganara? E se Eurídice realmente não estivesse atrás dele? Orfeu não conseguiu evitar o seu destino, olhou para trás e a viu, por isso, desaparecendo na distância. Orfeu voltou só para o mundo superior, inconsolável, onde, por muitos anos, nenhum sol brilharia. Mesmo assim, depois de muito tempo, Orfeu voltou a tocar e levar alegria a muita gente.

O mito grego traz os temas da inevitabilidade da morte e a imprevisibilidade da vida. A certeza de que, se aceitamos o que perdemos, sem olharmos para trás, aquilo que amamos ficará conosco para sempre. Remoermos nossas perdas nos condena a viver com nosso sofrimento. No final, era como se Eurídice continuasse viva na música de Orfeu, encantando milhares de outras pessoas.

O novo perfil do Judiciário deve ser adequado ao mundo atual, e não nos é dado o direito de olhar para trás, devemos lamber as nossas feridas e avançarmos firmes em direção ao futuro.

Não há democracia, digna desse nome, sem Judiciário forte e independente. E com uma nova estrutura de Poder, gerada a partir de uma necessária democratização interna, poderemos fazer uma revolução silenciosa. Se isso ocorrer, em breve o povo estará como aliado, orgulhoso dos seus magistrados, defendendo nas ruas as suas prerrogativas, que são, no fundo e ao cabo, as garantias do estado de direito.

A advertência de Nietzsche cai como uma luva: “Você tem que estar preparado para se queimar em sua própria chama: como se renovar sem primeiro se tornar cinzas?”

Nesse passo, acredito que o caminho do Judiciário rumo a sua legitimação passa por alguns “cortes na própria carne”, por isso que vários desses pontos serão tratados de maneira direta, muito limpa, muito franca, e sendo assim talvez possam causar alguns melindres e ferir suscetibilidades. Na verdade, as grandes questões, quando são defendidas com lealdade, convicção e dignidade, tornam-se impessoais. Transcendem a individualidade e passam a representar as grandes aspirações institucionais. O que se pretende nesse brevíssimo espaço de tempo é, aqui e agora, um convite a uma reflexão.

No cenário mundial, das ruínas da Europa do pós-guerra foram surgindo os modelos do novo Judiciário. A Alemanha, com uma enorme burocracia judiciária, passou por grandes transformações para repudiar o Poder Judiciário que foi dócil ao “Reich” e não atendia às exigências da nova sociedade que se pretendia construir. A Itália, com a ressaca da política de Mussolini, tinha um Judiciário hierarquizado, empobrecido, proclamando seu neutro tecnicismo, que, na verdade, tivera sido funcional ao fascismo. Trinta anos depois, quando Espanha e Portugal estabeleceram regimes democráticos, situaram-se diante de idênticos panoramas, com estruturas judiciárias hierarquizadas e que foram subservientes às ditaduras franquista e salazarista.


O que causou a necessidade das reformas empreendidas para democratização dos Judiciários europeus não foi seu fracasso técnico, mas o formidável insucesso político da formatação hierarquizada do Poder.

Por isso mesmo que, em todos esses países mencionados (ditos modelos democráticos modernos), a estrutura foi montada para reduzir a verticalização interna do Judiciário, tornando realidade a premissa de que entre juízes não há hierarquia, mas diferença de competências.

Empreenderam esses países, portanto, modificações para permitir que a designação dos Conselheiros Judiciários (O Conselho é órgão que podemos denominar de administração da máquina judiciária), é feita por meio do voto universal de todos os juízes. Romperam, a partir daí, com a tendência ao corporativismo judiciário, e a história vem demonstrando que surgiram controles recíprocos entre as instâncias, o que limita o risco e a tentação de partidarização.

Nos países mais avançados essa responsabilidade dos juízes nas estruturas dos Judiciários democráticos já é uma realidade, de modo a se buscar o que Zaffaroni chamou de superação da tecno-burocracia.

Se nosso país pretende, também vivendo panorama semelhante de retorno à plenitude democrática com a Constituição de 1988, superar, em termos de Judiciário, a imagem da tecno-burocracia, é mister caminhar para as mudanças e tentar alcançar a tendência democrática contemporânea.

Tímido passo foi implementado com a Reforma Constitucional que em breve será promulgada, permitindo a escolha de parte do Órgão Especial pelo Tribunal Pleno. A proposta da nova LOMAM (Projeto de Lei Complementar 144/92), que está ganhando os últimos retoques no STF para seguir ao exame do Congresso, deixa claro que será o Regimento Interno de cada Tribunal que regulamentará a eleição, vedada apenas a reeleição (art. 6, inciso III, do projeto).

