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American Airlines pode usar detector de mentiras em empregados

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21 de novembro de 2004, 16h28

Empresas aéreas estão autorizadas a submeter seus empregados na área de segurança ao teste do polígrafo (detector de mentiras). A decisão, da 10ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, atendeu pedido feito pela American Airlines Inc, que “revela o interesse na preservação dos interesses coletivos”.

O entendimento, firmado em julgamento de Recurso Ordinário, levou em consideração os ataques de 11 de setembro às torres gêmeas do World Trade Center, nos Estados Unidos. Segundo a relatora, Vera Marta Públio Dias, a tragédia “infeliz e lamentavelmente, nos fez compreender a necessidade de medidas assecuratórias de segurança, especialmente no campo da aviação civil”.

A ação teve início com um pedido de indenização por danos morais feito por uma ex-empregada da área de segurança da companhia, que ingressou com ação na 36ª Vara do Trabalho de São Paulo. Ela alegou ter sido obrigada pela American Airlines a se submeter periodicamente a testes do polígrafo.

A decisão de 1ª instância foi favorável à ex-funcionária. De acordo com a sentença, ela teria sido “desrespeitada e violentada sobre assuntos de sua vida privada, em sua intimidade, bem como sofreu notória investigação sobre sua vida pregressa”. A empresa foi então condenada ao pagamento de indenização no valor de 100 vezes o salário que a reclamante recebia à época da demissão.

A ex-empregada e a American Airlines recorreram ao TRT-SP. A primeira, para que a indenização fosse elevada para R$ 500 mil. Já a companhia afirmou, em sua defesa, que esse tipo de teste é aplicado a todos os empregados do setor de segurança, “por sérias razões, não apenas na salvaguarda de seu patrimônio mas sim como medida preventiva da segurança da população em geral e do usuário em especial, realizado de modo impessoal e em caráter geral, sendo certo que não se encontra na tecnologia medida preventiva alternativa”.

Para Vera Marta, as perguntas que a reclamante respondia quando submetida ao teste do polígrafo não atentam contra a ética, a moral e os bons costumes. De acordo com ela, muitas dessas questões são feitas no comércio, para a abertura de crediário, por bancos e estabelecimentos de crédito e também “por consulados para a concessão de vistos de entrada em países estrangeiros que ainda o exigem, como, por exemplo, o consulado” dos Estados Unidosa.

Segundo a relatora, não cabe alegar os interesses individuais da ex-empregada. A prática é, de acordo com Vera, “medida de cautela, inserida no poder de comando do empregador, de forma lícita e legítima, tendo em vista o bem comum, ou seja, a segurança de clientes e da sociedade, em geral”.

PROCESSO TRT/SP 00735.2002.036.02.00-2

RECURSOS ORDINÁRIO E ADESIVO

ORIGEM: 36ª VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO

RECORRENTES : 1º) AMERICAN AIRLINES INC.

2º) RITA DE CÁSSIA MARTINHÃO IRIGOYEN

RECORRIDOS : OS MESMOS

Ementa – Contrato de transporte aéreo de pessoas e coisas – segurança – “Há que se considerar, que a empresa, hodiernamente e em tempos de globalização, vem se amoldando cada vez mais à dinâmica social, tem um novo papel no contexto social eis que, como empregador, não é mais um simples empreendimento em busca de lucros para um pequeno grupo, afastando-se cada vez mais de sua antiga visão privatística, para assumir não só os riscos do negócio, mas também a responsabilidade pelos seus empregados, pelas garantias da personalidade e da dignidade humanas. A subsunção do teste do polígrafo não tem por finalidade a salvaguarda do patrimônio da empresa, mas a segurança da população em geral e clientes em particular. .

Da r. sentença de fls. 153/160, cujo relatório adoto e que julgou parcialmente procedente a ação, recorrem ambas as partes.

A reclamada recorre ordinariamente, às fls. 165/177, dizendo que a sentença merece reforma no que diz respeito à condenação na indenização por dano moral, porque o exame contra o qual se insurgiu a reclamante é aplicado a todos os empregados do setor de segurança da recorrente, empresa destinada ao transporte aéreo internacional e dele não resultou qualquer lesão a direito personalíssimo nem violação ao direito à intimidade; que a recorrente exerceu seu poder diretivo, por várias razões preventivas da segurança da população em geral e do usuário em especial, de modo impessoal e em caráter geral; que a autora não provou haver sofrido gravame; que também se insurge contra o valor da indenização, por excessivo e que deveria, por analogia, ser fixado em valor correspondente á indenização por tempo de serviço. Pugna pela reforma.

