O crime

Advogados não podem ser confundidos com seus clientes

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15 de novembro de 2004, 10h51

Foi uma coincidência chocarem-se as mais recentes opiniões do procurador da República José Pedro Taques com a campanha em prol da valorização da imagem do advogado, lançada pela Ordem dos Advogados do Brasil. Curioso é o fato de divergirem completamente ambos os movimentos — de um lado, temos o Ministério Público pregando o afastamento de advogados particulares de casos que envolvam o crime organizado e, de outro, a OAB pugnando pela defesa das prerrogativas da classe advocatícia. Evidentemente, deveremos relevar a voz daquele ilustre promotor federal que não é responsável pela opinião de sua classe o que não retira o brilho costumeiro de suas convicções mais íntimas, das quais ousamos discordar.

A tese levantada por Taques não é nova, muito ao contrário, data das inquisições espanhola e portuguesa, fantasmogorias históricas que perduram no fetiche jurídico de alguns profissionais. Para o malsinado Torquemada, a presença de advogado era, em si mesma, uma confissão de culpa. Ora, dizia ele, “se é o réu inocente como alega, diante do Tribunal não há de necessitar de advogado para patrocinar sua causa; de outro lado, se culpado é, o advogado será dispensável”.

Já aquele procurador afirma que a presença de advogados particulares patrocinadores da defesa de acusados de integrar o crime organizado seria maléfica à administração da Justiça pelas seguintes razões: a) os rendimentos auferidos da advocacia seriam produtos de crime e, assim, o advogado estaria atuando como uma espécie de receptador de bens e valores objeto de crime; b) os recursos de monta pagos ao advogado privado poderiam se configurar espécie de lavagem de dinheiro.

Justamente aí reside a divergência de idéias. Os argumentos manejados são deveras contundentes. Todavia, tratam-se de sofismas de nenhum quilate. Basta uma mera analogia jurídica a derribar tal ótica. O Ministério Público Estadual ou Federal que atua combatendo a lavagem de dinheiro, não lembra que um dos componentes mais naturais do criminoso desta espécie é o recolhimento de impostos, justamente para escamotear a lavagem. Questiona-se: qual a origem dos recursos que pagam os salários dos mesmos devotados membros do Ministério Público? Há como se perquirir a origem, o cheiro, o lastro dos recursos arrecadados pela União e Estado Federado e, após, repassados para seu pessoal? Se as atividades criminosas da quadrilha desbaratada eram, em si, criminosas, quer agora a União retomar os bens para seu próprio patrimônio. Ou seja, aplica-se aqui o dito de Sto. Agostinho – “eu amo o pecador e odeio o pecado”. E, infelizmente, com ele conjuga-se Maquiavel – “os fins justificam os meios”.

Mais interessante é que os cofres que pagam o salário dos servidores públicos são os mesmos que arrecadam a contribuição previdenciária dos inativos, que por conveniência e puro casuísmo a Conamp quis rebater no STF. Reforçar o estado que seria responsável pela defesa pública desses acusados não poderia jamais ferir os rendimentos de aposentadoria dos promotores que defendem a idéia…

O que reputamos mais grave na tese é a acusação velada aos advogados militantes em foros particulares pela antecipada suspeita de fraudes e, de outro lado, o desmerecimento com profissionais das mais competentes defensorias públicas. Esta dupla ilação demonstra o desprezo da opinião de um membro do Parquet Federal pelo ofício da advocacia. Advogados não podem ser confundidos com seus clientes e nem são por eles responsáveis, até as pedras sabem. Todavia, com o claro objetivo de limitar a defesa, escolhendo o defensor, afastando a resistência legítima dos melhores profissionais, é claro que a acusação terá a sua tarefa facilitada.

Para um promotor-julgador ou para um julgador-acusador, na ótica do promotor que tem dons para a magistratura onde a sua opinião é uma sentença, nada melhor do que a falta de uma militância de defesa aguerrida. Querem esquecer que o advogado (público e particular) é essencial para a Justiça.

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