Pedido de liberdade

Suzane Richthofen quer responder processo em liberdade

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6 de novembro de 2004, 11h58

Suzane Louise von Richthofen quer responder em liberdade o processo de duplo homicídio qualificado e fraude processual. Os advogados Antônio Cláudio Mariz de Oliveira e Sérgio Eduardo Mendonça de Alvarenga entraram com pedido de Habeas Corpus no Tribunal de Justiça de São Paulo.

Ela é acusada de ter tramado a morte de seus pais. O namorado, Daniel Cravinhos de Paula e Silva, e o irmão dele, Christian, mataram Manfred Albert Richthofen e Marisia von Richthofen a pauladas e por asfixia enquanto eles dormiam. O crime ocorreu no dia 31 de outubro de 2002, na casa dos Richthofen, no Brooklin, em São Paulo.

Suzane, Daniel e Christian respondem a processo por duplo homicídio qualificado, que prevê pena de 24 a 60 anos de prisão. Eles respondem também por fraude processual. São acusados de ter modificado a cena do crime para simular latrocínio. Christian responde, ainda, por furto. Ele se apoderou de jóias da família de Suzane. Os três estão presos.

A defesa de Suzane alega que ela é ré primária, tem bons antecedentes e, em liberdade, não representará perigo à ordem pública. Também argumenta que a ex-estudante de Direito não criará obstáculos à aplicação da lei penal.

Para os advogados, o argumento da gravidade do delito e do conseqüente clamor público não tem amparo legal. “Parece não existir qualquer fundamento juridicamente válido para a manutenção de Suzane em cárcere provisório”, afirmaram. Segundo a defesa, ela poderá cuidar da avó paterna de 85 anos. A avó já manifestou o desejo de acolher a neta em sua casa.

O pedido de HC está com o segundo vice-presidente do TJ paulista, Jarbas Coimbra Mazoni. Ele deverá pedir informações ao juiz do 1º Tribunal do Júri onde corre o processo-crime.

O Habeas Corpus será julgado por três desembargadores da 5ª Câmara Criminal. O TJ-SP geralmente nega liberdade provisória aos acusados de crimes hediondos. Caso o HC seja rejeitado, Mariz afirmou que irá entrar com recurso no Superior Tribunal de Justiça.

Leia a íntegra do Habeas Corpus

EXMO. SR. DR. DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

ANTÔNIO CLÁUDIO MARIZ DE OLIVEIRA e SÉRGIO EDUARDO MENDONÇA DE ALVARENGA, brasileiros, advogados inscritos na OAB/SP sob os números, respectivamente, 23.193 e 125.822, com escritório no endereço impresso no rodapé da página, vêm, com fulcro no artigo 5º, LXVIII da Constituição Federal e nos artigos 647 e seguintes do Código de Processo Penal, impetrar a presente ordem de Habeas Corpus em favor de SUZANE LOUISE VON RICHTHOFEN, que está sofrendo constrangimento ilegal por parte do Juízo de Direito Presidente do Egrégio 1º Tribunal de Júri de São Paulo.

Termos em que, do seu regular processamento,

p. deferimento.

São Paulo, 25 de agosto de 2004.

ANTÔNIO CLÁUDIO MARIZ DE OLIVEIRA

SÉRGIO EDUARDO MENDONÇA DE ALVARENGA

RAZÕES DE IMPETRAÇÃO

PACIENTE: SUZANE LOUISE VON RICHTHOFEN

EGRÉGIO TRIBUNAL,

OS FATOS

Acusada de homicídio qualificado (doc. 01), a paciente foi presa, inicialmente, por força de decreto de Prisão Temporária, cujos fundamentos, por obviamente superados, não interessam ao presente pleito.