A reclamante, por seu turno, recorre adesivamente, às fls. 199/210, pleiteando a ampliação da condenação para que seja reconhecido o tempo anterior ao registro, com fundamento no artigo 4º CLT, que não exige serviço efetivo mas a disponibilidade ao empregador; pretende, também, a condenação da reclamada em diferenças salariais por desvio de função e a elevação da indenização por danos morais, fixada em cem salários que percebia à época da dispensa pela sentença, para R$ 500.000,00, com base no princípio da reciprocidade e demais razões que aponta. Pretende a reforma, nos pontos atacados.


Contra razões da reclamante vieram às fls. 183/188 e da reclamada às fls. 216/226.

Parecer da Procuradoria (fls. 227) pelo prosseguimento, sendo desnecessária a manifestação circunstanciada.

É o relatório

Voto

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço dos recursos.

Tendo em vista a identidade de matéria referente à indenização por dano moral, objeto de ambos os recursos, passam os mesmos a ser apreciados em conjunto, neste tópico.

I-RECURSO DA RECLAMADA E RECURSO ADESIVO DA RECLAMANTE DA INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL DO VALOR DA INDENIZAÇÃO

Recorre a reclamada, sustentando que a r. decisão recorrida não pode prevalecer quanto à sua condenação em indenizar a reclamante por danos morais, argumentando que o exame contra o qual se insurgiu a reclamante, teste de polígrafo, é aplicado a todos os empregados do setor de segurança da recorrente, empresa destinada ao transporte aéreo internacional e dele não resultou qualquer lesão a direito personalíssimo nem violação ao direito à intimidade.

Salienta que, ainda que fundada em seu poder diretivo, realiza esse tipo de exame por sérias razões, não apenas na salvaguarda de seu patrimônio mas sim como medida preventiva da segurança da população em geral e do usuário em especial, realizado de modo impessoal e em caráter geral, sendo certo que não se encontra na tecnologia medida preventiva alternativa. Aduz, ainda, que a autora não provou haver sofrido gravame e que também se insurge contra o valor da indenização, por excessivo e que deveria, por analogia, ser fixado em valor correspondente à indenização por tempo de serviço.

A reclamante, por seu turno, recorre adesivamente, para sustentar que o valor indenizatório estabelecido em sentença, de cem salários, considerado o último percebido na empresa, não é de ser mantido, desde que o salário não é a medida da moral e que a reclamada é a maior empregadora da aviação civil do mundo, apontando seu altíssimo faturamento registrado no primeiro semestre de 2002 ( v. fls. 209), considerando que o valor fixado em sentença é risível ao ofensor e que equivale a “meras cócegas econômicas” e que é preciso “que se sinalize ao agressor que o dano moral, aqui no Brasil, tão quanto na matriz, é inadmissível, inadmitido e indenizável”. (v. fls. 209).

Um detido reexame dos autos, em especial da prova colhida às fls. 79/80 e da r. sentença recorrida, revela que razão assiste à reclamada, condenada na indenização por dano moral por entender o M.M. Juízo de Primeiro Grau, em apertada síntese, que a reclamante foi “desrespeitada e violentada sobre assuntos de sua vida particular privada, em sua intimidade, bem como sofreu notória investigação sobre sua vida pregressa” (v. fls. 159/160) por haver sido submetida ao “teste do polígrafo”, e ter sido constrangida a responder às perguntas que transcreve às fls. 157/158.

Em que pesem os argumentos e razões de convencimento explanados pelo Juízo de origem, a meu ver andou mal a r. sentença ao acolher as alegações da reclamante, que não passaram do campo das meras alegações, posto que nenhuma prova existe, nestes autos, a respeito de haver sofrido gravame, abalo moral, humilhação, ou de que sua imagem tenha sido maculada perante seus colegas ou diante da sociedade, de modo a autorizar a condenação sofrida pela ré.

Pelo contrário, as perguntas que teve que responder quando submetida ao teste do polígrafo em nada atentam contra a ética, a moral e aos bons costumes, não merecem ser consideradas invasivas do direito à privacidade, valendo ressaltar que muitas dessas perguntas, elencadas pela sentença recorrida, são comumente feitas no comércio, para a abertura de crediário, por bancos e estabelecimentos de crédito, para a concessão dos mais variados tipos de financiamento. Também são formuladas, por consulados, para a concessão de vistos de entrada em países estrangeiros que ainda o exigem, como, por exemplo, o consulado dos EEUU, que fazem as mesmíssimas perguntas feitas pela reclamada e até pelo serviço de imigração de vários países, quando somos obrigados a preencher formulários com esse tipo de questionário para poder adentrar em outros países, já nos aeroportos.

