Interesse público

Globo se livra de indenizar funcionários do TCM acusados em CPI

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22 de novembro de 2004, 17h26

A TV Globo está desobrigada de indenizar dois funcionários do Tribunal de Contas do Município (TCM) de São Paulo por dano moral. Os desembargadores do TJ paulista julgaram improcedente o pedido feito por Álvaro de Queiroz Franco e Murilo Magalhães Castro em ação contra a emissora por causa de reportagem sobre as conclusões da CPI que investigou a má utilização de verbas públicas no TCM. A defesa dos funcionários vai recorrer.

Franco e Castro foram denunciados pela Comissão por receber aposentadoria irregular do órgão. Na notícia veiculada pela TV Globo, eles foram apontados como “laranjas” para beneficiar terceiros e citados como integrantes de “fraude contra a Previdência Social”.

A primeira instância entendeu que a jornalista responsável pela reportagem fez “juízo acerca dos autores [Franco e Castro]” e extrapolou o direito de noticiar”.

Para o desembargador Laerte Nordi, no entanto, as duas notícias sobre o fato “estavam intimamente ligadas às conclusões da Comissão Parlamentar de Inquérito” não tendo a repórter “se afastado do seu conteúdo”.

Segundo ele, as reportagens estavam em sintonia com o noticiário de outros órgãos de imprensa. Para ele, os integrantes da Comissão, “que apuraram os fatos, apontaram as irregularidades e lhes deram publicidade”. Assim, nada restou “à imprensa senão divulgá-los, até porque tratava de matéria de interesse público”.

De acordo com o desembargador Guimarães e Souza, que acompanhou o voto de Nordi, “a sociedade tem o direito de saber se um servidor público municipal recebe legitimamente os seus vencimentos e proventos”.

Ainda de acordo com ele, não houve abuso por parte da TV Globo “porque as reportagens não visaram intencionalmente o desprestígio dos autores”.

A emissora foi representada pelo escritório Camargo Aranha Advogados. O advogado Francisco de Assis Vasconcelos Pereira da Silva, do Ruy Celso Reali Fragoso e Advogados Associados, representa os funcionários do TCM.

Leia a íntegra do acórdão

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 328.556-4/3, da Comarca de SÃO PAULO, em que são apelantes e reciprocamente apelados TV GLOBO LTDA., ÁLVARO DE QUEIROZ FRANCO e MURILO MAGALHÃES CASTRO:

ACORDAM, em Primeira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por maioria de votos, dar provimento ao recurso principal, prejudicado o adesivo, de conformidade com o voto do Relator designado, que fica fazendo parte integrante do presente julgado, vencido o Relator sorteado que dava parcial provimento ao recurso da ré e negava ao adesivo dos autores.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores DE SANTI RIBEIRO (Presidente, sem voto), LUIZ ANTONIO DE GODOY (Relator sorteado), vencido e GUIMARÃES E SOUZA, vencedor, ambos com declaração de voto.

São Paulo, 31 de agosto de 2004.

LAERTE NORDI

Relator designado

APELAÇÃO CÍVEL Nº 328.556-4/3 – SÃO PAULO

Apelantes: TV GLOBO LTDA., ÁLVARO DE QUEIROZ FRANCO e MURILO MAGALHÃES CASTRO

Apelados: OS MESMOS

Voto nº 19101

Ação de indenização por dano moral – Sentença que a julga procedente – Reportagem que, no entanto, não configurou o abuso do art. 12 da Lei nº 5.250/67 – Divulgação de fatos constantes de relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito – Matéria objeto de notícia em outros órgãos da imprensa – Informação adequada ao espírito do artigo 220 da Constituição Federal – Recurso principal provido, prejudicado o adesivo.

No acórdão proferido nos Embargos Infringentes nº 51.162-4/5-02, anotei a importância da liberdade de imprensa e a necessidade de se estabelecer um equilíbrio com o direito do cidadão à inviolabilidade da vida privada, da honra e da imagem. Citei, na oportunidade, acórdão do E. Superior Tribunal de Justiça, publicado na Revista JSTJ, Ed. Lex 66/235, que vale aqui ser transcrito: “A liberdade de imprensa precisa ser preservada, imperativo da ordem constitucional. As notícias podem ser veiculadas, o que decorre do direito de informar. O fato, porém, não se confunde, muitas vezes, com a versão do fato. O comunicador, por isso, assume o risco de não descrevê-lo com fidelidade, qualificando erroneamente o comportamento das pessoas. O comunicador, quando explicita juízo de valor, assume a responsabilidade de sua conduta. Pode dar notícia de fatos ilícitos. Assume, porém, a responsabilidade de não descrevê-los com fidelidade”.

