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MPF quer barrar transferência irrestrita em universidades

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3 de novembro de 2004, 17h59

O Ministério Público Federal quer anular definitivamente o parecer 22 da Advocacia-Geral da União (AGU), que autorizava a transferência irrestrita de militares e seus dependentes de universidades privadas para públicas caso fossem transferidos por motivo de trabalho.

O pedido está na Ação Civil Pública ajuizada pelos procuradores da República em São Paulo, Luiz Fernando Gaspar Costa, e no Distrito Federal, Carlos Henrique dos Santos Lima.

Segundo dados apurados por eles, a Universidade Federal de Pernambuco recebeu 171 pedidos de transferências, sendo que 152 deles foram feitos por militares — 67 para o curso de Direito. Desse total, 41 militares vierem de faculdades particulares. Na Universidade Federal de Roraima, se atendidas todas as transferências de militares para o curso de Direito, 56,6% das vagas ficariam comprometidas aos transferidos.

O mesmo pode ser visto na Universidade de Brasília, que chegou a anunciar o cancelamento do vestibular para Direito e só voltou atrás depois da liminar concedida pela Justiça Federal de São Paulo. Em 2004, a universidade recebeu 303 pedidos de transferência, sendo apenas 21 de funcionários federais civis. No curso de Direito, 79 pedidos foram feitos por militares, sendo 50 de faculdades privadas, o que comprometeria 79% das 100 vagas anuais do curso.

O parecer está suspenso por força de liminar concedida em 29 de setembro pelo juiz Aroldo José Washington, da 4ª Vara Federal de São Paulo, em ação cautelar movida pelo MPF em São Paulo. Por força de lei, é necessário ingressar na Justiça com a ação definitiva dentro de 30 dias, o que está sendo feito agora.

Na ação, os procuradores da República, afirmam que o parecer da AGU é fruto de um “entendimento incompleto” de leis que regulam transferências de funcionários públicos entre universidades, sejam civis ou militares, quando removidos de um estado para outro (transferências ex-officio). Para os procuradores, a transferência de militares, regulada pelo parecer, só pode se dar entre estabelecimentos de ensino congêneres, ou seja, de uma faculdade particular para outra particular e de uma pública para outra pública.

Para os procuradores, não sendo dessa forma, o parecer constitui “indecoroso privilégio de classe” e “privilegia, à margem da Constituição Federal, um pequeno grupo de pessoas”. O parecer, diz o MPF, fere o princípio da isonomia (igualdade) da Constituição, além de artigos do capítulo da Educação que tratam do acesso à educação e aos níveis mais elevados do ensino, autonomia universitária e qualidade do ensino.

Além das iniciativas, o procurador-geral da República, Claudio Fonteles, ajuizou uma ação direta de inconstitucionalidade contra o parecer. O ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio de Mello, não julgou a ação, submetendo-a a apreciação do plenário e não há previsão de quando ela será julgada. Caso o parecer seja julgado inconstitucional pelo STF, a questão estará de vez sepultada e os militares e seus dependentes não poderão mais entrar com ações individuais na Justiça.

Leia a íntegra da Ação Civil Pública

EXMO. DR. JUIZ FEDERAL DA 4ª VARA FEDERAL DA SEÇÄO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO

Distribuição por dependência aos

Autos nº 2004.61.00.027112-9

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelos Procuradores da República ao final assinados, no exercício de suas atribuições constitucionais e legais, com fulcro nos artigos 127, 129, e 205, da Constituição Federal, e nos artigos 1º a 5º da Lei 7.347/85 – Lei da Ação Civil Pública; artigos 81 a 83, da Lei 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor; e artigo 6º, inciso VII, da Lei Complementar nº 75/93 – Lei Orgânica do Ministério Público da União; vem propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

em desfavor da UNIÃO FEDERAL, nesta Capital, a ser CITADA na pessoa do Procurador Regional da União, na Avenida Paulista, 1842 – 20º andar, Ed. Cetenco Plaza – Torre Norte; Cerqueira César, São Paulo-SP

I – DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL

A Constituição Federal, em seu art. 109, inciso I, é clara ao dispor que, aos juízes federais, compete processar e julgar as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho.

Incontestável, portanto, a competência deste Juízo Federal para processar e julgar a presente demanda.

II – DA LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

A Constituição Federal de 1988, ao definir o Ministério Público como Instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbiu-lhe da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127 da C.F.), e estabeleceu, em seu artigo 129, suas funções institucionais, destacando-se:


“Art. 129…

II – zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;

III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;… “

Em seguida, complementado o que fora informado, o artigo 205 da Constituição erige em direito de todos e dever do Estado e da Família a Educação, vejamos:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

É certo, ainda, que a Seção que trata sobre o tema, traz regras como a “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”; autonomia didático-científica e, administrativa das Universidades; acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; todas atraindo a obrigatória atuação ministerial em sua defesa.

Inegável, assim a legitimidade ativa do MPF.

III – DA LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO

Não restam dúvidas quanto à legitimidade passiva da União, visto que o objeto da presente ação é a suspensão dos efeitos do Parecer nº AC – 022, exarado pela Advocacia Geral da União e aprovado pelo Exmo. Sr. Advogado-Geral da União e pelo Exmo. Sr. Presidente da República (D.O.U. 15.09.2004 – Seção 1- fls 07/08), o qual tem conteúdo vinculante para a Administração Pública, de acordo com o disposto no artigo 40, § 1º, da Lei Complementar 73/93.

O parecer supra veio dirimir controvérsia jurídica existente entre o Ministério da Educação e o Ministério da Defesa a respeito da obrigatoriedade de reserva de vagas nas instituições públicas federais de ensino superior para o servidor militar ou seus dependentes naquelas hipóteses em que o aluno é egresso de instituição privada de ensino. Segue a ementa do parecer:

Transferência de estudante – Instituições de educação superior – Transferência ex officio de servidor militar – controvérsia entre os pareceres jurídicos nº 092, de 11 de junho de 2003, da Consultoria Jurídica do Ministério da Defesa, 021, de 13 janeiro de 2000 e 547, de 2 de junho de 2003, ambos da Consultoria Jurídica do Ministério da Educação, sobre o direito de o servidor militar e de seus dependentes se matricularem em estabelecimento de ensino superior público mesmo quando provenientes de instituições privadas.

