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Propaganda do amianto está proibida, decide juíza.

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12 de novembro de 2004, 16h34

A decisão do Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar), que proibiu circulação da propaganda da indústria do amianto, continua válida. A juíza Ana Luiza Liarte, da 8ª Vara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo, rejeitou Medida Cautelar proposta pelo Instituto Brasileiro do Crisotila para cassar proibição da Conar. Cabe recurso.

A juíza entendeu que a pretensão do instituto deve ser afastada porque a forma da redação da propaganda contraria o disposto no Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária. Segundo a juíza, a redação pode induzir a erro o consumidor leigo.

A propaganda do instituto tinha a seguinte mensagem: “Amianto Crisotila, respeitando a vida, fazendo o Brasil crescer. O Amianto Crisotila do Brasil, diferente do tipo e da forma como foi utilizado na Europa e nos Estados Unidos, é um dos mais importantes minerais do país. A sua versatilidade de aplicação é fundamental para a vida moderna e para um país que precisa de matérias-primas essenciais para a promoção de mudanças importantes do seu atual quadro social. Hoje, no Brasil, sua exploração, comercialização e aplicação em produtos são altamente controladas e estão de acordo com as mais exigentes normas da Organização Internacional do Trabalho. Com o apoio de trabalhadores e empresários, o Amianto Crisotila é um mineral de exploração e aplicação controladas, responsáveis e bom para o Brasil. ESTA VERDADE NÃO TEM DOIS LADOS: O AMIANTO CRISOTILA GERA MAIS DE 200 MIL EMPREGOS NO BRASIL”.

Segundo a juíza, “a decisão que se pretende sustar, além de bem fundamentada, foi proferida tendo em vista as finalidades estatutárias do órgão administrativo, e deve ser mantida”. Ela afirmou também que devem ser priorizados os interesses do consumidor, dos trabalhadores e do meio ambiente.

Segundo o advogado trabalhista Luiz Salvador, há “uma queda de braço promovida pela indústria do amianto, pretendendo implantar no seio da comunidade uma visão de que o amianto crisotila não causaria mal à saúde humana”.

Salvador defende a decisão do Conar e lembra das pessoas que estão sempre na luta contra a “propaganda enganosa da indústria do amianto”. Ele citou o caso de Fernanda Giannasi, coordenadora da Rede Virtual-Cidadã pelo Banimento do Amianto para a América Latina. Ela chegou a ser afastada da fiscalização das empresas do setor de amianto, por ato do Ministério do Trabalho.

Para Salvador, há “uma política de desestímulo para que servidores públicos como Fernanda Giannasi percam o entusiasmo de levar a sério sua missão de fiscalização dos abusos cometidos contra a legislação social vigente no país em proteção à vida e à saúde dos trabalhadores”.

Leia a sentença

Medida Cautelar (em geral). Vistos,

Trata-se de Medida Cautelar proposta por ,INSTITUTO BRASILEIRO DO CRISOTILA, em face do ,CONSELHO NACIONAL DE AUTO-REGULAMENTAÇÃO PUBLICITÁRIA CONAR, por intermédio da qual pretende, já em caráter liminar, a sustação de ordem de suspensão de veiculação de propaganda concedida pela requerida, em procedimento administrativo instaurado após representação da ABRAE GRUPO DE CONSUMIDORES ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS EXPOSTOS AO AMIANTO.

A pretensão deve ser afastada. O anúncio que a requerente pretende veicular está assim redigido: “Amianto Crisotila, respeitando a vida, fazendo o Brasil crescer. O Amianto Crisotila do Brasil, diferente do tipo e da forma como foi utilizado na Europa e nos Estados Unidos, é um dos mais importantes minerais do país. A sua versatilidade de aplicação é fundamental para a vida moderna e para um país que precisa de matérias-primas essenciais para a promoção de mudanças importantes do seu atual quadro social. Hoje, no Brasil, sua exploração, comercialização e aplicação em produtos são altamente controladas e estão de acordo com as mais exigentes normas da Organização Internacional do Trabalho. Com o apoio de trabalhadores e empresários, o Amianto Crisotila é um mineral de exploração e aplicação controladas, responsáveis e bom para o Brasil. ESTA VERDADE NÃO TEM DOIS LADOS: O AMIANTO CRISOTILA GERA MAIS DE 200 MIL EMPREGOS NO BRASIL”.