Ademais, há aspectos de suma importância que envolvem o pedido de indenização por danos morais e que não podem deixar de ser examinados, máxime se se levar em consideração as infundadas, preconceituosas e até “apelativas” razões declinadas no pedido inicial, renovadas no recurso adesivo no que tange à pretensão de elevação do valor da indenização para R$ 500.000,00.

Assevera a reclamante, em seu apelo adesivo, que a reclamada não pode ser “incentivada à prática discriminatória e nociva” de subsumir seus empregados a “preconceituosos critérios de segurança preventiva, mediante a utilização de aparatos eticamente réprobos, moralmente inaceitáveis e juridicamente ilícitos” ( v. fls. 208). Chega a invocar o princípio da reciprocidade, que rege as relações internacionais, para propor uma “inversão de raciocínio”, imaginando qual seria o comportamento do Judiciário americano em caso similar, de aplicação do teste do polígrafo por empregador brasileiro a empregado norte americano, sob o argumento de que ao governo brasileiro interessaria conhecer os riscos à sua integridade nacional.


Olvida-se a reclamante, por completo, da função social do Direito do Trabalho e do contrato de trabalho, este intimamente ligado ao papel que cada indivíduo desempenha na sociedade.

Não resta dúvida que a pessoa humana é o valor primordial que cabe ao Direito proteger e que a Constituição Federal, entre seus princípios fundamentais, insere a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, logo em seu artigo 1º.

Ademais, também não resta dúvida que a Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, em seu artigo 5º., determina ao Juiz na aplicação da lei, o atendimento aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

Não foi outra a postura de nosso novo Diploma Civil cujo artigo 421 enaltece a função social do contrato, de um modo geral e, que à toda evidencia se aplica aos contratos individuais de trabalho, revelando a intervenção da vontade estatal na preservação de interesses coletivos, em detrimento de interesses exclusivamente individuais.

O teste do polígrafo, a meu ver, revela o interesse na preservação dos interesses coletivos, sem afrontar direitos individuais, como insiste a reclamante, medida de cautela, inserida no poder de comando do empregador, de forma lícita e legítima, tendo em vista o bem comum, ou seja, a segurança de clientes e da sociedade, em geral.

Basta que se lembre que a sentença recorrida foi proferida depois do fatídico dia 11 de setembro de 2002, tragédia que, infeliz e lamentavelmente, nos fez compreender a necessidade de medidas assecuratórias de segurança, especialmente no campo da aviação civil.

Há que se considerar que a empresa, hodiernamente e em tempos de globalização, vem se amoldando cada vez mais à dinâmica social, tem um novo papel no contexto social eis que, como empregador, não é mais um simples empreendimento em busca de lucros para um pequeno grupo, afastando-se cada vez mais de sua antiga visão privatística, para assumir não só os riscos do negócio, mas também a responsabilidade pelos seus empregados, pelas garantias de da personalidade e da dignidade humanas.

Assim, deveria ter a r. sentença de origem considerado que a reclamante, como agente de segurança e posteriormente encarregada de segurança, tinha como incumbência precípua zelar pela segurança dos serviços aéreos prestados pelo seu empregador, pela segurança dos passageiros, tripulantes e ainda pela segurança no ambiente de trabalho, como diz a reclamada em seu recurso, “método que não tem por finalidade a salvaguarda do patrimônio da empresa, mas a segurança da população em geral e do usuário em particular”. ( v. fls. 169).

Portanto, o fato de ter a autora que se submeter de tempos em tempos a tal teste, respondendo às perguntas discriminadas, não acarretou danos de ordem moral, tratando-se do mero cumprimento de normas regulamentares, verdadeiro regulamento de empresa, a que submetiam todos os empregados da área de segurança, inexistindo qualquer conotação de humilhação, ofensa, violação da intimidade, da honra, da imagem, da dignidade pessoal, nem mesmo exposição à situações vexatórias. Registre-se que normas regulamentares, apesar de sua origem unilateral, aderem ao contrato de trabalho, como verdadeiras cláusulas, acrescentando ao pacto não só direitos como também obrigações. E, “in casu”, a obrigação da reclamante em se submeter ao teste do polígrafo, como seus colegas da área de segurança, revela tão somente a subsunção à norma de caráter regulamentar, impessoal, não contaminada por arbitrariedade, mas sim direcionada à conscientizar, cada vez mais, a empregada, de suas obrigações, com vistas a proteger seus clientes e, em última análise, garantir o bem comum.

