Culpa no cartório

MP denuncia advogados por fraude em inventário de R$ 7 milhões

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7 de novembro de 2004, 12h09

Três advogados e uma tabeliã de Minas Gerais foram denunciados pelo Ministério Público por estelionato, formação de quadrilha, falsidade ideológica, falso reconhecimento de firma ou letra, uso de documento falso, prevaricação, fraude processual e concurso de pessoas e de material de delitos.

Os advogados Francisco Antônio de Carvalho, Waldez Santos Dias, Paulo Coutinho Filho e a dirigente do Cartório de Notas e Registro de Marilândia, Dênia Conceição Guimarães Tomaz são acusados por fraudar o processo de inventário dos bens deixados por Antônio Secco de Almeida, morto em 1994. O patrimônio é estimado em R$ 7 milhões.

De acordo a denúncia feita pelos promotores de Justiça Aléssia Alves de Alvarenga e Carlos José e Silva Fortes, a ação de inventário foi proposta por Carvalho a partir de documentos falsos, obtidos pela ação conjunta dos demais envolvidos. O processo tramitou na comarca de Nova Serrana.

Segundo os promotores a denunciada Dênia Conceição Guimarães Tomaz, “agindo dolosamente para atender aos desígnios da quadrilha”, dirigiu falso ato através do qual a mulher e os filhos de Secco outorgaram procuração pública ao comparsa Francisco Antônio Carvalho, para que este pudesse requerer o inventário dos bens deixados pelo morto.

No entanto, durante as investigações, o MP apurou que Aglaé, mulher de Secco, morreu cerca de dois anos antes de o inventário ser proposto. Também constatou que os herdeiros dele nunca moraram em Minas Gerais, além de uma série de outras irregularidades e falsificações no processo, como a declaração falsa de endereço. O inventário foi anulado pela Justiça depois que o Ministério Público entrou com recurso.

Coutinho Filho teve prisão temporária decretada no dia 25 de outubro, depois de se constatada falsidade ideológica no documento de identidade utilizado por ele na fraude. Coutinho Filho foi solto três dias depois.

Procurado pela revista Consultor Jurídico, Carvalho não quis se pronunciar sobre a denúncia. Alegou que não conhece o teor das acusações apresentadas pelo MP. Disse, porém, que está afastado do caso desde que o processo foi anulado. “Tinha procuração em nome da esposa de Antônio [Secco]”, afirmou. O advogado afirmou que pediu para a família voltar a procurá-lo, mas não obteve resposta. “Não tenho mais nenhum contato com eles”. Os advogados Waldez Santos Dias e Paulo Coutinho Filho não foram localizados pela revista ConJur.

Conforme a denúncia do MP, Carvalho, Santos Dias, Coutinho Filho e Dênia Conceição, além de Richardson Ferreira Fontes, formavam uma quadrilha com o objetivo de praticar, entre outros, estelionato em diversos municípios de diferentes estados do país.

Carvalho e Santos Dias são acusados de coordenar as ações criminosas executadas pelo grupo. Coutinho Filho, que além de advogado é contador, trabalhava no escritório de Carvalho e participava das decisões da quadrilha, falsificando documentos e fazendo uso de identidade falsa, segundo o MP. Os nomes “fantasmas” usados no golpe eram “Jefferson de Araújo” e “Paulo César Zumbak”

Ferreira Fontes servia, de acordo com o MP, como “testa de ferro” em negociações imobiliárias e criação de empresas fantasmas, além de executar pessoalmente diversos atos necessários às práticas criminosas como viagens, falsificação de documentos e autenticações. Ele foi assassinado em outubro deste ano, em Divinópolis, com quatro tiros na cabeça, pouco tempo depois da descoberta da fraude.

Dênia Conceição, que atua como tabeliã do Cartório de Marilândia, em Itapecirica, também foi acusada pelo Ministério Público de fazer parte da quadrilha. Segundo o órgão, por meio dessa função ela prestou diversos serviços ao grupo, inclusive autenticando assinaturas falsas. Dênia também não foi localizada pela revista ConJur.