Foi no relatório da autoridade policial (doc. 02) que os primeiros argumentos que justificariam o atual cárcere antecipado da paciente foram apresentados. Ao representar pela prisão preventiva, à época decretada por este Juízo e hoje convolada em prisão decorrente de pronúncia, disse a autoridade policial:

“… esta Autoridade representa pela conveniência da decretação da custódia preventiva destes indivíduos pela prática do crime hediondo, já que as vítimas não tiveram possibilidade de defender-se, por conveniência da instrução criminal, para assegurar a aplicação da lei penal, visto tratar de crime apenado com reclusão, como medida de possibilitar a realização da Justiça” (fls. 415).

Logo nesta primeira manifestação, foram escancarados os reais motivos da tutela antecipada que pesa sobre a paciente: punição antecipada. Nenhum argumento de natureza cautelar foi apontado. Apenas a imputação em si, a acusação posteriormente inserta na denúncia, em relação à qual a requerente não foi julgada, serviu de embasamento ao pleito policial.

E, como se verá, todas as demais manifestações sobre o assunto trilharam o mesmo caminho.

Ao oferecer a denúncia, o promotor de justiça secundou o requerimento de prisão preventiva (doc. 03). O fez da seguinte maneira:

“… trata-se de crime hediondo, cometido com requintes tais que, caso condenados, a pena haverá de situar-se em patamar além do piso de lei; ademais, todos os três possuem amplas condições de fuga, quiçá do país; finalmente, assim o reclama o senso médio de justiça, até porque, caso soltos, a constrição jurídica, tamanha repercussão dos fatos, resultará na proteção mesma dos denunciados” (fls. 419).


A manifestação do “parquetier”, em essência, escora-se na suposta gravidade da imputação, uma genérica, abstrata e vazia possibilidade de fuga, além de uma não mensurável repercussão dos fatos.

A autoridade coatora decretou a prisão preventiva (doc. 04) em 19 de novembro de 2002, há quase dois anos, em despacho assim fundamentado:

“… por conveniência da instrução criminal, para assegurar a eventual aplicação da lei penal e especialmente em virtude do clamor público que envolve o caso, para garantia da ordem pública e até mesmo para assegurar a integridade física dos acusados…” (fls. 431).

Percebe-se, então, que a prisão preventiva foi decretada em razão do clamor público e para proteger a integridade física da paciente.

Ao pronunciar os acusados, em 21 de março de 2003, há mais de um ano, o Juízo “a quo” manteve a custódia antecipada, valendo-se, praticamente, dos mesmos argumentos antes utilizados:

“… os crimes de homicídio pelos quais serão julgados são de extrema gravidade, estão classificados como hediondos e causaram intenso clamor público, de modo que, caso os réus não permaneçam privados da liberdade, a ordem pública poderá não estar garantida, assim como a própria segurança deles eventualmente poderá estar em risco”.

Este é o constrangimento ilegal que se quer fazer cessar com a concessão da presente Ordem.

O DIREITO

Nobres Julgadores,

Não desconhecem os impetrantes a intensa repercussão jornalística que o presente caso mereceu. De fato, não há dúvidas de que a imputação da pratica de homicídio dos dois pais pela jovem filha é fato que desperta a mórbida atenção coletiva e, conseqüentemente, estimula a cobertura renitente.

Em outras oportunidades, os impetrantes já puderam afirmar que esta cobertura maciça, cujo objetivo, seguramente, não é o de informar, seria apenas lamentável, se não exercesse influência nos sujeitos do processo. Contudo, não há como negar os efeitos nefastos desta cobertura que martela repetidamente no inconsciente de toda a coletividade, clamando por punição rápida e modelar, ainda que fora das fronteiras da lei.

À luz da legislação, do ordenamento jurídico, das lições doutrinárias e das construções jurisprudenciais, a prisão cautelar da paciente, reconheça-se, não tem legitimidade.

Já pacificou a jurisprudência pátria: a prisão antes de condenação, para viver em harmonia com a garantia constitucional da presunção de inocência, só pode ser determinada em casos de comprovada necessidade. E esta necessidade, por óbvio, deve ser entendida sob a óptica instrumental.

