11 de setembro

Espírito fundamentalista do capitalismo promove desprezo à Justiça

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10 de novembro de 2004, 14h32

Qual o significado do 11 de Setembro para os juristas?

Esta pergunta deve procurar resposta, antes que na reforma dos Códigos ou do Judiciário, nos compêndios de sociologia e no sectarismo religioso.

Aliada a um capitalismo sem ‘espírito’, ressurge a ética do protestantismo, analisada por Max Webber, a partir de um confronto entre o fanatismo de crentes e as pseudopolíticas democráticas. Está-se, assim, a escrever uma tábua de direitos contra o cidadão, que, sob os mais variados pretextos, serão cassados em seus direitos civis, especialmente minorias como as mulheres, impedidas de dispor do próprio corpo, ou como os homossexuais, em suas relações afetivas, ambos transfigurados em bodes expiatórios de nova Cruzada, santa, eleitoreira.

Independentemente de opiniões em contrário, é certo que as mulheres continuarão a dispor do próprio corpo. E, se é correto afirmar que nascemos para morrer, isso não há-de implicar numa condenação (por exemplo) ao aborto de fetos anancefálicos, visto que o ser humano não só nasce, como se desenvolve e morre. Logo, se o feto estiver fadado a vegetar alguns minutos ou segundos, sem que consiga qualquer forma de desenvolvimento, em vida, será justo pensar que a mãe, ante o dilema de ver-se obrigada a carregá-lo, submetida a constrangimentos e dores físicas, não poderá optar pela interrupção dessa inócua gravidez, sem se ver condenada moralmente pelos semelhantes ou submetida a um rito de passagem para os infernos?

Longos anos transcorreram antes que a jurisprudência admitisse os efeitos de uma relação concubinária e aceitasse, no âmbito da Constituição, o reconhecimento da união estável e da entidade familiar, não sendo crível que o Direito, apesar da lentidão que o anima, volte a entender os relacionamentos afetivos, de qualquer espécie, sob exclusivo e hipócrita enfoque obrigacional, mesmo diante da efetividade do sentimento.

Essa luta incessante foi travada contra um ideário formalista, cuja origem remonta aos livros sagrados (Bíblia, Alcorão, Talmude, etc), nem sempre interpretados na essência do Verbo e cuja dicção, atribuída à Entidade, jamais foi capaz de impedir uma sucessão de horrores, a partir, mesmo, de uma única palavra e que têm dado origem aos maiores conflitos da Humanidade: genocídios, assassinatos, guerras, invasões, atos de terror e império, sempre a favorecer a mentira e o preconceito dos governantes, fabricantes de armamentos e interesses econômicos escusos de dominação.

Sem dúvida, pairam sobre o arcabouço jurídico e o frágil Concerto das Nações ameaças que anunciam um retorno à idade das trevas. Lembre-se que durante a ocupação árabe da Península Ibérica, religiões como a cristã, a muçulmana e a judaica conviveram em paz e harmonia, seguindo-se a expansão cristã e imperialista, disfarçada em santa Cruzada e pela, não menos santa, Inquisição, com seus consectários humanísticos e jurídicos.

O recente resultado das urnas nos EUA, lastreado em frágeis circunstâncias de ‘indignação’, prenuncia o desprezo isolacionista, típico dos guerreiros imperialistas, tendo como frágil motivação os atos de terror e um errático espectro capitalista de índole religiosa e petrolífera. A vitória destas imposturas, sobre os defensores aparentes de uma liberalização social, propicia o estabelecimento de falsa globalização econômica, sempre com absoluto desprezo às demais Nações, no justo anseio de paz e igualdade mundiais.

As restrições impostas aos direitos civis, em nome da defesa dos cidadãos norte-americanos, contra o terrorismo, por si só, não são suficientes para conceder um Bill de indenidade mundial ao Império e faz lembrar a série de regimes ditatoriais impostos aos outros americanos, do Centro e Sul do Continente.

Estas circunstâncias fazem prever a derrocada do constitucionalismo e da independência dos membros das Cortes Supremas, suplantados pelo obscurantismo jurídico, onde novamente serão comuns as prisões e a tortura, baseadas na desconfiança ou na delação, com a supressão do devido processo legal e das garantias da ampla defesa e espezinhados os Direitos Humanos e da Cidadania, também, ante a interpretação vesga dos tratados e contratos internacionais.

Será pueril pensar que tais fatos não irão repercutir em sistemas jurídicos de países como o nosso, que gravitam numa esfera de estreita dependência econômica e financeira – e, porque não?, ideológica – da superpotência hegemônica. Basta para tanto observar os resultados recentes de estudos e pesquisas mentirosas, trazidas a lume por instituições financeiras internacionais, desinteressadas em promover o acesso a uma ordem jurídica justa ou em assegurar efetiva independência e aparelhamento ao Poder Judiciário.

O ‘espírito’ fundamentalista do capitalismo entranha-se no esquálido corpo da Humanidade, com desprezo à Justiça, preparado para promover constantes batalhas em que muitos serão os eleitos e poucos os sobreviventes.

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