I – O servidor militar transferido ex officio, bem como seus dependentes, têm direito à matrícula em estabelecimento de ensino superior público, mesmo na hipótese de terem ingressado originariamente em faculdade particular, ainda que no novo domicílio exista instituição de ensino privado.

II – O servidor militar e seus dependentes estão sujeitos exclusivamente à disciplina da Lei nº 9.536, de 11 de dezembro de 1997, a qual não faz referência ao termo “congênere”.

III – O termo “congênere”, previsto no art. 99 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, não deve ser aplicado nas hipóteses em que o servidor militar é transferido, consoante a jurisprudência pacífica de Superior Tribunal de Justiça.

IV – DOS FATOS E DO DIREITO

IV.I. A questão relativa às transferências entre Instituições de Ensino Superior, há muito, vem causando controvérsias administrativas e judiciais. Com efeito, é conhecido o grande número de Mandados de Segurança que os pleitos indeferidos geram.

Tal se deve, principalmente, aos requerimentos de vaga em IES públicas por candidatos oriundos de Instituições particulares. Nesse diapasão, as Universidades, em especial as vinculadas à esfera federal, vinham reiteradamente recusando-se a aceitar transferências de alunos oriundos de entidades não-congêneres, entendidas estas de acordo com a diferenciação entre públicas e particulares.

A legislação ordinária que rege a matéria vinha deixando margem à discussão, em especial, para diferenciação nos pleitos de transferência, decorrentes de remoção (profissional) ex-officio, entre servidores públicos civis e militares, ou seus dependentes.

Isso se dá, em decorrência da edição da Lei nº 9.536, de 11 de dezembro de 97, editada no intuito de regulamentar o parágrafo único do art. 40 da Lei nº 9.094/96 (LDB), vazada nos seguintes termos:

“Art. 1º A transferência ex officio a que se refere o parágrafo único do art. 49 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, será efetivada, entre instituições vinculadas a qualquer sistema de ensino, em qualquer época do ano e independente da existência de vaga, quando se tratar de servidor público federal civil ou militar estudante, ou seu dependente estudante, se requerida em razão de comprovada remoção ou transferência de ofício (…)”


Do texto legal derivam as seguintes interpretações, agora sedimentadas no referido Parecer da AGU: o servidor público militar, removido de ofício, tem direito a vaga em IES pública, independente da natureza (pública ou privada) da instituição de origem, por força do texto já transcrito; o servidor público civil, na mesma situação, deve transferir-se para instituição congênere (particular para particular, pública para pública), salvo se não restar na nova localidade curso afim em instituição de mesma natureza, por força do artigo 99 da Lei nº 8.112/90, que não teria sido revogada pela nova, apenas complementada. Abaixo o texto referido:

“Art. 99. Ao servidor estudante que mudar de sede no interesse da administração é assegurada, na localidade da nova residência ou na mais próxima, matrícula em instituição de ensino congênere, em qualquer época, independentemente de vaga”

É certo que o entendimento do STJ se vinha firmando no sentido da tese adotada no parecer da AGU. Todavia, e com as devidas vênias, além de derivar de uma equivocada interpretação do texto legal, certo é que a questão transborda os limites da legislação ordinária, encontrando seu natural desfecho no texto Constitucional.

As implicações do ato administrativo, além disso, estão a exigir a imediata atuação para evitar danos à sociedade que, estupefata, assiste a possibilidade de inviabilização, não de um, mas de diversos certames vestibulares para cursos mais concorridos, entre eles, e especialmente, o de DIREITO, por inexistência de vagas a serem ofertadas, quer para os afro-descendentes (cotas raciais), quer para o PAS (programa de avaliação seriada das escolas de segundo grau), quer para a sociedade.

A tese que ora se está a defender tem encontrado guarida mesmo na seara judicial, conforme trecho do voto da Juíza Assusete Magalhães, na QRJAMS nº 95.01.22761-8/PI, que bem explica o que aqui se expôe, verbis:

“Entendo que a superveniência da Lei nº 9.536, de 11/12/97, não acarreta a perda do objeto do presente incidente.

(…)

Ademais, do exame da Lei nº 9.536, de 11/12/97, entendo que, quando ela assegura a transferência compulsória de servidor público estudante removido ex officio “entre instituições vinculadas a qualquer sistema de ensino”, não está a dispor em contrário e de modo incompatível com o art. 99 da Lei nº 8.112/90.

Basta, para chegar-se a tal conclusão, examinar-se o que a nova Lei de Diretrizes e Bases – Lei nº 9.394/96 – dispõe sobre o sistema de ensino.

Diz a aludida Lei nº 9.394/96 que os sistemas de ensino são federal, estadual, do Distrito Federal e municipal (art. 8º), compreendendo os sistemas de ensino federal, estadual e do DF não apenas as instituições de ensino superior públicas, mantidas pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, mas também aquelas instituições de ensino superior criadas e mantidas pela iniciativa privada” (arts. 16 e 17), in verbis:

(…)

Assim sendo, quando a Lei nº 9.536/97 assegura a transferência “entre instituições vinculadas a qualquer sistema de ensino”, ou seja, vinculadas aos sistemas de ensino federal, estadual, do DF ou municipal, não está a impor que a transferência se opere obrigatoriamente para instituição de ensino pública, se o servidor estudante é originário de instituição de ensino privada, porquanto os aludidos sistemas de ensino compreendem as instituições de ensino públicas e também as criadas e mantidas pela iniciativa privada. E, à luz do art. 206, I, da CF/88, entendo que a interpretação a ser dada ao dispositivo também é a restritiva, de molde a assegurar a igualdade de condições para o acesso a instituição de ensino superior pública, ante o disputadíssimo exame particular.” (grifamos).