A questão material, que diz respeito à punição pelo crime praticado e, conseqüentemente, à gravidade do delito, à sua repercussão no meio social, às circunstâncias específicas do fato criminoso em si, já foi levada em conta pelo legislador, ao fixar a pena em abstrato, e será considerada pelo magistrado, se for o caso, ao cominar a pena em concreto.

Prisão cautelar, insista-se, tem natureza processual. Só poderá existir quando necessária para garantia da ordem pública ou econômica, por conveniência da instrução criminal e para assegurar eventual aplicação da lei penal. Não pode, jamais, significar a antecipação de punição ao acusado que, ao final do processo, poderá ser declarado inocente.

Isto tudo é questão mais do que pacificada. Em alguns casos, porém, estas conclusões, em teoria indiscutíveis, são relegadas ao esquecimento, em nome de uma pronta reação ao delito, uma suposta satisfação à sociedade, que impõe o encarceramento provisório ainda que, para atingir tal fim, tenha que se corromper a natureza e o escopo da custódia cautelar.

Valiosa é a reflexão do professor Antônio Magalhães Gomes Filho sobre o assunto:

“Nesses casos, parece evidente que a prisão anterior à condenação não tem finalidade de cautela, no seu sentido processual, mas visa unicamente a pronta reação ao delito, como se o processo e a garantia que representa para o acusado constituíssem empecilho à realização da justiça: o apelo a este tipo de justificativa, como fundamento da prisão anterior à condenação, traduz claramente uma ofensa ao princípio do art. 5º, LVII da CF, pois pressupõe a culpabilidade do réu, e não sua inocência”(‘Prisão Cautelar e o Princípio da Presunção de Inocência’, artigo publicado em Fascículos de Ciências Penais, v. 5, 1992, p. 21).

Reconhecem os impetrantes que, na hipótese concreta, não foi por desídia que Juízo “a quo” deixou de apontar qualquer necessidade cautelar para motivar a reclusão antecipada da paciente. Foi por absoluta impossibilidade. De uma análise fria, exclusivamente técnica dos autos, não se acha nada, absolutamente nada, que possa indicar, concretamente, perigo a ordem pública ou econômica, risco à instrução criminal ou à eventual aplicação da lei penal, com a liberdade da paciente.


Não se pode argumentar com base na garantia da ordem pública, entendida esta como a possibilidade da paciente praticar novos delitos. Tal necessidade é sentida quando se está diante de uma personalidade voltada para o crime, sinalizada pela existência de outros delitos já praticados.

Quanto a instrução criminal, nada, além de conjecturas, poderia ser argumentado. Não se tem o mais frágil indício de que, em liberdade, a paciente poderia tumultuar a colheita de provas. Nenhum fato real, pretérito ou presente, poderia ser apontado como indicativo de uma postura tendente a obstaculizar a regular produção de provas por parte de SUZANE. Absolutamente nenhum.

Destaque-se que o sumário de culpa já se encerrou, após uma colheita de provas absolutamente tranqüila e desprovida de interferências por parte da paciente.

E o mesmo vale quanto a eventual aplicação da lei penal. Não existe o mais tênue elemento, o mais vacilante sinal, o mais inseguro vestígio, o mais apagado traço de que, em liberdade provisória, a paciente empreenderia embaraço à aplicação da lei penal. Definitivamente, não existe.

Este risco foi timidamente mencionado apenas pelo “parquetier”, quando pleiteou a prisão preventiva. A afirmação, contudo, plana no ar. Não é sustentada por qualquer elemento fático autorizador de um legítimo receio.

De qualquer forma, para espancar eventuais alegações de que a requerente não tem raízes em São Paulo, suspeita que poderia surgir com as notícias de que seu irmão ajuizara ação para deserdá-la, a defesa requereu e a autoridade coatora deferiu Justificação Criminal para o fim de ser ouvida a avó de SUZANNE, Sra. Margot (doc. ).

