Ordem e Progresso

Especialistas discutem conseqüências econômicas de decisões

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15 de novembro de 2004, 10h04

Atingir a maioridade nem sempre é sinal de independência. A primeira ação civil pública por danos ambientais no Brasil vai completar 20 anos e ainda está longe de encerrar sua trajetória pelas gavetas do Judiciário. Com 130 recursos ajuizados desde agosto de 1985, ano em que começou a batalha judicial, o Ministério Público, a ONG Oikos e 24 empresas do pólo petroquímico de Cubatão deverão esperar cerca de uma década para o capítulo final dessa história, caso não façam acordo.

A ONG e o Ministério Público entraram com o processo contra as empresas no mês seguinte ao da edição da lei que prevê a ação civil pública. Até agora, se discutiu na Justiça apenas a forma como será feita a perícia para averiguar se as empresas causaram degradação da vegetação da serra do Mar por emissão de poluentes.

A primeira instância resolveu que a perícia deveria contar com mais de cinco profissionais de diferentes áreas. Empresas, ONG e MP discordaram e uma enxurrada de recursos invadiu o Tribunal de Justiça de São Paulo, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça ao longo dos anos. Na última instância, ficou decidido que a perícia será feita como se estabeleceu na primeira decisão sobre o assunto. A perícia ainda nem começou. O dever de indenizar por danos ambientais será debatido depois dessa fase.

O cenário é apresentado pelo advogado Werner Grau Neto, sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados, que tem como cliente uma das empresas. Ele enfatiza que o Judiciário está “entulhado” e é vítima do excesso de trabalho e falta de estrutura.

“Entrar em uma ação judicial no Brasil é perder de vista a solução para os problemas”, afirma. Mas ressalva que, geralmente, as ações civis públicas são menos lentas. Para ele, essa ação se “eternizou” pelo número de empresas que figuram como rés no processo e pela complexidade do tema.

Consequências econômicas

A questão do eventual conflito entre as necessidades do desenvolvimento e o respeito às leis tem gerado intermináveis controvérsias. A Justiça deve levar em consideração as conseqüências econômicas de uma decisão na hora de analisar questões que envolvem milhões ou bilhões de dólares? Três ministros do Supremo Tribunal Federal se posicionaram sobre o tema.

O ministro Cezar Peluso diz que os juízes devem decidir com base no que diz a lei, sem se ater às conseqüências econômicas como querem especialistas em infra-estrutura. “É preciso cumprir a lei, independentemente das conseqüências”. Para ele, nenhum juiz está autorizado a não aplicar a legislação por causa de suas conseqüências. “Toda vez em que se julga um caso, alguém sofre a conseqüência. A tarefa do juiz é observar os princípios constitucionais”, resume.

O ministro Marco Aurélio também entende que o Judiciário não está engajado em qualquer política econômica. “A questão deve ser decidida tecnicamente. Não se julga processo pela capa, pelo barulho na mídia, tampouco pela repercussão econômica”, ressalta. “Quem não observou as normas de regência, deve sofrer as consequências”, enfatiza.

Para o ministro Gilmar Mendes, as decisões podem, sim, ir além da aplicação das leis. “É possível fazer calibragens levando em consideração consequências econômicas, sociais e políticas sem deixar de aplicar a lei”, diz.

Mendes cita a decisão em que o STF garantiu a permanência de 350 funcionários da Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária (Infraero) nos cargos, mesmo sem concurso público. A Administração Pública contratou os funcionários e o Tribunal de Contas da União entendeu que eles deveriam ser demitidos depois de 12 anos por ser ilegal a contratação sem concurso público.

“Demití-los depois de todo esse tempo seria uma brutal injustiça. Neste caso, prevaleceu o princípio constitucional da segurança jurídica sobre o da legalidade. A Administração Pública não pode fazer e desfazer atos de forma de irresponsável”, explica.