Leia a íntegra da denúncia

EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUÍZA DE DIREITO DA COMARCA DE NOVA SERRANA/MG

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, pela Promotora de Justiça titular nesta Comarca bem como pelo Promotor de Justiça designado pela Portaria 1968/2004 do Procurador-Geral de Justiça, no exercício de seus Ministérios e em cumprimento de suas atribuições legais, com base no PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO CRIMINAL Nº 10/2004 vêm, perante esse Juízo, oferecer DENÚNCIA contra:

Francisco Antônio de Carvalho, brasileiro, casado, advogado, OAB nº 36656, natural de Divinópolis/MG, nascido em 25/04/1954, filho de Antônio Olímpio de Carvalho e Odete Diniz de Carvalho, podendo ser localizado na Avenida 21 de Abril, nº 678, 2º andar, Centro, na Cidade de Divinópolis/MG, Waldez Santos Dias, brasileiro, advogado, OAB nº 33595, natural de Campo Belo/MG, nascido em 13/04/1930, filho de Virgílio da Silva Dias e Alice Santos Dias, residente na Rua Dona Tereza, nº 241, na Cidade de Itaúna/MG, Paulo Coutinho Filho, brasileiro, advogado, OAB nº 77017, natural de Santo Antônio do Monte/MG, nascido em 10/09/1960, filho de Paulo Coutinho e Rosali Alvim Coutinho, podendo ser encontrado na Avenida 21 de Abril, nº 144, Centro, na Cidade de Divinópolis/MG, e Dênia Conceição Guimarães Tomaz, brasileira, casada, Tabeliã do Cartório de Notas e Registro de Marilândia, Comarca de Itapecerica, nascida em 04/01/1969, filha de Pedro Guimarães Soares e Maria Tavares Guimarães, residente na Rua Ribeiro Pena, nº 253, Centro, Distrito de Marilândia, Município de Itapecerica/MG, pela prática dos seguintes fatos delituosos:


As presentes investigações tiveram início após notícia anônima, levada à Promotoria de Justiça da Comarca de Nova Serrana, no sentido de que havia fraude em um processo de inventário dos bens deixados por Antônio Secco de Almeida, falecido em 25/02/1994, na Cidade do Rio de Janeiro (fls. 421), o qual tramitou pela Comarca de Nova Serrana sob o nº 0452 04 012181-9, tendo como requerente e meeira Aglaé Silva Secco de Almeida e filhos herdeiros, sendo estes Luciene Silva Secco de Almeida (nascida em 13/03/1974), Karla Silva Secco de Almeida (nascida em 11/07/1975) e Danilo Silva Secco de Almeida (nascido em 13/06/1982), e ostentando patrimônio no valor de mais de R$7.000.000,00 (sete milhões de reais).

A ação de inventário supra referida, inteiramente fraudulenta, foi proposta pelo causídico e primeiro denunciado Francisco Antônio de Carvalho, a partir de documentos falsos obtidos pela ação conjunta de todos os demais denunciados, e consubstanciava-se em apenas um, dentre os vários crimes que a quadrilha vem cometendo há anos.

Da formação de quadrilha

Conforme apurado no incluso procedimento investigatório, os denunciados Francisco Antônio de Carvalho, Waldez Santos Dias e Paulo Coutinho Filho todos advogados, Dênia Conceição Guimarães Tomaz, Tabeliã, juntamente com a pessoa de nome Richardson Ferreira Fontes, formavam uma quadrilha bem organizada, a qual tinha como objetivo a prática de delitos de estelionato, entre outros, em diversos Municípios e diferentes Estados do País.

Dentro da organização da quadrilha, os denunciados Francisco Antônio de Carvalho e Waldez Santos Dias tinham papel administrativo, coordenando as atividades dos demais e tomando decisões sobre as ações criminosas a serem perpetradas pelo grupo, bem como realizando atos de execução direta, inclusive ajuizando ações fraudulentas, como v. g. o inventário dos bens deixados por Antonio Secco de Almeida, do qual se tratará de modo especial nesta peça.

Francisco Antônio de Carvalho e Waldez Santos Dias trabalham juntos no luxuoso escritório do primeiro, sede física da quadrilha, situado na cidade de Divinópolis/MG, a Avenida 21 de Abril, onde periodicamente os membros da quadrilha se reuniam.

Paulo Coutinho Filho, também advogado e contador, também trabalhava junto ao escritório de Francisco Antônio de Carvalho, inclusive fazendo a contabilidade do mesmo, e além de participar das decisões da quadrilha, realizava atos de execução pessoalmente, inclusive falsificando documentos e fazendo uso de identidade falsa.

