Nova direção

Terrorismo deve ser julgado como crime comum, decide STF.

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12 de novembro de 2004, 12h59

O Supremo Tribunal Federal deu um passo importante nas regras contra o terrorismo. Agora, o terrorista não será mais julgado como criminoso político, e sim como delinqüente comum. O entendimento foi firmado no julgamento da extradição de Maurício Hernández Norambuena, um dos seqüestradores do publicitário Washington Olivetto, cujo acórdão só agora foi liberado para publicação.

O relator do caso, ministro Celso de Mello afastou a hipótese de motivação política dos crimes cometidos por Norambuena e determinou que o terrorista não desfruta da proteção assegurada pela Constituição a presos políticos, que não podem ser extraditados para seus países de origem.

O STF concedeu o pedido, mas com a ressalva de o Chile concordar em comutar as duas penas de prisão perpétua a que Norambuena foi condenado em seu país de origem, em pena de prisão temporária, com máximo de 30 anos, conforme vedação constitucional de prisão perpétua no Brasil. Esse entendimento significou uma mudança na jurisprudência que vigorava desde 1985, quando o Plenário negou a comutação da pena a um extraditando.

Assim, o Brasil passa a condicionar ao país que solicitou a deportação, que respeite a pena máxima de 30 anos conforme determina a Constituição brasileira. Até agora, essa limitação, que só era imposta para casos de pena de morte e pena de detenção com trabalhos forçados, terá de comutar a pena também no caso de prisão perpétua.

A decisão final do caso coube ao presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, que determinou que Norambuena deverá, antes de ser levado ao seu país natal, cumprir a pena brasileira.

Leia a ementa do acórdão do STF

26/08/2004 ………………… TRIBUNAL PLENO

EXTRADIÇÃO 855-2 REPÚBLICA DO CHILE

RELATOR: …… MIN. CELSO DE MELLO

REQUERENTE: GOVERNO DO CHILE

ADVOGADO(A/S): MANOEL FRANCISCO CLAVERY GUIDO E OUTROS

EXTRADITANDO: MAURICIO FERNANDEZ NORAMBUENA OU MAURICIO FERNÁNDEZ

…………..NORAMBUENA OU MAURICIO HERNÁNDEZ NORAMBUENA OU

…………..MAURICIO HERNANDEZ NORAMBUENA

ADVOGADO(A/S): JAIME ALEJANDRO MOTTA SALAZAR

E M E N T A: EXTRADIÇÃO – ATOS DELITUOSOS DE NATUREZA TERRORISTA – DESCARACTERIZAÇÃO DO TERRORISMO COMO PRÁTICA DE CRIMINALIDADE POLÍTICA – CONDENAÇÃO DO EXTRADITANDO A DUAS (2) PENAS DE PRISÃO PERPÉTUA – INADMISSIBILIDADE DESSA PUNIÇÃO NO SISTEMA CONSTITUCIONAL BRASILEIRO (CF, ART. 5º, XLVII, “B”) – EFETIVAÇÃO EXTRADICIONAL DEPENDENTE DE PRÉVIO COMPROMISSO DIPLOMÁTICO CONSISTENTE NA COMUTAÇÃO, EM PENAS TEMPORÁRIAS NÃO SUPERIORES A 30 ANOS, DA PENA DE PRISÃO PERPÉTUA – PRETENDIDA EXECUÇÃO IMEDIATA DA ORDEM EXTRADICIONAL, POR DETERMINAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – IMPOSSIBILIDADE – PRERROGATIVA QUE ASSISTE, UNICAMENTE, AO PRESIDENTE DA REPÚBLICA, ENQUANTO CHEFE DE ESTADO – PEDIDO DEFERIDO, COM RESTRIÇÃO.

O REPÚDIO AO TERRORISMO: UM COMPROMISSO ÉTICO-JURÍDICO ASSUMIDO PELO BRASIL, QUER EM FACE DE SUA PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO, QUER PERANTE A COMUNIDADE INTERNACIONAL.

– Os atos delituosos de natureza terrorista, considerados os parâmetros consagrados pela vigente Constituição da República, não se subsumem à noção de criminalidade política, pois a Lei Fundamental proclamou o repúdio ao terrorismo como um dos princípios essenciais que devem reger o Estado brasileiro em suas relações internacionais (CF, art. 4º, VIII), além de haver qualificado o terrorismo, para efeito de repressão interna, como crime equiparável aos delitos hediondos, o que o expõe, sob tal perspectiva, a tratamento jurídico impregnado de máximo rigor, tornando-o inafiançável e insuscetível da clemência soberana do Estado e reduzindo-o, ainda, à dimensão ordinária dos crimes meramente comuns (CF, art. 5º, XLIII).

