Máfia dos Combustíveis

Falso advogado preso não consegue sair da cadeia

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11 de novembro de 2004, 14h18

Em oito meses foram seis tentativas em três tribunais superiores. Apesar de seis pedidos de Habeas Corpus, o falso advogado Fábio Henrique Calil Gandara, um dos 16 acusados de participação na Máfia do Combustível que atuava em Campos dos Goytacazes (norte do estado do Rio), sob o comando de Antônio Carlos Chebabe, continua atrás das grades, por conta da prisão preventiva decretada pelo juiz da 1ª Vara Federal da cidade.

A última negativa aconteceu há uma semana, no dia 3 de novembro, e foi assinada pelo ministro Sepúlveda Pertence, do Supremo Tribunal Federal, que negou liminar no HC 85.020 impetrado pelo advogado Eduardo Galil.

O processo 2003.51.01.03.002443-1, em curso na 1ªVara Federal de Campos, é resultado da primeira grande investigação da Polícia Federal no estado do Rio de Janeiro em torno das Máfias dos Combustíveis. Estas quadrilhas, além de adulterarem gasolina, sonegam impostos, falsificam documentos e corrompem agentes públicos. Neste caso, por exemplo, foram denunciados três policiais rodoviários federais, um fiscal da Agência Nacional do Petróleo (ANP) e um policial civil. Calil Gandara, segundo o que consta dos autos, era encarregado de contatos com órgãos públicos, aparecendo, inclusive, com intermediário de uma conversa com um desembargador do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, sediado na cidade do Rio de Janeiro. Por isto que ele era tido como advogado.

Nas gravações feitas pela Polícia Federal com ordem judicial, Calil Gandara aparece negociando nada menos do que R$ 20 mil mensais que, segundo alegava nos telefonemas, seriam ofertados a este desembargador do TRF-2, com quem estavam processos contra a empresa Ubigás Petróleo Ltda., uma das do Grupo Chebabe. Por esta quantia, conforme os diálogos gravados, o desembargador teria se comprometido a segurar por dois meses os autos, sem deixá-lo ir a julgamento. Mas para dar sentença favorável ao grupo acusado o acerto seria muito maior: cerca de R$ 300 mil, como disse Calil em telefonema a Chebabe.

Como o desembargador tem foro especial, a Polícia Federal não teve como investigar a veracidade destes fatos. A Justiça de Campos encaminhou cópia destas informações para o procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, a quem cabe providenciar o pedido de investigação junto ao Superior Tribunal de Justiça. Mas o fato é que, conforme transcreve em seu voto a ministra Laurita Vaz do Superior Tribunal de Justiça na decisão do HC 36.129, o relatório do delegado da Polícia Federal demonstra que o próprio Chebabe teria ficado em dúvida sobre esta negociação. Diz o trecho transcrito no voto:

“Acrescento, ainda, que o próprio Antônio Carlos Chebabe não teve boa impressão do advogado Fabio Calil. Para conferir a veracidade das alusões feitas por esse causídico, ANTÔNIO CARLOS CHEBABE, entra em contato com José Eduardo, um de seus empregados, cujo Desembargador, por coincidência, é tio de seu genro. Nessa conversa, Chebabe lhe contou que Fábio Calil estaria supostamente intermediando uma “operação” em uma das ações da Ubigás junto ao desembargador, mas que a conversa ele reputou que estava um tanto quanto distorcida. (ligação feita em 13⁄02⁄2004 às 8:47:49 com o uso da linha 022-2725-2873)

E continua o Delegado de Polícia Federal: ‘Assim, afinado o valor a ser, em tese, transmitido ao desembargador federal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, foi marcado um encontro entre os citados para a entrega da primeira parcela da propina aludida, a qual teria como destinatário o membro do Poder Judiciário. (Ligação feita em 18⁄02⁄2004 às 08:32:34 com o uso da linha 021-7837-6588)

Finalmente, na data de 18⁄02⁄2004, nas dependências do Aeroporto Santos Dumont, no município do Rio de Janeiro, Antônio Carlos Chebabe e Fabio Henrique Calil Gandara encontraram-se, tal como conversado anteriormente. sendo todo o procedimento de entrega devidamente “registrado”. A propósito, os Agentes de Polícia Federal lotados no Setor de Inteligência e Análise conseguiram filmar esse fatídico encontro”.