É preciso avançar mais, muito mais.

O Judiciário que se quer, moderno e democrático, é como planta que exige cultivo. Não cresce em climas inóspitos. Só viceja em lugares onde sopram ventos da liberdade, onde os mandatários no plano administrativo são escolhidos pelo voto de todos os seus pares. Onde todos os Juízes são partícipes da Administração, e não meros expectadores ou destinatários de regras impostas, com viés de subordinação que não deveria existir.

Poder encarregado de julgar a moralidade administrativa dos demais, o Judiciário não pode aceitar, internamente, deslizes com a ética. A confusão entre a coisa pública e privada levou a desvios, como são exemplos o nepotismo e o apadrinhamento nas contratações de pessoal, que tanto custo de credibilidade nos acarreta.

Vale lembrar a lição de Calamandrei, mencionada pelo grande jurista Mauro Cappelletti: “Não é honesto refugiar-se atrás da cômoda frase feita de quem diz que a magistratura é superior a toda crítica e a toda suspeita: como se os magistrados fossem criaturas sobre-humanas, não tocados pela miséria dessa terra, e por isso intangíveis. Quem se satisfaz com estas vãs adulações ofende à seriedade da magistratura: a qual não se honra adulando-a, mas ajudando-a, sinceramente, a estar à altura de sua missão.”

Nesse particular, é inegável a importância e o papel relevante das associações de magistrados.

Muito além do puro sindicalismo, as associações não defendem apenas questões corporativas. Preocupam-se com o funcionamento do Poder Judiciário e a democratização do acesso à justiça, lutam contra a grande desigualdade social que atinge o nosso povo, na exata medida que o processo judicial pode ser usado para minimizá-la. Ao buscarem melhores condições de trabalho para os juízes e servidores, em verdade reforçam a possibilidade de prestar jurisdição com eficiência.

Guardiões incansáveis das garantias da magistratura, entendidas como prerrogativas da cidadania, as associações têm na vertente institucional seu foco maior de atuação.

A associação de magistrados representa a classe, os anseios dos juízes, e não do Poder Judiciário. Este tem um chefe institucional e uma cúpula administrativa, que age em nome do Poder. É como diz Gibran “as colunas do templo erguem-se separadamente, e o carvalho e o cipreste não crescem um a sombra do outro”.

A luta pela democratização do acesso à justiça, transparência no Judiciário, critérios objetivos para promoções e remoções, com o fim das sessões e votos secretos em decisões administrativas; a eleição direta para os cargos de direção dos tribunais e do órgão especial; a defesa real das prerrogativas; a participação na elaboração do orçamento e uma maior democratização interna; além do fim do nepotismo, foram e serão prioridades para as entidades de classe.

Também é conveniente ressaltar que não se pode falar em Judiciário eficiente sem um corpo de servidores bem remunerados, adequadamente treinados e formados, com concursos de seleção bem realizados, para que a escolha recaia sobre aqueles que se apresentem melhor para o perfil atual da Instituição. O Sindicato tem um papel importante na canalização das reivindicações da categoria e merece ser ouvido com atenção.


San Thiago Dantas já asseverou certa vez que “ o encontro do homem com o destino não se dá sem amargura”

Por isso que não se deseja aqui apresentar soluções prontas e acabadas. Nem se pretende transformar a Reforma do Judiciário no muro de lamentações e expiações de culpas. A despeito das vicissitudes da Reforma, acolhendo, em boa parte, o receituário ditado pela Banca financeira internacional e da situação atual do nosso país, não tenho visão pessimista acerca dos destinos do nosso Poder.

Porque esses princípios sobre os quais mencionei, Sr. Presidente, são aqueles com os quais se afina a grande maioria dos magistrados do nosso estado. Aliás, esse é o pacto que exige a sociedade moderna, para ser construído o perfil do novo Judiciário.

O caminho é sem volta e não se permitirá retrocessos.

Esse é o momento histórico. Como adverte-nos o poeta Mário Quintana : “Eu não sou eu, sou o momento. Passo”.

Talvez como nunca antes, o Judiciário precisa se redescobrir, se recriar, reinventar. Recompor sua credibilidade a partir de uma agenda positiva.

Uma nova sociedade, nova economia, novíssimos hábitos culturais, criaram novas demandas que o nosso sistema e os Juízes devem estar aptos a resolver.

Investir na formação humana do servidor e do juiz; qualificar e adequar o recrutamento de pessoal às novas exigências modernas; gestão dinâmica e eficiente, com autonomia administrativa e financeira; democracia interna e leis processuais mais ágeis, além de um processo judicial simples e desburocratizado. Fórmulas que não necessitam de reforma constitucional.

