Obrigação mantida

Demarco não consegue se livrar de interrogatório por difamação

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9 de novembro de 2004, 21h54

O empresário Luís Roberto Demarco vai ser interrogado nesta quarta-feira (10/11), na 1ª Vara Criminal do Fórum de Pinheiros (SP), em processo que responde pela acusação da prática de injúria e difamação.

A decisão foi tomada pelo ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, que, nesta terça-feira, pela segunda vez negou o pedido de habeas corpus de Demarco que pediu para ser desobrigado do interrogatório. O primeiro pedido foi apresentado na sexta-feira da semana passada.

Demarco foi o criador das Lojas Virtuais do PT, que garantiram a arrecadação do partido na campanha eleitoral e levou Lula ao poder. Ex-sócio do Grupo Opportunity e inimigo de Daniel Dantas, Demarco ajudou o procurador da República, Luiz Francisco, a produzir denúncia contra o rival.

O empresário entrou na linha de tiro da mais clamorosa disputa de mercado do país ao associar-se à Telecom Italia e ao PT de Luiz Gushiken na guerra contra Daniel Dantas. Ele foi um dos alvos da investigação da Kroll, contratada pela Brasil Telecom para apurar atos de possíveis deslealdades comerciais. Como a investigação privada tropeçou na conexão da multinacional com um dos eixos do governo petista, a ira do Planalto recaiu sobre Dantas, que pode acabar indo para a cadeia por sua petulância.

Nesta quarta-feira, coincidentemente, a Polícia Federal pode iniciar mais uma de suas operações. Desta vez contra outros supostos aliados de Dantas que o teriam auxiliado nas acusações contra o eixo formado pela multinacional italiana que já trouxe para o Brasil cerca de 7 bilhões de dólares.

Os custos da guerra

Em seu despacho, o ministro Celso de Mello frisou a jurisprudência do STF no sentido de garantir ao réu o direito de não responder às perguntas do juízo sem que isso importe em prejuízo para ele. “Não vejo em que o comparecimento ao interrogatório apresente grave risco ao réu”, disse o ministro. Segundo Celso de Mello, a defesa de Demarco não fundamentou o pedido.

A Netcallcenter, onde o empresário é sócio, já foi condenada a indenizar em R$ 150 mil a ex-funcionária que o acusa por danos morais decorrentes do assédio sexual, na primeira instância da justiça do trabalho. O recurso encontra-se no TRT.

A ex-funcionária trabalhou entre agosto e novembro de 2003 na empresa especializada em tecnologia de informação. A ex-empregada sustenta que, durante esse período, recebeu vários e-mails de Demarco com conotação sexual e ofensiva.

Ela argumenta que, com o passar do tempo, as investidas do ex-chefe aumentaram. Como ela não correspondeu, foi demitida do emprego, segundo os autos. Após deixar a Netcallcenter ela prestou queixa em uma delegacia, por cárcere privado e ajuizou três ações todas baseadas nos mesmos fatos: duas ações penais: (uma pelos crimes de injúria e difamação, outra por assédio sexual) e uma trabalhista. A ação por assédio sexual foi arquivada, por razões processuais, na primeira instância, o que gerou um recurso para o Tribunal de Alçada Criminal.

O juiz Maurílio de Paiva Dias, da 55ª Vara do Trabalho de São Paulo, condenou a Netcallcenter a pagar R$ 150 mil pelos danos morais decorrentes do assédio sexual. “Sem dúvida, se viu submetida a constrangimento e dissabores junto às pessoas de seu relacionamento, inclusive seu namorado, sendo certo que teve colocada em dúvida sua moral e suas atitudes no dia a dia do contrato de trabalho, o que a colocou em situação de angústia perante não apenas aquelas pessoas de seu relacionamento familiar, mas ao seu convívio social”, considerou o juiz.

Para ele, “sempre haverá aqueles que, imbuídos de má-fé colocarão em dúvida se não foi a autora quem estimulou as atitudes do sócio da reclamada”. Paiva Dias considerou, ainda, que “o sofrimento daí decorrentes podem perdurar por longo espaço de tempo, vindo a causar sérios prejuízos, inclusive quanto a dificuldade da obtenção de nova colocação no mercado de trabalho”.

O empresário já havia apresentado um pedido de HC no Superior Tribunal de Justiça para trancar a ação em que responde por injúria e difamação, mas os ministros da Sexta Turma do STJ rejeitaram o pedido.

No pedido ao STJ, a defesa de Demarco negou todas as acusações. Afirmou que os e-mails mencionados não foram escritos nem enviados pelo empresário e que o fato de as mensagens terem sido apresentadas no processo em versão impressa configura meio de prova inadequado e insuficiente para gerar suspeita de autoria e comprovação de autenticidade dos textos.

Leia a decisão do ministro Celso de Mello

MED. CAUT. EM HABEAS CORPUS 84.961-0 SÃO PAULO

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

PACIENTE(S):……………LUIS ROBERTO DEMARCO ALMEIDA OU LUIS ROBERTO

…………………………DEMARCO DE ALMEIDA OU LUIZ ROBERTO DEMARCO DE

…………………………ALMEIDA OU LUIZ ROBERTO DEMARCO ALMEIDA OU LUIZ

…………………………DEMARCO DE ALMEIDA

IMPETRANTE(S):………..MARIA ELIZABETH QUEIJO E OUTRO(A/S)

COATOR(A/S)(ES):……..SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DECISÃO: A presente impetração, com pedido de medida liminar, busca desconstituir decisão, que, proferida pelo E. Superior Tribunal de Justiça, denegou ordem de “habeas corpus” que havia sido requerida em favor do ora paciente.