Ao julgar procedente a ação, o MM. Juiz “a quo” consignou que a notícia da CPI era verdadeira, mas não cabia à jornalista fazer juízo acerca dos autores, para, depois, referir aos seus ganhos e, mais ainda, que pudessem ser “laranjas” para beneficiar terceiros, tudo em meio a afirmações de “fraude contra a Previdência Social”, fato que em absoluto é verdadeiro, conclusão que se tira dos documentos enviados pelo INSS. Não lhe cabia, de outra sorte, por extrapolar o direito de noticiar, referir-se aos “dois que já eram aposentados” e, mesmo assim, “conseguiram se aposentar” (fls. 737).


Lembrando, uma vez mais, que em Direito, não há o certo ou o errado, mas interpretação conforme a convicção de cada um, e preservado o respeito ao entendimento do douto magistrado, dele estou divergindo.

As duas matérias que deram causa à ação indenizatória, dos dias 2 e 3.4.01, estavam intimamente ligadas às conclusões da Comissão Parlamentar de Inquérito constantes do longo trabalho de fls. 194/467, não tendo a repórter, Monalisa Perrone, se afastado do seu conteúdo. Sobretudo se um dos entrevistados era o relator da CPI, Vereador Vicente Cândido. E na reportagem, vários foram os entrevistados censurando o que acontecia no Tribunal de Contas (Vereador Gilson Barreto, Procurador do INSS, Ex-Vereador Walter Abrahão).

No relatório da CPI, consta que Álvaro de Queiroz Franco foi admitido no TCM em 13.2.89 e aposentado em 26.2.98, tendo de efetivo exercício 9 anos, 1 mês e 9 dias, sem ter completado os 15 anos ininterruptos da Lei 10.916/90 (fls. 330); que Cláudio Donadio foi admitido em 8.4.93 e aposentado em maio/95, tendo de efetivo exercício do TCM 2 anos e 1 mês (fls. 331); que Murilo Magalhães Castro foi admitido em 19.6.90 e aposentado em fevereiro/98, tendo de efetivo o exercício no TCM 8 anos e 5 meses (fls. 334). E outros casos foram citados.

Adiante, fls. 336/337, conclui o relator que “dos 19 (dezenove) servidores apontados nos quadros acima que foram aposentados irregularmente, uma vez inexistir respaldo legal a amparar os atos emanados da Corte de Contas Municipal, 6 (seis) servidores, após as respectivas jubilações, foram novamente contratados pelo TCM, em cargos de livre provimento em comissão, com novo número de registro funcional, recebendo, pois, dois salários e dois holerites por mês. São eles: Álvaro de Queiroz Franco (Assessor Técnico – RF-1292; Cláudio Donadio (Assessor de Gabinete RF-1298); Maria Cristina de Carvalho Junqueira (Chefe de Gabinete RF-1275): Murilo de Magalhães Castro (Assessor Chefe – RF-1291); Rubens Alves Simões (Assessor Técnico – RF-1289) e Rui Correa (Assessor de Gabinete – RF 1331).

Depois de se referir ao Acórdão de 3.9.97, dos Conselheiros do Tribunal de Contas (fls. 338/339), o relator fez um resumo do processado sobre o assunto, apontando inúmeras irregularidades e criticando duramente o Tribunal de Contas do Município, em especial quando afirma ser ele “um clube privado, destinado a alguns beneficiários e amigos. Seja pelo sistema falho de nomeação dos conselheiros, seja pelo absurdo número de cargos de livre provimento” (fls. 388). E entre as conclusões de fls. 388/389, destaca-se a de que “há concessão de aposentadoria aos ocupantes de cargos em comissão se os quinze anos necessários pela legislação municipal, indícios de atos em discordância com os princípios da legalidade, da moralidade pública e da impessoalidade. Mais do que indícios, em certos casos de aposentação, como nos casos de aposentação de parentes e conselheiros, existem sinais claros de afronta aos princípios constitucionais da administração pública. Há servidores públicos e conselheiros que deverão ser responsabilizados”.

Tal a gravidade dos fatos apresentados no relatório, que a repercussão na mídia e na opinião pública era intuitiva e previsível, como se vê das matérias publicadas em outros órgãos de imprensa.