De ver-se que a própria orientação do STJ era torrencial no sentido de considerar a observância do requisito da congenereidade também para os servidores militares, mesmo após a edição da Lei nº 9.536/97, vejamos:

ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. TRANSFERÊNCIA “EX OFFICIO”. SERVIDOR MILITAR. INSTITUIÇÕES NÃO CONGÊNERES. APLICAÇÃO DA LEI N° 9.536/97.

– Quando o servidor militar for removido ex officio e no interesse da Administração, de acordo com o art. 1~ da Lei n.° 9.536/97, a este assiste direito à matrícula em estabelecimento superior do novo domicílio, em qualquer época do ano e em qualquer instituição de ensino, salvo, quando o curso pleiteado for encontrado em universidade particular na cidade para a qual o servidor foi transferido ex officio, caso em que, a matrícula não poderá ser feita em instituição de ensino público.

– Recurso especial desprovido.

Decisão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal do Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por maioria, vencido o Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros, negarprovimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Garcia Vieira, José Delgado e Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro Relator.


Acórdão Origem: STJ – SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – Classe: RESP – RECURSO ESPECIAL -387578 – Processo: 200101774617 – UF: DF – Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA – Data da decisão:04/04/2002 – Documento: STJ000442603 – Fonte DJ DATA:05/08/2002 PÁGINA:206 Relator(a) LUIZ FUX

ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. ENSINO SUPERIOR. SERVIDOR MILITAR FEDERAL. REMOÇÃO “EX OFFICIO”. TRANSFERÊNCIA DE MATRÍCULA.IVIOLAÇÃO DA LEI. INOCORRÊNCIA. DIVERGÊNCIA INEXISTENTE. MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 07/STJ.

1. Comprovada a remoção de servidor militar estudante universitário, por necessidade de serviço, tem ele direito à transferência de matrícula para estabelecimento congênere em localidade mais próxima da sua nova sede.

2. Paradigmas inespecíficos não se prestam para comprovar a divergência jurisprudencial.

3. Inadmissível o reexame de matéria tática em sede de recurso especial.

4. Recurso não conhecido. Decisão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso. Votaram com o Relator os Ministros Eliana Calmon, Franciulli Netto, Laurita Vaz e Paulo Medina.

Acórdão Origem: STJ – SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – Classe: RESP – RECURSO ESPECIAL — 232092 – Processo: 199900860896 – UF: RN – Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA – Data da decisão:04/09/2001 – Documento: 5TJ000410666 – Fonte DJ

DATA:12/1 1/2001 PÁGINA:138 Relator(a)

FRANCISCO PEÇANHA MARTINS – Publicação:12/11 /2001

ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. TRANSFERÊNCIA DE ESTUDANTE ESPOSA DE SERVIDOR MILITAR TRANSFERIDO PARA OUTRO ESTADO DA FEDERAÇÃO.

I. A estudante universitária na condição de esposa de servidor, na hipótese do marido mudar de sede no interesse da administração, tem assegurada matrícula em instituição de ensino congênere, em qualquer época, independentemente de vaga, na localidade da nova residência ou na mais próxima.

II. Multiplicidade de precedentes jurisprudenciais.

III. Medida cautelar procedente.

Decisão

Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas, decide a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, julgar procedente a Medida Cautelar, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro FRANCISCO FALCÃO. Votaram de acordo com o Relator os Srs. Ministros HUMBERTO GOMES DE BARROS e MILTON LUIZ PEREIRA. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros GARCLA VIEIRA e JOSÉ DELGADO. Acórdão Origem: STJ – SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – Classe: MC – MEDIDA CAUTELAR — 3260- Processo: 200001193821 – UF: DF – Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA – Data da decisão: 13/03/2001 –

Documento:5TJ000392050 – Fonte DJ

DATA:11/06/2001 PÁGINA:95 RSTJ VOL.:00153 PÁGINA:1 11 Relator(a) FRANCISCO FALCÃO Data Publicação 11/06 /2001

Conquanto tenha se observado mudança na orientação jurisprudencial do e. STJ, certo é que os aspectos constitucionais, inexoráveis para o completo entendimento, restaram fora do debate.

Sobre o aspecto da nova configuração constitucional da educação, importantíssimas manifestações têm sido feitas pelo i. colega Procurador Regional da República Humberto Jacques de Medeiros, a qual, malgrado sua extensão, por sua relevância e profundidade, pedimos vênia para transcrever:

“TRANSFERÊNCIA OBRIGATÓRIA. REVOGAÇÃO DO INSTITUTO. LEI Nº 9.536. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. INSTITUIÇÃO CONGÊNERE. ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL.

A Constituição da República não autoriza o ingresso no ensino superior público gratuito, custeado pelo contribuinte, de estudante de escola privada e que não se submeteu ao concurso público de instituição pública de ensino superior, no qual o Estado seleciona os melhores e de mais mérito para gozar da benesse do ensino superior público gratuito. Afronta o princípio republicano o ingresso do impetrante apenas em função de sua atividade profissional, desconsiderando-se todos os imperativos de ordem constitucional.

Quando o legislador cria a figura da transferência obrigatória – necessariamente submetida à Constituição – não o faz para que todo e qualquer um que mantenha, a qualquer tempo, vínculo com a Administração, ingresse sem vestibular na Instituição de Ensino Superior que melhor lhe aprouver, no momento em que entender mais agradável à sua pessoa, independentemente de vaga e condições de ensino.

A posição do Superior Tribunal de Justiça, assumidamente incompleta, não pode ser automaticamente esposada pela jurisdição ordinária.

Parecer pelo provimento do recurso.

(…)

Como se pode falar em igualdade de condições de acesso e permanência se para alguns estudantes é necessário submeter-se ao número de vagas do vestibular e para outros o acesso se dá independentemente de vagas?


Como se pode falar em coexistência de instituições públicas e privadas se o instituto da transferência obrigatória transforma vagas privadas em vagas públicas sem limite, esvaziando as instituições privadas e esgotando os parcos recursos do contribuinte?

Como se falar em acesso aos níveis mais elevados segundo a capacidade de cada um se alguns ingressam em instituições públicas e gratuitas mediante seletivo e disputado concurso público vestibular específico, e outros, sem demonstrarem igual capacidade, ingressam por transferência obrigatória independentemente de vaga e capacidade?