Mendes, que tem construído teses inovadoras no STF dentro desse princípio de adequação da legislação às suas consequências, cita outro exemplo em que é possível fazer “calibragens”. O STF pode declarar uma lei inconstitucional para o futuro. Ou seja, se não for adequada dentro de um determinado prazo estipulado pelos ministros, ela pode ser suspensa. Segundo ele, esse entendimento é comum na Europa e nos Estados Unidos.

O ministro ressalva, no entanto, que há casos de empresas privadas que ultrapassam essa possibilidade de adequação e as conseqüências econômicas são inevitáveis. “Se a empresa tem um débito tributário enorme, a Justiça vai aplicar a lei mesmo com o risco de falência. Mas nesse caso, o próprio Poder Público pode se antecipar e negociar”, diz.


Dor de cabeça

Para quem está do outro lado, empresários e executivos que têm de tomar decisões de negócios, a questão é menos filosófica e mais pragmática. A lentidão da Justiça combinada com interpretações conflitantes da lei são fatores que pesam quando investidores em infra-estrutura consultam advogados sobre os riscos jurídicos dos negócios.

A estabilidade jurídica ou a falta dela é um componente importante na contabilidade do custo-país. Qualquer investidor pensa mil vezes antes de aplicar seus milhões ou bilhões de dólares quando descobre que uma pendência judicial pode demorar 10 anos ou mais para ter solução definitiva no Brasil. A falta de uniformidade nas decisões do Judiciário também significa dor de cabeça para o empresário na hora de investir.

“Diante de uma indefinição legal, somos questionados sobre como os tribunais têm decidido o assunto. É impossível dar uma resposta precisa porque passa a ser uma questão de sorte”, diz o advogado Heller Redo Barroso, chefe do Departamento de Infra-Estrutura e Serviços Públicos do escritório Bastos Tigre, Coelho da Rocha e Lopes Advogados. Para o advogado Adelmo Emerenciano, sócio do escritório Emerenciano, Baggio e Associados — Advogados, “a dubiedade das decisões e a morosidade para respostas definitivas criam um ambiente hostil aos investimentos”.

O ministro Marco Aurélio afirma que, no Brasil, as decisões têm “sabor lotérico” e, por isso, despertam nos investidores a perplexidade e o descrédito. “Se o processo for julgado por um juiz, a decisão é uma. Quando analisado por outro magistrado, a determinação é diferente. E, muitas vezes, há divergências dentro das próprias turmas julgadoras dos tribunais superiores”, ressalta.

Ele aponta a “sobrecarga” de trabalho dos juízes como um dos fatores para a falta dessa uniformidade. “Parece que não sobra tempo para se caminhar nesse sentido. O trabalho é muito mais braçal do que intelectual”, observa. Para exemplificar, Marco Aurélio traça um paralelo entre o que acontece no Brasil e nos Estados Unidos. “Enquanto o STF analisa mais de 100 mil processos por ano, a Suprema Corte norte-americana julga aproximadamente 100”.

O juiz Julier Sebastião da Silva, da 1ª Vara Federal de Mato Grosso, não concorda com aqueles que pensam que a falta de uniformidade da Justiça contribui para atrapalhar investimentos na infra-estrutura do país. “As decisões devem ser justas e constitucionais e não necessariamente uniformes. Juiz e Justiça não são computadores”, diz.

Ele lembra que o ordenamento jurídico brasileiro possibilita a interposição de recursos contra qualquer decisão até o caso chegar na última instância. “Há inúmeros mecanismos de suspensão de liminares e de antecipação de tutela”, diz. O juiz ressalta, ainda, que o Código de Processo Civil tem regras suficientes para evitar decisões conflitantes, em mesma instância julgadora, sobre assuntos semelhantes.

Apesar dessa previsão legal, de acordo com Marco Aurélio, os tribunais não têm aplicado o chamado incidente de uniformização — instrumento que garante a unificação do entendimento dos juízes sobre um mesmo assunto. Para o ministro, se os tribunais aplicassem essa regra, os empresários ficariam mais tranqüilos na hora de investir porque saberiam como a Justiça tem decidido sobre assuntos de seus interesses.

