Jornada noturna

Motorista que pernoita em caminhão tem direito a hora extra

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12 de novembro de 2004, 11h04

Caminhoneiro que presta serviço de guarda e proteção e pernoita no veículo tem direito a receber hora extra. O entendimento é da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, São Paulo. Cabe recurso.

A Air Products Gases Industriais recorreu ao TRT-SP contra a decisão da 2ª Vara de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo, em processo onde um caminhoneiro cobrava, como extraordinárias, as horas que pernoitou no caminhão.

Segundo o TRT-SP, em sua defesa, a empresa reconheceu que o motorista passava a noite dentro do caminhão, mas que nesse período ele “descansava/dormia e, logo, não ficava à disposição da empresa”, tese que foi rejeitada pelos juízes do Tribunal.

“Inequívoco que o caminhoneiro, ao permanecer no veículo para repousar, presta serviço confiável de guarda e proteção do patrimônio do empregador, estando caracterizado o tempo à disposição”, afirmou o juiz relator do recurso, Paulo Augusto Câmara.

Para ele, se for “somada a jornada propriamente dita ao período do pernoite e constatada extrapolação do módulo diário, o excesso (inclusive o pernoite) configura trabalho suplementar, a ser remunerado como tal”.

O relator fundamentou seu voto no artigo 4º da CLT, que considera “como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada”.

A decisão foi unânime. A Turma condenou a empresa ao pagamento das horas pernoitadas no caminhão, cuja base de cálculo inclui os adicionais de periculosidade.

RO 00007200137202008

Leia o voto

PROCESSO TRT/SP N.º 00007200137202008 – 4ª TURMA

RECURSO ORDINÁRIO DA 2ª VARA DO TRABALHO DE MOGI DAS CRUZES

RECORRENTES : OBERACY DA SILVA

AIR PRODUCTS GASES INDUSTRIAIS LTDA.

RECORRIDOS : OS MESMOS

Ementa: Pernoite – tempo à disposição do empregador (art. 4º da CLT).

certo que por força da lei o tempo no qual o empregado fica à disposição da empresa é considerado como de serviço efetivo (art. 4º, caput da CLT). Inequívoco que o caminhoneiro, ao permanecer no veículo para repousar, presta serviço confiável de guarda e proteção do patrimônio do empregador, estando caracterizado o tempo à disposição. Portanto, somada a jornada propriamente dita ao período do pernoite e constatada a extrapolação do módulo diário, o excesso (inclusive o pernoite) configura trabalho suplementar, a ser remunerado como tal.

A r. sentença de fls. 37/39, cujo relatório adoto, julgou parcialmente procedentes os pedidos.

Embargos Declaratórios patronais às fls. 41/42, conhecidos e rejeitados conforme decisão de fl. 45.

Inconformado, recorre ordinariamente o reclamante, consoante razões de fls. 43/44, alegando, resumidamente, equívoco na aplicação do direito, por entender que as horas extras deferidas não podem ser compensadas com os valores já pagos a título de “pernoites”. Argumenta que a recorrida não pode alterar o contrato de trabalho e substituir as extraordinárias pagas por uma taxa denominada pernoite, em face do que consta no art. 468 da CLT. Requer a reforma do julgado a quo e a conseqüente ampliação do condenatório.

Recurso tempestivo. Preparo desnecessário.

O demandado recorre através do arrazoado de fls. 48/54 aduzindo, preliminarmente, que a r. sentença é ultra petita no tocante ao intervalo para refeições, pois o reclamante admitiu, na petição inicial, que gozava 15 minutos para cada uma das três refeições (café da manhã, almoço e jantar). Refere que a condenação fixada confere nulidade ao julgado, por ofensa aos artigos 128 e 460 do CPC e que se rejeitada a tese da nulidade, deve ser corrigido o equívoco como erro “material”. Argumenta que durante a pernoite, os motoristas dormiam e não ficavam à disposição da empresa, sendo indevidas as extras correspondentes, esclarecendo que a norma coletiva confere respaldo à tese patronal. Ainda no tocante ao pernoite, se mantida a condenação, aduz que aquelas horas devem ser declaradas como de sobreaviso, nos moldes do art. 244 da CLT. Assevera ser indevida a incidência das horas extras no cálculo do adicional de periculosidade e por fim, que o adicional de horas extras relativas ao labor aos domingos e feriados é de 100% na forma da lei, pois o adicional de 130% foi pago “por mera liberalidade”. Pugna pela reforma.

Recurso tempestivo. Preparo adequado (fls. 55/59).

Contra-razões obreiras às fls. 66/68.

O Parecer da d. Procuradoria do Ministério Público do Trabalho, à fl. 69, em virtude da celeridade processual não é circunstanciado, opinando aquele Órgão pelo prosseguimento do feito, sem prejuízo de futura manifestação.

É o relatório.

V O T O

Conheço dos recursos, uma vez que presentes os pressupostos legais de admissibilidade.