Sob o crivo do contraditório, em tom emocionado, a Sra. Margot, hoje com mais de 80 anos, anunciou seu perdão à neta, nada obstante o amor que sentia por seu filho. Disse que, em razão dos problemas de saúde, seu dia a dia é sobrecarregado de dificuldades. Neste contexto, a liberdade da paciente, a quem afirmou expressamente desejar receber em sua residência, em muito auxiliaria na sua rotina diária.

Tal depoimento, a par do seu conteúdo humano, tem aptidão para evidenciar que, solta, a paciente terá um lar, residência fixa, atividades laborais, tudo a indicar que não irá empreender fuga, não se furtará a eventual aplicação da lei penal.

Destaque-se, por oportuno, que o depoimento da avó da paciente renovou o interesse da mídia pelo assunto, sendo alvo de novas reportagens. A respeitada revista eletrônica Consultor Jurídico, noticiou a tomada do depoimento, inclusive com sua transcrição integral. No corpo da matéria (doc. ), há manifestação do professor Luiz Flávio Gomes, específica para o caso, conferindo à opinião a força de um parecer jurídico, na qual ele afiança que a paciente “tem requisitos suficientes para responder o processo em liberdade”. Afinal, completou, “Ainda não foi condenada, não está ameaçando testemunhas e não oferece perigo para a sociedade”.

Também o programa Fantástico, da rede de televisão Globo, apresentou matéria jornalística sobre o assunto. A defesa chama atenção para trecho da entrevista concedida pelo promotor de justiça Roberto Tardelli: “Qualquer pessoa do povo sabe, do taxista ao carpinteiro, porque ela tá presa…” (doc. ).

Com esta declaração, o promotor de justiça acabou por confessar que SUZANE está presa por força da acusação em si, dos fatos objetos da denúncia, ainda não julgados, e não por uma necessidade cautelar. Acabou por reconhecer estarmos diante de uma punição sem processo. Ora, o que “qualquer pessoa do povo sabe, do taxista ao carpinteiro”, é a imputação que pesa sobre ela. O que é de domínio público é a acusação contida na denúncia, a inculpação de homicídio contra os próprios pais. E só.

As questões cautelares, as únicas com aptidão a justificar o encarceramento provisório não são de domínio público. Não são alvos de cobertura jornalística. Não são de conhecimento, pois, nem do taxista, nem do carpinteiro, nem de qualquer do povo.

Restam, assim, os argumentos utilizados pela autoridade coatora, que dizem respeito ao clamor público causado pela gravidade do delito e a própria proteção da paciente.

Quanto ao primeiro argumento, a defesa traz a colação o mais moderno entendimento jurisprudencial, hoje pacificado no Excelso Pretório e, igualmente, nesta Côrte. Impedir a utilização da prisão cautelar como forma de pena antecipada é posição que foi se consolidando ao longo do tempo, até atingir a atual tranqüilidade. Entre muitas outras decisões que poderiam ser lembradas, vale citar esta, proferida pelo Ministro Marco Aurélio:

“PRISAO PREVENTIVA – EXCEPCIONALIDADE. A Carta de 1988 jungiu a perda da liberdade a certos pressupostos, revelando, assim, que esta se constitui em verdadeira exceção. Indispensável para que ocorra e que se faca presente situação enquadrável no disposto no inciso LXI do rol das garantias constitucionais, devendo, se possuidora de contornos preventivos, residir em elementos concretos que sejam passiveis de exame e, portanto, enquadráveis no artigo 312 do Código de Processo Penal. Não ha como inverter a ordem natural das coisas tal como definida pelo ordenamento jurídico, elegendo-se a possibilidade de responder em liberdade a acusação, simples acusação, em exceção. Enquanto ciência, em direito o meio justifica o fim, mas não este aquele, mormente quando se parte da visão distorcida sobre constituir-se a postura rigorosa em panacéia para consertar o quadro de delinqüencial notado” (STF; Min Marco Aurélio; j.28/06/1994; DJ. 23/09/1994; HC Nº 71361).