A legislação que possibilita várias interpretações é obstáculo no caminho de investidores, segundo especialistas em infra-estrutura. Para o ex-presidente da OAB paulista, Carlos Miguel Aidar, do escritório Felsberg, Pedretti, Mannrich, Aidar e Advogados Associados, as dificuldades não estão na legislação. “As leis são claras. A interpretação é que causa problemas”. E é por causa dessa insegurança sobre a interpretação da legislação que algumas empresas preferem não arriscar.

Os advogados Ivan Tauil e Alexandre Chequer, do escritório Tauil, Chequer & Mello Advogados Associados ao Thompson& Knight LLP, contam como duas leis do estado do Rio de Janeiro interferiram diretamente na decisão de um cliente de não investir no Brasil. Segundo Chequer, a empresa investiria cerca de US$ 70 milhões, inicialmente, em petróleo e gás, mas a insegurança jurídica fez com que ela abortasse a idéia.

A desistência ocorreu por causa das Leis Noel e Valentim, que hoje são alvos de Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF. A Lei Noel prevê a cobrança de ICMS de 18% sobre a produção de petróleo no Rio de Janeiro, acrescida de alíquota de 1% para um fundo de erradicação da pobreza. A Lei Valentim prevê a cobrança de outros 18% sobre equipamentos importados para operações no estado. O procurador-geral da República, Cláudio Fonteles ajuizou as ações, a pedido do Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP).


Segundo Tauil, “quanto mais previsível o sistema judiciário, mais seguro se torna o investimento”. A realidade jurídica brasileira, no entanto, é uma caixinha de surpresas. De acordo com o advogado, as liminares em geral têm “efeito bombástico” aos olhos dos investidores, apesar de ser direito tanto das partes em pedi-las quanto dos juízes em concedê-las.

Tauil cita o efeito de uma liminar recente concedida pelo STF. O governador do Paraná, Roberto Requião, entrou com Ação Direta de Inconstitucionalidade para suspender o leilão promovido pela Agência Nacional de Petróleo (ANP) na sexta rodada de licitações de exploração e produção de petróleo e gás natural. O ministro Carlos Ayres Britto concedeu a liminar na semana do leilão. Entretanto, ela foi cassada pelo presidente do STF, ministro Nelson Jobim. O leilão aconteceu, mas a credibilidade no sistema jurídico brasileiro foi abalada. “A liminar [de Carlos Ayres Britto] colocou em dúvida, perante investidores estrangeiros, o núcleo do regime brasileiro de concessões de áreas para exploração e produção de petróleo”, afirmou. O mérito da questão ainda será julgado.

Negócio arriscado

Contrato fechado. O negócio aparentemente começa a deslanchar e de repente as cláusulas contratuais se transformam em verdadeiras armas para a guerra judicial que vai começar. Alegações de um lado e de outro mostram que a novela está longe do fim. E é nesse cenário que o Judiciário entra para dar a palavra final.

Mas, nessa tarefa da Justiça, têm ocorrido problemas, segundo o advogado Floriano de Azevedo Marques Neto, sócio do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques — Advocacia. “O Judiciário não tem concedido determinações eficientes para o cumprimento de contratos”. Ele cita como exemplo a confusão em que se transformou a discussão sobre o reajuste de tarifas telefônicas.

Em julho deste ano, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que as tarifas telefônicas devem ser reajustadas pelo IGP-DI — indexador definido em contrato. Mas até dar essa resposta ao setor de telefonia e aos consumidores, a Justiça gastou muitos meses. Juízes federais de vários estados estavam entendendo que o reajuste da telefonia fixa deveria ser feito com base no IPCA, principal índice de inflação do país, e não no IGP-DI.

O então presidente do STJ, ministro Nilson Naves, confirmou entendimento desses juízes. A decisão permitiu a redução do índice de correção das tarifas cobradas pela Brasil Telecom, Telefônica e Telemar. Mas, este ano, a decisão foi modificada pelo próprio STJ e as operadoras voltarem a cobrar o reajuste pelo IGP-DI.

Para Tauil, o Brasil deu sinal de que respeita seus contratos quando o STJ garantiu o reajuste de tarifas telefônicas. Mas Marques Neto faz uma ressalva.“Se a decisão tivesse sido dada em três meses, o impacto econômico seria menor”.

