Peça de museu

Legislação brasileira atrapalha o combate à lavagem de dinheiro

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3 de novembro de 2004, 9h08

O crime de sonegação fiscal tem a punibilidade extinta se o réu pagar o débito antes ou depois da denúncia formalizada. Isto porque, no processo legislativo brasileiro, o estado privilegia a arrecadação e não a punição. No entanto, têm-se detectado a crescente esterilização de recursos de caixa dois, através da lavagem de dinheiro, por remessas ao exterior.

Os antigos Códigos Penal e de Processo Penal, da década de 40, não tipificam crimes, como o de organização criminosa ou de terrorismo e seu financiamento. Prejudicam, por isso, acordos bilaterais de ampla cooperação penal, ficando anos luz distantes das ações da criminalidade moderna, a cada dia mais criativa no uso dos recursos da informática e da globalização.

Essas são algumas das dificuldades legais para o combate ao crime da lavagem de dinheiro apontadas pelo ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça, em entrevista à revista Consultor Jurídico. Integrante do Conselho da Justiça Federal e representante do Judiciário no Encla (Estratégia Nacional Contra a Lavagem de Dinheiro), Gilson Dipp tornou-se, nos últimos anos, um dos maiores especialistas no combate ao crime organizado.

Ele aponta as fragilidades da legislação e defende o poder de investigação direta pelo Ministério Público, com regras claras, prazos definidos e acesso dos acusados aos autos. Segundo Dipp, existiram excessos porque cada procurador “era dono de seu nariz” e porque as corregedorias não atuavam. “A corregedoria do MPF só está funcionando agora, em termos precários, com a ativa gestão do procurador-geral da República”, garante.

Leia a entrevista

Por que o conceito de soberania nacional tem sido um óbice para o combate à lavagem de dinheiro?

O dinheiro obtido pela prática de crimes antecedentes ao crime da lavagem de dinheiro, que é a espinha dorsal do crime organizado, só pode ser aproveitado, se for reciclado, por meio de mecanismos complexos, anônimos, via de regra pelo sistema financeiro. Ele volta ao mercado, com aparência lícita, depois de ser transferido de um país para outro, instantaneamente.

É um crime com feição transnacional?

Ele ultrapassa as fronteiras. Aproveita-se do peso do estado, dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, que estão regulados, quase amarrados, ao princípio da territorialidade, ou seja, de que a lei se aplica apenas nos seus limites. É um conceito totalmente ultrapassado. O estado, não abdicando da sua soberania, precisa desenvolver uma ampla cooperação internacional. Se insistirmos no conceito de soberania do século 19, permitiremos que o crime organizado exerça o seu poder em detrimento da soberania formal.

O que deve ser feito?

Precisamos romper as amarras da cooperação judicial. É preciso, cada vez mais, que o Brasil participe de tratados e convenções internacionais. Precisamos celebrar mais acordos bilaterais de ampla cooperação penal, como já vem fazendo o governo.

O Brasil mantém quantos acordos atualmente?

Temos 40 acordos bilaterais de cooperação penal. Destes, 32 dizem respeito tão somente à extradição. Os demais são de cooperação penal ampla. Estes dispensam o uso da carta rogatória, que é um instrumento atrasado. A delibação do STF dá uma interpretação muito restrita à esse instrumento. A Corte, pela sua tradição, não admite cartas rogatórias para atos imediatos de bloqueio e seqüestro de bens, contas bancárias, quebra de sigilo bancário. Salvo se houver um acordo amplo de reciprocidade.

O que tem acontecido com as cartas rogatórias?

Somente 30% são respondidas — e não em período inferior a dois anos — no que se refere aos pedidos do Brasil aos países do Mercosul, onde deveria haver uma ampla cooperação. As demais sequer são respondidas. Torna-se, assim, um instrumento de cooperação jurídica internacional inadequado para o combate ao crime organizado.

Por que o acordo de cooperação ampla evita esse problema?

Os pedidos são atendidos rapidamente. A bem-sucedida operação “Farol da Colina”, que levou à prisão de doleiros e à investigação dos destinatários de remessas, só teve êxito por causa do acordo de cooperação bilateral com os Estados Unidos. O acordo feito, recentemente, com a Suíça possibilitou a remessa de inúmeros documentos, inclusive sobre um personagem muito conhecido da política nacional.

Quando a sonegação fiscal configura o crime de lavagem de dinheiro?