Quinze dias depois deste encontro, 3 de março, quando foram expedidos os mandados de prisão e busca e apreensão para serem cumpridos por 141 agentes da polícia federal, Calil Gandara foi encontrado com armas, sem a devida autorização legal. Em conseqüência, além de ter sido preso preventivamente por conta das investigações da máfia do combustível, também sofreu uma prisão em flagrante com base na Lei 10.826/03, que transformou o porte ilegal de armas em crime inafiançável.

Por conta disto, o advogado João Francisco Silva Elia impetrou logo dois Habeas Corpus diferentes no TRF. Depois ainda protocolou mais um. A relatora Maria Helena Cisne, no TRF, denegou a ordem já que o próprio juiz federal em Campos, autor do mandado de prisão preventiva, declinou da competência em favor da Justiça Estadual. Por conta destas armas, Calil Gandara está indiciado no inquérito 2004.001.01.8614-8 que foi distribuído para a 33ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Também no julgamento do mérito dos dois HCs impetrados contra a prisão preventiva no processo da Máfia do Combustível, a relatora Maria Helena negou a ordem. O caso tramita em segredo de justiça.


No Superior Tribunal de Justiça, a defesa de Calil Gandara recorreu duas vezes, através de HC. A primeira foi logo após o TRF-2 negar uma liminar nos pedidos ali protocolados. O STJ não conheceu esta solicitação, em 1º de junho, quando a relatora do caso, ministra Laurita Vaz, lembrou que a jurisprudência da Casa recusa atender HC contra negativa de liminar. Era preciso esperar a decisão final da 6ªTurma do TRF da 2ª Região.

Coube à mesma ministra Laurita Vaz, três meses depois, relatar o outro pedido de HC impetrado após a negativa da 6ª Câmara do TRF-2 ao julgar o mérito da questão. Ela confirmou a decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, negando a ordem por entender a prisão preventiva como necessária, entre outros motivos para que a organização criminosa não continuasse a funcionar enquanto o processo está sendo julgado.

Rejeitado o pedido, a defesa de Calil foi bater na porta do STF, onde adicionou mais uma derrota: o pedido de liminar feito pelo advogado Eduardo Galil foi recusado de pronto pelo ministro Sepúlveda Pertence.

Leia o voto da ministra

HABEAS CORPUS Nº 36.129 – RJ (2004⁄0082637-7)

RELATÓRIO

EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ:

Trata-se de Habeas Corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de FÁBIO HENRIQUE CALIL GANDARA, em face de acórdão da Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que indeferiu o pedido de habeas corpus, mantendo a decisão de primeiro grau que decretara a prisão preventiva do Paciente.

Consta dos autos que, em decorrência de extensas investigações procedidas pela Polícia Federal, apurou-se a existência de uma organização criminosa nominada “Rede Chebabe”, cuja finalidade era a de fraudar o Fisco no ramo de comércio de combustíveis, cometendo ainda corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, exploração de prestígio, extorsão, receptação, dentre outros, contando para isso com a colaboração de funcionários públicos da Agência Nacional de Petróleo – ANP, da Polícia Rodoviária Federal, da Fazenda Estadual fluminense e, talvez, até mesmo de Desembargador do Tribunal Regional Federal da 2ª Região.

O MM Juiz da 1ª Vara Federal de Campos dos Goytacazes SJ⁄RJ, em atendimento à representação da autoridade policial, corroborada pela manifestação ministerial, entre várias outras providências, decretou a prisão preventiva do ora Paciente, acusado de integrar a referida organização criminosa, ratificada por ocasião do recebimento da denúncia (fl. 208).

Irresignada, a Defesa impetrou habeas corpus perante a Corte Regional, objetivando a revogação do decreto prisional, tendo sido a ordem, à unanimidade, denegada (fls. 219⁄240).

No presente writ, alega o Impetrante, em suma, constrangimento ilegal, sustentando que a prisão preventiva foi decretada sem a devida fundamentação e desnecessariamente, ressaltando, ainda, as qualidades pessoais do Paciente. Assevera que a autoridade apontada coatora desconsiderou as certidões que comprovam a primariedade do Paciente, bem como a fragilidade das acusações que pesam sobre ele. Outrossim, aduz que já foi encerrada a oitiva das testemunhas de acusação e, por isso, “não há risco algum, e nunca existiu, do paciente intervir na instrução processual” (fl. 05).

