O dano da acusação

Banco acusa funcionária de roubo e é condenado por danos morais

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22 de novembro de 2004, 17h42

O Banco Bamerindus do Brasil S/A foi condenado a pagar indenização de R$ 85 mil, por danos morais, à ex-funcionária Luciana Soares Pinto por tê-la acusado de apropriação indébita. A decisão é do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que acolheu recurso interposto pela ex-funcionária. O juízo de primeira instância havia rejeitado o pedi-do de indenização por danos morais. O processo já está em fase de execução de sentença, portanto não cabe mais recurso.

Considerando que o Bamerindus foi adquirido pelo conglomerado HSBC Bank Brasil S/A a ação foi redirecionada contra este banco.

O relator do caso no TJ-SC, desembargador Vanderlei Romer, en-tendeu que a honra da funcionária foi atingida. A defesa de Luciana, representada pelo advogado Rodrigo Fernandes Pereira do escritório André Mello Filho Advogados Associados, alegou que ela foi coagida a pedir demissão, sob a ameaça de ser denunciada à polícia.

O advogado defendeu que ela foi constrangida ao redigir e assinar documento onde reconhecia sua culpa pela apropriação de deter-minada quantia, que segundo ele, caracterizaria a coação e permiti-ria, conseqüentemente, a indenização por danos morais.

Pereira alegou ainda, que uma perícia feita no banco constatou que Luciana não poderia ter desviado o dinheiro. Ela era caixa do banco e nessa condição não tinha acesso às senhas para sacar o dinhei-ro.

Leia a íntegra do acórdão

Embargos infringentes n. 2001.001468-3, da Capital.

Relator: Des. Vanderlei Romer.

Embargos Infringentes. Indenização por dano moral. Suspeita de apropriação indébita por parte de ex-funcionária da embargante. Voto vencido do relator no sentido de que a competência para jul-gamento da matéria pertence à justiça do trabalho. Acolhimento da tese de que se trata de indenização com caráter nitidamente civil. Competência, portanto, da justiça estadual. Assinatura de documen-to onde a ex-empregada confessa o ato ilícito. Alegação de coação. Ocorrência. Prova testemunhal que confirma a versão da embarga-da. Ofensa à honra comprovada. Ressarcimento devido. Recurso improvido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de n. 2001.001468-3, da Comarca da Capital, em que é embargante Banco Bamerindus do Brasil S/A e embargada Luciana Soares Pinto:

ACORDAM, no Grupo de Câmaras de Direito Civil, por maioria de votos, conhecer do recurso. Vencidos o Relator e o Exmo. Des. Cé-sar Abreu que votaram no sentido de não conhecer do recurso. No mérito, por maioria de votos, negar provimento aos embargos. Ven-cidos os Exmos. Des. Anselmo Cerello, Des. Mazoni Ferreira e Monteiro Rocha, que votaram no sentido de dar provimento.

Custas na forma da lei.

I — Relatório:

Tratam-se os autos de ação de indenização por danos morais ajui-zada por Luciana Soares Pinto contra Banco Bamerindus do Brasil S/A, sob o argumento de que foi acusada injustamente, quando la-borava na requerida, de ter se apropriado de quantia em dinheiro, além de ter sido coagida a pedir demissão.

O pedido foi inacolhido em Primeiro Grau, tendo melhor sorte o ape-lo da requerente perante esta egrégia Corte de Justiça, haja vista o provimento deste.

O vencido, irresignado, interpôs embargos infringentes, a tempo e modo, com fulcro no voto vencido exarado pelo eminente Des. New-ton Trisotto, salientando que a embargada não comprovou que foi coagida a se demitir ou assinar documento onde afirmou sua culpa, mediante ameaça de ser presa na própria agência bancária.

Apresentada impugnação, o processo foi remetido à douta Procura-doria-Geral de Justiça, tendo o seu nobre representante manifesta-do-se pelo provimento do reclamo, vindo os autos, após, conclusos.

É o relatório.

II – Voto:

Ab initio, há que se destacar a questão da competência desta Corte de Justiça para julgamento do presente processo.

Entende este Relator que, por se tratar de ação de indenização por dano moral resultante de despedida com justa causa de funcionário, a competência para resolução da demanda é da Justiça do Traba-lho.