Paulo Coutinho Filho participava dos golpes da quadrilha, inclusive juntamente com Waldez Santos Dias, conforme apurado nos autos do inquérito policial 8256-7, quando o segundo forneceu ao primeiro documentos de terceiros (seus empregados), para que este os inserisse em uma sociedade comercial “fantasma”, denominada “Livraria e Papelaria Harley”, que foi utilizada para fraudar procedimentos licitatórios nesta Comarca de Nova Serrana, ainda no ano de 1992, o que demonstra a união do grupo para a prática delituosa ocorre há muitos anos.

Richardson Ferreira Fontes, por sua vez, unido ao grupo há mais de dez anos, executava pessoalmente diversos atos necessários às práticas criminosas visadas pela quadrilha, sendo que para tanto comparecia assiduamente ao escritório sede, realizava viagens a outros Municípios e Estados, falsificava documentos e autenticações, servia de títere (“testa de ferro”) em negociações imobiliárias e criação de empresas fantasmas, em suma, era o agente executivo principal do grupo, mas sempre sob a orientação dos “cabeças”: Francisco Antônio de Carvalho e Waldez Santos Dias.

Convém observar que Richardson Ferreira Fontes era sócio de Waldez Santos Dias em uma empresa “fantasma”, denominada “Carvalho Dias Empreendimentos Ltda.”, a qual fora criada e era utilizada pela quadrilha exclusivamente para incorporações ilícitas de imóveis e práticas de outras fraudes.

Porém, na realidade, embora constassem como sócios Richardson Ferreira Fontes, sua irmã Joana D’Arc Ferreira Fontes (em fração mínima) e Waldez Santos Dias – Richardson e Joana apenas emprestavam seus nomes (eram “testas de ferro”), sendo que o real proprietário era Francisco Antônio de Carvalho, como este confessou e como se observa do próprio nome da empresa: “Carvalho Dias”

É de ressaltar também, que a testemunha e redator da “alteração contratual” da empresa “Carvalho Dias Empreendimentos Ltda” fora o outro membro da quadrilha: Paulo Coutinho Filho.

Dênia Conceição Guimarães Tomaz, também membro da quadrilha, é, atualmente, Tabeliã do Cartório do distrito de Marilândia, Comarca de Itapecerica/MG, função através da qual prestou diversos serviços ao grupo, inclusive autenticando assinaturas falsas. Além disso, a mesma denunciada, mesmo antes de assumir o cargo público no citado cartório, quando ainda trabalhava em outro cartório na Comarca de Divinópolis/MG, já atuava em conjunto com a os demais membros da quadrilha, inclusive freqüentando o escritório de Francisco Antônio de Carvalho, sede da quadrilha, onde prestava “serviços especiais” ao mesmo.


Como visto, trata-se de um grupo de facínoras, intimamente ligado e bem organizado, o qual já age em nosso país há muitos anos, causando prejuízos a particulares a ao Estado.

Da falsidade ideológica

Também consta dos autos que para a realização de diversas negociatas e fraudes através do país, a quadrilha fazia uso de pelo menos dois “fantasmas”, ou seja, indivíduos inexistentes de fato, criados através de documentos falsos, forjados pelos membros da quadrilha.

Os “fantasmas” usados pela quadrilha no golpe aplicado nesta Comarca de Nova Serrana são:

Jefferson de Araújo – cuja carteira de identidade foi forjada em 08/03/2000, em Juatuba/MG – foi indicada como sua certidão de nascimento a de nº 18442, do livro 17 ‘A’, folha nº 205, do Cartório “Geraldo Couto”, da Comarca de Santo Antonio do Monte/MG (fls. 394) – conforme certidão do referido cartório, no livro 17 ‘A’ não existe o nº 18442, que está, na verdade, no livro 19 ‘A’ e corresponde à certidão do denunciado Paulo Coutinho Filho (fls. 71, 233/234 e 344) – não foi identificada a pessoa que consta da fotografia usada na farsa (fls. 395);

e

PAULO CESAR ZUMBAK – cuja carteira de identidade foi forjada em 16/05/2000, em Mateus Leme/MG, expedida em 23/05/2000 – para sua confecção foi indicada como sua certidão de nascimento a de nº 18552, do livro 18 ‘A’, folha nº 207, do Cartório “Geraldo Couto”, da Comarca de Santo Antonio do Monte/MG (fls. 391) – conforme certidão do referido cartório, no livro 17 ‘A’ não existe o nº 18552, que está, na verdade, no livro 19 ‘A’, fls. 223v., e corresponde à certidão de terceiro (fls. 71 e 233/234) – a pessoa que consta da fotografia usada na farsa foi identificada como sendo Paulo Coutinho Filho (fls. 341/341, 363 e 392) – inclusive como se observa de seu registro no Conselho Regional de Contabilidade de Minas Gerais (fls. 418) – em novembro de 2000, foi expedido o CPF para PAULO CESAR ZUMBAK, mediante do uso da Carteira de Identidade Forjada (fls. 363).