Porém, a decisão que a requerente pretende sustar, além de bem fundamentada, foi proferida tendo em vista as finalidades estatutárias do órgão administrativo, e deve ser mantida. E não só por isso, mas, porque, entendendo que a forma da redação contraria o disposto no Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária, pois pode induzir em erro o consumidor leigo.

Ademais, se postos em escala, os “danos imediatos e irreparáveis à requerente e sua atividade legalmente autorizada” alegados na petição inicial, não podem ser superiores aos interesses do consumidor, dos trabalhadores e do meio ambiente, que o relator do processo administrativo pretendeu assegurar quando proferiu a decisão combatida.


Por fim, como dito pela própria requerente, se a decisão contrariou pesquisa “há anos em andamento”, tal somente poderá ser apreciado na ação a ser ajuizada, e não nos estreitos limites da liminar.

Cite-se. Int.

São Paulo, 26 de outubro de 2004.

Ana Luiza Liarte

Juíza de Direito Titular

Leia a íntegra da decisão do Conar

“CONAR CONCELHO NACIONAL DE ALTO REGULAMENTAÇÃO PUBLICITÁRIA Á

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS EXPOSTOS AO AMIANTO – ABREA AT: DRS, SHIGUERU e ROBERTO DE FIGUEIREDO CALDAS TEL/FAX :(61) 321-1333. REPRESENTAÇÃO N° 251104.

Denunciante: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS EXPOSTOS AO AMIANTO – ABREA.

Denunciados: Anúncios “AMIANTO CRISOTILA”. Anunciante: INSTITUTO BRASILEIRO DO CRISOTILA. Agência: ASA COMUNICAÇÃO LTDA.

Para conhecimento de V.Sas. informamos o despacho exarado pelo Sr. Conselheiro Relator.

DESPACHO.

“(Cópia em anexo). Ass. SÉRGIO DANIEL SIMON – Relato”. São Paulo, 25 de outubro de 2004. Despacho concessivo de medida liminar. Processo 2ª. Câmara. Autor: Grupo de Consumidores – Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto – ABREA. Objeto: Anúncio “Amianto Crísotila”. Responsáveis: Anunciante: Instituto Brasileiro do Crisotila. Agência: ASA Comunicação Ltda. Relator: Sergio Daniel Simon 1. Introdução: Trata-se de representação com pedido de liminar, de autoria da ABREA, para sustação imediata do anúncio do Amianto Crisotila, veiculado em diversos órgãos da imprensa escrita, rádio e televisão pelo Instituto Brasileiro do Crisotila e pela agência de publicidade ASA Comunicação Ltda.

Para maior facilidade de exposição, reproduzimos abaixo o texto integral do referido anúncio: “Amianto Crisotila. Respeitando a vida, fazendo o Brasil crescer. O Amianto Crisotila do Brasil, diferente do tipo e da forma como foi utilizado na. Europa e nos Estados Unidos, é um dos mais importantes minerais do pais. A sua versatilidade de aplicação é fundamental para a vida moderna e para um pais que precisa de matérias-primas essenciais para a promoção de mudanças importantes do seu atual quadro social. Hoje, no Brasil, sua exploração, comercialização e aplicação em produtos são altamente controladas e estão de acordo com as mais exigentes normas da Organização Ínternacional do Trabalho. Com o apoio de trabalhadores e empresários, o Amianto Crísotila gera mais de 200 mil empregos e garante renda e divisas para o Brasil, sendo exportado para diversos países do mundo, como o México e China. E, o mais importante, o Amianto Crisotila está no mercado há mais de 60 anos e tem sido utilizado para produzir telhas, caixas d’água, tecidos, lonas de freio, entre outros. O Amianto Crisotila é um mineral de exploração e aplicação controladas, responsáveis e bom para o Brasil. ESTA VERDADE NÃO TEM DOIS LADOS: O AMIANTO CRISOTILA GERA MAIS DE 200 MIL EMPREGOS NO BRASIL.”