Utiliza-se tal tese com apoio na jurisprudência do excelso Superior Tribunal de Justiça, a qual dispõe que “Se a indenização é de cará-ter acidentário, de natureza civil, a competência pertence à Justiça Comum, estadual. De outro lado, se o ato apontado como ilícito é de outra origem, como por exemplo, danos morais e materiais cau-sados por imputação criminal feita pelo empregador ao empregado demitido, a controvérsia se resolve perante a Justiça do Trabalho” (REsp n. 278516-MG, Relator Ministro Aldir Passarinho Júnior).

Todavia, ainda que este Relator tenha abraçado a referida orienta-ção, o egrégio Grupo de Câmaras de Direito Civil, quando do julga-mento da demanda, optou pela permanência do processo na Justi-ça Comum, filiando-se ao entendimento de que se trata de indeni-zação de natureza puramente civil, tanto que na Justiça Trabalhista, donde foi aforada actio pela embargada em face da embargante, sequer cogitou-se de discutir a reparação pelo dano moral.


Assim, explicada a divergência quanto à competência e declaradas as razões deste Relator pelo acolhimento de tese diversa da do Grupo, passa-se, então, ao exame da quaestio juris.

In casu, entendeu esta Corte de Justiça quando do julgamento da apelação cível, que a embargada foi constrangida a redigir e assinar documento onde reconhecia sua culpa pela apropriação de deter-minada quantia, o que caracterizaria a coação e permitiria, conse-qüentemente, a indenização por danos morais.

Realmente, tal fato ocorreu.

Os depoimentos colhidos nos autos corroboram a versão levantada pela embargada de que não se apropriou ilicitamente de qualquer numerário, senão vejamos:

“Que trabalha no banco Bamerindus, atual HSBC desde 1980, exercendo atualmente a função de gerente adjunto, sendo que à época dos fatos era subgerente; que a autora tinha como chefe i-mediato Vitor Miguel Mortalha; que não participou do processo de demissão da autora, que trabalha muito na área externa, e quando soube a autora já havia [sido] demitida; que não sabe a razão, nem por ouvir dizer do motivo da demissão; que não sabe que a autora tenha se apropriado de alguma quantia de conta-corrente ou pou-pança [sem grifo no original]” (Júlio César Parente, fl. 139).

“Que trabalha no banco Bamerindus, atual HSBC desde 01/08/83, exercendo atualmente a função de subgerente; que conhece a auto-ra, sendo que a mesma trabalhou no banco réu, e por um período foi subordinada a depoente sendo que quando trabalhava no caixa não mais o era; que não foi a depoente quem acompanhou o pro-cesso referente a autora, sendo que quem acompanhou o processo foi o chefe de serviço (Henrique Gama Neto), gerente geral (Vítor Miguel Mortari), e uma pessoa da supervisão chamado Antônio Car-los Sé; que nada sabe de oficial a respeito da demissão da autora; que nada ouviu a respeito da autora ter ser apropriado indevida-mente de alguma quantia; que desconhece ter a autora cometido algum ilícito penal ou administrativo; que não recebeu qualquer re-clamação de algum cliente quanto a falta de numerário em sua con-ta ou poupança [sem grifo no original]; […]; que o gerente e o chefe de serviço pediram para a depoente [que] telefonasse para autora para que a mesma comparecesse ao Banco, sem declinar da ra-zão”. (Dulce Maria Degering, fl. 141).

Neste ínterim, vale destacar o depoimento da própria embargada, a qual assentou categoricamente que “trabalhou no banco réu de 11/01/88 a 10/05/94, sendo que foi demitida em razão do Banco réu tê-la acusado de apropriar-se indevidamente de determinadas quantias referentes a documentos que haviam sido registrados no seu caixa, sendo que o Banco não encontrou referidos documentos; que o Banco coagiu a autora mediante alegação de que se a mes-ma não assinasse voluntariamente seu pedido demissão, a polícia seria chamada e a autora poderia deixar a agência algemada; que houve registro de queixa na delegacia por parte da autora, sendo que foi efetuado inquérito policial não sabendo dizer entretanto quanto ao resultado do mesmo; que sendo-lhe mostrada a declara-ção de fls. 30 reconhece que assinou a mesma, esclarecendo que o gerente da época – Sr. Vitor – ditou a mesma e disse a autora que seria a única forma do banco dar a exoneração à mesma; que quem lhe ameaçou e coagiu foi o Sr. Antônio Carlos Sé, inspetor da agên-cia, na presença do Sr. Vitor, e do chefe de serviço, Sr. Henrique Gama Neto; que as mesmas pessoas presenciaram o ditado e a declaração de fls. 30; que a declaração de fls. 30 não corresponde a verdade”.