Em 11.4.01, a Revista “Isto É” tratou do assunto com a chamada: “TCM faz a festa. Salários milionários, nepotismo e barganha política são rotina no tribunal paulistano investigado por CPI. Nessa reportagem há expressa referência aos autores, Murilo e Álvaro, autônomos aposentados pelo INSS há mais de 10 anos, que foram admitidos como assessores do Tribunal e pediram transferência do tempo de serviço relativo à aposentadoria do INSS para o TCM, a fim de engordar seus proventos. O pedido foi negado, mas, enquanto se aguardava a solução, passaram a receber dois salários: a aposentadoria provisória do TCM e os salários normais da ativa” (fls. 469/472).

O “Jornal da Tarde” também publicou matéria idêntica, com a chamada: “CPI acusa, TCM paga aposentadorias ilegais. Benefício provisório seria concedido até resposta do INSS, que indeferiu pedidos. Pelo menos quatro funcionários se aposentaram. Três foram recontratados e um deles chega a receber R$32 mil”. Nessa reportagem, Murilo e Álvaro foram novamente citados, junto com Cláudio Donadio, tendo sido atribuídos os R$32.000,00 a Murilo (fls. 473/474).

Em outra reportagem, assinalou-se que Murilo, Álvaro e Cláudio foram recontratados pelo tribunal pouco após a aposentadoria provisória e passaram a acumular três vencimentos (fls. 475/476).

Já a Revista dos Bancários foi mais contundente, apresentando a fotografia do prédio do Tribunal de Contas e publicando matéria com a chamada: “A casa da sogra. No Tribunal de Contas do Município vale tudo, até dar aval a maracutaias de ex-prefeitos. A CPI que investiga o órgão propõe sua extinção”. Com referência também, a Murilo, Álvaro, Cláudio e Nelson Planet Jr., que foram aposentados “provisoriamente” pelo então Presidente do Tribunal, Walter Abrahão (fls. 477/480)


Nessa mesma linha, outros jornais publicaram matérias relacionadas com as conclusões da CPI, todas, sem nenhuma exceção ou divergência, censurando o comportamento dos integrantes do Tribunal de Contas, como realçado pelo Diário Popular, ao afirmar que ele teria se transformado no oposto do que deveria ser (fls. 226).

Preservado, como disse antes, o respeito a entendimento diverso, penso que a reportagem contra a qual se voltaram os autores estava em sintonia com as conclusões da Comissão Parlamentar de Inquérito e com as reportagens publicadas em outros órgãos de imprensa. Se alguém devesse ser responsabilizado pelo dano suportado pelos autores, deveriam ser os integrantes da Comissão Parlamentar de Inquérito, que apuraram os fatos, apontaram as irregularidades e lhes deram publicidade, nada restando à imprensa senão divulgá-los, até porque se tratava de matéria de interesse público.

Pelo exposto, dou provimento ao recurso pela TV Globo Ltda. para julgar a ação improcedente, responsabilizando os autores pelo pagamento dos honorários advocatícios que arbitro em 20% sobre o valor dado à causa, corrigidos a partir desta data. Prejudicado o adesivo.

LAERTE NORDI

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

DECLARAÇÃO DE VOTO VENCIDO

APELAÇÃO Nº 328.556-4/3 – SÃO PAULO

Respeitado o entendimento majoritário, entendi ser caso de dar-se provimento parcial ao recurso da ré e de negar-se provimento ao do autor, tendo proferido voto nos seguintes termos:

Não era caso de conversão do julgamento em diligência, considerando-se que a transcrição de fls. 482/484 (não impugnada) permitia perfeita compreensão da matéria fática trazida a exame. Não havia motivo para que os integrantes da Turma Julgadora viessem a assistir “com vagar à fita em VHS contendo as debatidas reportagens” (fls. 747), já tendo pleno conhecimento do teor do noticiário divulgado, que independia da providência sugerida.

Respeitados os argumentos apresentados pela ré apelante, reconheci que não se limitou o noticiário a mera divulgação de fatos de interesse público. Fora além, ao qualificá-los, de forma precipitada, como fraudulentos, com emprego, efetivamente, de expressões ofensivas à honra alheia.

Como se lê a fls. 482, afirmou a jornalista, em nome da apelante, a existência de documentos que “revelam uma fraude contra a Previdência Social” (fls. 482 e 483), tendo apontado Álvaro de Queiroz Franco e Murilo Magalhães Castro como possíveis “laranjas”: recebem os salários milionários, mas não ficam com o dinheiro” (fls. 482/483).