Como visto, o denunciado Paulo Coutinho Filho cedeu sua certidão de nascimento original para que a quadrilha falsificasse ou forjasse as certidões de ambos os “fantasmas” acima indicados.

Primeiramente os membros da quadrilha forjaram uma certidão de nascimento em nome de Jeffeson de Araújo, montando-a a partir da certidão original de Paulo Coutinho Filho.

Depois, na data de 08/03/2000, a quadrilha, através de seus agentes compareceu ao posto de identificação do Município de Juatuba/MG e lá, de posse da certidão falsa e de fotografias de pessoa ainda não identificada, obteve, em nome de Jeffeson de Araújo, a CI MG-12.909.948 e o CPF 055.620.106-7 (fls. 395/397) – ambos ideologicamente falsos.

Além disso, Paulo Coutinho Filho participou de forma muito mais ativa da criação do “fantasma”, Paulo César Zumbak, inclusive conforme confessou.

Da mesma forma anterior, o denunciado Paulo Coutinho Filho, junto com outros membros da quadrilha, falsificou uma certidão de nascimento em nome de Paulo César Zumbak, montando-a a partir de sua certidão original: o número de registro original (fl. 414) que seria o 18.442 fora alterado para o 18.552, o das folhas em que fora realizado o ato notarial, de 205 foi transformado para 207, e o número do livro alterado de 19 A para 18 A, mantendo-se o cartório da realização do ato. Observe-se as pequenas alterações, a fim de que quando fosse feita a cópia reprográfica, não fossem atenuadas as sombras no papel.

Na data de 16/05/2000, Paulo Coutinho Filho, de posse desta certidão forjada em nome de Paulo César Zumbak e de fotografias próprias, e também aproveitando-se do fato de não possuir registro junto ao Instituto de Identificação de Minas Gerais (eis que se identificava até então, sucessivamente pelas carteiras funcionais de Técnico de Contabilidade, Contador e mais recentemente de Advogado), dirigiu-se até ao posto de identificação do Município de Mateus Leme e lá, apresentou-se como o próprio Paulo César Zumbak, foi identificado civilmente como tal, fornecendo inclusive suas impressões digitais completas, obtendo assim a CI MG 13.031.059 e, posteriormente, o CPF 058.854.816-28 (fls. 341/342, 363 e 391/393) – ambos ideologicamente falsos.

A materialidade desta fraude está plenamente comprovada pela equivalência das fotografias constantes das identidades da SSP, de advogado, do CRC, do site da OAB e da própria carteira de advogado (fls. 455, 392, 342, 450), demonstrando que Paulo Coutinho Filho e Paulo César Zumbak têm o mesmo rosto.

Além disso, atestou-se também, que as impressões digitais de Paulo César Zumbak (fls. 391) são equivalentes (iguais) às impressões de Paulo Coutinho Filho (fls. 627), como se observa do laudo preliminar subscrito pela perita Dra. Denise Helena Germano, identificadora da Polícia Civil (fls. 537).


Observo, ainda, que tais impressões foram colhidas à partir de ordem judicial, eis que o denunciado Paulo Coutinho Filho teve sua prisão temporária decretada a fim de que fosse submetido a identificação civil, em face de sua recusa em fornecê-las voluntariamente, mesmo sendo cientificado de todas as suspeitas de fraude (fls. 445/447, 448 e 456/459).

Da prevaricação e do falso reconhecimento de firma

Os autos também demonstram que na data de 05/03/2004, o denunciado Francisco Antônio Carvalho compareceu ao Cartório do distrito de Marilândia, Comarca de Itapecerica/MG, do qual é Tabeliã a denunciada Dênia Conceição Guimarães Tomaz, levando consigo pessoas que se fizeram passar por “Aglaé e filhos”.