Extrai-se, então, que a prova testemunhal confirmou o fato de que nada sabia sobre a apropriação indébita ou acerca da demissão da embargada.

Por outro lado, não se pode olvidar, como esclareceu o acórdão guerreado que “está provado nas palavras de Luciana Soares Pinto (fls. 140) que se a ex-caixa não assinasse os documentos que lhe estavam apresentados, a polícia seria chamada e ela da agência seria retirada algemada. Residindo em comunidade onde todos pra-ticamente se conhecem, identificada com facilidade no lugar de tra-balho por atuar na linha de frente, em contato direto como público e sabendo do estardalhaço da mídia eletrônica e imprensa, certamen-te o pânico eclodiu”.

Neste sentido é o teor da própria sentença proferida na Justiça do Trabalho, em ação ajuizada pela embargada em face da embargan-te.

Lá restou consignado que “o preposto que compareceu à audiência demonstrou total desconhecimento do modo pelo qual se operou a saída da autora do banco. Assim, descumprido o dever legal de a-presentar preposto com conhecimento acerca da matéria controver-tida nos autos tem-se que a ré é confessa quanto à matéria fática neste aspecto. Presume-se verdadeira, portanto, a assertiva de ter sido a autora coagida a pedir demissão estando o ato eivado de nu-lidade [sem grifo no original]” (fl. 91).


Desta forma, acerca da coação, dispõe o Digesto Material, em seu artigo 98, que “a coação, para viciar a manifestação da vontade, há de ser tal, que incuta ao paciente fundado temor de dano à sua pessoa [sem grifo no original], à sua família, ou a seus bens, imi-nente e igual, pelo menos, ao receável do ato extorquido”.

Segundo o doutrinador Cáio Mario da Silva Pereira, “ao invés de usar manobras e maquinações, pode alguém proceder com violên-cia, forçando a declaração de vontade. De dois processos valer-se-á, e então diz-se que de duas maneiras pode o agente ser compeli-do ao negócio jurídico: ou pela violência física, que exclui comple-tamente a vontade, a chamada vis absoluta, que implica a ausência total de consentimento; ou pela violência moral, vis compulsiva, que atua sobre o ânimo do paciente, levando-o a uma declaração de vontade viciada [sem grifo no original]. No primeiro caso, da violên-cia física, não se pode dizer que houve uma emissão volitiva do a-gente, como se daria na hipótese de ser ele levado, contra a vonta-de e pela força, a assinar documento, ou de que se despojou de seus bens sob a ameaça de uma arma apontada à cabeça. Não há uma declaração de vontade, nem mesmo qualquer vontade na víti-ma, e esta falta completa de consentimento deve implicar a nulida-de total do ato. No outro caso, da violência moral, ou vis compulsi-va, há uma declaração volitiva, embora imperfeita, porque ela não aniquila o consentimento do agente; apenas lhe rouba a liberdade [sem grifo no original].

“Agora tratando da violência como defeito do ato jurídico, cogitamos da coação como vício de consentimento. Enquanto uma, a violência física, anula totalmente a vontade, e impede a formação do ato ne-gocial, a outra, violência moral, perturba o querer sem aniquilá-lo, permitindo que o coacto formule uma emissão de vontade, se bem que maculada. Há aqui uma atuação sobre o psiquismo, por via de processo de intimidação, que impõe ao agente uma declaração não querida, porém existe certa manifestação de vontade. Daí dizer o direito romano “quamvis coactus tamen voluit”, isto é, que a pessoa coagida pronuncia uma declaração de vontade. Mas, na sua análise psíquica, verifica-se a existência de duas vontades: a vontade ínti-ma do paciente, que ele emitiria se conservasse a liberdade, e a vontade exteriorizada que não é a sua própria, porém a do coator, a ele imposta pelo mecanismo da intimidação.” (Instituições de Direito Civil, vol I, 18ª ed., Forense, 1996, págs. 334/335).