Pugna, assim, pela concessão da ordem para que seja expedido alvará de soltura em favor do Paciente, garantindo-se-lhe o direito de responder o processo em liberdade, inclusive com o deferimento de liminar.

O pedido de liminar foi indeferido nos termos da decisão de fls. 248⁄249. As judiciosas informações foram prestadas às fls. 258⁄259, com a juntada de peças processuais pertinentes à instrução do feito.

O Ministério Público Federal manifestou-se às fls. 784⁄785, opinando pela denegação da ordem.

É o relatório.

HABEAS CORPUS Nº 36.129 – RJ (2004⁄0082637-7)

EMENTA

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. SONEGAÇÃO FISCAL, CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA, ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS E TRÁFICO DE INFLUÊNCIA, DENTRE OUTROS. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE.

1. A atuação de complexa organização criminosa investigada, que, para cumprir seus fins escusos, se valia de estratagemas envolvendo corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, exploração de prestígio, extorsão, receptação, dentre outros, contando para isso com a colaboração de funcionários públicos da Agência Nacional de Petróleo – ANP, da Polícia Rodoviária Federal, da Fazenda Estadual fluminense e até mesmo do TRF da 2ª Região.

2. O ora Paciente, acusado de integrar a apelidada REDE CHEBABE, teve sua prisão preventiva decretada para garantia da ordem pública. É evidente que ações delituosas desse porte e complexidade causam enormes prejuízos não só materiais, mas também institucionais, gerando instabilidade no meio social. A paz pública, portanto, ficaria, sim, ameaçada, caso não fossem tomadas as providências cautelares necessárias para estancar a atuação da organização criminosa. Os crimes de Formação de quadrilha e tráfico de influência, pelos quais responde o ora Paciente, no contexto em que foram, em tese, perpetrados, mostram-se envoltos de uma gravidade especial, a justificar a medida extrema, já que colocam em cheque até mesmo a credibilidade das instituições envolvidas, mormente o Poder Judiciário.


3. A argüição de inocência demanda inevitável incursão na seara fático-probatória dos autos, sabidamente descabida na estreita via do habeas corpus.

4. Habeas corpus parcialmente conhecido e, nessa parte, denegada a ordem.

VOTO

EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ (RELATORA):

O Juiz processante, ao receber a representação policial, a qual foi convalidada pelo Ministério Público, entre outras medidas cautelares, decretou a prisão preventiva de vários envolvidos nos delitos em apuração, consignando, litteris:

“[…] Ao fim das investigações, a autoridade policial constatou a existência na Cidade de Campos dos Goytacazes de um verdadeiro grupo empresarial que faz do crime seu principal método comercial, envolvendo, em tese, diuturnamente os delitos de sonegação fiscal, crime contra o sistema financeiro, formação de quadrilha, corrupção ativa, corrupção passiva, advocacia administrativa, violação de sigilo profissional, exploração de prestígio etc.

A esse grupo a Polícia Federal apelidou REDE CHEBABE, formado principalmente, por uma distribuidora de combustível, uma empresa transportadora, Retalhista e Revendedora de Combustíveis – TRR e postos de venda a varejo de combustível. O grupo tem como mentor intelectual e principal sócio ANTÔNIO CARLOS CHEBABE, patriarca da família que leva seu sobrenome à frente de seus contatos com servidores públicos estaduais e federais, fornecedores, a sociedade e os funcionários.”

Mais adiante, em referência direta à participação do ora Paciente no esquema delituoso, aduz:

“Mais uma vez transcrevo a parte da representação policial:

‘Durante a análise das ligações realizadas e recebidas por DJANIR SOARES DE AZEVEDO, foi possível se atestar que um dos advogados da empresa UBIGAS PETROLEO LTDA., FABIO HENRIQUE CALlL GANDARA, ostenta supostamente possuir contatos perante servidores públicos do PODER JUDICIARIO, dentre eles um DESEMBARGADOR FEDERAL DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO, que garantiriam o retardamento das ações judiciais relativas a tal empresa”.