Naquela ocasião, a denunciada Dênia Conceição Guimarães Tomaz, agindo dolosamente para atender aos desígnios da quadrilha, dirigiu falso ato através do qual “Aglaé e filhos” outorgaram procuração pública ao comparsa Francisco Antônio Carvalho, também presente a todos os atos, para que este pudesse requerer o inventário dos bens deixados por Antônio Secco de Almeida (vide documento de fls. 58/59).

Pela simples análise do documento, observa-se que as assinaturas dos diversos outorgantes demonstram ser provenientes de um mesmo punho escritor, sendo que a denunciada Dênia Conceição Guimarães Tomaz, mesmo as sabendo falsas, as autenticou, praticando ato contrário à Lei para a satisfação de interesse pessoal, seu e da quadrilha.

Além disso, é bom ressaltar que a outorgante “Aglaé” já havia falecido anos antes do fato e seus filhos nunca estiveram sequer no Estado de Minas Gerais.

Posteriormente, em 23/03/2004, denunciado Francisco Antônio Carvalho retornou ao cartório de Marilândia, e, prosseguindo no intento criminoso do grupo, retirou daquela repartição a procuração de fls. 31 do livro 006, constante de fls. 362, já previamente confeccionada pela comparsa Dênia Conceição Guimarães Tomaz, e a levou para a coleta das falsas assinaturas em nome dos mesmos “Aglaé e filhos”.

O documento foi entregue ao advogado pela então funcionária do cartório Flávia Cristina Cardoso (fls. 433), por determinação expressa de Dênia Conceição Guimarães Tomaz, que ali não se encontrava no momento.

Consta de tal procuração, dentre outros poderes, autorização para que a pessoa de Jefferson de Araújo (um dos “fantasmas” usados pela quadrilha), possa assinar em nome de “Aglaé e filhos”, escritura de cessão de direitos hereditários dos bens deixados pelo espólio de Antônio Secco de Almeida.

Observa-se que as assinaturas apostas nesta Procuração diferem evidentemente daquelas apostas na procuração anteriormente referida, embora sejam atribuídas às mesmas pessoas.

Do estelionato tentado e da fraude processual

De posse da procuração falsa que lhe dava os poderes da cláusula “ad judicia”, na data de 30/04/2004, o denunciado e advogado Francisco Antônio de Carvalho, atendendo aos interesses da quadrilha, ajuizou a ação de inventário dos bens deixados pelo espólio de Antônio Secco de Almeida, declarando na inicial que a inventariante e meeira Aglaé Silva Secco de Almeida (que na verdade já havia falecido há mais de um ano, como já dito) residia com os filhos nesta cidade de Nova Serrana/MG, a Rua Leonardo Azevedo, 1159, Bairro Laranjeiras, fato que, a princípio, justificaria, ainda que em desacordo com as normas processuais das quais o causídico tem conhecimento, o ajuizamento da ação na Comarca Nova Serrana. Entretanto, conforme constatado, Aglaé jamais residiu em Nova Serrana.

Paralelamente, já durante o curso do processo, agentes da quadrilha dirigiram-se até o Cartório de Garapuava, Distrito do Município de Unaí/MG, local onde possivelmente possuem um esquema de apoio, e, lá, o “fantasma” Jefferson de Araújo transmitiu todos os direitos patrimoniais constantes do inventário a pessoa de Paulo César Zumbak, também “fantasma”, como já dito.

Interessante que não obstante tenha o tabelião solicitado quando da lavratura das escrituras a identidade do cessionário Paulo César Zumbak, a do cedente Jefferson de Araújo, que seria a de maior importância, o tabelião informou não tê-la solicitado.

O objetivo do processo de inventário ajuizado pela quadrilha era adjudicar os bens deixados pelo espólio de Antônio Secco de Almeida ao “fantasma” Paulo César Zumbak, para que este, na pessoa de seu alter ego, o denunciado Paulo Coutinho Filho, pudesse deles dispor como bem quisesse, com o respaldo da Justiça.

Aliás, a fraude nos autos do inventário (Processo nº 12.181-9) foi descoberta quando a decisão de adjudicação dos bens do inventário já havia sido proferida em favor do fantasma Paulo César Zumbak, ato judicial datado de 09/08/2004 (fl. 36).

O dolo intenso dos agentes se demonstra pela pressa que possuíam em apoderar-se da carta de adjudicação, e, por conseqüência, dos bens do espólio. Tanto é que, já no dia seguinte ao da decisão, nas primeiras horas da manhã, juntou-se aos autos pedido de desistência do prazo recursal, assinado pelo denunciado Francisco Antonio de Carvalho.