Como se pode falar em padrões mínimos, em direito a qualidade de ensino, a variedade e quantidade mínimos por aluno de insumos indispensáveis ao ensino-aprendizagem se existir um instituto que permita o ingresso independentemente de vaga, isto é, independentemente dos insumos e da qualidade? Lembre-se que, em caso que tal, o prejudicado não é o transferido, mas aqueles que conquistaram o direito à vaga por vestibular, os quais terão de abrir mão de seus insumos para compartilhá-los com o privilegiado transferido.

(…)

A remoção a pedido do impetrante foi processada sob a vigência da Lei n.º 9.394/96 que teve seu art. 49 regulamentado pela Lei n.º 9.536/97 da seguinte forma:

“Art. 1º – A transferência ex officio a que se refere o parágrafo único do art. 49 da Lei nº 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996, será efetivada, entre instituições vinculadas a qualquer sistema de ensino, em qualquer época do ano e independente de existência de vaga, quando se tratar de servidor público federal civil ou militar estudante, ou se dependente estudante, se requerida em razão de comprovada remoção ou transferência de ofício, que acarrete mudança de domicílio para o município onde se situe a instituição recebedora, ou para localidade mais próxima desta.

Verifica-se ao exame deste dispositivo legal que só cabe a transferência ex officio quando comprovada a transferência ou remoção de ofício do servidor, ou seja, por imperativos da Administração Pública. Será esse, contudo, o único requisito para que o direito do impetrante surja? Conforme será demonstrado, a remoção de ofício não é a causa bastante e suficiente para que emerja uma pretensão fundamentada do autor.

Destarte, o artigo em epígrafe se refere à transferência entre instituições vinculadas a qualquer sistema de ensino. Não há empecilhos, portanto, para transferência entre os diversos sistemas de ensino (federal, estadual, municipal).

Como se sabe, cada sistema de ensino é constituído por entes privados e públicos (artigos 16, 17, 18 da LBD). E a lei fala apenas na transferência entre os sistemas de ensino. Não é dito que a transferência será feita entre os diversos entes de cada sistema independentemente da sua natureza. Eis um silêncio eloqüente do legislador que só poderá ser realmente compreendido a luz do art. 99 da lei 8.112.

Entrementes, a própria leitura da Lei n.º 8.112/90 deve ser feita em conformidade com a Constituição e em consonância com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e sua norma regulamentadora.

(…)

Essa norma em vigor é o que há, no plano legislativo, complementando o que se dispõe sobre “transferência ex officio”. Pela leitura da mesma, não se poderá concluir outra coisa senão que entre elas não há relação de contrariedade, mas, pelo contrário, de complementaridade. O art. 99 da lei ora em pauta representa um “plus” à exigência elencada no artigo primeiro da norma regulamentadora.

(…)

Conclui-se, pelo exposto que a remoção de ofício é condição necessária, mas não suficiente para o feito. Esse pressuposto deve estar conjugado à necessidade de se respeitar a identidade entre as instituições de ensino superior, em face da Constituição.”

(…)

É a Constituição a sede da resolução do conflito posto entre a ordem jurídica e a pretensão esboçada na impetração.

Regras de sede constitucional impõem-se sobre o caso, que não pode ser resolvido com o desrespeito ou o esvaziamento de dispositivos da Constituição.

Na seção da Constituição dedicada à Educação, o constituinte estatuiu regras que não podem ser deixadas de lado na composição da controvérsia.

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

I – Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;(…)

VII – garantia de padrão de qualidade;

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de (…)

V – acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;

Assim como a Lei n.º 8.112/90 assegura matrícula em estabelecimento congênere a servidor público federal removido no interesse da administração; a Constituição garante igualdade de acesso e permanência ao ensino público de qualidade conforme a capacidade de cada um.


Não comporta discussão a supremacia da Constituição sobre a lei ordinária, que não pode contrariá-la e deve necessariamente ser lida em consonância com a Constituição.

(…)

A Constituição impõe que o acesso ao ensino seja realizado de modo igualitário.

A todos os brasileiros as dificuldades ou facilidades de acesso ao ensino devem ser exatamente as mesmas.

Não pode haver meio mais facilitado para uns e mais dificultoso para outros.

O caminho para o ingresso no ensino, em qualquer de seus graus, é o mesmo. Há apenas uma única porta de ingresso, pela qual devem passar todos os estudantes.

Do mesmo modo que a Universidade oferece uma única porta de saída, a colação de grau; oferece uma única porta de entrada, o seu vestibular.

Ofende o acesso igualitário a coexistência no espaço acadêmico da Universidade de Brasília tanto de estudantes que alcançaram o acesso ao ensino porque se submeteram ao concurso público vestibular da UnB quanto de estudantes que, sem jamais se submeterem àquele vestibular, ingressaram pela tortuosíssima via da transferência.

(…)

Um estudante oriundo de uma escola particular, se não possuía bolsa de estudos, pagava por esse ensino.

Ao ingressar na Universidade pública e gratuita, por transferência obrigatória, vê-se desonerado desse pagamento.

(…)

Por que aquele que pagava pelos seus estudos é, sem mais nem menos, sem mérito, desonerado desse encargo, que passa a ser sustentado por toda a Sociedade?” (g.n.)

A extensão e completude dos excertos trazidos do Parecer do i. colega de MPF, bem esboçam a dignidade constitucional que se emprestou às questões relativas ao acesso à educação; autonomia universitária; qualidade do ensino; acesso aos níveis mais elevados de ensino, segundo a capacidade de cada um; entre outras, todas inexoravelmente maculadas por um entendimento incompleto da legislação infraconstitucional.