Postula-se a suspensão cautelar do interrogatório judicial do ora paciente, a ocorrer no próximo dia 10 de novembro, em audiência já designada pelo juízo processante (fls. 14 e 16).

Passo a apreciar o pedido em questão. E, ao fazê-lo, indefiro-o, eis que a alegada iminência do ato processual de interrogatório judicial não constitui, só por si, situação caracterizadora de constrangimento ao “status libertatis” do réu.

É que, não obstante o interrogatório possa qualificar-se como meio de prova, “não se pode ignorar que é ele, também, ato de defesa, pois não há dúvida de que o réu pode dele valer-se para se defender da acusação (…), dando a sua versão dos fatos… ” (JÚLIO FABBRINI MIRABETE, “Processo Penal”, p. 275, 4ª ed., 1995, Atlas).

Esse entendimento — que se apóia em autorizado magistério doutrinário (FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO, “Processo Penal”, vol. 3/241, item n. 1, 11ª ed., 1989, Saraiva; MAGALHÃES NORONHA, “Curso de Direito Processual Penal”, p. 108, item n. 63, 19ª ed., 1989, Saraiva; PAULO LÚCIO NOGUEIRA, “Curso Completo de Processo Penal”, p. 168, item n. 6, 9ª ed., 1995, Saraiva; VICENTE GRECO FILHO, “Manual de Processo Penal”, p. 200, item n. 46, 1991, Saraiva) – justifica, no caso presente, o indeferimento do pedido de medida liminar.

Cabe assinalar, ainda, por necessário, que, no contexto da causa penal instaurada contra o ora paciente -– e tendo em vista a fase processual em que ela se encontra –, não se revela configurada qualquer situação de dano atual ou potencial à liberdade de locomoção física de Luís Roberto Demarco Almeida.

É preciso ter presente que o acusado, atendendo à convocação judicial, “(…)será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas” (CPP, art. 186, “caput”, na redação dada pela Lei nº 10.792/2003 – grifei), cumprindo ressaltar que o silêncio do réu, além de não importar em confissão, também não poderá ser interpretado em prejuízo de sua defesa (CPP, art. 186, parágrafo único, na redação que lhe deu a Lei nº 10.792/2003).

Essa diretriz legislativa -– que encontra suporte em autorizado magistério doutrinário (ROGÉRIO LAURIA TUCCI, “Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro”, p. 362-377, 2ª ed., 2004, RT; ANTÔNIO MAGALHÃES GOMES FILHO, “Direito à Prova no Processo Penal”, p. 111 e 113, item n. 7, 1997, RT, v.g.) – nada mais reflete senão a própria interpretação constitucional que a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal consagrou no exame do tema em questão (RDA 196/197 – RTJ 163/626 – RTJ 172/929-930), como resulta claro de decisão plenária desta Suprema Corte consubstanciada em acórdão assim ementado:

“–O privilégio contra a auto-incriminação (…) traduz direito público subjetivo assegurado a qualquer pessoa, que, na condição de testemunha, de indiciado ou de réu, deva prestar depoimento perante órgãos do Poder Legislativo, do Poder Executivo ou do Poder Judiciário.

O exercício do direito de permanecer em silêncio não autoriza os órgãos estatais a dispensarem qualquer tratamento que implique restrição à esfera jurídica daquele que regularmente invocou essa prerrogativa fundamental. Precedentes.

O direito ao silêncio – enquanto poder jurídico reconhecido a qualquer pessoa relativamente a perguntas cujas respostas possam incriminá-la (nemo tenetur se detegere) – impede, quando concretamente exercido, que aquele que o invocou venha, por tal específica razão, a ser preso, ou ameaçado de prisão, pelos agentes ou pelas autoridades do Estado.

Ninguém pode ser tratado como culpado, qualquer que seja a natureza do ilícito penal cuja prática lhe tenha sido atribuída, sem que exista, a esse respeito, decisão judicial condenatória transitada em julgado.

O princípio constitucional da não-culpabilidade, em nosso sistema jurídico, consagra uma regra de tratamento que impede o Poder Público de agir e de se comportar, em relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou ao réu, como se estes já houvessem sido condenados definitivamente por sentença do Poder Judiciário. Precedentes.” (RTJ 176/805-806, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

Sendo assim, e tendo em consideração as razões expostas, indefiro o pedido de medida liminar.

2. Requisitem-se informações ao órgão ora apontado como coator, solicitando-lhe cópia do acórdão proferido no julgamento do HC 37.493/SP, Rel. Min. PAULO MEDINA, além do parecer que o Ministério Público Federal ofereceu no referido processo.

O ofício em questão deverá ser instruído com cópia da presente decisão, que também deverá ser encaminhada, mediante fax, ao Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal do Foro Regional XI – Pinheiros, comarca de São Paulo/SP, Juizado Especial Criminal (Processo nº 50/04).

Publique-se.

Brasília, 05 de novembro de 2004.

Ministro CELSO DE MELLO

Relator

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