O ministro Marco Aurélio lembra que a segurança do investidor está na observância do contrato. “Não se pode mudar as regras do jogo de uma hora para outra. E a regra principal é o respeito ao que está contratado”, ressalta. A exceção, conforme o ministro, está nos casos em que as cláusulas ferem as leis.

Quando o Judiciário tem de resolver o impasse criado pelas partes contratantes enfrenta um obstáculo: a complexidade dos temas técnicos abordados. O advogado do Demarest & Almeida Advogados,

Renato Poltronieri, autor do livro “Licitação e contratos administrativos segundo o direito positivo”, aponta as barreiras. “Processos de milhões ou bilhões como a construção de termoelétricas, linhas de metrô, obras de saneamento básico são julgados por juízes sobrecarregados”, observa. Segundo Poltronieri, o Judiciário está afogado e os juízes precisariam de mais tempo para se preparar, mas “têm correspondido de forma até surpreendente pela quantidade de assuntos que cuidam”.

A advogada Claudia Bonelli, sócia da área de Direito Administrativo do Tozzini, Freire, Teixeira e Silva Advogados, diz que decisões que desconsideram cláusulas de contratos administrativos em nada ajudam na obtenção de uma imagem de estabilidade. Mas ressalva: “Deve-se levar em conta que parte dos equívocos cometidos tanto pelos agentes públicos quanto pelos particulares em contratações públicas decorre do desconhecimento acerca das peculiaridades que envolvem os contratos administrativos”.

Ela diz que os enganos cometidos sobre “cláusulas exorbitantes têm sido freqüentes, por não se observar os rígidos limites que precedem o direito da Administração Pública de alterar ou rescindir unilateralmente os contratos administrativos”.

Para resolver os problemas em questões contratuais, especialistas sugerem que os contratos contenham cláusulas que prevêem julgamentos por Tribunal Arbitral. “É preciso resolver conflitos sem depender do Judiciário. O problema é solucionado em meses por árbitros”, avalia o ministro Marco Aurélio. Mas pode acontecer de, depois de resolvido em Tribunal Arbitral, o caso ainda parar na Justiça. “Quando o processo chega na última instância, a cláusula que prevê a arbitragem é aceita, mas o tempo que passou já deixou o investidor aflito”, diz Carlos Miguel Haidar.


Tauil, que também é presidente do Conselho Científico da Academia Brasileira de Direito Tributário, dá o veredicto: “O desejado e alardeado espetáculo de crescimento jamais ocorrerá, de modo sustentável e duradouro, se o país não resolver definitivamente os problemas que afligem investidores e atrasam projetos em infra-estrutura”.

Pedra no caminho

Se não bastassem as limitações do Judiciário para fazer balançar as oportunidades de negócio, elas ainda concorrem com as ações movidas pelo Ministério Público. Nos últimos anos, o MP moveu ações contra as privatizações, o programa energético emergencial e o reajuste de tarifas telefônicas. O reajuste das tarifas telefônicas pelo IGP-DI foi concedido depois de vários meses de idas e vindas nos tribunais, mas nos outros dois exemplos, apesar de as liminares terem sido cassadas, uma decisão definitiva ainda vai demorar anos.

A bola da vez agora é a cobrança de assinatura básica de telefone pelas empresas de telefonia fixa. O Ministério Público alega que a cobrança só deveria ocorrer mediante a efetiva utilização do serviço. O presidente da Associação Brasileira das Prestadoras de Serviço Telefônico Fixo Comutado (Abrafix), José Fernandes Pauletti, no entanto, ressalta que “a tarifa está expressamente prevista na legislação que trata das telecomunicações, na regulamentação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), nos contratos de concessão e nos contratos de prestação de serviços”. Segundo Pauletti, “é importante frisar que qualquer quebra de contrato é prejudicial, pois cria uma desconfiança generalizada dos investidores e afasta o capital do país”.