A reportagem, embora pudesse ser considerada de interesse público, não tinha contornos de neutralidade, indo além do relato objetivo típico dos que bem exercem a liberdade de imprensa. As sucessivas afirmações taxativas de ocorrência de fraude, imputando aos autores da demanda prática de atos lesivos ao patrimônio público, sem que houvesse base segura para tanto, constituíram-se em abuso a justificar a procedência da ação indenizatória por dano moral bem caracterizado. Segui, aqui, a sábia orientação do Superior Tribunal de Justiça que, em hipótese assemelhada, reconhecera ser viável a divulgação de discurso potencialmente ofensivo de terceiro, não sendo abandonada postura objetiva e neutra: “IMPRENSA. DIVULGAÇÃO DE DISCURSO PROFERIDO EM SESSÃO DA CÂMARA MUNICIPAL. FATO QUE NÃO CONSTITUI ABUSO, A JUSTIFICAR INDENIZAÇÃO POR PARTE DA EMPRESA JORNALÍSTICA, QUE NÃO DEU AO FATO DESTAQUE MAIOR QUE O POR ELE COMPORTADO NEM ABANDONOU A POSIÇÃO DE NEUTRALIDADE “ (REsp. nº 76.718 – RS, 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, v.um., 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, v. um., Rel. Min. Eduardo Ribeiro, em 10/11/97, DJU de 15/12/97, pág. 66379).

Como anotado na sentença, entendi ser verídica a notícia, dando conta da existência de apuração de fatos em tese graves afetando o patrimônio público municipal. Certo é, entretanto, que à ré apelante não cabia afastar-se da neutralidade emitindo juízos negativos de valor acerca dos autores antes de definitiva comprovação de que realmente estariam envolvidos em atos fraudulentos danosos ao erário. Ademais, os números divulgados (valores que teriam sido recebidos cumulativa e indevidamente) sequer correspondiam à realidade, conforme documentos exibidos em juízo.

De qualquer forma, reconheci que, em parte, tinha razão à empresa ré apelante.

Em primeiro lugar, mostrava-se excessivo o valor fixado a título de indenização.

Por certo, não era caso de sua limitação, nos moldes estabelecidos no passado pela Lei de Imprensa, que, sob esse aspecto, não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988. Nesse sentido há incontáveis precedentes do Superior Tribunal de Justiça:

“Indenização. Danos morais. Lei de Imprensa, arts. 51 e 52. I – A indenização devida por danos morais não está sujeita ao tarifamento previsto na Lei de Imprensa (Lei nº 5.250/67). II – O valor da indenização por danos morais está sujeito a controle desta Corte. Fixação, no caso, nos termos de acordo celebrado entre as partes, sem prejuízo do julgamento deste recurso, segundo entendido pela Turma. III – Recurso especial conhecido provido, por maioria” (REsp. nº 196.424 – RS, 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, m. v., Relª Minª Nancy Andrighi, em 6/2/01, DJU de 28/5/01, pág. 160).


“Processo Civil. Liquidação de sentença. Nulidade Danos morais. Lei de imprensa. Quantum indenizatório. I – A indenização por dano moral objetiva compensar a dor moral sofrida pela vítima, punir o ofensor e desestimular este e outros membros da sociedade a cometerem atos dessa natureza. II – Segundo reiterados precedentes, o valor da indenização por dano moral sujeita-se ao controle desta Corte, recomendando-se que a sua fixação seja feita com moderação. III – Conforme jurisprudência desta Corte, com o advento da Constituição de 1988 não prevalece a tarifação da indenização devida por danos morais. IV – Se para a fixação do valor da verba indenizatória, consideradas as demais circunstâncias do ato ilícito, acaba sendo irrelevante o fato de ter havido provocação da vítima, não é nula a decisão que, em liquidação de sentença, faz referência a tal fato. Não há, no caso, modificação na sentença liquidanda. V – Recurso especial conhecido e parcialmente provido” (REsp. nº 168.945 – SP, 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, v. um., Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, em 6/9/01, DJU de 8/10/01, pág. 210).