[…]

‘Este (Fábio) registra-se, é advogado da REDE CHEBABE em algumas ações judiciais tendo outrora, em ligação estabelecida com ELISABETE CHEBABE DE AZEVEDO, ao ser indagado se o processo no qual a liminar anteriormente concedida à empresa UBIGAS PETROLEO LTDA. “não era esse caso que tinha a moça lá que ficava toda hora sentada em cima?” imediatamente esclarecido que “não, não, o que a gente tem com a moça lá é o processo da livre comercialização”. Em tal diálogo. não obstante o advogado alegar que efetivamente deteria o poder de retardar o julgamento de uma ação judicial através de um servidor público, não solicita qualquer valor para tanto. (Ligação feita em 27⁄11⁄2003 às 11 :02:49)

‘Diversa e posteriormente, em novo contato com DJANIR SOARES DE AZEVEDO, FÁBIO HENRIQUE CALlL GANDARA noticia a existência de dois ou três pedidos para serem julgados, não sendo possível “ir muito mais longe”. Ademais, afirma que “a conversa agora foi direta e a pedida é 25”. Ao ser indagado por DJANIR SOARES DE AZEVEDO a finalidade de tal “pedida”, FÁBIO HENRIQUE CALIL GANDARA relata explicitamente que seria “para não julgar”.

‘DJANIR SOARES DE AZEVEDO, demonstrando a surpresa com o alto valor cobrado, indaga se seria mensal o pagamento de R$25.000,00 (vinte e cinco mil reais), sendo tal confirmado pelo advogado” (a cada dia 20), “o qual afirma que o membro do Poder Judiciário teria alegado que consegue segurar por uns dois meses. Face tal oferta, DJANIR informa FÁBIO que conversará com ANTONIO CARLOS CHEBABE acerca de tal fato. (Ligação feita em 09⁄02⁄2004 às 12:20:59 h da linha 022-9984-1141)

[…]

‘Outrossim, FABIO HENRIQUE CALlL GANDARA afirma que tal DESEMBARGADOR FEDERAL estaria exigindo a referida quantia de R$25.000,00 (vinte e cinco mil reais) para postergar o julgamento da ação, ou R$300.000,00 (trezentos mil reais) para proceder ao julgamento favorável aos interesses da organização criminosa, REDE CHEBABE.

‘Cristalino, pois, que o advogado FÁBIO HERIQUE CALlL GANDARA, através de condutas estranhas ao exercício da advocacia, solicita a DJANIR SOARES DE AZEVEDO e ANTONIO CARLOS CHEBABE quantia pecuniária destinada a um DESEMBARGADOR FEDERAL DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO, sob o pretexto de influir ato deste, o qual retardaria o julgamento de uma ação judicial ou direcionaria o julgamento desta.

‘Se persistente alguma dúvida quanto a tal crime, destaca-se que, após intensa negociação, FABIO HENRIQUE CALlL GANDARA acorda com ANTONIO CARLOS CHEBABE e DJANIR SOARES DE AZEVEDO o valor de R$20.000,00 (vinte mil reais) mensais para que o DESEMBAGADOR FEDERAL RALDÊNIO BONIFACIO COSTA postergue o julgamento da ação judicial. Sobreleva-se que tal acordo, segundo FABIO HENRIQUE CALlL GANDARA teria sido celebrado com total ciência e aval DESEMBARGADOR FEDERAL RALDÊNIO BONIFACIO COSTA e que o numerário teria como beneficiário este referido membro do PODER JUDICIARIO’.


Em duas ligações das quais o advogado FÁBIO CALlL participa, ficaram bastante aparentes algumas contradições que põem em cheque a alegada situação de corrupção. Primeira, o fato de que em outra conversa com ELISABETE CHEBABE DE AZEVEDO, o advogado menciona que seria uma servidora que estaria, em prol do Grupo Chebabe, emperrando o andamento do processo. Mais à frente, o mesmo advogado alega que seria o próprio Desembargador Federal que estaria ajudando a Rede Chebabe. Porém, em outra ligação telefônica, qualquer pessoa que tenha uma pequena afinidade com a burocracia-cartorária do Poder Judiciário, percebe que FÁBIO CALIL, na realidade sugere que o trâmite do recurso estaria sendo evitado por um servidor, já que qualquer outro servidor “espírito de porco” poderia tirar o processo da pilha e colocá-lo em pauta; coisa que seria impossível passar despercebida por um magistrado que estivesse envolvido nessa triste trama. (ligações feitas em 12⁄0212004 às 16:34:26h pela linha 22-9984-1141: 13⁄0212004 às 9:56:08 pela linha 21-7837-6588)

