Bala na agulha

Erick Vidigal declara guerra contra o jornal Folha de S. Paulo

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23 de novembro de 2004, 19h44

O advogado Erick José Travassos Vidigal declarou guerra contra a Folha de S. Paulo. O levante foi motivado pela publicação, em parte dos exemplares do jornal desta terça-feira (23/11), de reportagem que relata detalhes de processo contra Erick Vidigal que corre em segredo de Justiça.

Na noite desta segunda, 22 de novembro, a Folha foi intimada com liminar do juiz João Luiz Fischer Dias, da 9ª Vara Cível da Circunscrição Judiciária de Brasília, proibindo-a de divulgar qualquer fato que diga respeito à denúncia do Ministério Público contra o advogado.

De acordo com o jornal, a ordem chegou à redação da sucursal em Brasília às 22h25. A esta hora, alega, “cerca de 46% de uma tiragem de 297 mil exemplares” já haviam sido concluídos (às 20h30). O restante dos exemplares, que ainda não haviam sido rodados e não trazem a reportagem, circulam em São Paulo e Brasília.

A notícia em questão traz a denúncia feita pelo Ministério Público pela suposta negociação de decisões judiciais feita por Erick Vidigal, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, que favoreceriam o ex-policial e empresário João Arcanjo Ribeiro, o Comendador, e seu contador, Luiz Alberto Dondo Gonçalves. A denúncia foi acatada pelo juiz César Augusto Bearsi, da 3ª Vara Federal de Cuiabá (MT).

A briga entre o jornal e Erick Vidigal, que é filho do presidente do STJ Edson Vidigal, começou em fevereiro de 2003. Na época, a Folha divulgou a primeira notícia sobre o caso. Assinada por Josias de Souza, diretor da sucursal brasiliense do jornal, ela tratava da suposta venda de Habeas Corpus a Dondo Gonçalves. Informações do MP reproduzidas pelo jornal dão conta de que Erick teria participado das negociações.

O então vice-presidente do STJ, Edson Vidigal, entrou com ação por danos morais e queixa-crime contra Josias de Souza. Também representou na Procuradoria-Geral da República contra Taques; Mauro Zaque de Jesus, promotor de Justiça de Mato Grosso; e César Augusto Bearsi, juiz federal. Edson Vidigal entrou, ainda, com representação contra Josias de Souza, na Procuradoria-Geral da República.

Erick Vidigal entrou com ação de danos morais contra o jornal Folha de S. Paulo e contra o jornalista. Também ajuizou queixa-crime contra Josias de Souza. Erick Vidigal entrou ainda com representação na Procuradoria Regional da República da 1ª Região para pedir instauração de processo administrativo contra Taques.

Na liminar obtida nesta segunda, Fischer Dias fixou multa de R$ 50 mil diários ou por infração caso a Folha descumprisse a determinação. Procurado pela revista Consultor Jurídico, o advogado de Erick Vidigal, Rodrigo Ferreira, disse que a divulgação da notícia, ainda que em parte dos exemplares, caracterizaria desobediência. “Se constatarmos que eles [o jornal e o jornalista] optaram por vender jornais vamos ingressar com outras ações de responsabilidade civil”, afirmou Ferreira. Segundo ele, a reportagem violou o direito ao segredo de Justiça.

Para Ferreira, o pedido de liminar para evitar a publicação dos fatos não deve ser visto como censura prévia à imprensa. “Temos embasamento constitucional e do Código Civil, que confere a qualquer cidadão o direito de requerer decisão judicial quando houver ameaça de lesão a qualquer direito”, disse. Ele alegou que, no caso, havia o risco de se vulnerar os direitos “personalíssimos garantidos constitucionalmente, como honra, preservação da imagem e privacidade”.

Ao justificar o entendimento, o advogado citou os casos da Escola Base, em São Paulo, e do vereador eleito de Porto Alegre Ibsen Pinheiro, que quando ainda era presidente da Câmara dos Deputados foi acusado pela imprensa de movimentar US$ 1 milhão em sua conta-corrente. “Podemos procurar evitar o dano preventivamente quando uma reportagem pode causar dano irreversível” à pessoa ou instituição.

O segredo de Justiça é válido até o desembaraço do processo ou até quando o juiz achar oportuno. Procurada pela ConJur, a advogada da Folha, Taís Gasparian, informou que vai recorrer da liminar. Josias de Souza, responsável pelas duas reportagens, preferiu não comentar o assunto.