No mesmo sentido, veja-se mais a seguinte decisão, pouco anterior, mas sempre atual, relatada pelo Ministro Sepúlveda Pertence:

“A gravidade do crime imputado, um dos malsinados crimes hediondos (Lei 8072/90), não basta à justificação da prisão preventiva, que tem natureza cautelar, no interesse do desenvolvimento e do resultado do processo, e só se legitima quando a tanto se mostrar necessária : não serve a prisão preventiva, nem a Constituição permitiria que para isso fosse utilizado, a punir sem processo, em atenção à gravidade do crime imputado, do qual, entretanto, ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (art. 5º, LVII)” (STF; Rel. Min. Sepúlveda Pertence; RHC 68.631-1/DF ; DJ. 23/08/1991).

Sobre o barulho da mídia, confundido com clamor público, decidiu o mesmo Excelso Pretório, em decisão relatada pela Ministra Ellen Gracie:

“Prisão Preventiva: motivação substancialmente inidônea.

Não serve para motivar a prisão preventiva – que só se legitima como medida cautelar – nem o apelo fácil, mas inconsistente ao clamor público – mormente quando confundido com o estrépido da mídia -, nem a alegação de maus antecedentes do acusado – quando reduzidos a um processo penal no qual absolvido – nem, finalmente que se furte ele – já superada a situação de flagrância – à ordem ilegal de condução para ser atuado em flagrante, à qual se seguiu o decreto de prisão preventiva, contra o qual, de imediato, se insurgiu em Juízo: precedentes do Supremo Tribunal” (STF; Rel. Min. Ellen Gracie; j.20/03/01 ; DJ. 22/06/01; HC Nº 80.472-1/PA).

Merece menção, também, a completa decisão relatada pelo Ministro Celso de Mello, aplicável como uma luva à espécie:

“A privação cautelar da liberdade individual reveste-se de caráter excepcional, somente devendo ser decretada em situações de absoluta necessidade. A prisão preventiva, para legitimar-se em face de nosso sistema jurídico, impõe – além da satisfação dos pressupostos a que se refere o art. 312 do CPP (prova da existência material do crime e indício suficiente de autoria) – que se evidenciem, com fundamento em base empírica idônea, razões justificadoras da imprescindibilidade dessa extraordinária medida cautelar de privação da liberdade do indiciado ou réu. A prisão preventiva – enquanto medida de natureza cautelar – não tem por objetivo infligir punição antecipada ao indiciado ou ao réu. A prisão preventiva não pode – e não deve – ser utilizada, pelo poder público, como instrumento de punição antecipada daquele a quem se imputou a prática do delito, pois, no sistema jurídico brasileiro, fundado em bases democráticas, prevalece o princípio da liberdade, incompatível com punições sem processo e inconciliável com condenações sem defesa prévia. A prisão preventiva – que não deve ser confundida com a prisão penal – não objetiva infligir punição àquele que sofre a sua decretação, mas destina-se, considerada a função cautelar que lhe é inerente, a atuar em benefício da atividade estatal desenvolvida no processo penal. O clamor público, ainda que se trate de crime hediondo, não constitui fator de legitimação da privação cautelar da liberdade. O estado de comoção social e de eventual indignação popular, motivado pela repercussão da prática da infração penal, não pode justificar, só por si, a decretação da prisão cautelar do suposto autor do comportamento delituoso, sob pena de completa e grave aniquilação do postulado fundamental da liberdade. O clamor púbico – precisamente por não constituir causa legal de justificação da prisão processual (CPP, art. 312) – não se qualifica como fator de legitimação da privação cautelar da liberdade do indiciado ou do réu, não sendo lícito pretender-se, nessa matéria, por incabível, a aplicação analógica do que se contém no art. 323, V, do CPP, que concerne, exclusivamente, ao tema da fiança criminal. Precedentes. – a acusação penal por crime hediondo não justifica, só por si, a privação cautelar da liberdade do indiciado ou do réu. A preservação da credibilidade das instituições e da ordem pública não consubstancia, só por si, circunstância autorizadora da prisão cautelar ”(STF; Rel. Min. Celso de Mello; j. 26/06/2001; DJ 28/09/2001; HC 80719/SP).