Porquanto, comprovada a ocorrência de coação por parte do em-bargante, não há que se modificar o decisum exarado por esta Cor-te de Justiça, pois cabia àquele o ônus da prova quanto às suas a-legações.

“Segundo a regra estatuída por Paulo, compilada por Justiniano, a prova incumbe a quem afirma e não a quem nega a existência de um fato (Dig. XXII, 3, 2). O autor precisa demonstrar em juízo a e-xistência do ato ou fato por ele descrito na inicial com ensejador de seu direito” (Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery, in Có-digo de Processo Civil Comentado e legislação processual civil ex-travagante em vigor, 3ª ed., 1997, pág. 615).

Humberto Theodoro Júnior também ensina, com muita propriedade, que “não há um dever de provar, nem à parte contrária assiste o di-reito de exigir a prova do adversário. Há um simples ônus, de modo que o litigante assume o risco de perder a causa se não provar os fatos alegados e do qual depende a existência do direito subjetivo que pretende resguardar através da tutela jurisdicional. Isto porque, segundo máxima antiga, fato alegado e não provado é o mesmo que fato inexistente. No dizer de Kisch, o ônus da prova vem a ser, portanto, a necessidade de provar para vencer a causa, de sorte que nela se pode ver uma imposição e uma sanção de ordem pro-cessual. […]. Cada parte, portanto, tem o ônus de provar os pressu-postos fáticos do direito que pretenda seja aplicado pelo juiz na so-lução do litígio. Quando o réu contesta apenas negando o fato em que se baseia a pretensão do autor, todo o ônus probatório recai sobre este. Mesmo sem nenhuma iniciativa de prova, o réu ganhará a causa, se o autor não demonstrar a veracidade do fato constituti-vo do seu pretenso direito. Actore non probante absolvitur reus”. (Curso de Direito Processual Civil, vol. I, 9ª ed., Forense, 1992, págs. 419/420).

Assim, com a existência de prova da coação sofrida pela embarga-da, afigura-se correta a concessão de indenização por dano moral, uma vez que esta foi atingida em sua honra.

Por conseguinte, conhece-se do presente recurso e nega-se provi-mento a este.

III – Decisão:

Nos termos do voto do relator, decidiu-se, por maioria de votos, co-nhecer do recurso. Vencidos o Relator e o Exmo. Des. César Abreu que votaram no sentido de não conhecer do recurso. No mérito, por maioria de votos, negar provimento aos embargos. Vencidos os Exmos. Des. Anselmo Cerello, Des. Mazoni Ferreira e Monteiro Ro-cha, que votaram no sentido de dar provimento.


Participaram do julgamento os Exmos. Srs. Desembargadores Wil-son Augusto do Nascimento, Monteiro Rocha, César Abreu, Ansel-mo Cerello, Carlos Prudêncio, Orli Rodrigues e Mazoni Ferreira.

Pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, lavrou parecer o Exmo. Sr. Dr. Sérgio Antônio Rizelo.

Florianópolis, 13 de março de 2001.

Anselmo Cerello

PRESIDENTE COM VOTO

Vanderlei Romer

RELATOR

Voto vencido do Des. Cesar Abreu:

Ciente. Quanto à questão da competência adoto os argumentos do eminente Relator. 17.04.2002.

Cesar Abreu

DECLARAÇÃO DE VOTO VENCIDO DO DES. ANSELMO CERELLO:

Dissenti da douta maioria por entender, neste particular, conforme o eminente relator, de que é competente a Justiça do Trabalho para conhecer dos litígios decorrentes da relação de trabalho, não obs-tante fundados em dano moral, a teor do artigo 114 da CF/88, neste sentido alinho-me com o eminente relator, pedindo vênia aos que entendem em contrário.

Divirjo, no entanto, do eminente relator quando o mesmo pretende remeter os autos àquela Justiça especializada, uma vez que, pedin-do vênia, tal não se faz possível por ser manifesta a carência de ação da embargada, pois não tendo a mesma eleito o órgão judiciá-rio competente, falece deste pressuposto processual para o desen-volvimento válido e regular do processo, o que leva a sua extinção, a teor do artigo 267, IV, do CPC.