Além dos argumentos jurídicos, o presidente da Abrafix alinha outros de natureza econômica. Para ele, o avanço da telefonia fixa desde sua privatização, em 1998, está intrinsecamente relacionado a essa cobrança. “A extinção da assinatura inviabilizaria, em médio prazo, a continuidade do serviço com qualidade”, garante.

A batida de martelo cabe ao Judiciário, que não tem uma posição uniforme sobre o assunto. Há liminares em vigor contra e a favor da cobrança. Os fundamentos para embasá-las são divergentes. O final dessa novela também deve durar anos.

Até dois meses atrás, por exemplo, havia aproximadamente 400 processos em Juizados Especiais Cíveis da Paraíba. Atualmente, são mais de 4 mil ações. “O estupendo crescimento é todo por conta de ações questionando o pagamento da assinatura básica. Já são mais de 200 liminares concedidas”, diz o advogado Heller Redo Barroso. “Quem paga essa conta? Se essa bomba for realmente estourar nas mãos das concessionárias, é motivo de rescisão do contrato de concessão com direito a indenização”. Ele classifica esse tipo de demanda como “surreal”.

Redo Barroso considera que a cobrança da assinatura do telefone não é abusiva e sim elemento essencial do negócio. O advogado destaca que as empresas têm direito constitucional ao equilíbrio econômico-financeiro. “Se ela for suspensa, essas empresas terão de compensar de alguma maneira. Provavelmente, a Anatel terá de autorizar um aumento absurdo de tarifas. O contrário significa rasgar a Constituição. Se eu fosse investidor e algo assim acontecesse, arrumaria minhas malas e voltaria para casa, como já fizeram algumas empresas” afirma.

No capítulo anterior ao de cobrança de assinatura, os serviços de banda larga se tornaram os vilões da história. Várias entidades e o Ministério Público ajuizaram ações para questionar se as empresas de telefonia poderiam condicionar o uso dos serviços de banda larga a contratação de provedores de acesso à Internet. Novamente, o Judiciário se posicionou nos dois sentidos e não deu ainda uma decisão final para a questão.

O Ministério Público do Trabalho também não fica para trás na criação de obstáculos. Calorias 3% abaixo do recomendado pela Organização Mundial de Saúde na alimentação de empregados e tamanho de janelas em refeitório já serviram de motivos para o Ministério Público do Trabalho pedir o embargo de uma obra no Brasil. O MPT conseguiu a liminar. A obra ficou paralisada por seis dias, este ano, mas a liminar foi revertida. Hoje, o processo está arquivado com a conclusão do empreendimento.

Licença ambiental

As dificuldades na área do licenciamento ambiental no Brasil formam outro vastíssimo muro de lamentações de investidores. E também neste caso as opiniões quanto aos papéis do MP e da Justiça são conflitantes. Para o ex-presidente da OAB paulista, Carlos Miguel Aidar, o Ministério Público muitas vezes exagera em sua função de fiscal da lei e prejudica projetos importantes de infra-estrutura em nome da ecologia.

Já o advogado Werner Grau Neto afirma que “hoje existe uma campanha deflagrada para transformar o licenciamento ambiental em vilão do desenvolvimento sócio-enonômico. Essa tese é perigosa”. Ele atua em cerca de 100 ações civis públicas, das quais 70% dos casos tratam de licenciamento ambiental no setor de energia no Paraná e em São Paulo.


Na teoria, desde que se cumpram todas as regras, não há risco de paralisação das obras. “Nem sempre isso acontece”, reconhece Aidar. “Há vezes em que o promotor é muito jovem ou sem noção da importância de se abrir estradas, por exemplo, faz diversos requerimentos ao Judiciário, que paralisa as obras”.

O advogado Alberto Murray Neto, do escritório Paulo Roberto Murray — Advogados, diz que “existem empreendimentos feitos sem a observância da legislação ambiental e o MP é obrigado a intervir”. Mas ressalva: “É certo também que em algumas ocasiões, há abusos. A parte cumpre com todas as etapas previstas na lei e, ainda assim, o MP cria obstáculos. No final, a parte ganha o processo, mas o empreendimento sofre atraso em seu cronograma inicial. Entendo que a parte prejudicada deve ser indenizada por perdas e danos”.

