Rédea solta

Especialistas criticam pena por homicídio em acidente de trânsito

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20 de novembro de 2004, 15h37

Em Goiânia, oficialmente, e no Brasil, extra-oficialmente, a morte de uma pessoa em acidente de trânsito é equivalente a uma cesta básica. A opinião é de especialistas no assunto e é baseada em dados como o daquele estado: lá, dos 186 mortos registrados em 2002, apenas 14 processos por homicídio estão em trâmite, 4 foram julgados e um resultou em condenação de uma cesta básica.

De acordo com o manifesto “Pela Paz no Trânsito”, a cada 13 minutos um acidente com morte é registrado no país. As vítimas fatais chegam a 30 mil por ano (quase 60% são pedestres) e 300 mil pessoas ficam feridas, das quais 35% apresentam lesão permanente. Os números são considerados subestimados.

Segundo um estudo feito em conjunto pela Associação Nacional dos Transportes (ANTP) e pelo Ipea — instituto de pesquisas vinculado ao Ministério do Planejamento –, os custos com acidentes de carro nas áreas urbanas chegam a R$ 5,3 milhões. Nesse contexto, a questão do trânsito já é considerada problema de saúde pública e o automóvel é considerado “instrumento de morte como a arma”, diz Nazareno Affonso, diretor-executivo da ANTP.

Além da educação, a propagação da epidemia passa, segundo Affonso, pela atuação da Justiça brasileira nos casos. “O Judiciário não presta atenção e acha que são [as mortes] acidentes naturais. Ele não está sensível à gravidade do problema e ao quanto isso não é acidentalidade”, afirma. Afinal, pergunta ele, “como não é criminoso o motorista que anda a 80 por hora quando o limite é de 40, quando há intencionalidade de colocar em risco a vida de outras pessoas?”.

Para que o quadro seja revertido, segundo o advogado e presidente da Comissão de Assuntos e Estudos sobre Direito de Trânsito, Cyro Vidal Soares da Silva, há de se mudar a “mentalidade dos responsáveis pela apuração e decisão dos delitos de trânsito”. Hoje, diz ele, raramente o infrator é indiciado por homicídio doloso. Na maioria das vezes, a tese que vence é a de que houve homicídio culposo, condenação que pode ser revertida a penas brandas, como o pagamento de cestas básicas.

O Código Nacional de Trânsito não prevê o homicídio doloso para acidentes de trânsito. O artigo 302 da norma versa apenas sobre o crime culposo. Mas, “uma coisa é provocar a lesão ou morte de outra pessoa por imperícia ao fazer uma curva e bater o carro. Outra é quando o sujeito pratica o delito assumindo o risco da produção do evento, ou o dolo eventual, como quando dois rapazes resolvem fazer racha em via pública”, diz Vidal.

Nesse caso, o julgamento deve, segundo ele, ser baseado no Código Penal e não no CNT, “o que já é feito no Rio Grande do Sul e no Paraná, onde [os infratores] são denunciados por dolo eventual”. A medida, no entanto, ainda encontra resistência dos juízes em São Paulo, paradoxalmente, o estado que registra média de 4 pessoas mortas por dia.

Ao julgamento mais severo deveriam ser adicionadas penas alternativas e ao mesmo tempo mais impactantes como “ajudar as pessoas a atravessar a rua vestindo um jaleco dizendo que [o infrator] está cumprindo pena ou cuidar de pessoas internadas por politraumatismo”, diz Affonso. Segundo dados de 2003 do Hospital das Clínicas, 60% das camas do hospital são reservadas a feridos em acidentes de trânsito.

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