Contribuição previdenciária

Ministro do STF suspende execução penal de devedor do INSS

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17 de novembro de 2004, 16h05

Condenado a mais de três anos de reclusão por deixar de recolher, para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), a contribuição previdenciária durante 39 meses, entre junho de 1993 e dezembro de 1995, o empresário gaúcho Roberto José Figueira Coelho conseguiu a suspensão da execução penal. A liminar foi concedida pelo ministro Cezar Peluso, do Supremo Tribunal Federal.

Peluso concedeu liminar em pedido de Habeas Corpus ajuizado contra decisão da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que havia mantido a punibilidade, embora o empresário tenha aderido ao Refis — o parcelamento dos seus débitos perante o INSS.

“Não cumpre ao juiz penal estimar a legalidade da concessão do parcelamento pela autoridade administrativa competente”, afirmou Peluso. Segundo o ministro, o empresário obteve o parcelamento de seus débitos e, de acordo com o artigo 9º da Lei nº 10.684/03, é suspensa a pretensão punitiva do Estado, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.

Leia a liminar do ministro Cezar Peluso

MEDIDA CAUTELAR EM HABEAS CORPUS 85.048-1 RIO GRANDE DO SUL

RELATOR : MIN. CEZAR PELUSO

PACIENTE(S): ROBERTO JOSÉ FIGUEIRA COELHO

IMPETRANTE(S): CARLOS ALBERTO LUZ GONÇALVES E OUTRO(A/S)

COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

COATOR(A/S)(ES): TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

DECISÃO: 1. Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de ROBERTO JOSÉ FIGUEIRA COELHO, contra ato da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça e da Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 4a Região que mantiveram condenação proferida contra o paciente por juiz federal de Bento Gonçalves, RS.

O paciente foi condenado à pena de 03 (três) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e ao pagamento de 20 dias-multa, por suposta infração ao art. 95, “d”, da Lei nº 8.212/91, com a redação dada pelo art. 168-A, c/c art. 71, ambos do Código Penal, em razão do não-recolhimento de contribuições previdenciárias no período de 06/93 a 03/94, 12/94, 01/95, 03/95 a 06/96, 12/93 e 12/95.

Apelou da sentença sustentando inexigibilidade de conduta diversa e parcelamento do débito tributário. Ao recurso foi negado provimento e, no que toca ao mérito deste writ, considerou a Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 4a Região:

“Por outro lado, o fato de a empresa ter aderido ao REFIS em 24-03-00 (f.550) não modifica a situação pois a opção ocorreu após o recebimento da denúncia e o art. 15 da Lei 9.964/2000, repetiu a condição de adesão prévia ao recebimento da denúncia, constando expressamente que fica ‘suspensa a pretensão punitiva do Estado’ em relação aos crimes ali mencionados, desde que a inclusão no referido Programa tenha ocorrido antes do recebimento da denúncia criminal” (fls. 06).

Interpostos recursos especial e extraordinário, não foram admitidos, tendo o paciente agravado de ambas as decisões (fls.07). Nesta Corte, foi interposto agravo regimental, de minha relatoria.

Não obstante, impetrou o paciente habeas corpus perante o Superior Tribunal de Justiça, a fim de obter suspensão da pretensão punitiva, sob argumento de aplicação da lei penal mais benéfica, em conformidade com o disposto no art. 9o, da Lei nº 10.684/03.

Nessa Corte, o writ foi indeferido, nestes termos:

“HABEAS CORPUS. RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. SUSPENSÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. LEI N. 10.684/03, ART. 9O. RETROATIVIDADE BENÉFICA. IMPOSSIBILIDADE. Segundo precedente da Quinta Turma deste Tribunal (RHC 13806/CE), o benefício da suspensão da pretensão punitiva do estado, instituído pelo art. 9o da Lei n. 10.684/03, não enquadra o delito de omissão de recolhimento de contribuições previdenciárias, pois que vedado o parcelamento por disposição de lei. Ordem denegada” (fls. 146, Apenso 4).

Com a impetração do presente writ, substitutivo do recurso ordinário, pretende o impetrante seja declarada suspensa a pretensão punitiva do Estado, na forma do art. 9o da Lei nº 10.684/03.