Imperativos de ordem lógica jurídico processual impõem a análise apriorística do apelo patronal.

I- RECURSO DA RECLAMADA

I-A- DA PRELIMINAR – NULIDADE – JULGAMENTO “ULTRA PETITA”

A reclamada recorre aduzindo preliminar de nulidade, sob o argumento de que, ao deferir a paga de horas extras pela irregularidade na concessão dos intervalos, o Juízo teria proferido condenação ultra petita.

Equivocado o argumento, pois se a condenação for mais extensa que o pedido, este Órgão a restringirá aos limites da lide, não havendo falar-se em nulidade.

Consoante disposto no art. 794 da CLT, no âmbito desta Especializada, só haverá nulidade quando resultar dos atos inquinados manifesto prejuízo às partes, circunstância a qual certamente não se verifica nos autos, diante da possibilidade de reforma pelo Juízo ad quem.

Rejeito a preliminar.

I-B- DO MÉRITO

I-B-1- Das horas extras pertinentes ao intervalo alimentar

Na petição inicial, o autor declinou a irregularidade dos intervalos alimentares, referindo que se alimentava em pausas reduzidas de apenas 15 minutos (item 4, fl. 4), motivo pelo qual pleiteou a paga de diferenças de extraordinárias.

A reclamada negou a assertiva obreira, afirmando que o reclamante dispunha de pausas alimentares, conforme “Relatórios de viagem”, os quais juntou.

Por sua vez em depoimento, o reclamante admitiu a autenticidade dos documentos juntados pelo empregador (fl. 11).

A análise dos referidos relatórios revela que há oportunidades nas quais o autor usufruiu integralmente o intervalo legal para refeição e descanso (por exemplo, documentos nº 822, 824, 828, 832, 838 e 840, citados por simples amostragem). Há oportunidades nas quais a pausa foi reduzida para apenas 30 ou 40 minutos (fls. 824, 826, 830, 861. 863 e 865). Outros relatórios não registram a pausa alimentar (por exemplo, fls. 836, 938, 952, 960, 968, 970 e 988), o que naturalmente indica a ausência da mesma.

A irregularidade patronal no tocante ao disposto no art. 71, caput da CLT impõe mesmo o pagamento do período suprimido como extraordinário, conforme decidido na origem.

Todavia, para evitar o ganho sem causa, hão de ser observados, quando da apuração das extraordinárias, os períodos efetivamente fruídos conforme farta documentação acostada aos autos, os quais serão deduzidos da jornada.

Reformo.

I-B-2- Do adicional de extras durante o pernoite

Registro, de início, que o conceito de “pernoite”, segundo a norma coletiva, é “a permanência do empregado fora de sua base de trabalho, em decorrência exclusiva de tarefas, obrigações e responsabilidades das funções desempenhadas pelo mesmo, de tal sorte que essas circunstâncias impeçam e inviabilizem o seu retorno a sua residência” (doc. nº 102).

O pedido do reclamante consiste em receber como extraordinárias as horas nas quais pernoitou.

A reclamada não negou que o obreiro ficasse no caminhão. Apenas argumentou que nesse período, o mesmo descansava/dormia, logo, não ficava à disposição da empresa e ainda, que os serviços realizados à noite foram pagos como horas extras sob a rubrica “H.E. TRAB. NOITE”. Disse também que no período no qual o empregado descansava, recebia como “horas extras descanso”, verba que foi substituída pelo “pernoite”.

Em sede recursal, pretende a demandada a reforma, aduzindo que “não estavam os motoristas durante a noite à disposição da reclamada”.

Sem razão, contudo.

É certo que por força da lei o tempo no qual o empregado fica à disposição da empresa é considerado como de serviço efetivo (art. 4º, caput da CLT). Inequívoco que o caminhoneiro, ao permanecer no veículo para repousar, presta serviço confiável de guarda e proteção do patrimônio do empregador, estando caracterizado o tempo à disposição. Portanto, somada a jornada propriamente dita ao período do pernoite e constatada extrapolação do módulo diário, o excesso (inclusive o pernoite) configura trabalho suplementar, a ser remunerado como tal.

Conforme bem decidido pelo Juízo a quo, a implantação do pagamento da verba intitulada “pernoite” com escopo de substituir a paga das extras relativas ao pernoite não merece subsistir, pois retira direito legalmente assegurado do trabalhador.

Despicienda a tese do sobreaviso, pois incompatível com a fundamentação ora expendida. Mantenho.

I-B-3- Da incidência das horas extras na base de cálculo do adicional de periculosidade

A reclamada impugna, com razão, a inclusão das horas extras na base de cálculo do adicional de periculosidade.

O exame dos autos revela que o D. Magistrado a quo deferiu a paga de horas extras. Quando da liquidação destas, tomar-se-ão por base de cálculo a remuneração obreira, a qual inclui o valor da hora normal, integrado por parcelas de natureza salarial e acrescido do adicional previsto em lei, contrato, acordo, convenção coletiva ou sentença normativa, na forma do Enunciado nº 264 do C. TST.