“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. IMPRENSA. NOTÍCIA JORNALÍSTICA IMPUTANDO LEVIANA E INVERÍDICA A JUÍZA FEDERAL. FRAUDE DO INSS. PÁLIDA RETRATAÇÃO. RESPONSABILIDADE TARIFADA. INAPLICABILIDADE. NÃO RECEPÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988. DANO MORAL. QUANTUM INDENIZATÓRIO. CONTROLE PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. PRECEDENTE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I – A responsabilidade tarifada da Lei de Imprensa não foi recepcionada pela Constituição de 1988. II – O valor da indenização por dano moral sujeita-se ao controle do Superior Tribunal de Justiça, sendo certo que, na fixação da indenização a esse título, recomendável que o arbitramento seja feito com moderação, observando as circunstâncias do caso, aplicáveis a respeito os critérios da Lei 5.250/67. III – Sem embargo da leviandade da notícia jornalística, a atingir a pessoa de uma autoridade digna e respeitada, e não obstante se reconhecer que a condenação, além de reparar o dano, deve também contribuir para desestimular a repetição de atos desse porte, a Turma houve por bem reduzir na espécie e valor arbitrado, inclusive para manter coerência com seus precedentes e em atenção aos parâmetros legais” (REsp. nº 295.175 – RJ, 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, v. un., Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, em 13/12/01, DJU de 2/4/01, pág. 304).

Adotada a orientação indicada pelo Superior Tribunal de Justiça, reduziria a indenização a R$30.000,00 (trinta mil reais) a cada um dos autores, valor a ser objeto de correção monetária a partir da publicação do Acórdão e de juros de mora (nos termos estabelecidos na sentença apelada). Segui, aí, o princípio da razoabilidade, buscando desestimular a prática futura de atos semelhantes pela empresa ré e, simultaneamente, evitar o enriquecimento sem causa dos autores. Tive em mente que a notícia divulgada não era substancialmente inverídica, sendo reprovável, isto sim, o excesso praticado, tendo dado a requerida contornos sensacionalistas a ela, mediante imputação aos autores da demanda de fatos que vieram a restar não comprovados, denegrindo-lhes a honra. Outrossim, entendi que a repercussão que estes disseram ter ocorrido não fora intensa a ponto de justificar a despropositada postulação de fls. 795/799. Dessa incomum repercussão não havia mínima prova nos autos, nada indicando que a reputação dos autores tivesse restado definitivamente comprometida, como quiseram fazer crer.

Também sustentei não ser caso de veiculação do decidido (em caso de procedência da demanda) no mesmo jornal televisionado. Afinal, bem ponderados os fatos, eles não tiveram o alcance sugerido, sendo que a melhor solução para a hipótese seria o silêncio, relegando ao esquecimento matéria que, se não de todo inverídica, teria retratado uma preocupação com a preservação do dinheiro público que tinha toda aparência de mal direcionado. À notícia deveria ser dada a dimensão que efetivamente teve, ou seja, mínima; reavivá-la no presente certamente não traria proveito algum a quem quer que fosse. Pertinente, outrossim, a transcrição do trecho extraído do Acórdão lavrado por ocasião do julgamento da Apelação Cível nº 68.835.4/2 redigido pelo atual Min. Cezar Peluso, quando ainda integrava esta Corte, o qual, mutatis mutandis, bem se aplicaria à espécie: “Excessiva é apenas a ordem de publicação da r. sentença, cuja largueza ocuparia, na revista, espaço desconforme ao do texto reprovado e, como reparação acessória, não seria compatível com a dimensão objetiva da notícia, que se adscreveu a uma ilustração secundária no corpo da extensa matéria, nem como o propósito legal de satisfação pública, porque, no caso, iria apenas reavivar episódio cuja lembrança difusa em nada aproveitaria ao sentimento de dignidade da autora. O disposto no art. 75, caput, da Lei Federal nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967, pressupõe no suporte fático segundo a violência da resposta normativa, ato ofensivo que, por sua lesividade extrema, torne a publicação da sentença imprescindível ao restabelecimento da boa fama da vítima. Não é o caso”.


Por fim, sustentei não haver razão para elevar-se a verba honorária, como pretendido. Procedente em parte a ação, havendo, rigorosamente, vencedores e vencidos, embora em menor proporção os autores, seria razoável que o percentual fixado na sentença fosse mantido, o que já consideraria esse parcial sucesso.

Assim sendo, dava parcial provimento à apelação da ré e negava provimento ao recurso dos autores.