A respeito doutrinam Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido R. Dinamarco, in “Teoria Geral do Processo, 3ª ed. Ampliada e atualizada, 2ª tiragem, pg. 257:

“Assim sendo, são pressupostos processuais: a) um pedido (CPC, art. 2º, CPP, art. 24); b) a capacidade de quem o formula; c) a investidura do destinatário do pedido, ou seja, a qualidade de juiz. A doutrina mais autorizada sintetiza esses requisitos nesta fórmula: uma correta propositura da ação, feita perante uma autoridade ju-risdicional, por uma entidade capaz de ser parte em juízo”.

Relevante assinalar que não se trata de competência mas sim de jurisdição, o que torna incabível a mera remessa dos autos àquela Justiça especializada, ademais, quando existe prestação jurisdicio-nal entregue pela Justiça Comum Estadual.

No mérito, no entanto, perfilho-me com a douta minoria para acolher os presentes embargos infringentes, uma vez que, à toda evidência não comprovou a embargada o vício de consentimento propalado que estaria a macular o ato jurídico contra o qual investe.

Estas as razões do dissenso.

Florianópolis, 19 de abril de 2002.

Anselmo Cerello

DES. RELATOR

Declaração de voto vencido do Des. Mazoni Ferreira:

As razões de meu voto estão no voto vencido de fls. 251/257, ao qual nada tenho a acrescentar.

Florianópolis, 23 de abril de 2002.

Mazoni Ferreira.

Declaração de voto vencido do Exmo. Sr. Des. Monteiro Rocha:

Cinjo-me à premissa fática de que se trata de ação de indenização por dano moral, formulada por Luciana Soares Pinto, contra o Ban-co Bamerindus do Brasil S/A, sob a alegação de haver sido coagida a pedir sua demissão do cargo que ocupava e a dispensar o aviso prévio a que teria direito, em razão da suposta prática de falta grave no exercício de seu mister, consistente na apropriação indevida de valores de clientes da instituição financeira requerida.

Adoto neste voto os relatórios da sentença de fls. 188/198, do pare-cer da Procuradoria-Geral de Justiça de fls. 228/230, do apelo de fls. 238/239 e do voto de fls. 300, do eminente relator.

Ao contestar a ação, a instituição financeira juntou declaração assi-nada pela requerente, afirmando e reconhecendo a apropriação in-débita e o seu dever de ressarcir os valores obtidos ilicitamente (fl. 30), além do pedido de demissão do cargo (fl. 26) e termo de resci-são assinado pela requerente, ocasião em que estava assistida por seu Sindicato de Classe.

O voto vencido que se pretende fazer prevalecer, discrepa total-mente da conclusão a que chegou a douta maioria, não se podendo cogitar de divergência parcial.

Traz-se aos autos trecho do parecer lavrado pelo eminente Procu-rador de Justiça Sérgio Antônio Rizzelo, com o qual concordo inte-gralmente:

“Para o acolhimento da presente Ação, salvo melhor juízo, era mis-ter que a Apelante tivesse demonstrado que não se apropriou dos valores em questão.

“Isto porque a Apelante, através da ‘Declaração’ acostada à fl. 30, admitiu, clara e expressamente, que apropriou-se indevidamente dos valores nela noticiados.

“O documento em comento constitui-se em declaração firmada de punho próprio, estando devidamente assinada pela Apelante, e sua juntada aos autos verificou-se mediante autenticação.

“Inquirida em Juízo, a Apelante admitiu que foi ela quem assinou a citada declaração, e que o Senhor Vitor, que à época era funcioná-rio do Apelado, ditou a mesma (fl. 140).


“Resta perquirir se há prova nos autos de que a declaração em co-mento foi obtida mediante coação.

“Das declarações que a Apelante prestou em Juízo destacamos, ainda:

“(…) que o banco coagiu a autora mediante a alegação de que se a mesma não assinasse voluntariamente seu pedido de demis-são, a polícia seria chamada e a autora poderia deixar a agência algemada (…) Sr. Vitor ditou a mesma e disse a autora que seria a única forma do banco dar a exoneração à mesma; que quem lhe ameaçou e coagiu foi o Sr. Antônio Carlos Sé, inspetor da agência, na presença do Sr. Vitor, e do Chefe de Serviço, Sr. Henrique Ga-ma Neto (…)”.

“Estas afirmações da apelante restaram amplamente descomprova-das, eis que nenhum dos indigitados coatores chegou a ser inquiri-do em Juízo a respeito das mesmas. Ademais, inexistem outras provas nos autos que pudessem autorizar a afirmação de que a A-pelante assinou a confissão referida mediante coação.