Tal pedido, felizmente, foi indeferido, possibilitando que o Ministério Público, ao tomar conhecimento do golpe, ajuizasse recurso (cópia – fls. 108/114), diante do qual a MM. Juíza da Comarca, Dra. Vânia Fernandes Soalheiro, em decisão bem fundamentada, datada de 08/09/2004 (fls. 400/ 411), tornou nulo o processo, transitando em julgado esta decisão sem interposição de recurso.

Certo é que, conforme declarações da Escrivã Judicial, Sra. Ângela Maria Diniz Cezar e Carvalho, o primeiro denunciado, que insistentemente vinha ao Fórum e telefonava para a mesma, a fim de apoderar-se rapidamente da decisão, a partir do conhecimento da fraude pelo Ministério Público, abandonou a ação, não retornando mais ao Fórum para este fim.

Há uma motivação, ainda a esclarecer, para a escolha desta Comarca para o golpe, podendo desde logo ser observada a rápida tramitação do feito, e as reiteradas ligações telefônicas do causídico para a Escrivã Judicial, fato informado pela mesma em suas declarações (fls. 511/512). Aliás, esta inclusive confirma ter recebido do denunciado Francisco Antonio de Carvalho uma petição, que continha pedido de desistência do prazo recursal, às 7h e 30 min da manhã (fl. 37), ou seja, totalmente fora do expediente forense, desistência esta que possibilitaria a consumação mais rápida do crime.

Acrescente-se que o denunciado Francisco Antonio de Carvalho, ciente da gravidade dos fatos ora narrados, quando prestou declarações na Promotoria de Justiça, em 27/08/2004 (fls. 82/85), não conseguiu fornecer dados para a localização de sua cliente (é claro, estava morta!), apresentando uma “estória” inacreditável para explicar como fora contratado para o feito.

Posteriormente, apresentou, para sua defesa, como o número de contato de sua cliente, o telefone celular nº 9949 0226 (fls. 232), cujo interlocutor, que se fazia passar por Danilo, filho da inventariante Aglaé, sequer conseguiu a fornecer os seus dados de identificação, demonstrando ser mais um subterfúgio dos meliantes para encobrir a farsa.

Convém também ressaltar que na data da entrega da petição que continha o referido telefone, o denunciado Francisco Antonio de Carvalho apresentou-se nas instalações da Promotoria de Justiça de Nova Serrana acompanhado do denunciado Paulo Coutinho Filho, fato admitido por ambos em suas declarações, o que corrobora o vínculo e a associação entre estes.

Do uso de documento falso

Também durante a tramitação do processo de inventário ora referido, o denunciado Paulo Coutinho Filho, utilizando-se da carteira de identidade falsa em nome de Paulo Cesar Zumbak, dirigiu-se até o Cartório do 1º Ofício de Notas do Município e ali solicitou que a Tabeliã Delir Aparecida de Oliveira lavrasse uma procuração por instrumento público, em que o mesmo autorizou o comparsa Francisco Antônio de Carvalho a representá-lo, ou melhor, a representar Paulo Cesar Zumbak, nos autos de inventário, o que foi, de fato, feito, conforme fls. 165, livro P-005.

Tal foi documento, apresentado nos autos do inventário (cópia de fls. 211), propiciou que a tabeliã reconhecesse na pessoa de Paulo Coutinho Filho aquele que se identificara como Paulo César Zumbak, o que se comprova pelo auto de reconhecimento (fls. 520/522).

Do assassinato de Richardson Ferreira Fontes

Finalmente, cabe ainda ressaltar fato que se liga intimamente aos delitos ora denunciados:

Como já relatado no início, Richardson Ferreira Fontes também era parte integrante da quadrilha ora denunciada, sendo ele, conforme demonstram as próprias declarações dos denunciados Francisco, Paulo e Waldez (fls. 548/558), aquele que, embora não fosse também advogado, trabalhava prestando serviços burocráticos necessários a prática das fraudes das quadrilha: consistentes em viagens para o Estado de São Paulo, onde se localizavam os bens do inventário objeto de análise nestes autos, e por diversos outros estados da Federação, na consecução das demais fraudes do grupo, empreendendo também falsificação de documentos, e outras diligências.