LUIZ ANTONIO DE GODOY

Relator vencido

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

DECLARAÇÃO DE VOTO VENCEDOR

APELAÇÃO CÍVEL N° 328.556-4/3 SÃO PAULO

Em julgamentos anteriores teci considerações a respeito da liberdade de imprensa, como garantia constitucional, e o modo como conciliar essa liberdade com o direito também assegurado em nossa Lei Maior de respeito à honra e à imagem dos cidadãos.

Assim deixei assentado em votos que proferi:

Se é certo que o “caput” do art. 220 da Constituição Federal consagra o princípio da plena liberdade de manifestação do pensamento, de expressão e de informação jornalística, ao dispor que “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”, menos correto não é que o parágrafo primeiro desse dispositivo constitucional condiciona essa plena liberdade ao respeito de regras da própria Carta Magna, ao estabelecer que “Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5°, IV, V, X, XIII e XIV”.

O inciso V, do art. 5° da Constituicã6 Federal prescreve que “é assegurado o direito de resposta proporcional ao agravo, além de indenização por dano material, moral ou à imagem” e o inciso X estabe1ece que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação “.

Se de um lado a Lei Maior assegura a todos o acesso à informação; a livre manifestação de pensamento e expressão de comunicação, com vedação de qualquer restrição, por outro garante à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, autorizando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Há, portanto, uma antinomia real entre tais normas. Os direitos estão amparados na Constituição e basicamente no art. 5°.

Para a solução dessa antinomia não é possível aplicar o critério cronológico ou hierárquico. As normas provém do mesmo diploma normativo: A Constituição Federal. Nem é de se adotar o critério da especialização. Uma norma não é mais restrita que outra.

“Posto o conflito – observa Pedro Frederico Caldas, no bem elaborado estudo “Vida Privada, Liberdade de Imprensa e Dano Moral”, ed. Saraiva, 1997 , pág. 90,- e escrutinando o sistema, não se encontrando critério apto de saída, o órgão aplicador, no caso, o juiz, terá de fazer uma opção, perante o caso concreto, por um dos termos da alternativa: ou a privacidade, ou a liberdade de imprensa. A decisão judicial não importará na ab-rogação de qualquer delas ou de ambas as normas em conflito. salvo se o sistema previsse tal saída. A decisão judicial, uma vez passada em julgado, pode até se contrapor a qualquer norma do sistema, justo porque existe norma assegurando esse efeito “.

E deixa claro (págs. 94/95) :

“Em se tratando, como se trata, de colisão entre direitos constitucionais fundamentais (vida privada versus liberdade de imprensa – rectius direito à informação) em que um deles não pode ser considerado prima facie de importância hierárquica superior ao outro, impõe-se ao intérprete procurar, na resolução do conflito, harmonizar os dois direitos. Demonstrada impraticável essa harmonização, um dos direitos poderá prevalecer sobre o outro, valendo salientar que o critério da prevalência será aplicado no caso concreto, de tal sorte que, a depender das circunstâncias fácticas, ora um, ora outro, será considerado, quando posto em conflito, o direito prevalecente.

Realmente, posto jurisdicionalmente sob a consideração do Estado-juiz, o conflito deverá ser desatado em favor de uma das partes, outorgando-se ao julgador um amplo espaço de manobra para colocar os fundamentos de sua decisão. Esse espaço de atuação concedido ao juiz não é por ele utilizado de forma arbitrária porque suas decisões devem ser fundamentadas em elementos de razoabilidade. Além do mais, a chamada decisão judicial nunca é fruto das inclinações e das idéias preconcebidas de uma pessoa, considerando-se que o resultado final, filtrado em diversas instâncias judiciais, com a intervenção, inclusive, de órgãos judicantes colegiados, refletirá, ao fim e ao cabo, uma decisão impessoal, indicativa do grau de desenvolvimento jurídico e social do ambiente em que lavrou a colisão dos direitos”.


E adverte com muita propriedade (pág. 99):

“Não se esqueça que o embate não se dá pura e simplesmente entre o direito individual de alguém preservar a sua vida privada e um direito coletivo à informação, pois o direito à vida privada é individual quando particularizado, quando sob consideração a vida de alguém, mas; no fundo, retrata um interesse coletivo, eis que todos almejam um selo de reserva sobre parte de sua vida, por isso que não é incomum que sob a capa de um direito privado haja um interesse público.”

Importa é que o Estado-juiz ao dirimir a antinomia verifique qual direito fundamental que deve prevalecer, diante da colisão entre a liberdade de imprensa e o direito à vida privada, à honra e à imagem dos cidadãos.