Thiago Ribas, no discurso de posse e de despedida na presidência desta Casa, aproveitando esse momento para uma saudação especial a todos os ex-presidentes que me honram com suas prestigiosas presenças, trouxe o alerta do Professor Carbonnier, da Faculdade de Direito de Paris, ao lembrar da “angústia histórica, esta que experimentam os homens quando, mais ou menos confusamente, sentem-se arrastados no futuro da humanidade, instados a encontrar soluções para seus problemas”.

Mas esse compromisso com o futuro é, na verdade, um compromisso com o destino de nossa geração. Os mais novos, eu e o talentoso companheiro Marco Bellizze, sabemos que não poderemos falhar e não iremos decepcionar aqueles que nos depositaram confiança.

Perdoem-me os presentes, mas o momento exige sim um registro no campo pessoal. Alguns agradecimentos fundamentais e de justiça. Nunca fui muito afeito a mencionar, em pronunciamentos públicos, insertos de vida pessoal, muito menos agradecimentos em relação a personagens que, com toda certeza, mereceriam citação especial e nominativa. Um defeito considerável. Lá no fundo do coração, gostaria de dizer a algumas pessoas o quanto são importantes nessa jornada atual. O tempo e a solenidade não permitem.

Mas é imperioso que se façam algumas referências. A primeira é que, com muita honra, passarei a ocupar a vaga deixada por um grande Magistrado, Desembargador Newton Mondego. É uma redobrada responsabilidade, ocupar o mais alto cargo da Magistratura fluminense e ainda fazê-lo na vaga de um grande Juiz.

A segunda menção, bastante emotiva, é que uso e usarei a toga que me foi presenteada pelo meu grande amigo e mestre Des. Paulo Gomes. A veste talar foi de seu pai e, desde então, acompanha um pouco a história dessa Casa. Ao escrever-lhe agradecendo a oferta tão generosa e honrosa, registrei: “Aprendi, Des. Paulo Gomes, a admirá-lo e reconhecer que é possível ser firme e correto, sem perder a ternura; é possível construir sem rancores, sem “olhar para o espelho retrovisor”. E, para além das realizações materiais e físicas, que tomariam páginas e páginas de escrito, quero registrar que esse legado, o da esperança de que é possível construir um mundo melhor, de que trabalhar por isso não é vão, essa é a maior lição que recebi. Bem, as palavras, na verdade, são de agradecimento e reconhecimento. Essa toga, que com muita honra envergarei, continuará sendo um bastião da justiça e da dignidade. E no futuro, durante as batalhas que certamente virão, quando me perguntarem, direi com orgulho: “ela pertenceu a dois grandes juízes, e quem me presenteou foi Paulo Gomes. Vou continuar a cumprir a sua missão!”

O Desembargador Humberto Manes foi fundamental nessa minha caminhada. Sua retidão de caráter, sua dedicação a causa pública e à Justiça em especial, fizeram-lhe participante de todos os momentos, sem nenhuma exceção, da história recente do nosso Tribunal. Se hoje o TJRJ tem a projeção nacional que desfruta, certamente o Des. Manes deve receber nosso reconhecimento. Devemos a ele a independência financeira do nosso Poder. Ao Des. Manes um muito obrigado especial, com a certeza de que não irei decepcioná-lo.

Também um especial agradecimento merecem os padrinhos, Marcus Faver e Sérgio Cavalieri. O passado e o futuro se encontram, construindo a ponte do presente. Aqueles que, com sacrifício pessoal, ajudam a edificar essa grande catedral da Justiça, meu sincero reconhecimento. Nesse particular, o Presidente Miguel Pachá merece uma palavra mais do que carinhosa. Um simples e simbólico exemplo, mas que pretende refletir toda minha admiração. Acompanhei Sua Excelência, recentemente, a um programa da rádio globo, onde, durante uma hora, prestou contas de sua gestão e atendeu o público. Em uma palavra, com uma atitude simples, aproximou o povo da Justiça. Tem sido um peregrino da luta por um Judiciário melhor . Em seu nome, agradeço o honrado voto de todos e de cada um dos integrantes do Órgão Especial.


Agradeço as palavras generosas do amigo Des. Roberto Wider, fruto, evidentemente, das escaramuças do coração, e registro minha alegria por desfrutar de seu convívio. O Tribunal precisa muito de sua vitalidade e de sua têmpera de grande jurista e homem público.