Leia a reportagem da Folha de S. Paulo, que teve sua publicação proibida:

Justiça

Erick José Travassos Vidigal é suspeito de participar de negociação de decisões judiciais no Superior Tribunal de Justiça

Filho do presidente do STJ vira réu em ação

Josias de Souza

Articulista Da Folha

Por decisão da Justiça Federal, o advogado Erick José Travassos Vidigal tornou-se réu em processo que apura a existência de negociação de “decisões judiciais” no âmbito do STJ (Superior Tribunal de Justiça). Ele é filho do ministro Edson Carvalho Vidigal, Presidente do STJ.


Erick Vidigal foi denunciado pelo Ministério Público em 25 de outubro, junto com outras cinco pessoas. A denúncia foi aceita no último dia 4 de novembro pelo juiz César Augusto Bearsi, da 3ª Vara Federal de Cuiabá (MT).

O caso nasceu de interceptação telefônica feita pela PF (Polícia Federal) com autorização judicial. O conteúdo das gravações foi revelado pela Folha em fevereiro de 2003.Na denúncia acatada pelo juiz o Ministério Público afirma:

“O conteúdo das conversas gravadas revelou […] a existência de uma associação de pessoas, de forma estável e permanente, para o fim de ‘adquirir’ doministrodo STJ Edson Vidigal decisões judiciais favoráveis a João Arcanjo Ribeiro e Luiz Alberto Dondo Gonçalves”.

Conhecido como “comendador”, Arcanjo Ribeiro é apontado como comandante do crime organizado em Mato Grosso. Detido no Uruguai, está prestes a ser extraditado para o Brasil. Dondo Gonçalves é acusado de ser o tesoureiro da quadrilha. Encontras e preso em Cuiabá.

Grupos

De acordo com a denúncia, assinada pelos procuradores Mário Lúcio Avelar e José Pedro Taques, a “associação criminosa” reuniu dois grupos. “O primeiro tinha base na cidade de Brasília e o segundo na cidade de Cuiabá.” O núcleo brasiliense “era provido pelo quarteto Erick Vidigal, Eduardo Vilhena de Toledo, Jaison Osvaldo Della Giustina e Timóteo Nascimento da Silva”. São todos advogados.

Vilhena de Toledo é filho de Francisco de Assis Toledo, ex-ministro do STJ. Della Giustina é sócio de Erick Vidigal. Nascimento da Silva, embora residente em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, agia em nome do comendador Arcanjo em Brasília, segundo constatou a PF.

Diz a denúncia: “Esse agrupamento, que era provido por dois filhos de ministros do Superior Tribunal de Justiça, tinha a missão de estabelecer a ligação entre o núcleo baseado na cidade de Cuiabá e a cúpula daquele órgão do Poder Judiciário, de forma a tornar possível a negociação de decisões judiciais”.

O grupo cuiabano era integrado, de acordo com os procuradores, por Avelino Tavares Júnior e Samuel Nascimento da Silva. O primeiro é “advogado e sócio de João Arcanjo Ribeiro”. O segundo é “lobista”.

“Esse núcleo”, anota a denúncia, “tinha a missão de […] providenciar os recursos financeiros demandados pelo primeiro núcleo”, para que a “obtenção de sentenças judiciais favoráveis no STJ pudesse fluir”.

Irmãos

A ligação entre os dois grupos “dava-se, primordialmente, por meio dos contatos estabelecidos entre Samuel Nascimento da Silva e Timóteo Nascimento da Silva”. Os dois são irmãos. A eles incumbia, segundo a denúncia, “a tarefa de tratar e negociar não somente com Erick Vidigal […], mas também com o seu sócio Jaison Osvaldo Della Giustina”.

Os contatos entre os irmãos Nascimento da Silva foram captados pela escuta telefônica da PF. A transcrição de suas conversas menciona supostos acertos financeiros com Erick Vidigal. Citaram cifras que variavam de US$ 150mil a dois milhões (a unidade monetária não foi especificada).

Liminar

Um dos diálogos trata de uma decisão do ministro Edson Vidigal, então vice-presidente do STJ. A quadrilha de Arcanjo Ribeiro pleiteava a concessão de um habeas corpus para livrar da cadeia o tesoureiro Luiz Alberto Dondo Gonçalves.