Acrescento, ainda, que o próprio ANTÔNIO CARLOS CHEBABE não teve boa impressão do advogado FABIO CALIL. Para conferir a veracidade das alusões feitas por esse causídico, ANTÔNIO CARLOS CHEBABE, entra em contato com JOSÉ EDUARDO, um de seus empregados, cujo Desembargador, por coincidência, é tio de seu genro. Nessa conversa, CHEBABE lhe contou que FÁBIO CALIL estaria supostamente intermediando uma “operação” em uma das ações da Ubigás junto ao Desembargador RALDÊNIO BONIFACIO COSTA, mas que a conversa ele reputou que estava um tanto quanto distorcida. (ligação feita em 13⁄02⁄2004 às 8:47:49 com o uso da linha 022-2725-2873)

E continua o Delegado de Polícia Federal: ‘Assim, afinado o valor a ser, em tese, transmitido ao DESEMBARGADOR FEDERAL DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO, foi marcado um encontro entre os citados para a entrega da primeira parcela da propina aludida, a qual teria como destinatário o membro do PODER JUDlCIÁRIO. (Ligação feita em 18⁄02⁄2004 às 08:32:34 com o uso da linha 021-7837-6588)

Finalmente, na data de 18⁄02⁄2.004, nas dependências do Aeroporto Santos Dumont, no município do Rio de Janeiro, ANTONIO CARLOS CHEBABE e FABIO HENRIQUE CALlL GANDARA encontraram-se, tal como conversado anteriormente. sendo todo o procedimento de entrega devidamente registrado”. A propósito, os Agentes de Polícia Federal lotados no Setor de Inteligência e Análise conseguiram filmar esse fatídico encontro.

De tudo isso que foi narrado, percebe-se que, pelo menos dessa vez, o Grupo Chebabe foi alvo de uma atitude possivelmente criminosa que, em tese, configura o delito de exploração de prestígio (CP, art. 357, parágrafo único). Essa constatação ganha mais credibilidade ao se olhar a ficha criminal de FÁBIO CALIL, na qual constam diversas anotações referentes aos crimes de extorsão (art. 158, § 1º, CP), receptação (art. 180, CP) e formação de bando ou quadrilha (art. 288 do CP), o que Justifica a decretação de sua prisão preventiva para garantia da ordem pública, uma vez que em liberdade o suspeito não se sente inibido à pratica de delitos.” (fl. 520⁄533)

[…]

Diante dos fatos antes expostos, DECRETO A PRISÃO PREVENTIVA de ANTÔNIO CARLOS CHEBABE. ELISABETE CHEBABE DE AZEVEDO, DJANIR SOARES DE AZEVEDO, EMILTON AZEREDO DE MORAES, FÁBIO HENRIQUE CALIL GANDARA e JORGE SEBASTIÃO MONTEIRO, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal, para garantia da ordem pública, em vista das capitulações penais dadas aos fatos no bojo desta decisão.

[…]

Relativamente à DJAIR SOARES DE AZEVEDO, EMILTON AZEREDO DE MORAES, FÁBIO HENRIQUE CALIL GANDARA e JORGE SEBASTIÃO MONTEIRO, percebe-se que há muito tempo eles participam delituosamente do Grupo Empresarial Chebabe, perpetrando todos aqueles crimes indicados no corpo desta decisão e, ao que tudo indica, em liberdade continuarão a agir de tal maneira.

Apenas no que toca a FÁBIO HENRIQUE CALIL GANDARA sublinho, novamente, que contra ele já foram instaurados inquéritos policiais e até mesmo deflagrada ação penal pela prática dos crimes de extorção com causa de aumento de pena, formação de bando ou quadrilha e receptação.” (fl. 536⁄537)

Posteriormente, foi oferecida a denúncia, que, com relação ao ora Paciente, consignou, in verbis:

“IX – FÁBIO HENRIQUE CALIL GANDARA

Atuava na quadrilha fazendo intermediação com órgãos públicos com os quais o GRUPO CHEBABE tinha interesse em se relacionar.