Aos meus pais, Júlia e Salim, em nome de quem cumprimento todos os familiares, quero que saibam que é um privilegio tê-los aqui, com saúde e disposição para assistirem esse momento importante da minha carreira. Agradeço muito a Deus por essa dádiva. Repito a menção que lhes fiz na minha colação de grau universitário, gravada na dedicatória da fotografia que ornamenta a sala de jantar: “agradeço por tudo que fui, sou e serei. Mãos que semearam o terreno, sem nada esperar colher. Minha eterna gratidão”.

Um agradecimento especial também a todos os colegas que aqui compareceram, que comigo sangram e sonham a utopia da vida associativa, das Diretorias da AMAERJ e da AMB, funcionários da AMAERJ, da 2 Vara Empresarial (de onde saio para assumir esse cargo) e também os que comigo trabalham no Gabinete (Patrícia, Bianca e Carlos Roberto), além dos servidores do Cerimonial e do Órgão Especial do TJ, esses últimos envolvidos na realização dessa solenidade, pois sem os seus esforços nada disso seria possível.

Encerro com a lembrança do saudoso poeta mineiro Fernando Sabino, citado pelo grande líder Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho, quando assumiu a presidência da AMB:

“Fazer da queda um passo de dança,

do medo uma escada,

do sono uma ponte,

da procura um encontro”

Muito obrigado!

Discurso de Siro Darlan de Oliveira

Excelentíssimo Senhor Presidente do Tribunal de Justiça Desembargador Miguel Pachá.

Excelentíssimos Senhores desembargadores do Egrégio Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

Excelentíssimos Senhores e Senhoras Magistradas.

Excelentíssimos Senhores Procuradores, Promotores de Justiça E Advogados e DEFENSORES PÚBLICOS.

Senhores e Senhores Serventuários de Justiça, Senhoras e senhores.

Agradecimentos a Deus que tem sido tão generoso comigo e minha família.

Agradeço ainda a D. Maria de Lourdes de Oliveira, minha mãe, valente nordestina que com sua coragem e destemor, herança que comigo eu guardo com muito orgulho, deixou o sertão nordestino nos anos 50 com meus quatro irmãos e uma tia mãe Anita para ensinar-me a “dizer não e ver a morte sem chorar” e com seu trabalho e exemplo permitiu que eu vivesse esse honroso momento de minha história.

Agradeço aos Padres Agostinianos Recoletos, Frei Valeriano, Frei Aurélio, Frei Fermin, Frei Antonio Garciandia e tantos outros que me adotaram como filho sendo os responsáveis por minha formação religiosa, base de minha sustentação ética e moral.

Agradeço por haverem me apresentado a Santo Agostinho que me conduz com seu exemplo de disciplina e persistência a alternar momentos de quedas e êxitos graças a minha inquietude diante do infortúnio de nossos irmãos mais pobres e oprimidos e cuja frase lapidar adotei como lema: “Fizeste-me para Ti, Senhor e inquieto está o meu coração até que descanse em Ti”.

Agradeço a meus filhos Fernanda, Carlo Alexandre, Renato e Guilherme e peço desculpas a eles pelos dias e horas que roubei deles ausentando-me de seu desenvolvimento e crescimento para dedicar-me ao trabalho incessante.

Agradeço a mãe deles, Ângela, pelas ausências e aborrecimentos que levei para casa tumultuando muitas vezes os momentos que deveria ter dedicado ao lar e a família.

Agradeço a minha companheira Heloisa, meu equilíbrio e conforto que com sua arte de bem viver e amar, tem sido tão compreensiva e me dado tanto equilíbrio reluzindo minha vida com sua bondade e doçura e, sobretudo ajudando a dar vida aos nossos sonhos e projetos.

Agradeço ainda aos zelosos e dedicados servidores da justiça que serviram à causa da criança e do adolescente durante os anos em que estive à frente da 2a. e da 1a. Varas da Infância e da Juventude e que graças à dedicação, honestidade e tenacidade contribuíram para a realização de tantos programas sociais cujos méritos foram reconhecidos nacional e internacionalmente como demonstra o relatório das Nações Unidas subscrito pelo Dr. Juan Petit, que assim destacou: “A Primeira Vara da Infância e Juventude é um exemplo em iniciativas pro ativas para levar Justiça Social a comunidades marginalizadas que deve ser conhecido e copiada”.