Em sua exposição dos motivos, os autores alegam tentativas dos anunciantes de induzir o anúncio a erro na leitura e na compreensão sobre o assunto, por parte do público leigo, por estar o referido anúncio eivado de erros e inverdades. Citam amplamente, e de maneira bem documentada, os inúmeros trabalhos que comprovam estar o amianto crisotila estreitamente ligado ao aparecimento de asbestose, câncer de pulmão e mesotelioma. Arrolam, ainda, motivos ambientais e de segurança do trabalho pelos quais o anúncio em questão viola vários itens do Código de Auto-Regulamentação Publicitária. Finalmente, solicitam que sejam acatados os seus argumentos para determinar a sustação da divulgação de todos os anúncios da campanha publicitária.

2. Análise do Pedido de Medida Liminar. O texto do referido anúncio será analisado em todas as suas partes, a saber:

2.1. “Amianto Crisotila. Respeitando a Vida, fazendo o Brasil Crescer.” Trata-se, a nosso ver, de uma inverdade: o amianto crisotila é, comprovadamente, substância altamente cancerígena, causadora de asbestose, câncer de pulmão e mesotelioma maligno, sendo esta, portanto, uma informação que fere frontalmente o Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária em seu capítulo 11, seção 5, Artigo 27, §2°, que reza: “o anúncio não deverá conter informações de texto ou apresentação visual que direta ou indiretamente, por implicação, omissão, exagero ou ambigüidade, leve o Consumidor a engano quanto ao produto anunciado,…”. Esta frase inicial, que aparece em negrito no anúncio, claramente pretende passar ao consumidor a impressão de que o amianto crisotila é inócuo, ao respeitar a vida.

2.2 “O amianto crisotila do Brasil, diferente do tipo e forma como foi utilizado na Europa e nos Estados Unidos, é um dos mais importantes minerais do país”. Novamente, uma frase de significado dúbio, tentando levar o Consumidor a crer, subliminarmente, que o nosso amianto é diferente de outros tipos de amianto usados na Europa e nos Estados Unidos, não apresentando os mesmos riscos à saúde. Se bem que o nosso amianto crisotila seja realmente diferente de alguns dos tipos de amianto usados no exterior (freqüentemente do tipo anfibólio, ao invés do tipo serpentina, como o crisotila), não fica claro para o Consumidor que o crisotila apresenta os mesmos riscos à saúde que os amiantos mais freqüentemente usados no exterior. Reza o Código Brasileiro de Auto-regulamentação Publicitária, em seu Capítulo II, seção 7, artigo 32: “tendo em vista as modernas tendências mundiais e atendidas as normas pertinentes do Código da Propriedade Industrial, a publicidade comparativa será aceita, contanto que respeite os seguintes princípios e limites: a. seu objetivo maior seja o esclarecimento, se não mesmo a defesa do consumidor… c. a comparação alegada seja passível de comprovação…”. A Base do anúncio em questão fere este artigo ao passar ao consumidor informação comparativa não verdadeira, e não passível de comprovação.


2.3. “A sua versatilidade de aplicação é fundamental para a vida moderna e para um país que precisa de matérias-primas essenciais para a promoção de mudanças importantes no seu quadro social”. Trata-se, mais uma vez, de urna afirmação errada, sem fundamento, que induz o consumidor a crer que o uso do amianto é fundamental para a vida moderna e para a melhoria do grave quadro social de nosso país. Ao contrário, dezenas dos países mais desenvolvidos do mundo trataram modernizar a vida eliminando totalmente o asbesto de suas construções civis, navios, telhas, freios, etc. Insistir no uso do amianto é condenar a sociedade a não avançar do ponto de vista de saúde e segurança ambiental, submetendo seus trabalhadores a doenças ocupacionais impiedosas e fatais.

2.4. “Hoje, no Brasil, sua exploração, comercialização e aplicação em produtos são altamente controladas e estão de acordo com as mais exigentes normas da Organização Internacional do Trabalho”. Esta frase induz o Consumidor a crer que o processo produtivo do amianto crisotila no Brasil é seguro, confiável, controlado pelas autoridades locais, e, portanto, não apresenta riscos. Trata-se de mais ama inverdade, pois, como bem demonstra a furta documentação apresentada pelos Autores, é evidente a precariedade das instalações do parque industrial de amianto no Brasil, indústria esta frequentemente multada e interditada por infringir constantemente as normas da Legislação Trabalhista, e que coloca em risco a vida de seus trabalhadores e o meio ambiente.