“A Apelante nasceu em 18 de setembro de 1968 (fl. 07), e, assim, quando de sua demissão pelo Apelado, contava com 25 para 26 anos. Estava acostumada a centros urbanos desenvolvidos, eis que antes de trabalhar para o Apelado, em nesta cidade, fazia-o em Cu-ritiba.

“Se foi transferida de uma Capital para outra, escolhida pelo Apela-do para ser responsável pelo setor de Poupança da agência desta cidade, sendo, depois, elevada a exercer a atribuição de caixa de agência, certamente era porque mostrava-se satisfatoriamente de-senvolvida e com bom nível de discernimento a respeito dos acon-tecimentos que a rodeavam.

“Tais fatos demonstram que seria muito difícil que a Apelante pu-desse assinar uma declaração com conteúdo tão negativo a seu respeito, só por imaginar que, se não o fizesse, fatos negativos lhe pudessem advir, por iniciativa do Apelado.

“Temos que também é equivocado afirmar que a Justiça do Traba-lho afirmou a existência da coação que teria sido perpetrada em seu desfavor, pois o que restou dito foi apenas que a mesma ‘presume-se verdadeira’ (fl. 202, parte inferior). Aliás, esta afirmação constou apenas da sentença de primeiro grau da Justiça Especializada, e não há nos autos qualquer evidência de que o segundo grau daque-la Justiça a tenha confirmado.

“Assim, é imperioso afirmar que a declaração de fls. 30 não está ei-vada de vício” (fls. 230/232).

Os incisos I, II e III, do art. 469, do Código de Processo Civil, deter-minam que “não fazem coisa julgada os motivos, ainda que impor-tantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença; a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença; a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente no pro-cesso”.

Traz-se aos autos entendimento jurisprudencial do Tribunal de Jus-tiça do nosso Estado, que entendo aplicável para resolver o caso sub-examine:

“…A coisa julgada se restringe ao dispositivo, nela não se incluindo os motivos da sentença, ainda que importantes para determinar o alcance desta (CPC, art. 469)” (Rel. Des. João José Schaefer, in Embargos de declaração opostos ao acórdão da apelação cível n. 36.429, de Tubarão).

É também do nosso Tribunal de Justiça do Estado, o entendimento jurisprudencial de que “de regra, só faz coisa julgada a parte dispo-sitiva da sentença, art. 469, do Código de Processo Civil” (Jurispru-dência Brasileira, v. 75, p. 38).

Por isso, a decisão proferida na reclamatória trabalhista ajuizada pela autora não influencia o resultado desta demanda. Em outras palavras, a verdade lá admitida para julgar procedente o pedido e que foi presumida com sustentáculo no instituto da revelia, não é razão suficiente para determinar o sucesso desta ação indenizatória pelos seguintes motivos: a) não houve condenação na esfera crimi-nal para que não se possa questionar sobre a existência dos fatos ou quem seja o seu autor; b) a decisão proferida na instância traba-lhista não possui o condão de acarretar qualquer conseqüência jurí-dica nestes autos; c) mesmo que o decisório trabalhista pudesse, in thesi, acarretar conseqüências para este julgamento o fato é que não houve a res judicata quanto aos motivos da procedência da a-ção trabalhista naquela justiça especializada.

À procedência desta ação é imprescindível que a autora demonstre a presença dos requisitos do art. 159 do Código Civil, segundo o qual: “aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obriga-do a reparar o dano. A verificação da culpa e a avaliação da res-ponsabilidade regulam-se pelo disposto neste Código, arts. 1.518 a 1.532 e 1.537 a 1.553”.

Tratando sobre a configuração do art. 159, do Código Civil, para fins de indenização, traz-se aos autos entendimento doutrinário de Wa-shington de Barros Monteiro:


“Pela nossa lei civil, aí está o primeiro entendimento indispensá-vel à configuração do ato ilícito; urge que o fato lesivo seja voluntá-rio ou imputável ao agente por ação ou omissão voluntária, negli-gência ou imprudência.

“Em segundo lugar exige-se a ocorrência de um dano.

“O terceiro elemento caracterizador do ato ilícito é a relação de cau-salidade entre o dano e o comportamento do agente” (MONTEIRO, Washington de Barros. Curso De Direito Civil – parte geral. São Paulo: Saraiva, 1977. p. 276).