Foram dez anos de uma Justiça a serviço da população infanto-juvenil e suas famílias em que se privilegiou a aproximação com a população mais carente como no projeto “Justiça nas Comunidades”, através da qual o Poder Judiciário vai ao encontro das necessidades do povo, gratuitamente; da mesma forma, o “Escola de pais”, consagrado internacionalmente e apresentado em Congressos no exterior como modelo de reintegração familiar de crianças em conflito com a família; o Família Solidária que promove a aproximação social entre os que possuem e tem espírito solidário e os mais necessitados; o Projeto Pais Trabalhando, o qual graças a sensibilidade da Administração do Tribunal de Justiça tem dado emprego e sustentabilidade para tantos pais antes desempregados e violentos; o Cidadania nas Escolas que promove o debate sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente entre os alunos das escolas do Município; a Cantina Saudável que colocou em debate a saúde das crianças através de uma alimentação saudável; o PAPI que estimulou o trabalho voluntário e gratuito dos advogados; o BECA-Banco de Empregos , Cursos e Aperfeiçoamento que conseguiu colocar no mercado de trabalho mais de 30000 adolescentes trabalhadores; o programa ”Engraxando hoje para brilhar amanhã” que evitou que jovens ingressassem na mão de obra marginal e deu dignidade a atividade laborativa de tantos jovens; o Serviço de localização de crianças desaparecidas que promoveu o encontro de milhares de crianças com seus familiares; o Serviço de Integração de Entidades de Atendimento que promoveu a reintegração familiar de mais de 10.000 crianças e adolescentes antes institucionalizadas, para citar apenas alguns dos muitos projetos e programas que fez com que o Judiciário do Rio de Janeiro se transformasse em paradigma para outras Varas especializadas no resto do país.


Agradeço ainda a todos que, consciente ou inconscientemente, me ensinaram a sonhar e a caminhar na direção desses sonhos.

Como Luther King, eu também tive um sonho.

Sonhei que estava ingressando no Tribunal de Justiça de um Estado onde a criança e o adolescente seriam prioridade absoluta na elaboração de todas as leis, na proposta orçamentária que contemplariam as políticas públicas garantidoras da cidadania e da proteção integral como determina o texto constitucional em seu artigo 227.

Sonhei que não havia crianças nas ruas, nem sofrendo violências dentro de casa ou em logradouros públicos.

Sonhei que em todas as decisões desse Egrégio Tribunal de Justiça prevaleceriam sempre os interesses superiores das crianças e adolescentes.

Sonhei que todos os magistrados estavam imbuídos dos princípios inspiradores da democracia republicana de dar tratamento desigual para os desiguais, equilibrando o prato da balança que simboliza a Justiça.

Sonhei que nesse Tribunal haveria democracia interna, como tanto desejamos nós, magistrados que representamos o Movimento da Magistratura Fluminense Pela Democracia, e que todos os juízes participariam do processo eletivo da cúpula administrativa do Tribunal. O poder judiciário, garante da democracia, não pode estar estruturado de maneira autoritária, ainda embevecido da ideologia patriarcal e patrimonialista, que confunde o público com o privado. É indispensável à participação de todo o conjunto dos magistrados nas decisões do poder que personificam e tal só poderá ser feito através de instrumentos democráticos, em especial da eleição dos órgãos de cúpula por todos os membros do Poder Judiciário, o que exigiria maior comprometimento dos órgãos dirigentes com a primeira instância, lócus no qual se realiza a Justiça mais próxima e atenta à realidade social, com possibilidade de resolução eficaz das demandas.

Sonhei com a criação de um mecanismo pelo qual todos os magistrados pudessem contribuir para a elaboração dos planos do Poder Judiciário. É incrível e insustentável a versão defendida por alguns de que a eleição trará como conseqüência à exigência de atividade política por parte dos candidatos, como se isto não ocorresse. A politização do Judiciário é fato incontroverso, a começar pelos Tribunais Superiores. E a politização não é um mal. É necessária para trazer transparência. Como leciona o DES. Gaúcho RUI PORTANOVA, em uma democracia é preferível saber as opções políticas e necessárias de cada julgador, do que se deparar com surpresas e falsidades. Como percebeu, João Ubaldo, aquele que se diz apolítico é o pior e mais perigoso dos políticos. O mito do Juiz neutro, despido de valores, justificava-se na pré-história do liberalismo-burguês. Hoje, as ficções e abstrações perderam lugar para a realidade. Estamos em plena fase eleitoral com dois candidatos fazendo política com suas propostas de administração, com suas opções políticas. Basta ter olhos e ouvidos e andar pelos corredores dos Fóruns para comprovar que essa atividade, política por definição, já é feita nos Tribunais, quando se elegem os órgãos diretivos, com a desvantagem de não ser um processo aberto à participação de todos e nem revestido da necessária transparência. Em meu sonho, também a ideologia de casta e o corporativismo não teriam vez. Desejamos a imediata implantação do mecanismo de eleição de metade do Órgão Especial.