2.5. “Com o apoio de trabalhadores e empresários, o Amianto Crisotila gera mais de 200 mil empregos e garante renda e divisas para o Brasil, sendo exportado para diversos países do mundo, como México, China e Índia.” Impossibilitados de confirmar estas cifras, que podem ser verdadeiras, questionamos o raciocínio no qual ela se baseia: o fato de a indústria do amianto empregar número expressivo de brasileiros a tornaria ética, honesta, responsável, respeitadora da vida e benéfica para o país? Evidentemente que não. A manipulação do amianto põe em risco a vida de seus trabalhadores e seus familiares (as fibras são carregadas nas roupas dos funcionários, contaminado seus familiares e contatos próximos), além de contaminar e poluir de maneira perigosa o solo e as águas do país. Estes danos para a saúde da população brasileira — cujo pico de incidência, inclusive, ainda não foi atingido – anulam qualquer efeito benéfico sobre o papel social que os empregos possam determinar. Por analogia, seria como se o governo da Alemanha nazista tentasse justificar a presença de campos de concentração na Europa pelo fato de eles manterem milhares de alemães empregados_ E um argumento fraco e risível, mais uma vez na tentativa de manipular a boa-fé do Consumidor menos avisado. O fato de estar sendo exportado para alguns países do mundo – países estes que, infelizmente, contam com legislação antiquaria – tampouco serve de respaldo a qualquer mérito por parte desta indústria.

2.6. “E, o mais importante, o Amianto Crisotila está no mercado há mais de 60 anos e tem sido utilizado para produzir telhas, caixas d’água, tecidos, lonas de freio, entre outros. O Amianto Crisotila é um mineral de exploração e aplicação controladas, responsáveis e bom para o Brasil”. Infelizmente, o amianto está, realmente, há mais de 60 anos no mercado brasileiro, causando doenças ocupacionais gravíssimas, para as quais não há tratamento. Insuficiência respiratória, câncer e morte de milhares de trabalhadores têm sido constatados nesta indústria, conforme vários relatos das autoridades brasileiras. Com muito atraso, inicia-se agora no Brasil, através de iniciativas do Ministério do Trabalho e Emprego, um movimento para a elaboração de projeto de lei proibindo o uso do amianto erisotila em todo o território nacional (várias Unidades Federativas, aliás, já proíbem o uso do crisotila). Diante de todo o acima exposto, pode-se dizer que o amianto crisotila é um mineral de exploração e aplicação não controladas, irresponsáveis, e que causa graves danos ao Brasil.

2.7. “ESTA VERDADE NÃO TEM DOIS LADOS: O AMIANTO CRISOT1LA GERA MAIS DE 20 MIL EMPREGOS NO BRASIL” A frase, que é o fio-guia da campanha, mostra mais uma vez a má-fé dos anunciantes, ao tentar passar a idéia de que um produto altamente tóxico e poluidor, proibido em quase todo o mundo desenvolvido, é benéfico para o país. Citamos mais uma vez o Código Brasileiro de Auto-regulamentação Publicitária, que em seu Capítulo II, seção 10, Artigo 36 reza: não podendo a publicidade ficar alheia às atuais e prementes preocupações de toda a humanidade com os problemas relacionados com qualidade de vida e proteção do meio ambiente, serão vigorosamente combatidos os anúncios que direta ou indiretamente estimulem: a. a poluição do ar, das águas, das matas e dos demais recursos naturais; b. a poluição do ambiente urbano, etc.

Finalmente, lembramos o Artigo 23 do mesmo código, que reza: “Os anúncios devem ser realizados de forma a não abusar da confiança do consumidor, não explorar sua falta de experiência ou de conhecimento e não se beneficiar de sua credulidade. Este anúncio viola frontalmente este artigo, em praticamente todo seu conteúdo”. Em vista do acima exposto, este Relator acata o pedido de Medida Liminar e decide pela sustação imediata desta campanha publicitária em todos os veículos de comunicação”.

São Paulo, 25 de outubro de 2004.

Dr. Sergio Daniel Simon – CREMESP 19865 – Relator

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