Solicitou expressamente a quantia de R$ 25.000,00(vinte e cinco mil reais) a DJANIR com a suposta finalidade de entregar tal quantia ao Desembargador Federal Dr. Raldênio Bonifácio Costa, membro do Tribunal Regional da 2ª Região, que, segundo dito por FÁBIO CALIL, estaria exigindo tal quantia para julgar de forma favorável pleito relativo à empresa UBIGÁS.


Em contato com DJANIR SOARES DE AZEVEDO, FABIO HENRIQE CAUL GANDARA noticia a existência de dois ou três’pedidos para- serem julgados, não sendo possível “ir muito mais longe”. Ademais, afirma que “a conversa agora foi direta: e a pedida é 25″. Ao ser indagado por DJANIR SOARES DE AZEVEDO a finalidade de tal “pedida”, FABIO HENRIQUE CALIL GANDARA relata explicitamente que seria “para não julgar”.

DJANIR SOARES DE AZEVEDO, demonstrando a surpresa com o alto valor cobrado, indaga se seria mensal o pagamento de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), sendo tal confirmado pelo advogado, o qual afirma que o membro do Poder Judiciário teria alegado que consegue segurar por uns dois meses. Face tal oferta, DJANIR informa a FABIO que conversará com ANTONIO CARLOS CHEBABE acerca de tal fato, conforme registro 2299841141_20040209122059_317475.

Como se não bastasse, após diálogos com outro advogado de nome SERGIO, FABIO HENRIQUE CALlL GANDARA noticia a DJANIR SOARES DE AZEVEDO que um DESEMBARGADOR FEDERAL DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIAO, a saber DESEMBARGADOR RALDENIO BONIFACIO COSTA, seria o membro do PODER JUDICIÁRIO aludido.

Outrossim, FABIO HENRIQUE CALIL GANDARA afirma que tal DESEMBARGADOR FEDERAL estaria exigindo a referida quantia de R$25.000,00 (vinte e cinco mil reais) para postergar o julgamento da ação, ou R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) para proceder ao julgamento favorável aos interesses da organização criminosa, REDE CHEBABE.

Cristalino, pois, que FABIO HERIQUE CALIL GANDARA solicitou a DJANIR SOARES DE AZEVEDO e ANTONIO CARLOS CHEBABE quantia pecuniária que seria destinada a um DESEMBARGADOR FEDERAL DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIAO, sob o pretexto de influir em ato privativo deste, o qual ou retardaria o julgamento de uma ação judicial ou direcionaria o julgamento desta.

Por fim, FABIO HENRIQUE CALIL GANDARA acorda com ANTONIO CARLOS CHEBABE e DJANIR SOARES DE AZEVEDO o valor de R$20.000,00 (vinte mil reais) mensais que seriam pagos ao DESEMBAGADOR FEDERAL RALDÊNIO BONIFACIO COSTA para que este postergasse o julgamento da ação judicial.

Sobreleva-se que tal acordo, segundo FABIO HENRIQUE CALIL GANDARA teria sido celebrado com total ciência e aval do DESEMBARGADOR FEDERAL RALDÊNIO BONIFACIO COSTA e que o numerário teria como beneficiário este referido membro do PODER JUDICIARIO, conforme consta em diversos registros do monitoramento 2299841141_20040212163426_337210 e 2178376588_20040213095608_341174.

Inclusive, chegou a ser marcado um encontro entre CHEBABE e CALIL para a entrega da primeira parcela da propina aludida, a qual teria como destinatário o Desembargador referido, conforme consta no registro 2178376588_20040218083234_371529.

Finalmente. na data de 18⁄02⁄2004, nas dependências do Aeroporto Santos Dumont no município do Rio de Janeiro, ANTONIO CARLOS CHEBABE e FABIO HENRIQUE CALIL GANDARA encontraram-se, tal como conversado anteriormente. sendo todo o procedimento de entrega devidamente registrado pela Polícia Federal em vídeo anexado à investigação.