IV.II. Dados relativos às transferências asseguradas a servidores públicos e seus dependentes nos anos de 2000 a 2004

No dia 20 de setembro de 2004 a Procuradoria da República no Distrito Federal e a Procuradoria da República em São Paulo, com fundamento no artigos 127, caput; 129, II; 205; 206, I; 207, caput, da Constituição Federal, bem como nos artigos 3º, “a”; 5º, I; 5º, II, d; 5º, V, “a” e 7º, I, determinaram a abertura de procedimento administrativo com o fim de apurar a existência de dano coletivo ao acesso igualitário à educação superior em universidades públicas (Procedimentos administrativos nº 1.16.000.001467/2004-93 PR/DF e nº 1.34.001.00.5024/2004-43, PR/SP), em decorrência da aprovação presidencial do parecer nº AC 022 da Advocacia Geral da União.

Nos autos do Procedimento administrativo nº 1.34.001.00.5024/2004-43, PR/SP, em 20 de setembro de 2004, foi encaminhado o Ofício 18.993/04 à Presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES) – solicitando informação sobre a realização de levantamento estatístico nas diversas Universidades Federais, a fim de avaliar o impacto que a observância do parecer implica na política de acesso igualitário ao ensino superior e, em caso, positivo, os dados referentes às eventuais transferências.

Em 21 de setembro de 2004 foi determinada a expedição de ofícios às cinqüenta e quatro instituições federais de ensino superior, solicitando informações sobre o preenchimento de vagas no ensino superior, com relação aos cursos que, nos exercícios de 2000, 2001, 2002, 2003 e 2004, tiveram vagas disponibilizadas a servidores públicos, civis ou militares, ou seus dependentes. Dos autos consta relatório relativo à localização das respostas encaminhadas ao Ministério Público Federal.

Do quanto apurado, a fim de evitar-se o enfadonho, destacaremos os casos em que o impacto deletério de transferências feitas sem a observância da simetria mostra-se mais evidente.

As razões de direito já expostas – acredita-se – são mais do que suficientes a justificar a anulação do parecer impugnado; o propósito dessa coleta de dados foi o de simplesmente evidenciar que a adoção de posicionamento jurídico diverso produz efeitos nefastos na política de acesso ao ensino superior. O operador do direito não pode alienar-se da realidade.

a) A situação paradigmática existente na Universidade de Brasília

Conforme informações enviadas pela Reitoria da Instituição, nos últimos anos a situação envolvendo a transferência obrigatória foi a seguinte:

Ano de 2000: 195 transferências de ofício, resultado de 161 deferimentos de pedidos administrativos (de um total de 439 pedidos administrativos) e 34 decisões judiciais (12,5% dos pedidos indeferidos).

Ano de 2001: 189 transferências de ofício, resultado de 113 deferimentos de pedidos administrativos (de um total de 269 pedidos administrativos) e 76 decisões judiciais (50,3% dos pedidos indeferidos).


Ano de 2002: 170 transferências de ofício, resultado de 130 deferimentos de pedidos administrativos (de um total de 279 pedidos administrativos) e 40 decisões judiciais (27% dos pedidos indeferidos).

Ano de 2003:184 transferências de ofício, resultado de 115 deferimentos de pedidos administrativos (de um total de 384 pedidos administrativos) e 69 decisões judiciais (26,3% dos pedidos indeferidos).

Ano de 2004: 269 transferências de ofício, resultado de 105 deferimentos de pedidos administrativos (de um total de 303 pedidos administrativos) e 164 decisões judiciais (82,8% dos pedidos indeferidos).

Importante também analisarmos o perfil daqueles que pleitearam a transferência obrigatória na UNB nos últimos anos, com especial destaque para o curso de direito, que oferece apenas 100 (cem) vagas anuais e enfrenta situação caótica:

Ano de 2000:Total de 439 pedidos administrativos. Desses, 106 foram feitos por servidores civis, dos quais 70 oriundos de instituições de ensino privadas. Houve 333 pedidos de militares. Desses, 186 oriundos de instituições privadas. No curso de direito, houve 77 pedidos de militares, sendo 54 oriundos de universidades particulares.

Ano de 2001: Total de 269 pedidos administrativos. Desses, 63 foram feitos por servidores civis, dos quais 36 oriundos de instituições de ensino privadas. Houve 206 pedidos de militares. Desses, 70 oriundos de instituições privadas. No curso de direito, houve 45 pedidos de militares, sendo 16 oriundos de universidades particulares.

Ano de 2002: Total de 279 pedidos administrativos. Desses, 76 foram feitos por servidores civis, dos quais 39 oriundos de instituições de ensino privadas. Houve 203 pedidos de militares. Desses, 83 oriundos de instituições privadas. No curso de direito, houve 34 pedidos de militares, sendo 18 oriundos de universidades particulares.

Ano de 2003: Total de 384 pedidos administrativos. Desses, 100 foram feitos por servidores civis, dos quais 51 oriundos de instituições de ensino privadas. Houve 284 pedidos de militares. Desses, 172 oriundos de instituições privadas. No curso de direito, houve 101 pedidos de militares, sendo 73 oriundos de universidades particulares.

Ano de 2004: Total de 303 pedidos administrativos. Desses, apenas 21 foram feitos por servidores civis, dos quais 12 oriundos de instituições de ensino privadas. Houve 282 pedidos de militares. Desses, 142 oriundos de instituições privadas. No curso de direito, houve 79 pedidos de militares, sendo 50 oriundos de universidades particulares.

b) Universidade Federal de Pernambuco

Não é diferente a situação na Universidade Federal de Pernambuco, conforme se denota das informações encaminhadas pela Reitoria da Universidade. Chama atenção o curso de direito – que oferece 190 vagas anuais – no qual a situação é a mais gritante.

Ano de 2000:Total de 161 solicitações de transferências, das quais 132 foram feitas por militares, 84 deles oriundos de instituições privadas. Foram 29 pedidos de servidores civis, sendo 19 oriundos de instituições privadas.

Do total de 161 solicitações, foram concedidas 131 transferências (118 para militares), resultado de 127 deferimentos de pedidos administrativos e 4 decisões judiciais.

O curso de direito recebeu um total de 47 solicitações, 35 de servidores militares, sendo 32 deles oriundos de instituições privadas. Dessas solicitações, foram concedidas 37 transferências – 33 para militares.