Se persistir a condenação ao pagamento daquela verbas descritas na alínea “a” do dispositivo (fl. 39), mais aquelas consignadas na alínea “b”, ou seja, as “diferenças resultantes da incidência das horas extras na base de cálculo do adicional de periculosidade de 30% e do adicional noturno de 25%”, conforme consta do dispositivo da r. sentença combatida, estar-se-ia permitindo o repudiado “bis in idem”.

Logo, não é correta a inserção do quantum pago a título de extraordinárias na base de cálculo do adicional em tela, se já foi deferido o pagamento de extraordinárias que serão calculadas tendo-se por base a remuneração do trabalhador .

Por fim, insta consignar que o reclamante limitou-se a pleitear no item “d” de fl. 4, que o cálculo das horas extras tenha como base o valor do salário acrescido da remuneração do adicional de periculosidade. No item “e”, pretende que o cálculo das horas extras noturnas tenha na base o valor do salário acrescido dos adicionais de periculosidade e noturno. As pretensões deduzidas coadunam com o entendimento deste Juízo e a doutrina e jurisprudência majoritárias, esta última representada pelo Enunciado nº 264, in verbis:

Hora suplementar. Cálculo.

A remuneração do serviço suplementar é composta do valor da hora normal, integrado por parcelas de natureza salarial e acrescido do adicional previsto em lei, contrato, acordo, convenção coletiva ou sentença normativa.

Dou parcial provimento ao apelo para restringir a condenação à paga das horas extras, as quais serão apuradas tendo-se por base de cálculo o salário contratual acrescido dos adicionais de periculosidade e noturno, bem como os adicionais de 50% e 75%.

I-B-4- Do adicional de 130% para o labor extraordinário aos domingos e feriados

Sustenta a recorrente que às horas extras deferidas pertinentes aos domingos e feriados deve incidir apenas o adicional legal de 100%, argumentando que o adicional de 130% foi pago por mera liberalidade.

Sem razão, contudo.

Na defesa, à fl. 16, ao impugnar o pedido, a ré apenas declinou que pagava os adicionais legais, sendo que o adicional de 130% era decorrente de mera liberalidade. Porém, nada mais argumentou nem requereu. A discussão aventada em sede recursal não merece ser conhecida, pois configura inovação aos limites da demanda. Nada a modificar.

I-B-5- Da correção monetária

Com razão a recorrente, neste aspecto.

Reformulando entendimento anterior acerca da matéria, passo a adotar a tese majoritária da doutrina e jurisprudência, esta última representada pela Orientação Jurisprudencial nº 124 da SDI do C. TST, ao dispor, in verbis:

Correção Monetária. Salário. Art. 459 da CLT. O pagamento dos salários até o 5º dia útil do mês subsequente ao vencido não está sujeito à correção monetária. Se essa data limite for ultrapassada, incidirá o índice da correção monetária do mês subseqüente ao da prestação dos serviços.

Reformo.

II- RECURSO DO RECLAMANTE

Da compensação – pernoites

O foco do inconformismo obreiro é dirigido contra a parte da sentença que determinou a compensação das verbas pagas a título de “pernoite” com as horas extras deferidas.

Não lhe assiste razão, contudo.

Embora a nomenclatura seja diferente, a verba paga a título de “pernoite” servia para remunerar as jornadas noturnas (independentemente da correção do número de suplementares ou do valor efetivamente quitado). Aliás, o próprio autor o reconhece, ao afirmar no tópico 9 de fl. 5, que “a reclamada reduziu drasticamente o número de horas extras pagas, trocando-as, por uma taxa denominada pernoite”.

Considerando que a ré foi condenada a pagar as diferenças de horas extras, aí incluídas as jornadas de pernoite, impõe-se a dedução dos valores já pagos, sob pena de “bis in idem” (art. 767 Consolidado).

Correto o decidido.

Ante o exposto, rejeito a preliminar de nulidade suscitada pelo empregador, NEGO PROVIMENTO ao recurso obreiro e DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso patronal para limitar as horas extras decorrentes da irregularidade do intervalo alimentar às anotações constantes dos relatórios de viagens, para limitar a condenação (no tocante às suplementares) às horas extras, cuja base de cálculo inclui o adicional de periculosidade e o noturno, e para determinar a correção monetária pelos índices do mês subseqüente ao da prestação de serviços, na forma da Orientação Jurisprudencial nº 124 da SDI-1 do C. TST. Mantenho quanto ao remanescente, a r. sentença combatida. Custas no importe de R$ 100,00, calculadas sobre o valor a condenação redimensionado para R$ 5.000,00. Tudo nos termos da fundamentação.

PAULO AUGUSTO CAMARA

Juiz Relator

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