Cabe aí analisar se no exercício do livre direito de informação e comunicação houve abuso ou não.

Caldas, in.ob.cit. págs. 65/66, destaca:

“Tal e tão ampla liberdade deve ser entendida como um grano salis. Não implica salvo-conduto para que o proprietário do veículo de informação ou o jornalista agrida impunemente direitos atribuídos à pessoa. A liberdade de veiculação de informação exige o princípio da verdade, pois, como adverte José Afonso da Silva, é reconhecido o direito de informar ao público os acontecimentos e idéias, mas sobre ele incide o dever de informar à coletividade tais acontecimentos e idéias, objetivamente, sem alterar-lhes a verdade ou esvaziar-lhes o sentido original; do contrário, se terá não informação, mas deformação”.

E diz mais (cf. pág. 108):

“As limitações à liberdade de imprensa, por mais liberal o sistema, se justificam por não ser tal liberdade um fim em si mesmo. A liberdade de imprensa é garantida para que o direito à informação se consume, principalmente; e o direito à informação e tudo o mais se justifica como meio de promoção da pessoa, que esta, sim, é o centro gravídico e a razão última da ordem jurídica. Isto quer dizer que se qualquer direito ou garantia desanda e desborda, no seu exercício, para atingir a dignidade humana, obviamente que o próprio sistema deve oferecer, como efetivamente oferece, a terapêutica jurídica necessária à sanação do mal causado, não sendo rara a oferta legal de dispositivos prestos e eficientes em prevenir, com a cautela, o mal potencial ou iminente.”

Para, em seguida, concluir (pag. 111):

“…perante o caso concreto em que o jurisdicionado compareça a juízo para requerer a cautela liminar judicial para prevenir ato da imprensa atentatório à sua dignidade, traduzido em matéria que injustamente implique violação de sua honra, de sua imagem, ou de sua vida privada, caso venha a ser editada, caberá à autoridade judicial agir preventivamente, determinando a não edição da matéria, ou a sua cessação, na hipótese de já estar sendo editada. Estará a autoridade judicial, com a sua ação prudente e serena, cursando o princípio da proteção judiciária. cuja outorga não exige a consumação da lesão, bastando, para tanto, a ameaça a direito. Para isso, os instrumentos processuais de caráter cautelar existentes devem ser manejados, sem rebuços ou timidez, embora com moderação de meios, para conjurar a atuação abusiva, ou até criminosa, daquele que, sob a capa de um direito constitucional (a liberdade de imprensa), age para malferir direitos, principalmente em se tratando de agressão a direitos de personalidade como a honra, a imagem e a vida privada da pessoa, cuja violação não pode ser apagada a posteriori, por mais drástica que seja, ao depois, a atuação da justiça no sentido de reparar o dano.. A reparação dos danos de ordem moral nunca pode, às completas, apagar o enxovalhamento e a desmoralização da pessoa. Na verdade, a reparação do dano moral tem mais efeito punitivo e inibitório e seu reflexo compensatório nunca será suficiente para apagar a mácula moral”.

Em suma, a empresa jornalística ou o jornalista não têm, escudados no princípio da plena liberdade de manifestação do pensamento, de expressão e de informação, o direito de agredir inconseqüentemente, ferindo direitos atribuídos à pessoa.

Bem observa Darcy Arruda Miranda, in ob. cit., pág. 69, que “A verdadeira missão da imprensa, mais do que a de informar e de divulgar fatos, é a de difundir conhecimentos, disseminar a cultura, iluminar as consciências, canalizar as aspirações e os anseios populares, enfim, orientar a opinião pública no sentido do bem e da verdade. Dentro da grei humana, a sua importância é tal que já se lhe atribuiu a categoria de 4° Poder do Estado, em virtude do seu índice de penetração na massa popular e imensa facilidade em construir ou destruir reputações, em estruturar ou desintegrar a sociedade, em edificar ou debilitar os povos, pelo domínio das consciências, através de noticiários e comentários honestos ou tendenciosos”.


Olvidar não se pode que foi por leviandade, na pressa de informar-se mal – que a imprensa destruiu a honra de pessoas responsáveis por escola desta – Capital, acusadas de abuso sexual contra crianças. A desmoralização dessas pessoas jamais poderá ser apagada. Suas vidas, profissionais sequer poderão ser reconstruídas.