Sonhei que em todos os colégios representativos do poder e das decisões importantes à primeira instância estariam contempladas com uma representação pujante e participativa com direito a voz e voto.

Sonhei que estava ingressando em um Tribunal de Justiça no qual, como afirma Eugenio Zaffaroni, “A independência do juiz… é a que importa a garantia de que o magistrado não estará submetido às pressões de poderes externos à própria magistratura, mas também implica a segurança de que o juiz não sofrerá as pressões dos órgãos colegiados da própria judicatura” ou, ns palavras de Fábio Konder Comparato que a independência judicial se refere “ao fato de que os juízes individualmente e o Judiciário como órgão estatal não estão subordinados a nenhum outro poder no Estado, mas vinculam-se sempre, diretamente, ao povo soberano… é um mecanismo de organização dos Poderes Públicos destinados a proteger os direitos fundamentais da pessoa humana”.

Em resumo, que a independência judicial é o outro nome da garantia de direitos humanos.

Falo sobre esse tema com a autoridade de quem sofreu 18 representações, com duas advertências e uma censura, que ostento no peito como medalhas recebidas pelo simples fato de ter assumido uma postura de independência nas minhas ações e decisões e não ser subserviente aos modelos pré estabelecidos, e por optar pelo direito de pensar livremente, escrever o que penso sem atentar para as pressões venham de onde vierem. Aliás, no Tribunal de meus sonhos, o Juiz deve obediência somente à Constituição da República, mesmo assim na medida em que a aplicação da Constituição não viole direitos conquistados na dura caminhada da humanidade.


No meu Tribunal, não basta a democracia formal, busca-se a democracia substancial, tal qual definida pelo magistrado italiano Luigi Ferrajoli, com cada juiz, com cada desembargador, julgando até mesmo contra a vontade da maioria na defesa dos direitos fundamentais, julgando contra a opinião pública sempre que o projeto constitucional o exigir, principalmente na sociedade do espetáculo em que ocorre a fabricação midiática de maiorias de ocasião contra o direito das minorias.

Quase todas as representações sofridas tiveram o cunho de um patrulhamento ideológico ou foram em razão de decisões judiciais proferidas nos autos.

Sonhei com um Tribunal de Justiça onde o critério de promoções obedeceria estritamente ao texto constitucional que determina o cumprimento nas promoções dos critérios da antiguidade e do merecimento, alternadamente, sem o intuito de ajudar ou prejudicar outros colegas. Vale lembrar, e é necessário lembrar, que este último critério determina que a aferição será realizada através de juízos sobre a presteza, a freqüência e o aproveitamento do magistrado em cursos reconhecidos de aperfeiçoamento, porém, até hoje, não se estabeleceram, ou ao menos não se conhecem, os elementos objetivos, os dados concretos utilizados nessas aferições, o que propicia situações que acabam por indiciar protecionismo.

Sabe-se que as promoções e remoções não estão recebendo o tratamento constitucionalmente devido e acabam representando, ou parecendo representar, instrumento de favores entre membros dos Tribunais. Em vários Estados brasileiros, juizes são preteridos na promoção por antiguidade sem que se saiba a razão. Recusados sem justificação, sem a fundamentação que se exige tanto dos atos judiciais quanto dos atos administrativos sérios. Repita-se: são decisões sem qualquer motivação, portanto sem transparência, sem legitimidade e possibilidade de contraste, decisões autoritárias e incompatíveis com o modelo republicano.

Este quadro conduz a produção de juízes vulneráveis, subservientes e sujeitos ao poder das cúpulas dos tribunais, obrigando-os a serem dóceis e assépticos além de submeter alguns à vergonhosa procissão de beija-mão e lava-pés que antecedem as promoções e remoções e que além de servir para incensar a vaidade dos votantes, propicia a troca de favores entre votantes/senhores e votados/vassalos, o que torna corrompível, aos olhos do povo, o processo de promoção. Ingresso no Tribunal de Justiça sem nunca haver pedido voto a ninguém, e mesmo assim obtive 20 dos 25 votos, o que demonstra que os Desembargadores sabem em quem devem votar, sem o humilhante pedido de mérito, que vicia o próprio conceito de merecimento.