Assim agindo, FÁBIO CALIL, consciente e voluntariamente, incorreu nas penas dos artigos 288 e 332, parágrafo único, do Código Penal.” (fls. 721⁄724)

Por ocasião do despacho de recebimento da denúncia, foi ratificada a prisão preventiva anteriormente decretada (fls. 737⁄741).

Irresignada, a Defesa impetrou habeas corpus perante a Corte Regional, objetivando a revogação do decreto prisional, tendo sido a ordem, à unanimidade, denegada (fls. 219⁄240).

No presente writ, alega o Impetrante, em suma, constrangimento ilegal, sustentando que a prisão preventiva foi decretada sem a devida fundamentação e desnecessariamente, ressaltando, ainda, as qualidades pessoais do Paciente. Assevera que a autoridade apontada coatora desconsiderou as certidões que comprovam a primariedade do Paciente, bem como a fragilidade das acusações que pesam sobre ele. Outrossim, aduz que já foi encerrada a oitiva das testemunhas de acusação e, por isso, “não há risco algum, e nunca existiu, do paciente intervir na instrução processual” (fl. 05). Sustenta, ainda, que “o Paciente não tem e nunca teve qualquer vínculo com o Grupo Chebabe. Ele era funcionário de um escritório de Advocacia que prestava serviços jurídicos para o Grupo. Qualquer alegação de união é mera especulação fantasiosa e desprovida de provas” (fl. 20).

As transcrições acima colacionadas são apenas para ilustrar a atuação dessa complexa organização criminosa investigada, que, para cumprir seus fins escusos, se valia de estratagemas envolvendo corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, exploração de prestígio, extorsão, receptação, dentre outros, contando para isso com a colaboração de funcionários públicos da Agência Nacional de Petróleo – ANP, da Polícia Rodoviária Federal, da Fazenda Estadual fluminense e, quiçá, de servidor do TRF da 2ª Região.


O ora Paciente, acusado de integrar a apelidada REDE CHEBABE, teve sua prisão preventiva decretada para garantia da ordem pública. É evidente que ações delituosas desse porte e complexidade causam enormes prejuízos não só materiais, mas também institucionais, gerando instabilidade no meio social. A paz pública, portanto, ficaria, sim, ameaçada, caso não fossem tomadas as providências cautelares necessárias para estancar a atuação da organização criminosa. Os crimes de Formação de quadrilha e tráfico de influência, pelos quais responde o ora Paciente, no contexto em que foram, em tese, perpetrados, mostram-se envoltos de uma gravidade especial, a justificar a medida extrema, já que colocam em cheque até mesmo a credibilidade das instituições envolvidas, mormente o Poder Judiciário.

Quanto à suposta inocência argüida na impetração, como se sabe, não é o habeas corpus a via adequada para dilação probatória. De outro lado, ao contrário do que sustenta o combativo Impetrante, existem elementos indiciários suficientes que apontam para a participação efetiva do Paciente nos crimes em questão, já que há gravações telefônicas que corroboram essa afirmação, constando, inclusive, haver sido filmado pela Polícia Federal a entrega da propina, supostamente destinada a integrante do TRF da 2ª Região, feita pelo próprio “cabeça” da organização.

Por oportuno, destaco o seguinte trecho do extenso acórdão denegatório da impetração originária, onde a Relatora, acolhendo as razões do Ministério Público, consignou, in verbis:

“Não é de se ignorar a imensa repercussão que os delitos empreendidos pela organização criminosa REDE CHEBABE gerou no município de Campos dos Goytacazes, e, certamente, em suas redondezas,

Os tentáculos da organização criminosa precisam ser, todos, cerrados, para que não torne ela a operar, para que não sejam retomados os negócios espúrios interrompidos pela prisão de seus integrantes e pela atividade investigatória da polícia federal. A liberdade de quaisquer dos seus integrantes representa grave risco à ordem pública, dada a possibilidade de rearticulação de práticas criminosas..

As práticas criminosas desenvolvidas pelos integrantes da REDE CHEBABE atingiram, sob diversas formas, vários órgão públicos, dentre eles a Polícia Rodoviária Federal, a Secretaria Estadual de Fazenda, a Agência Nacional do PetrÓleo, e o Tribunal Regional Federal da Segunda Região.