Este comparsa foi recentemente assassinado, na data de 04/10/2004, na cidade de Divinópolis, com características de execução sumária (quatro tiros na cabeça), pouco tempo depois da descoberta da fraude ora relatada.

Ao que consta da análise das peças de investigação do homicídio (cópias juntadas a fls. 572/626), o assassinato pode ter tido motivação nos fatos ora noticiados, uma vez que Richardson, se estivesse vivo, certamente figuraria como um dos denunciados na presente peça.

Inclusive é fato incontroverso nos autos o desentendimento de forma crescente havido entre os comparsas Waldez, Francisco, Paulo Coutinho e Richardson, iniciado justamente após a descoberta da fraude ora denunciada.

Após o homicídio também foram apreendidos na casa do mesmo Richardson, através de competente mandado de Busca e Apreensão cumprido pela Delegada que era responsável pela investigação do caso, diversos documentos relativos ao inventário fraudado nesta Comarca, os quais este trazia consigo como um “dossiê” (fls. 671 e seguintes).


Pelo exposto, tendo os denunciados Francisco Antônio de Carvalho, Waldez Santos Dias, Paulo Coutinho Filho e Dênia Conceição Guimarães, incorrido nas sanções do:

• Artigo 171 c/c

• Artigo 14, II, (estelionato tentado);

• Artigo 288 (formação de quadrilha);

• Artigo 299, parágrafo único, (falsidade ideológica, inclusive de certidão de assentamento de registro civil);

• Artigo 300 (falso reconhecimento de firma ou letra);

• Artigo 304 (uso de documento falso);

• Artigo 319 (prevaricação);

• Artigo 347 (fraude processual); todos na forma do

• Artigo 29 (concurso de pessoas) e do

• Artigo 69 (concurso material de delitos); sendo todos os artigo do CPB

REQUER esta Promotoria de Justiça seja a denúncia recebida, sejam os mesmos denunciados devidamente citados para interrogatório e defesa que tiverem, ouvidas as testemunhas abaixo arroladas, cumpridas as demais formalidades da lei e, afinal, condenados nas penas que lhes couberem;

REQUER, a remessa de copia dos presentes autos à Promotoria de Justiça de Especializada no Combate ao Crime Organizado;

REQUER, a realização de perícia datiloscópica, pelo Polícia Civil, comparativa entre as impressões fornecidas pelo denunciado Paulo Coutinho Filho, conforme ficha presente nos autos, e as atribuídas a Paulo César Zumbak, constante dos autos e dos arquivos do Instituto de Identificação;

REQUER, a instauração do competente procedimento administrativo necessário para apuração de possível esquema de favorecimento aos denunciados na tramitação do processo de inventário acima referido, conforme consta desta peça e também das declarações da Escrivã Judicial, Sra. Ângela Maria Diniz Cezar e Carvalho;

REQUER, ainda, a remessa de copia de todo o feito a Justiça Federal, em vista da existência de indícios da prática de delitos diversos contra o patrimônio público da União, eis que há notícia de que as fraudes que afetariam o patrimônio de bancos estatais, como o Banco do Brasil, o INSS, e até a Receita Federal;

REQUER, finalmente, a remessa de copia dos presentes autos à Delegacia de Polícia Civil de Divinópolis, para a juntada aos autos do Inquérito Policial, que investiga o homicídio de que foi vítima Richardson Ferreira Fontes.

ROL DE TESTEMUNHAS:

1. Olímpio Antunes Ribeiro Neto, fl.s 376;

2. Gilmar José da Silva, fls. 40/41 e 52/v;

3. Simônia Márcia Gontijo, fls. 46;

4. Domingos Sávio Corgozinho, fls. 45;

5. Dênia Conceição Guimarães Tomaz, fl. 57;

6. Delir Aparecida de Oliveira, fls. 211, 516 e 520;

7. Márcio da Silva Madeira, fls. 432;

8. Flávia Cristina Cardoso, fl. 433;

9. Luciene Silva Secco de Almeida, fls. 436 (endereço a ser fornecido pela Promotoria);

10. Danilo Silva Secco de Almeida, fls. 439 (endereço a ser fornecido pela Promotoria);

11. Andréia Almeida Fontes, fls. 545;

Nova Serrana-MG, 03 de novembro de 2004.

Aléssia Alves de Alvarenga S. B. Souza

Promotora de Justiça

Carlos José e Silva Fortes

Promotor de Justiça

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