Mais uma vez me valho da sapiência de Zaffaroni para lembrar que: “Os corpos colegiados que exercem uma ditadura interna e que se divertem aterrorizando seus colegas abusam de seu poder cotidiano. Através deste poder vertical satisfazem seus rancores pessoais, cobram dos jovens suas frustrações, reafirmam sua titubeante identidade, desenvolvem sua vocação para as intrigas, desprendem sua egolatria etc., mortificando os que, pelo simples fato de serem juízes de diversa competência, são considerados seus ‘inferiores’. Deste modo desenvolve-se uma incrível rede de pequenês e mesquinharias vergonhosas, das que participam os funcionários e auxiliares sem jurisdição” A independência da magistratura é uma das mais importantes garantias do sistema de proteção aos direitos humanos, que só pode se concretizar através dos chamados remédios constitucionais e com a existência de um Poder Judiciário independente, criado para ser garantista, para impedir o abuso de poder dos governantes.

Perdoe-me revelar uma mágoa em um dia de festa, perdoem-me também, os fatos de, por estar envolvido, ser incapaz de uma análise isenta, mas recuso-me a considerar satisfatórios os critérios para aferir merecimento na realidade do nosso Tribunal. Após haver concluído dois cursos de pós-graduação no exterior, ter proferido Conferências na Itália, França, Suécia, Argentina e Portugal, haver sido elogiado em Relatório das Nações Unidas, o reconhecimento elogioso do Senado Federal, da Assembléia Legislativa e da Câmara dos Vereadores, não obtive o reconhecimento de mérito desse Egrégio Tribunal de Justiça. Tenho, ao menos, nesta data o direito de discordar.

No Tribunal de meus sonhos, não haveria controle ideológico, respeitar-se-ia a alteridade. O Conselho de vitaliciamento e a Escola da Magistratura seriam plurais, pólos de incentivo a um conhecimento crítico, aberto ao novo, e o conhecimento transdiciplinar seria reconhecido e exigido dos magistrados, tanto dos iniciantes quanto dos decanos do Tribunal. Haveria um maior entrosamento com a representação civil da sociedade para que o magistrado melhor se informe sobre a realidade da população excluída, encarcerada, dos movimentos populares, dos sem terra, dos sem direitos respeitados, dos torturados, dos explorados, das minorias sexuais e étnicas. Haveria maior sensibilidade e conhecimento da realidade do sistema carcerário tanto do sistema sócio educativo quanto do sistema penitenciário. Como condenar a penas não previstas em lei como as que são executadas contra os detentos e jovens envolvidos com atos infracionais? Não se pode co-honestar a tortura permanente e a violências das prisões.


Sonhei que havia ingressado num Tribunal de Justiça onde o nepotismo fosse uma pratica abandonada. Faz-se mister que haja uma cláusula com vedação para nomear para cargo em comissão ou designar para função de confiança ou para o exercício de qualquer outra atividade de direção, assessoria ou auxiliar, de livre nomeação ou designação e exoneração ou dispensa, em qualquer órgão do Poder Judiciário a que esteja vinculado magistrado, seu cônjuge, companheiro ou parente, em linha reta, colateral ou afim, até o terceiro grau, salvo se titular de cargo efetivo de órgão do Poder Judiciário, para o qual se exija a mesma qualificação, vedada, ainda assim, a nomeação, designação ou exercício junto ao próprio magistrado.

É sabido por todos que as nomeações para altos cargos, geralmente em comissão ou de confiança, de parentes próximos, trazem imenso prejuízo para a Administração Pública. O imaginário popular nunca teve o Poder Judiciário em tão baixa conta. O dano moral e o político disseminam uma imagem negativa, que já se generalizou na opinião popular, quando os melhores cargos públicos são exercidos pelos familiares de quem detém o poder ao invés de contemplar servidores públicos concursados. A questão do nepotismo é uma das que mais tem afetado a credibilidade do Poder Judiciário e, lamentavelmente virou tradição em vários Tribunais do país ferindo o requisito da moralidade, o princípio da impessoalidade na administração pública.

Acordei desse sonho aqui nessa tribuna para humildemente oferecer os 15 anos que ainda terei de vida judicante todo o meu talento, inteligência e disposição para trabalhar na busca da realização de todos esses sonhos.

Nessa data começo a caminhar por uma nova trilha, mas na mesma direção, buscando concretizar o projeto de vida digna para todos, reafirmando o compromisso que assumi ao entrar na magistratura fluminense, um compromisso com o excluído, com o mais frágil, em uma sociedade fragilizada pela desigualdade social, pela falta de compromisso com as políticas públicas que garantam a efetivação dos direitos de crianças, adolescentes e idosos, pela ausência de valores, pela banalização da violência, pela divisão em classes tão díspares.