Há pedido de liminar, que invoca acórdão de minha relatoria, no HC nº 81.929, e a circunstância de o paciente já se encontrar cumprindo pena (Processo n. 2003.72.05.006392-0) na Vara Federal Criminal de Blumenau.

A inicial está acompanhada de cópia integral dos autos, dispensando informações da autoridade coatora.

O caso é de liminar.

Estatui o art. 9o da Lei nº 10.684/03:

“Art. 9o É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.

§ 1o A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.

§ 2o Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios” (grifei).

Vê-se, logo, que, diversamente do que constava do art. 15 da Lei nº 9.964/00 (Lei do Refis), a norma suso transcrita não especifica modalidade de parcelamento, como o fez o legislador de 2000, o qual limitava os efeitos jurídico-penais do parcelamento à inclusão em programa determinado, o Programa de Recuperação Fiscal:

“Art. 15. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e no art. 95 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no Refis, desde que a inclusão no referido Programa tenha ocorrido antes do recebimento da denúncia criminal.

§ 1o A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.

§ 2o O disposto neste artigo aplica-se, também:

I – a programas de recuperação fiscal instituídos pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, que adotem, no que couber, normas estabelecidas nesta Lei;

II – aos parcelamentos referidos nos arts. 12 e 13.

§ 3o Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento antes do recebimento da denúncia criminal” (grifei).

A norma agora vigente introduziu, pois, nova disciplina geral, para os efeitos do pagamento e do parcelamento na esfera de punibilidade dos crimes tributários (cf. HC nº 82.959)

Isto quer dizer que essa nova disciplina, a do art. 9º da Lei nº 10.684/03, se aplica, indistinto, a todos os crimes tributários e a todas as formas de parcelamento, qualquer que seja o programa ou o regime que, instituído pelo Estado, sob este ou aquele nome, no exercício de sua competência tributária, possibilite o pagamento parcelado do débito tributário. Donde ser agora adiáforo tratar-se do REFIS ou doutro programa legal.

E mais: para os efeitos penais do parcelamento tornou-se, ainda, irrelevante o que suceda ou tenha sucedido na esfera administrativo-tributária, bastando, para os fins do art. 9º, o fato em si da concessão do parcelamente, com abstração de quando e como o haja logrado o contribuinte.

Daí, a inanidade do argumento de que a Lei nº 10.684/03 não permitiria o parcelamento dos débitos objeto do crime de não recolhimento de contribuições previdenciárias. Não cumpre ao juiz penal estimar a legalidade da concessão do parcelamento pela autoridade administrativa competente. O que é determinante e decisivo é apenas saber se o parcelamento foi deferido pela Administração Tributária, desencadeando-se ex vi legis, em caso positivo, na esfera penal, os efeitos previstos no art. 9o, ou seja, a suspensão da pretensão punitiva e da prescrição.

O ora paciente obteve, da autoridade competente, o parcelamento de seus débitos, em conformidade com o disposto na Lei nº 9.964/00. É certo que, quando o obteve, a eficácia penal do parcelamento atuava só até o “recebimento da denúncia” (art. 15), de modo que foi legítima a recusa, anterior ao início de vigência da Lei nº 10.684/03, ao pedido de suspensão da pretensão punitiva.

Mas a nova disciplina (art. 9o da Lei nº 10.684/03), sobre ser geral, é mais benéfica ao réu, precisamente porque suprimiu aquele termo final da eficácia do parcelamento. E, já não a limitando, retroage para alcançar o presente caso (art. 5o, XL, da Constituição Federal), ainda quando estivera coberto pela coisa julgada (art. 2o, § único, do Código Penal) (cf. HC nº 82.959).

3. Isto posto, defiro a liminar, determinando a imediata suspensão da execução penal promovida contra o ora paciente nos autos do Processo nº 2003.72.006392-0, com trâmite pela Vara Federal Criminal da circunscrição judiciária de Blumenau, até julgamento final do presente writ.

Transmita-se, com urgência, o inteiro teor desta decisão à autoridade coatora e ao Juízo da Vara Federal Criminal da circunscrição judiciária de Blumenau. Após, à PGR.

Publique-se. Int..

Brasília, 09 de novembro de 2004.

Ministro CEZAR PELUSO

Relator

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