A Constituição da República, presentes tais vetores interpretativos (CF, art. 4º, VIII, e art. 5º, XLIII), não autoriza que se outorgue, às práticas delituosas de caráter terrorista, o mesmo tratamento benigno dispensado ao autor de crimes políticos ou de opinião, impedindo, desse modo, que se venha a estabelecer, em torno do terrorista, um inadmissível círculo de proteção que o faça imune ao poder extradicional do Estado brasileiro, notadamente se se tiver em consideração a relevantíssima circunstância de que a Assembléia Nacional Constituinte formulou um claro e inequívoco juízo de desvalor em relação a quaisquer atos delituosos revestidos de índole terrorista, a estes não reconhecendo a dignidade de que muitas vezes se acha impregnada a prática da criminalidade política.

EXTRADITABILIDADE DO TERRORISTA: NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO E ESSENCIALIDADE DA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL NA REPRESSÃO AO TERRORISMO.

— O estatuto da criminalidade política não se revela aplicável nem se mostra extensível, em sua projeção jurídico-constitucional, aos atos delituosos que traduzam práticas terroristas, sejam aquelas cometidas por particulares, sejam aquelas perpetradas com o apoio oficial do próprio aparato governamental, à semelhança do que se registrou, no Cone Sul, com a adoção, pelos regimes militares sul-americanos, do modelo desprezível do terrorismo de Estado.

O terrorismo – que traduz expressão de uma macrodelinqüência capaz de afetar a segurança, a integridade e a paz dos cidadãos e das sociedades organizadas – constitui fenômeno criminoso da mais alta gravidade, a que a comunidade internacional não pode permanecer indiferente, eis que o ato terrorista atenta contra as próprias bases em que se apóia o Estado democrático de direito, além de representar ameaça inaceitável às instituições políticas e às liberdades públicas, o que autoriza excluí-lo da benignidade de tratamento que a Constituição do Brasil (art. 5º, LII) reservou aos atos configuradores de criminalidade política.

A cláusula de proteção constante do art. 5º, LII da Constituição da República – que veda a extradição de estrangeiros por crime político ou de opinião – não se estende, por tal razão, ao autor de atos delituosos de natureza terrorista, considerado o frontal repúdio que a ordem constitucional brasileira dispensa ao terrorismo e ao terrorista.

A extradiçãoenquanto meio legítimo de cooperação internacional na repressão às práticas de criminalidade comum – representa instrumento de significativa importância no combate eficaz ao terrorismo, que constitui “uma grave ameaça para os valores democráticos e para a paz e a segurança internacionais (…)” (Convenção Interamericana Contra o Terrorismo, Art. 11), justificando-se, por isso mesmo, para efeitos extradicionais, a sua descaracterização como delito de natureza política. Doutrina.

EXTRADIÇÃO E PRISÃO PERPÉTUA: NECESSIDADE DE PRÉVIA COMUTAÇÃO, EM PENA TEMPORÁRIA (MÁXIMO DE 30 ANOS), DA PENA DE PRISÃO PERPÉTUA – REVISÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, EM OBEDIÊNCIA À DECLARAÇÃO CONSTITUCIONAL DE DIREITOS (CF, ART. 5º, XLVII, “b”).

— A extradição somente será deferida pelo Supremo Tribunal Federal, tratando-se de fatos delituosos puníveis com prisão perpétua, se o Estado requerente assumir, formalmente, quanto a ela, perante o Governo brasileiro, o compromisso de comutá-la em pena não superior à duração máxima admitida na lei penal do Brasil (CP, art. 75), eis que os pedidos extradicionais – considerado o que dispõe o art. 5º, XLVII, “b” da Constituição da República, que veda as sanções penais de caráter perpétuo – estão necessariamente sujeitos à autoridade hierárquico-normativa da Lei Fundamental brasileira. Doutrina. Novo entendimento derivado da revisão, pelo Supremo Tribunal Federal, de sua jurisprudência em tema de extradição passiva.

A QUESTÃO DA IMEDIATA EFETIVAÇÃO DA ENTREGA EXTRADICIONAL – INTELIGÊNCIA DO ART. 89 DO ESTATUTO DO ESTRANGEIRO – PRERROGATIVA EXCLUSIVA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA, ENQUANTO CHEFE DE ESTADO.

— A entrega do extraditando – que esteja sendo processado criminalmente no Brasil, ou que haja sofrido condenação penal imposta pela Justiça brasileira – depende, em princípio, da conclusão do processo penal brasileiro ou do cumprimento da pena privativa de liberdade decretada pelo Poder Judiciário do Brasil, exceto se o Presidente da República, com apoio em juízo discricionário, de caráter eminentemente político, fundado em razões de oportunidade, de conveniência e/ou de utilidade, exercer, na condição de Chefe de Estado, a prerrogativa excepcional que lhe permite determinar a imediata efetivação da ordem extradicional (Estatuto do Estrangeiro, art. 89, “caput”, “in fine”). Doutrina. Precedentes.

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