Ano de 2001: Total de 115 solicitações de transferências, das quais 97 foram feitas por militares, 56 deles oriundos de instituições privadas. Foram 18 pedidos de servidores civis, sendo 5 oriundos de instituições privadas.

Do total de 115 solicitações, foram concedidas 64 transferências (55 para militares), resultado de 44 deferimentos de pedidos administrativos e 20 decisões judiciais.

O curso de direito recebeu um total de 36 solicitações, 32 de servidores militares, sendo 23 deles oriundos de instituições privadas. Dessas solicitações, foram concedidas 21 transferências – 17 para militares.

Ano de 2002: Total de 131 solicitações de transferências, das quais 107 foram feitas por militares, 63 deles oriundos de instituições privadas. Foram 24 pedidos de servidores civis, sendo 14 oriundos de instituições privadas.

Do total de 131 solicitações, foram concedidas 78 transferências (69 para militares), resultado de 55 deferimentos de pedidos administrativos e 23 decisões judiciais.

O curso de direito recebeu um total de 47 solicitações, 38 de servidores militares, sendo 24 deles oriundos de instituições privadas. Dessas solicitações, foram concedidas 22 transferências, 19 delas a militares.

Ano de 2003: Total de 167 solicitações de transferências, das quais 147 foram feitas por militares, 95 deles oriundos de instituições privadas. Foram, portanto, 20 pedidos de servidores civis, sendo 8 oriundos de instituições privadas.


Foram concedidas, deste total de 167 solicitações, 93 transferências (83 delas para militares), as quais resultaram de 72 deferimentos de pedidos administrativos e 21 decisões judiciais.

No curso de direito, de um total de 51 solicitações, 47 foram de servidores militares, sendo 47 deles oriundos de instituições privadas. Foram concedidas 19 transferências, 17 a militares.

Ano de 2004: Total de 171 solicitações de transferências, das quais 152 foram feitas por militares, 91 deles oriundos de instituições privadas. Foram 19 solicitações de servidores civis, 8 oriundos de instituições privadas.

Do total de 171 pedidos, foram concedidos 83 transferências (74 para militares), resultado de 73 deferimentos de pedidos administrativos e 10 decisões judiciais.

No curso de direito, de um total de 67 solicitações, 57 foram de servidores militares, sendo 41 deles oriundos de instituições privadas. Nesse caso particular, foram concedidas 20 transferências, 14 delas a militares.

Ressalte-se que a Universidade estima aumento aproximado de 60 % para o ingresso por transferência ex-ofício, a partir da aplicação do parecer n.º AC –022 da AGU.

c) Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Outro exemplo que merece ser aqui mencionado é a situação enfrentada por outra grande instituição federal de ensino superior, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Conforme as informações fornecidas pela reitoria, a UFRGS somente defere os pedidos de transferência ex officio se estiverem de acordo com a “legislação vigente e caracterizadas pela congeneridade entre as IES” (instituições de ensino superior), com fundamento na Lei 9536/97 e no Parecer 21/00 da Consultoria Jurídica do Ministério da Educação. Todas as demais solicitações são automaticamente indeferidas, restando aos requerentes inconformados apenas a via judicial. Dessa forma, no âmbito da UFRGS, o ingresso por transferência compulsória (sempre a qualquer tempo e independente de vaga, por determinação legal) cujo requerente seja proveniente de instituição privada dá-se somente por via judicial.

Com o advento do Parecer aqui combatido, todas as solicitações seriam forçosamente deferidas, com um óbvio acréscimo da demanda de vagas, em capacidade muito maior do que a suportável pela instituição. À título de ilustração, a UFRGS estima que em relação ao curso de direito haveria um acréscimo em torno de 80% (oitenta por cento), enquanto em cursos como administração, medicina, psicologia e odontologia, o crescimento estimado seria de 50%. No ano de 2000, por exemplo, das 140 vagas oferecidas no curso de direito, 36 foram ocupadas por alunos transferidos compulsoriamente (25,71% do total de vagas).

d) Universidade Federal do Rio Grande

Na Universidade Federal do Rio Grande não foram registradas, nos últimos anos, transferências ex ofício de servidores civis, mas a situação envolvendo militares ou dependentes é preocupante, notadamente no curso de direito, que oferece apenas 60 vagas e apresenta o seguinte quadro:

Ano de 2000 – Foram recebidas 18 transferências ex ofício de militares, sendo 15 deles oriundos de instituições privadas e 3 de instituições públicas. As vagas ocupadas por militares transferidos representam, portanto, 30% do total de vagas oferecidas.

Ano de 2001 – Foram deferidas 14 solicitações de transferências para militares, todos eles oriundos de instituições privadas. Ficaram comprometidas, portanto, 23,3% do número de vagas oferecidas pela Universidade.

Ano de 2002 – Foram recebidas 22 transferências de militares, ou seja, um percentual de 36,6% do número de vagas oferecidas pela Universidade. Desse total, 21 militares são oriundos de instituições privadas e apenas 1 deles oriundo de instituição pública.

Ano de 2003 – Foram recebidas 13 transferências de ofício, 11 delas oriundas de instituições privadas e 2 de instituições públicas. As transferências representam 21,6% do número total de vagas.

Ano de 2004 – Estão registradas 12 transferências de ofício, sendo todas oriundas de instituições privadas. O comprometimento do número total de vagas atinge 20%.

e) Universidade Federal de Roraima

Nas informações enviadas pela reitoria da Universidade Federal de Roraima, a instituição esclareceu que até 2001 os pedidos de transferência compulsória de alunos oriundos de instituições privadas eram deferidos tendo em vista a ausência de cursos oferecidos por instituições congêneres no Estado de Roraima. No entanto, a partir de 2002, passaram a ser indeferidos os pedidos referentes aos cursos de administração, contabilidade e economia, e a partir do 2o semestre de 2003, os referentes ao curso de direito, pois tais cursos passaram a ser ministrados em instituições privadas de ensino superior.