E o entendimento desta E. Corte, caminha no mesmo sentido:

“Prisão preventiva.

A simples qualificação dos fatos descritos na denúncia, por si só, não basta para a decretação da custódia preventiva, pois cabe ao juiz verificar a necessidade da medida, ainda que verse a acusação por crime tido como hediondo”(TJSP; Rel. Des. Djalma Lofrano; j.04/09/1997; RT 746/597).

“HABEAS CORPUS – Liberdade provisória concedida a réus presos em flagrante por tentativa de homicídio qualificado posteriormente revogada – Admissibilidade, visto que não está devidamente fundamentada a decretação da prisão preventiva, nos termos do artigo 312 do Código de Processo Penal – Ao autor de crime hediondo não é inconcebível a liberdade provisória tão – somente pela natureza do delito – A constrição cautelar necessita, sempre e sempre, estar fundamentada nos preceitos do aludido dispositivo da lei processual penal – Ainda que se diga que os pacientes tenham revelado insensibilidade e frieza no cometimento do crime (a afirmativa não tem, é óbvio, sentido de julgamento, apenas de avaliar o pedido de liberdade provisória função da personlidade dos réus), o fato, por si só, não justifica a custódia cautelar em sentido de garantir a ordem pública, não sendo abalada a credibilidade da Justiça, à luz, do disposto em lei, a réu se concede liberdade provisória, porque não presentes os motivos que ensejam a prisão preventiva- Ordem concedida” (TJSP; Des. Walter Guilherme; j.16/03/1999; HABEAS CORPUS Nº 276.573-3).


Recentíssima decisão, relatada pelo Des. Oliveira Passos, veio assim ementada:

“Habeas-Corpus. Homicídio qualificado, destruição de cadáver e quadrilha. Prisão Preventiva. Pretendida revogação. Admissibilidade. Decreto não suficientemente fundamentado. Ausentes razões de ordem fática. Inexistência de elementos a indicar a necessidade da custódia cautelar. Constrangimento ilegal caracterizado. Ordem concedida” (TJSP; Des. Passos de Freitas; j. 23/07/2002; HABEAS-CORPUS Nº 386.583-3/7-00).

E, entre muitas outras decisões que merecem lembrança, destaca-se:

“HABEAS CORPUS – Prisão preventiva – Crime hediondo –Alegado constrangimento ilegal – Ocorrência – Medida desnecessária apesar da hediondez do crime – Não comprovada a periculosidade do agente, bem como atos criminosos isolados não aconselhando seu recolhimento antecipado – Inadmissível a decretação de prisão preventiva com base somente na gravidade do delito – Concessão de liberdade provisória – Ordem concedida. A só gravidade dos delitos não ameaça a ordem pública, inexistindo elementos ou circunstâncias que indiquem uma provável, ou possível, repetição de tais atos” (TJSP; Rel. Des. Andrade Cavalcanti; j.17/11/1997; HABEAS CORPUS Nº 244.157-3).

As decisões, Cultos Magistrados, falam por si. O argumento da gravidade do delito e do conseqüente clamor público não tem, como visto, amparo legal, consoante entendimento tranqüilo da Suprema Corte e deste Tribunal de Justiça.

Por fim, sobrou o argumento de que a prisão justificar-se-ia para garantir a segurança da própria paciente. Ao que parece, então, a prisão cautelar seria um benefício a ela concedido.

E se assim é, ela declara que dele deseja abrir mão. Não tem interesse no benefício.