Voltando à infância e à juventude é preciso ressaltar a importância de um investimento eficaz no respeito a esse novo direito ainda tão desconhecido e pouco valorizado, o da criança e do adolescente. É preciso entender que o dito popular “é de pequeno que se torce o pepino” deve ser visto sob outra ótica. É respeitando a criança e seus direitos fundamentais que estaremos forjando através do exemplo e da educação o verdadeiro cidadão. Ao ensinar a lição do respeito a sua cidadania estaremos impedindo que essa criança/adolescente enverede pelo descaminho do crime, das drogas lícitas e ilícitas e da violência. Em todas as nossas decisões que esteja presente o interesse superior da criança.

Desejo que o prefeito ou governador que não cumpre a Constituição administrando o Estado ou a Cidade sem observar a prioridade absoluta da elaboração e execução das políticas públicas que atendam a cidadania das crianças e adolescentes seja cobrado por sua negligência e, se for o caso, que seja punido por esse grave crime de permitir que crianças sejam vítimas de violência por sua omissão.

Finalmente, lembrando São Paulo, “Combati o bom combate, terminei a minha obra. Guardei a fé”. É assim, com o coração partido de saudade e sofrimento pelo ato de despedida, mas feliz por haver cumprido o meu dever, parto para outra trincheira, onde pretendo, com toda humildade, continuar servindo à causa das crianças e adolescentes mais excluídos, suas famílias, além de prestar toda minha contribuição para o aperfeiçoamento do Judiciário para que a cada dia esteja mais presente na vida dos cidadãos servindo à causa da verdadeira Justiça. Que a inquietude desse meu coração seja visto não como a de um exibicionista, mas a de um inconformado que deseja servir a Deus incondicionalmente através do serviço constante e desinteressado aos irmãos mais próximos e mais carentes.

Finalmente, quero destacar a honra de estar ingressando nesse Tribunal de Justiça na cadeira deixada pelo Eminente Desembargador Gustavo Adolpho Küll Leite, substituir sua excelência aumenta muito a minha responsabilidade, mas tudo farei para honrar esse lugar que o destino me reservou.

Outro motivo de orgulho é o fato de haver sido apresentado aos Eminentes Colegas pelo querido amigo Des. Roberto Wider a quem aprendi a admirar e respeitar por sua fidelidade, amizade e pelo carinho e cuidado que tem demonstrado com minha caminhada até chegar a esse momento sublime de minha carreira. Ainda, ter como padrinhos dois ilustres colegas que são paradigmas e orgulho da magistratura fluminense, o Des. Paulo Roberto Leite Ventura, a quem desde o início de minha carreira aprendi a olhar como Mestre por sua inteligência, dedicação e por seu espírito de união entre os colegas que procurarei imitar.

E, ainda, o Desembargador Humberto Mannes, que desde os meus tempos de Academia aprendendo com ele as lições do Direito Civil, escolhi para paraninfo da turma de 1977 da UERJ do velho casarão do Catete, o mesmo que um dia pegou-me pelas mãos nos corredores do Fórum e determinou: faça o concurso para a magistratura, e ao longo dessa caminhada tem me iluminado e protegido. Proteção Integral que nesse momento de júbilo faz-se representar pelo fato de estar trajando as vestes talares dessa luminosa criatura, gesto esse que espero honrar por toda minha vida uma vez que tenho pelo Desembargador Humberto Mannes uma afetuosa e eterna admiração e gratidão.

E, concluindo, quero manifestar a minha fé nesse Deus que criou o céu, a terra, o sol, as estrelas, tudo fez e tudo criou para o seu louvor, que nos fez a todos irmãos, a quem peço que me afaste de qualquer forma de mágoa ou rancor, ressentimento, ódio ou qualquer pensamento ruim em relação ao próximo e que faça de mim um instrumento de sua Paz, que me transforme em seu discípulo fiel à sua Palavra e aos seus ensinamentos, que eu seja um instrumento de união entre todos os magistrados, serventuários e, sobretudo aqueles que por terem fome e sede de Justiça são os bem aventurados aos quais temos o dever de servir e entregar a prestação jurisdicional com a humildade de quem tem a consciência de estar na função judicante para servir e não para ser servido.

Agradecemos a presença de todos os convidados e amigos e informo que por entender que não é compatível com a fome e a pobreza de nosso povo a produção de coquetéis comemorativos optamos por saciar a fome e sede de justiça através do trabalho e compromissos que assumimos nesse momento solene e oportunamente comemoraremos quando nossos sonhos estiverem sendo realizados e o povo tiver verdadeiramente a Justiça que almejam e merecem.

Muito Obrigado.

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