A função do Paciente, na organização criminosa era, ao que consta da denúncia, intermediar interesses escusos da REDE CHEBABE junto à Justiça Federal, tendo sido a si imputada a conduta de tráfico de influência (além, é claro, de participação na quadrilha), com insinuação de que a vantagem indevida seria destinada a um Desembargador Federal.

É verdade que FÁBIO GANDARA não é advogado, mas é certo que agia como tal, “advogando” interesses da REDE CHEBABE junto a Órgãos judiciais. Assim demonstram, sem qualquer dúvida, as conversas telefônicas cujos trechos degravados constam da decisão que decretou a prisão aqui impugnada.

Ao que se depreende da decisão que decretou a prisão, da que recebeu a denúncia e da própria exordial, FÁBIO GANDARA tinha relevante função na organização criminosa, e a desempenhava diutumamente, junto a órgãos públicos, ficando claro que sua liberdade vai permitir-lhe continuar praticando os atos espúrios pelos quais está denunciado.

Assim, presente precisamente aquela situação de risco à ordem pública, notadamente em razão da existência de ramificações da organização criminosa em vários Órgãos públicos.

[…]

Quanto aos maus antecedentes que o Paciente alega não possuir – e que teriam servido de fundamento à custódia cautelar – é certo que da listagem por si juntada, ainda há dois inquéritos policiais cujo desdobramento não foi esclarecido (inquéritos 004⁄1994, Delegacia de Ribeirão Preto, por infração ao art. 342, § 1º do Código Penal; inquérito 187⁄1992, 2ª DP⁄Jaboticabal, por infração ao art. 342, tudo conforme fls. 267), não bastando a tanto a certidão negativa do distribuidor criminal de Ribeirão Preto juntada a fl. 277. Aliás, interessante observar que o Paciente respondeu a nada menos que três processos por falso testemunho, incluindo aquele em que a punibilidade foi extinta pela prescrição.

Também é interessante observar – somente a titulo de informação adicional – que o Paciente, quando de sua prisão, estava portando arma de fogo, tanto que autuado por violação ao art. 12 da lei nº 10.826’03, situação que ensejou a instauração do inquerito policial nº 2004.001.01.8614-8, distribuido à 33ª Vara Criminal do Estado do Rio de Janeiro (cf. ref. de fl. 273) e a impetração de habeas corpus neste Tribunal (nº 2004.02.01.002577-8).

[…]

Além disso, como já sustentado neste parecer, a garantia da ordem pública é suficiente para justificar a prisão cautelar. Assim, mesmo que não se considere que o Paciente possua maus antecedentes, ainda assim, a necessidade da custódia subsiste, para acautelar o meio social e a credibilidade da Justiça, evitando que o Paciente continue delinqüindo.” (fl. 757⁄759)

Corroboram com essas razões o parecer ministerial proferido nesta Instância Superior, de onde se extrai o seguinte excerto:

“A decisão tem lastro, posto que amparada em larga investigação policial, e o fundamento ali invocado, para decretar a prisão do paciente, é de todo procedente, pois não há como se recusar que a liberdade de um importante membro da organização criminosa permite que o seu funcionamento e a sua atuação prossigam.

De certo, por outro lado, que a via do habeas corpus não se presta a um exame aprofundado de provas, cuja sede própria é a instrução criminal, já em curso.

Anote-se ainda a irrelevância dos antecedentes do paciente, posto que, a despeito de referidos, não se apresentaram como razão decisiva para o decreto de prisão preventiva.” (fl. 785)

Por fim, argumenta o Impetrante que “deve ser observado por Vossa Excelência ser for necessário para cessar a coação imposta ao Paciente, que uma eventual condenação certamente lhe garantirá um cumprimento de pena que não será o regime fechado” (fl. 19).

Ora, como bem ressaltou o Parquet Federal, “Tampouco há como se antecipar a pena a ser imposta ao paciente, e o seu regime de cumprimento não se sujeita apenas ao quantitativo imposto, mas será determinado também em face das circunstâncias judiciais que cercam os delitos a que responde” (fl. 785). De fato, o argumento não merce guarida, já que arrimado em premissa que consiste em mera conjectura, insuficiente para afastar a necessidade estampada da custódia cautelar.

Ante o exposto, CONHEÇO EM PARTE do habeas corpus e, nessa parte, DENEGO a ordem.

É o voto.

MINISTRA LAURITA VAZ

Relatora

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