Não praticou o empregador ato ilícito capaz de ensejar a indenização por dano moral. Realmente, nenhum dano de ordem moral, impingido pela reclamada à reclamante, restou comprovado. Há que se tomar redobrado cuidado para que o dano moral não seja banalizado.

Segundo a doutrina, só o dano que inflige grande humilhação, dor e sofrimento moral, em decorrência de fatos ofensivos à honra e à imagem do trabalhador é que deve ser ressarcido.

Não é o caso dos autos.

Confira-se a respeito:

Dano moral. Prova. O dano moral por importar em afronta à honra, à liberdade, à pessoa ou à família do ofendido, não aos bens patrimoniais, propriamente ditos, pode ser ressarcido pecuniariamente. Entretanto, esta indenização implica evidenciar, de forma efetiva, a existência de perda material ou de ordem físico-psíquica decorrente daquele dano. O que no presente caso não se deu. Ac. TRT 10ª Reg. 1ª T (RO 859/99), Juiz Pedro dos Santos Álvares Navarro, julgado em 22/06/99. Fonte: Dicionário de Decisões Trabalhistas – 31ª Edição – de B.Calheiros Bomfim, Silvério Mattos dos Santos e Cristina Kaway Stamato

Ante todo o exposto, acolho as razões recursais e reformo a r. sentença de origem para excluir a condenação na indenização por dano moral, ficando prejudicado o recurso adesivo da reclamante que pretendia a elevação do valor da indenização.

Dou provimento.

2- RECURSO ADESIVO DA RECLAMANTE

2.1- DO TEMPO ANTERIOR AO REGISTRO

Não assiste razão à reclamante, que pretende ver reconhecida como data de admissão o dia 17/11/95, tendo sido registrada em 18/12/95, por haver participado, neste interregno, de um curso custeado pela reclamada, nos EEUU, para treinamento na função para a qual veio a ser contratada.

Não se cuida, na hipótese, de aplicação da regra contida no artigo 4º da CLT, pois a reclamante não estava à disposição do empregador e sim participando de um curso ministrado pela empresa.

Não ocorreu prestação de serviços, mediante pagamento de salários, não esteve a reclamante sob subordinação e fiscalização da reclamada, não houve cumprimento de ordens, nesse período, não havendo, destarte, que se reconhecer que o vínculo se iniciou naquela data.

Correta a sentença, mantenho.

2.2- DO DESVIO DE FUNÇÃO

Correta a sentença.

Não provou a reclamante, ônus que lhe competia, haver sido promovida a agente de segurança em 19/08/96 (CLT 818 e CPC, 333,

I).De plano, verifica-se que não há que se falar em aplicação da pena de confissão à reclamada em razão do depoimento da preposta ( v. fls. 203 e fls. 79) simplesmente porque o fato de não se lembrar da data em que a autora passou a exercer a função de supervisora de segurança não implica na confissão almejada. A reclamante não se eximiu do ônus da prova em face de tal depoimento e sua testemunha também não se lembrava da data (v. fls. 79). Tal alegação acabou alcançada pela preclusão, desde que a ficha de registro de fls. 115 não foi impugnada no momento processual adequado ( v. réplica de fls. 140 e ss).

A conclusão do curso não conduz, automaticamente, à promoção, como pretende a autora, alegação esta que demandava prova robusta, a seu encargo.

O documento de fls. 68 certifica a conclusão do curso, mas não prova a alegada “promoção”, donde não se verificar desvio funcional.

Logo, correta a sentença que indeferiu o pleito de diferenças salariais decorrentes desse fato alegado e não provado.

Mantenho.

Posto isto, nos termos da fundamentação aduzida, que fica fazendo parte integrante deste dispositivo, julgo IMPROCEDENTE A AÇÃO, para DAR PROVIMENTO AO RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA, e absolve-la da condenação na indenização por dano moral, e para NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO ADESIVO DA RECLAMANTE.

Custas em reversão, na forma da lei.

Vera Marta Públio Dias

Juíza Relatora

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