Baseando-se em informações supostamente recebidas de Erick Vidigal, os prepostos do “comendador” concluíram que uma liminar em habeas corpus, que já havia sido negada pelo Tribunal Regional Federal de Brasília, não poderia ser concedida por Edson Vidigal, por contrariar a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

O ministro Vidigal, de fato, indeferiu o pedido. A PF constatou que cópia da decisão foi transmitida de Brasília para o escritório de Avelino Júnior em Cuiabá, onde também se encontrava o advogado Eduardo Vilhena de Toledo.

“As operações destinadas a corromper o ministro Edson Vidigal não se encerram aí”, afirma o texto da denúncia.

Em novo diálogo captado pela escuta telefônica durante a investigação, os representantes do “comendador” Arcanjo Ribeiro “comentam que a liminar no habeas corpus ajuizado não seria deferida por questões técnicas, mas que futuras decisões do STJ atenderiam ao interesse do grupo”.

Depreende-se dos diálogos, prossegue o Ministério Público, “que seria necessário a elaboração de uma peça jurídica em conjunto, isto é, envolvendo os advogados Erick Vidigal, Eduardo Vilhena de Toledo, AvelinoTavares Júnior e Jaison Osvaldo Della Giustina”.

Segundo as conclusões extraídas pelos procuradores da República dos relatórios da PF, “o núcleo de Brasília demandava que a peça jurídica deveria atender à expectativa da cúpula do Poder Judiciário quanto à forma e à técnica de redação[…]”.


“O grupo viu-se forçado a discutir planos para a formação de uma ampla assessoria jurídica”, afirma a denúncia.

Conforme fora noticiado pela Folha, agentes da Polícia Federal comprovaram que Erick Vidigal viajou a Cuiabá, acompanhado de dois sócios, na noite de 22 de janeiro de 2003.

Segundo a polícia, ele chegou à capital deMatoGrosso às 21h, no vôo 2048 da Varig. Reuniu-se com os advogados do“comendador” Arcanjo. E retornou a Brasília de madrugada, às 4h, no vôo 4250 da Vasp.

Para o Ministério Público, os denunciados “levaram adiante a tarefa de planejar, articular e executar ações para a obtenção de decisões favoráveis ao grupo liderado por João Arcanjo Ribeiro […], acessando pessoas ligadas por laços profissionais e familiares ao presidente do STJ”.

O juiz César Augusto Bearsi marcou para o dia 18 de fevereiro de 2005 o “interrogatório” de Avelino Tavares Júnior, o acusado residente em Cuiabá. O juiz determinou ainda a citação e agendamento dos interrogatórios dos “acusados” que moram em outros Estados.

Jornalista é processado por reportagens

Da Sucursal de Brasília

As investigações da Polícia Federal em torno da suposta negociação de decisões judiciais do STJ foram noticiadas pela Folha no ano passado. A primeira reportagem — “PF investiga elo entre quadrilha e juiz do STJ” — foi publicada na edição de 23 de fevereiro de 2003.

O ministro Edson Vidigal e seu filho, Erick Vidigal, processaram o jornalista Josias de Souza, colunista da Folha e autor da série de reportagens. São quatro processos, nas áreas civil e criminal. Dois são movidos por Erick e dois por seu pai.

Na área civil, os processos estão pendentes de julgamento. Na esfera criminal, a ação proposta por Erick contra o jornalista foi rejeitada em primeira instância. A sentença foi confirmada pelo Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo. Quanto à ação movida pelo pai dele a Justiça ainda não decidiu se será ou não instaurada.

Outro Lado

Para ministro, “assunto não é novo” e dispensa comentário.

Da Sucursal de Brasília

O presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), Edson Vidigal, disse ontem que não comentaria a abertura de processo contra seu filho Erick Vidigal. Segundo o ministro, o assunto “não é novidade”.

“Já sabia [sobre o processo]. Portanto, não é novidade. Não tenho nenhum comentário a fazer”, afirmou Vidigal, por meio de sua assessoria de imprensa.

Até a conclusão desta edição, Erick não havia respondido aos recados deixados pela Folha em seu escritório. No início da noite, a reportagem foi informada de que ele estava dando aulas, o que dificultaria um contato telefônico nas horas seguintes.

O sócio de Erick, Jaison Osvaldo Della Giustina, disse que o processo e a denúncia estão sob sigilo judicial, motivo pelo qual ele não iria se manifestar sobre a ação. Disse também que estava analisando a chance de conceder uma entrevista, mas até a conclusão desta edição isso não havia se concretizado.