As situações mais graves – que beiram o absurdo – são as dos cursos de direito e administração de empresas (ainda que sejam apenas considerados os anos de 2002 a 2004). A universidade ofereceu nos anos de 2000 a 2004 sempre 30 vagas para cada um dos cursos referidos:

Ano de 2000: administração de empresas – 15 alunos transferidos compulsoriamente (50% do total de vagas), 09 deles oriundos de instituições de ensino privadas; direito – 24 alunos transferidos compulsoriamente (80% – OITENTA POR CENTO – do total de vagas), 20 deles oriundos de instituições de ensino privadas.

Ano de 2001: administração de empresas – 10 alunos transferidos compulsoriamente (33,3% do total de vagas), 06 deles oriundos de instituições de ensino privadas; direito – 29 alunos transferidos compulsoriamente (96,6% – NOVENTA E SEIS, SEIS POR CENTO – do total de vagas), 22 deles oriundos de instituições de ensino privadas.

Ano de 2002: administração de empresas – 03 alunos transferidos compulsoriamente (10% do total de vagas); direito – 21 alunos transferidos compulsoriamente (70% do total de vagas), 17 deles oriundos de instituições de ensino privadas.

Ano de 2003: administração de empresas – 03 alunos transferidos compulsoriamente, com 05 pedidos de alunos oriundos de instituições privadas indeferidos (comprometimento de 26,66% do total de vagas oferecidas, se considerarmos a obrigatoriedade do deferimento decorrente do Parecer da AGU); direito – 07 alunos transferidos compulsoriamente, com 13 pedidos de alunos oriundos de instituições privadas indeferidos (comprometimento de 66,6% do total de vagas).

Ano de 2004: administração de empresas – 04 alunos transferidos compulsoriamente, com 05 pedidos de alunos oriundos de instituições privadas indeferidos (comprometimento de 30% do total de vagas oferecidas, a considerar a obrigatoriedade do deferimento decorrente do Parecer da AGU); direito – 09 alunos transferidos compulsoriamente (05 por decisão judicial, de um total de 13 pedidos de alunos oriundos de instituições privadas indeferidos) (comprometimento de 56,6% do total de vagas).

f) Universidades Federais no Estado de São Paulo

Na Universidade Federal de São Carlos todos os pedidos de transferência ex ofício efetivados referem-se a servidores militares ou dependentes. Conforme informação prestada pela instituição de fls. 305/306, a situação, nos últimos anos, é a seguinte: No ano de 2000 foram deferidas 12 solicitações de transferência de servidores militares, 11 deles oriundos de instituição pública e 1 de instituição privada, ingressante por decisão judicial; em 2001 foram deferidas 10 solicitações de transferências de militares, todos oriundos de instituições públicas; em 2002 apenas um servidor militar, oriundo de instituição pública, ingressou na Universidade, por meio de transferência ex ofício; em 2003 foram deferidos 05 solicitações de transferência de servidores militares, todos oriundos de instituições públicas e em 2004 foi deferido o ingresso de 04 servidores militares, oriundos de instituições públicas.

Na Universidade Federal de São Paulo, segundo informações fornecidas pela Pró – Reitoria de Graduação, a situação envolvendo a transferência compulsória de alunos, tomando-se o curso de medicina como exemplo, é a seguinte: no ano de 2000 foram registradas 3 solicitações de transferência, sendo 2 referentes a militares, um oriundo de instituição pública e o outro de instituição privada; em 2001 foram registradas, também, 3 solicitações de transferências, 2 delas de militares, um oriundo de instituição pública e outro de instituição privada; em 2003 foram efetivadas 2 transferências de militares, um deles oriundo de instituição privada, outro de instituição pública e em 2004 foram registrados 4 pedidos de transferência, 2 deles de militares oriundos de instituições privadas e os outros 2 de servidores civis, também oriundos de instituições privadas.

IV.III.

Os dados apurados só vêm confirmar o que uma interpretação conforme à Constituição já apontava: o entendimento que possibilita a servidor militar ingressar, por via oblíqua, em universidade pública constitui indecoroso privilégio de classe, absolutamente incompatível com o princípio republicano.

Cabe aqui lembrar as palavras do Exmo. Sr. Procurador-Geral da República na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3324, por meio da qual pleiteia interpretação conforme à Constituição Federal ao artigo 1º, da Lei 9.536/97, para o fim de que as transferências obedeçam à regra da congeneridade:

“O servidor público está sujeito a ser transferido, para servir em outra localidade, quando o interesse público o exigir. Essa movimentação ocorre com mais freqüência no caso dos militares, em que as transferências são uma característica da carreira. Nesses casos, é razoável que o Estado compense o ônus imposto ao servidor seja restituindo-o financeiramente, seja prestando o auxílio necessário para a mudança de domicílio. Nessa mesma linha, é justo que o Estado assegure ao militar ou ao seu dependente estudante o acesso a instituição de ensino na localidade para onde é removido. Nada demais até aqui. O Estado apenas busca garantir ao servidor público transferido a continuidade do serviço.

Essa afirmação, contudo, não implica garantir ao servidor vinculado a estabelecimento privado de ensino o acesso a instituição pública. Uma coisa é a prerrogativa legítima de se assegurar a continuidade do ensino ao militar ou dependente transferido a interesse do Estado. Outra, bem diferente, como assevera o anterior Presidente do Supremo Tribunal Federal Ministro Maurício Corrêa, é mascarar um privilégio de classe para impor que o ensino passe a ser prestado por instituição de ensino pública. Nessa segunda hipótese, a norma já não visa tão-somente a assegurar a educação do servidor. Ultrapassa esse limite para privilegiar um grupo, assegurando a gratuidade de ensino independentemente de o militar ou seu dependente haver conquistado esse direito pela via mais justa: o vestibular”.

Mas não é só. O posicionamento acolhido pela União, por meio da AGU, O perigo iminente também diz respeito a um risco de dano moral coletivo, cuja ocorrência também se pretende evitar com o ajuizamento da presente medida. É evidente que a partir do momento em que o Estado, em afronta ao princípio republicano, ao princípio constitucional da isonomia e ao acesso igualitário ao ensino, contempla interpretação que privilegia, à margem da Constituição Federal, um pequeno grupo de pessoas, desprestigia a si mesmo e contribui para que cada vez mais a sociedade fique estarrecida diante do uso que se faz do poder.