Até porque, no caso em tela, não há razão para suspeitar que exista perigo real. Não se tem notícia de nenhuma ameaça, nenhum levante, nenhuma demonstração de violência ou intolerância. Ademais, o tempo decorrido e a violência infinita desta Capital paulista apagaram eventuais resquícios de revolta ou, ao menos, mudaram os alvos deste sentimento.

E mesmo que assim não fosse, a obrigação do Estado é a de assegurar a integridade de todos os cidadãos, não apenas os detidos. Até porque, se assim não fosse, cairíamos no absurdo paradoxo de concluir que a solução para a violência é a reclusão dos inocentes.

Em situação bem mais grave, na qual havia positivo temor à saúde do acusado, decidiu este Tribunal de Justiça de São Paulo:

“A natural revolta que o fato causou no bairro de residência das vítimas, freqüente em casos de homicídio, não se confunde com o clamor público e as ameaças à integridade física do paciente (fls. 50) devem ser conjuradas por outro modo que não a privação de sua liberdade. De lembrar, por sua pertinência, a lição de MANOEL DA COSTA MANSO: ´Advirta-se, porém, que, se o criminoso é que é ameaçado de represálias, por parte da vítima, da família desta, ou de elementos populares, não se justifica a prisão. O que a autoridade neste caso deve fazer, é garanti-lo contra qualquer violência, e não tirar-lhe a liberdade, a pretexto de favorece-lo´(O Processo na Segunda Instância e suas aplicações à Primeira´, pág. 617, editora Saraiva, 1923). A lição, editada na primeira metade do século continua atual e a ela aderem doutrinadores do mérito de BASILEU GARCIA (`Comentários ao Código de Processo Penal-, vol. 3º/169-172, Editora Forense, 1945) e J. F. MIRABETE (`Processo Penal´, pág 369, Editora Atlas, 1991)”(TJSP; Des. Dante Busana; HC 156.350-3; j. 12/12/1993; JTJ – Lex 153/323).

Em conclusão, parece não existir qualquer fundamento juridicamente válido para a manutenção de SUZANE em cárcere provisório.

Para encerrar a sua motivação, a defesa traz à tona profunda reflexão do sempre atual Evandro Lins e Silva, fruto de profunda experiência e sabedoria, cuja clareza e autoridade evidenciam a falta de interesse social na prisão desnecessária, agregando, a todos os argumento jurídicos acima expostos, um outro, de índole criminológica, de natureza política-criminal:

“Hoje, não se ignora que a prisão não regenera nem ressocializa ninguém; perverte, corrompe, deforma, avilta, embrutece, é uma fábrica de reincidência, é uma universidade às avessas onde se diploma o profissional do crime. Se não a pudermos eliminar de uma vez, só devemos conserva-la para os casos em que ela é indispensável. Estende-la, exacerbá-la, especialmente nos casos de prisão preventiva, é retroceder a um período de fanatismo repressivo, de reações instintivas, de um direito autoritário e desumano, que fica a um passo de outras formas violentas de castigo. Não é com a severidade das penas que se combate ou extingue a criminalidade. Se assim fosse, bastava estabelecer a pena de morte que os crimes desapareceriam com a só ameaça de sua aplicação” (Prefácio ao livro “Prisão – Crepúsculo de uma Era”, César Barros Leal; Editora Del Rey, Belo Horizonte; 2001).

O PEDIDO

Filiando-se a todos os ensinamentos jurisprudenciais e doutrinários transcritos nesta peça, os impetrantes requerem a CONCESSÃO DA ORDEM PARA O FIM DE CONCEDER LIBERDADE PROVISÓRIA de SUZANE LOUISE VON RICHTHOFEN.

Termos em que,

p. deferimento.

São Paulo, 26 de agosto de 2004.

ANTÔNIO CLÁUDIO MARIZ DE OLIVEIRA

SÉRGIO EDUARDO MENDONÇA DE ALVARENGA

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