Para muitos, chega a ser uma surpresa quando se obtém licença ambiental nos órgãos competentes e o MP ou as entidades ambientalistas tentam paralisar as obras. Fernando Tabet, advogado do escritório Mattos Fillho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados, diz que o Ministério Público tem atuado como órgão ambiental e interferido em questões meramente técnicas.

Não seria a atuação do Ministério Público como defensor da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais que criaria obstáculos ao investimento em obras de infra-estrutura. “Ocorre que, por vezes, membros do MP se utilizam dos poderes constitucionais para questionar a conveniência e a oportunidade dos atos da administração pública, pretendendo substituí-la na condução de suas atribuições, em vez de aterem-se à legalidade dos atos administrativos”, diz o advogado Lauro Celidônio, diretor da comissão jurídica da Associação Brasileira da Infra-Estrutra e Indústrias de Base.

Papel do Ministério Público

Parte do receio de investidores está ligada ao comportamento, algumas vezes emocional, irracional ou meramente midiático do Ministério Público. O advogado Adelmo Emerenciano lembra alguns exemplos em que este tipo de reação do MP gerou danos aos empreendedores “sem qualquer retorno para a sociedade”. Ele cita o caso das ações movidas contra a instalação de antenas de telefonia celular da TIM na Bahia, contra a implantação do parque Wet’n Wild em Vinhedo (SP), atrasando o início das obras em quase três anos, e contra a construção da Ferronorte em Rondonópolis (MT). “O Ministério Público não colheu frutos diretos, mas exerceu pressões que certamente afastaram investidores ou, no mínimo, suas repercussões prejudicaram o capital produtivo que o país tanto necessita”.

Redo Barroso afirma que há muitos casos em que o MP e entidades fazem exigências que prejudicam o desenvolvimento do país. “Quando, afinal, ganhamos a causa, após ter demonstrado a absoluta improcedência dos pedidos, não sobra ninguém para pagar a conta dos clientes. O Ministério Público, certamente, não vai ressarcir os prejuízos causados. Nem os autores das ações populares”, analisa.

Mas o interesse econômico de investidores pode sobrepor-se aos interesses da sociedade? “O ideal a ser alcançado é a compatibilização de ambos os interesses, o que nem sempre é possível”, observa o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Nicolao Dino.

O princípio do respeito aos contratos não deve impedir que aqueles que contenham cláusulas abusivas possam ser revisados. “A suspensão nesses casos é a conseqüência lógica. Muitas vezes, há um desequilíbrio brutal entre as partes contratantes”, afirma Dino.

O procurador-geral de Justiça de São Paulo, Rodrigo Pinho, concorda. “Em muitos casos o contrato já nasce desequilibrado e aguardar o término da demanda para proclamar sua nulidade poderia levar a própria ineficácia da decisão final”. Para ele, “a defesa dos interesses da sociedade passa pela proteção da estabilidade econômica”. Assim, quando atua na defesa desses interesses, o Ministério Público apenas cumpre sua função institucional garantida pela Constituição de 1988.

Dino garante que o Ministério Público dispõe de suporte técnico profissional adequado para tratar das matérias mais complexas que lhe são apresentadas. “Muitos casos exigem formação específica. A judicialização das políticas públicas, a defesa da liberdade de concorrência, a proteção dos direitos dos consumidores em casos de planos de saúde, de contratos do Sistema Financeiro de Habitação e de telefonia, entre tantos outros, exigem do membro do MP desenvoltura em diversas áreas, para as quais ele não foi inicialmente preparado” reconhece.

No entanto, a agregação de profissionais de outros ramos do conhecimento ao MP pode preencher essas lacunas. O Ministério Público Federal, por exemplo, dispõe de câmaras de coordenação e revisão, nas quais atuam engenheiros, antropólogos, economistas, contabilistas e outros profissionais. “Tudo isso propicia um suporte técnico-científico necessário ao exame de situações em que apenas o domínio do ordenamento jurídico se afigura insuficiente”, conclui Dino.

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