Longe de retórica vazia, é o depoimento dos próprios vestibulandos que autoriza concluir nesse sentido. A propósito, vale destacar o noticiado no endereço eletrônico da Universidade de Brasília:

Desânimo entre os pré-vestibulandos

(…)

Tempo e investimento perdidos, além da frustração de construir um futuro profissional dentro de uma universidade pública. Esse foi um resumo das sensações que atingiram, principalmente, os cerca de quatro mil candidatos ao curso de Direito da Universidade de Brasília (UnB) ao saberem do risco da suspensão do 1º vestibular de 2005 para a área. “Fiquei pasmo ao receber a notícia. Não sei o que vou fazer daqui para frente, pois só tinha em mente a UnB”, desabafou Rafael Jason, 21 anos, que há cinco vestibulares tenta uma vaga na instituição. Ele disse que não há dinheiro no mundo que pague o desmoronamento de um sonho construído com muito esforço. Isso porque a UnB estuda o cancelamento do exame de admissão para Direito por conta do parecer da Advocacia Geral da União (AGU) que obriga as instituições federais de ensino superior (Ifes) a matricular militares e dependentes diretos (filhos e cônjuges) transferidos de outras cidades, independente da natureza da instituição de origem (pública ou privada).

(…)

“O mérito de entrar em uma universidade como a UnB não pode ser dado por vantagens. A medida é um absurdo e a instituição não pode abaixar a cabeça.” Guilherme Souto, 18 anos, candidato ao curso de Ciência Política

(…)

“A UnB existe para quem não tem condições de pagar uma instituição particular e não para atender a esse tipo de regalia. Militares e filhos de militares são iguais a mim. A medida nada mais é que uma acepção de pessoas.”. Bruna Viana, 18 anos, candidata ao curso de Medicina (g.n.)”

Fonte:

http://www.unb.br/acs/unbagencia/ag0904-46.htm

V. DOS PEDIDOS

V.I. A ação civil pública pleiteia, assim, a anulação do Parecer nº AC – 022 AGU, com a cessação dos seus efeitos. O art. 16 da LACP, ao confundir critério para fixação da competência (território) com os efeitos da decisão, não possui nenhuma aplicação neste feito.

A pessoa jurídica que figura no pólo passivo desta ação é de âmbito nacional, assim como estão espalhados pelo território nacional os prejudicados por seus atos. A natureza do objeto da presente ação cautelar não admite o fracionamento da decisão, ou ensejaria novas injustiças que aqui se busca evitar. Não é crível que uma, ou algumas, Universidades Federais sejam obrigadas a aceitar os termos do referido parecer da AGU, com nítidos prejuízos para a sociedade, inclusive com suspensão de certames vestibulares, e outras estejam fora deste alcance.

A se entender ilegal ou inconstitucional o texto do referido parecer, assim será em todo o País. Nesse sentido já se pronunciou Vossa Excelência nos autos da ação cautelar nº 2004.61.00.027112-9.

V.II. Cabe ainda assinalar que o dano potencial exposto na ação cautelar proposta só não ocorreu de fato graças à decisão proferida por Vossa Excelência nos autos da ação cautelar.

Naquela oportunidade foi exposto que algumas das Universidades já haviam iniciado os processos seletivos e outras estavam por fazê-lo, situação que permanece ainda hoje. O risco de dano é iminente na medida em que o próprio desenrolar dos processos de vestibular em andamento pode ser prejudicado pelo retorno da obrigatoriedade da observância do parecer impugnado, com o acolhimento de todos aqueles pedidos de transferências feitos por servidores públicos militares ou seus dependentes que são egressos de instituições privadas.

A título de ilustração, pode-se citar o exemplo da Universidade de Brasília, que suspendeu o vestibular para o Curso de Direito, tendo sido retomado seu andamento após a prolação da decisão supra.

Além do perigo a que estão expostos os processos de vestibular a própria autonomia universitária e a política de vagas estarão comprometidas com o eventual retorno da eficácia vinculante do parecer. É que, mesmo depois de concluídos os certames, a qualidade do ensino superior estará sujeita a risco com a necessidade de pronto atendimento das numerosas transferências ilegítimas, que ocasionariam superlotação de salas e falta de professores, além de comprometer a oferta de futuras vagas nas instituições.

Daí a absoluta necessidade de manutenção da eficácia da decisão liminar que suspendeu a eficácia vinculante do parecer da AGU até julgamento definitivo desta ação civil pública.

V.III. Diante do exposto vem o Ministério Público requerer:

a) a manutenção, em sede liminar, da r. decisão prolatada em 29 de setembro de 2004, por meio da qual foram suspensos os efeitos vinculantes do Parecer AC 22, da AGU em todo o território nacional a citação da União, para responder, sob pena de revelia;

b) a citação da União Federal, na pessoa de seu Procurador Regional, para, querendo, contestar a presente ação e acompanhá-la em todos os seus termos, até final procedência, sob pena de revelia e confissão;

c) seja julgada procedente a pretensão ora deduzida para o fim de declarar nulo o Parecer nº 022/AGU, por contrariar a normatização de toda a disciplina educacional e outras disposições fundamentais insculpidas na Carta Magna de 1988, em especial os artigos 5º, caput e inciso I; 37, caput; 206, inciso I a VII; 207, caput e 208, inciso V, todos da Constituição Federal, em relação aos quais requer digne-se Vossa Excelência pronunciar-se expressamente para fins de prequestionamento;

d) sendo a questão de mérito unicamente de direito, seja julgada a lide antecipadamente, nos termos do art. 330, I, do CPC.

Dá-se a causa o valor de 10.000,00 (dez mil reais).

Termos em que pede deferimento.

São Paulo, 3 de novembro de 2004.

LUIZ FERNANDO GASPAR COSTA CARLOS HENRIQUE

Procurador da República

MARTINS LIMA

Procurador da República

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