O advogado Eduardo Vilhena de Toledo foi procurado ontem pela Folha em sua residência e no escritório. Segundo sua secretária, ele não foi ao trabalho por estar passando mal, mas ninguém atendeu ao telefone residencial registrado em seu nome na lista telefônica. A Folha deixou recados no escritório, pediu para falar com o advogado de Toledo. Explicou a natureza do assunto. Até a conclusão desta edição não houve resposta.

A reportagem apurou que Vilhena de Toledo ingressou com um habeas corpus no TRF de Brasília para trancar a ação penal. O tribunal ainda não julgou o pedido. Os outros denunciados pelo Ministério Público não foram localizados pela Folha.

Entenda o Caso

Negociação de Habeas Corpus

Os diálogos ouvidos pela PF giravam em torno da negociação de habeas corpus; os beneficiários seriam Arcanjo Ribeiro e integrantes da quadrilha, que se mostrava disposta a pagar US$ 100 mil por uma decisão simpática de Vidigal. Nas gravações, o nome de Erick Vidigal, que é advogado, é mencionado como elo entre a quadrilha e o gabinete de seu pai. Nem a voz de Erick nem a do pai aparecem nas fitas.

Termos do Contrato

Em viagem a Cuiabá, no começo do ano passado, Erick Vidigal participou de reunião em que foram discutidos os termos de contrato milionário com a quadrilha. Repartiria com dois sócios R$ 2 milhões. Em troca, assessoraria o grupo de Arcanjo Ribeiro nos tribunais.

Relacionamento

O relacionamento de Erick Vidigal com prepostos da quadrilha do “comendador” começou em 2002 e não se limitou a diálogos mantidos em reuniões fechadas. Timóteo Nascimento da Silva, advogado e lobista a serviço de Arcanjo, transferiu para Erick e seus sócios a defesa de Valdenor Alves Marchesan, traficante preso em Cuiabá.

Escutas Telefônicas

No final de janeiro de 2003, em escutas telefônicas autorizadas pela Justiça para investigar uma das principais quadrilhas do país, comandada por João Arcanjo Ribeiro, conhecido como “comendador”, a PF descobriu uma ligação do grupo com o advogado Erick Vidigal, filho de Edson Vidigal, presidente do STJ

Leia a reportagem da Folha nos exemplares do jornal alcançados pela liminar do Juiz:

JUSTIÇA

Decisão liminar proferida ontem à noite impede veiculação de reportagem com Erick Vidigal, filho do presidente do STJ

Juiz proíbe publicação de reportagem

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Por ordem do juiz João Luiz Fischer Dias, da 9ª Vara Cível da Circunscrição Judiciária de Brasília, a Folha teve de retirar ontem de parte de seus exemplares uma reportagem que já se encontrava em processo de rodagem. O juiz concedeu liminar sustando a publicação a pedido de Erick José Travassos Vidigal.

A decisão do juiz proíbe a divulgação pelo jornal de qualquer notícia que direta ou indiretamente se relacione a processos envolvendo Erick Vidigal. A decisão do juiz Fischer Dias chegou à redação da Sucursal da Folha em Brasília, às 22h25. Àquela altura, toda a edição nacional do jornal já havia sido impressa. A edição nacional da Folha foi concluída às 20h30 e corresponde a cerca 46% de uma tiragem total de 297 mil exemplares.

O advogado Erick Vidigal é filho do presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Edson Vidigal. Ele está movendo processo contra o jornalista Josias de Souza, colunista da Folha, autor de reportagem que mencionava o seu nome. Foi publicada em fevereiro do ano passado.

Erick decidiu pedir ao juiz que proibisse a publicação da nova notícia Folha na tarde de ontem, depois de ter sido procurado pela reportagem do jornal para se manifestar a respeito de fato sobre o qual a Folha ficou impedida de noticiar.

Na petição que encaminhou ao juiz Fischer Dias, Erick Vidigal alegou que o jornal divulgaria documentos constantes do processo movido por ele contra o colunista da Folha. A notícia, porém, não se baseava em documentos desse processo, mas de um outro que corre na Justiça federal matogrossense.

Recurso

A suspensão da publicação da notícia foi tomada em decisão liminar (temporária). Dela cabe recurso. Os advogados da Folha vão recorrer.

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