Resta, agora, saber se o conteúdo das reportagens configura abuso de liberdade de imprensa e ofende o direito do autor, assegurado pela Constituição Federal.

Na sentença, o MM Juiz que a prolatou registra que a reportagem transmitida em dois programas, pela Ré, transcrita a fls. 482/484, não foi impugnada e, além disso, concluiu que a noticia da CPI era verdadeira, mas “à jornalista não cabia fazer juízo acerca da conduta dos Autores, avaliando a justeza ou não de suas aposentadorias, para, depois disso, referir-se aos seus ganhos e, mais ainda, a que pudessem ser “laranjas” para beneficiar terceiros, tudo isso em meio a afirmações de “fraude contra a Previdência Social”, fato que em absoluto é verdadeiro, conclusão que se tira dos exame dos documentos enviados pelo INSS”.

Sempre preservada a convicção do julgador de primeiro grau, tenho que não me parece correta a afirmação de que à jornalista não cabia fazer juízo acerca da conduta dos autores, avaliando a justeza ou não de suas aposentadorias.

Darcy Arruda Miranda, em sua obra “Comentários à Lei de Imprensa”, 3ª edição, ed. Rev. dos Tribunais, pág. 515, destaca:

“Sendo a junção da imprensa relatar sempre a verdade. em atinência ao interesse público, mesmo vergastando a conduta pública dos cidadãos, mediante discussão ou crítica severa, permitido não é – diz a lei – que se lhe cerceie esse direito. quer ela diga respeito aos governantes como aos seus agentes, em relação aos atos por eles praticados”.

Mas, em seguida, deixa claro (pág. 519):

“O que se não permite à crítica, o que se proíbe ao jornalista, é invadir a vida privada do homem público, a não ser ra positivar um fato de interesse geral ou que possa incompatibilizá-lo com a função que pretende exercer ou que já está exercendo”.

Para, por fim, completar o conceituado comentarista da Lei de Imprensa:

“Não é de se esquecer que ninguém está mais sujeito à critica do que o homem público, e muitas vezes dele se poderá dizer coisas desagradáveis, sem incidir em crime contra a honra, coisas que não poderão ser ditas do cidadão comum sem contumélia. O que a lei pune é o ‘abuso’, não a ‘crítica’’. Um não se confunde com a outra. Uma coisa é criticar o homem público apontando-lhe as falhas e os defeitos na esfera moral ou administrativa, outra é visar intencionalmente ao seu desprestígio, colocá-lo em ridículo, pôr em xeque o princípio da autoridade ou arrastar o seu nome para o pantanal da difamação, que não atinge apenas o indivíduo atacada, mas também a sua família, o seu lar e até os seus amigos. Isto. sim, constitui crime e dos mais graves, além de revelar o caráter mesquinho e perverso de seu autor”.

A critica é, portanto, permita ao jornalista. Se não fosse admitida, à evidência não teríamos uma imprensa livre. Os jornais, por exemplo, não passariam de verdadeiros “Diários Oficiais”.

Não se há de querer imprensa “livre” nos moldes do regime getulista ou de período posterior em que jornais publicavam, como forma de protesto, receitas de bolo e poesias!

Segundo os ensinamentos de Darcy Arruda Miranda, “ninguém está mais sujeito à critica do que o homem público”. A sociedade exige – em linguagem bem atual e de gosto principalmente da mídia – transparência dos atos públicos.

Assim sendo, quem exerce cargo público não pode ficar sujeito a melindres se fatos ligados ao exercício de suas funções são levadas ao conhecimento público. A sociedade tem o direito de saber se um servidor público municipal recebe legitimamente os seus vencimentos ou proventos. Se o fato (objeto de uma investigação por comissão parlamentar de inquérito) se insere na esfera legal ou moral ou, se ao contrário, desses campos desborda é questão que merece a análise de toda a sociedade, para que exija, se for o caso, as providências que a lei determina.

O que importa para o caso, com a devida vênia, é que abuso não houve por parte da ré, porque as reportagens não visaram intencionalmente o desprestigio dos autores, colocando-os em ridículo, pondo em xeque o princípio da autoridade ou arrastar os seu nome para o pantanal da difamação, como leciona Darcy Arruda Miranda, e sem abuso não há falar em responsabilidade por notícia divulgada em órgão da imprensa.

Por todo o exposto, estou, com a máxima vênia, acompanhando o voto do eminente Revisor, para também julgar improcedente a ação.

GUIMARÃES E SOUZA

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