A autora aponta haver sofrido dano moral conseqüente de atitude ilícita dos prepostos da instituição embargante, consistente em atri-buir-lhe a prática de coação moral, fazendo-a admitir o crime de a-propriação indébita, em manobra incompatível com as funções que exercia como bancária.

É possível afirmar-se, com toda a convicção, que a situação em que a autora se envolveu – prática de apropriação indébita de valores de correntistas do banco em que era funcionária e pedido de de-missão por haver praticado o mencionado crime – não é motivo pa-ra a embargada ver procedente seu pedido de indenização por da-nos morais contra o estabelecimento bancário embargante.

Conforme o art. 160, I, do Código Civil de 1916, não constitui atos ilícitos “os praticados no exercício regular de um direito reconheci-do”.

Ora, a requerente não trouxe aos autos quaisquer elementos proba-tórios de que os representantes do estabelecimento bancário te-nham lhe infligido danos morais. Além disso, a requerente não pro-vou que o estabelecimento requerido, através de seus representan-tes, tenha lhe obrigado a assinar, mediante o vício de consentimen-to aludido nestes autos, declaração de que se apropriou indevida-mente de numerário de clientes do estabelecimento requerido, bem como o pedido de demissão do emprego, baseado no motivo dis-criminado anteriormente.

Enfim, a coação supostamente sofrida pela requerente não foi pro-vada nestes autos.

É verdade que “cessa, todavia, a eficácia da admissão expressa ou tácita, se o documento houver sido obtido por erro, dolo ou coação” (art. 372, parágrafo único, do Código de Processo Civil); todavia, é da autora o onus probandi e não da parte ex adversa, mesmo por-que é indispensável à indenização prevista no art. 159 do Código Civil Brasileiro a prova de ato contrário ao direito.

A quem incumbia o ônus de comprovar a aludida coação; à autora ou ao réu? Entendo que essa obrigação era da autora, porquanto foi ela quem alegou a existência do mencionado vício de consenti-mento e o Código de Processo Civil, em seu art. 333, é taxativo em impor ao autor o ônus de provar o fato constitutivo do seu direito.

Trago à lume, entendimento doutrinário que corrobora esse enten-dimento e que possui o seguinte teor:

“Como todo direito se sustenta em fatos, aquele que alega pos-suir um direito deve, antes de mais nada, demonstrar a existência dos fatos em que tal direito se alicerça. Pode-se, portanto, estabe-lecer como regra geral dominante de nosso sistema probatório, o princípio segundo o qual à parte que alega a existência de determi-nado fato para dele derivar a existência de algum direito incumbe o ônus de demonstrar sua existência. Em resumo, cabe-lhe o ônus de produzir a prova dos fatos por si mesmo alegados como existen-tes” (SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de Processo Civil: processo de conhecimento. 5ª edição: revista e atualizada. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2000, v. 1, p. 344).

Não comprovada a coação, os atos dos prepostos da instituição re-querida encontram-se no âmbito do exercício regular do seu direito, não havendo obrigação indenizatória.

Não bastasse isso, os documentos de fls. 26/30, produzidos pela parte ré, são fatos impeditivos ao direito da autora, mormente pelo fato de que: “as declarações constantes do documento particular, escrito e assinado, ou somente assinado, presumem-se verdadeiras em relação ao signatário” (art. 368 do CPC). Portanto, parte-se do pressuposto (evidentemente que admitindo a realização de prova em sentido contrário) de que o conteúdo ideológico da declaração de fl. 30 é verdadeiro, ou seja, de que Luciana Soares Pinto reco-nheceu a conduta ilícita e comprometeu-se a restituir os valores, in thesi, indevidamente apropriados.

Por estas razões, discrepando da douta maioria, voto no sentido de prover estes embargos infringentes para, revertendo a decisão da maioria dos componentes da colenda Primeira Câmara Civil e fa-zendo prevalecer o voto vencido de fls. 251/257, manter a sentença de primeiro grau, que julgou improcedente a ação de reparação de danos morais aforada por Luciana Soares Pinto em face de Banco Bamerindus S/A, inclusive no tocante à isenção da autora ao paga-mento de custas processuais e honorários advocatícios.

MONTEIRO ROCHA

Desembargador

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