A sonegação fiscal não está incluída, na nossa legislação, entre os crimes antecedentes ao crime da lavagem de dinheiro. Desse modo, por si só, não configura o crime, embora saibamos que muitas remessas provêm de caixa dois. Entendo que possa haver esse enquadramento, se a sonegação fiscal, para sua consecução, configurar também crime contra a ordem financeira ou, pela sua complexidade, ser praticado por organização criminosa. São dois crimes antecedentes.


A sonegação fiscal, quando descoberta e paga, não deixa de ser crime?

Na verdade, no nosso processo legislativo, a tipificação dos crimes contra a ordem tributária sempre teve a finalidade de arrecadação e não de punição. Extingue-se a punibilidade mediante o parcelamento e o pagamento, antes ou depois do oferecimento da denúncia. Ou seja, o governo cria tipos penais para arrecadar mais facilmente, diante da inoperância de sua máquina de arrecadação fiscal.

A Lei da lavagem de dinheiro deve ser modificada?

Um dos projetos do Ministério da Justiça, através do Encla, é aperfeiçoar a lei, que considera como crimes antecedentes ao de lavagem de dinheiro apenas um rol exaustivo (veja a íntegra da Lei abaixo). A mudança consideraria, como crime antecedente, todo crime grave que causasse lesão ao erário, à economia.

,i>Deixaria de denominar os crimes antecedentes?

Não é conveniente denominar porque a moderna criminalidade é muito criativa. Sempre descobre uma nova modalidade de crime. Por isso, deveria ser considerado, como crime antecedente, todo crime grave com penas definidas que cause prejuízo acima de um determinado valor. Mas, vai caber ao legislador escolher o critério. Ele pode também definir, como antecedente, todo crime com penas acima de quatro anos.

A corrupção, no Brasil, é o principal crime antecedente do crime de lavagem de dinheiro?

As pesquisas mostram que, no mundo, os crimes antecedentes que mais geram dinheiro ilícito são, pela ordem, o tráfico de entorpecentes, depois o de armas e munições e, em terceiro lugar, o tráfico de pessoas, dado pela exploração sexual de mulheres e crianças. No Brasil, o crime antecedente que mais recursos está gerando para a lavagem, são os superfaturamentos de obras públicas, fraudes à licitações, etc. São crimes praticados contra a administração pública, ou seja, a corrupção, que já é considerada como crime antecedente.

Isto tem aumentado ou sempre foi assim?

Tenho a impressão de que nada disso é novo. Mas, com a criação das Varas Federais Especializadas em Lavagem de Dinheiro e Crimes contra o Sistema Financeiro, temos um banco de dados, uma central de informações, que indica de forma não muito precisa, que a maioria dos processos giram em torno do crime antecedente de corrupção.

Qual é a estimativa de movimento da lavagem de dinheiro no Brasil?

O crime organizado no mundo tem quase um mercado comum, com normas especiais e movimentação estimada em 25% da economia global. Operadores do mercado financeiro acreditam que o dinheiro brasileiro no exterior seja da ordem de U$ 200 bilhões. Para o Ministério da Justiça, esse valor seria da ordem de R$ 60 ou R$ 70 bilhões. Somos o 20º país no ranking mundial em lavagem de dinheiro.

No que o Código Penal dificulta o combate à lavagem de dinheiro?

Temos que criar tipos penais mais atuais. Não se trata de aumentar penas porque isso não resolverá o problema da impunidade. Há pouco tempo, por exemplo, com a operação “Cavalo de Tróia”, foi descoberta uma ação criminosa que consistia na transferência, através de programa de computador, de dinheiro de incautos para a conta bancária de laranjas.

Toda a descrição do crime se deu no conceito de organização criminosa. Estrutura organizada, divisão de tarefas, critérios empresariais e visão de lucro. Na hora de tipificar o crime, como não temos o conceito legal de organização criminosa, apesar de constar na lei de lavagem como crime antecedente, o MP enquadrou como formação de bando e quadrilha. Na hora de tipificar esse delito sofisticado, via informática, com falsificação de programa, o MP teve que usar a velha figura do estelionato do Código Penal de 1940.

Quais são os problemas decorrentes da falta de tipificação de organização criminosa?

O conceito de bando ou quadrilha é muito menos amplo que o de organização criminosa. Os tratados de cooperação judicial internacional, muitas vezes, apresentam a figura da dupla criminalidade, ou seja, só pode haver cooperação ou extradição se o tipo penal for igual nos dois países.

Existem outros problemas?

O Brasil tem sofrido forte pressão internacional para que tipifique o crime de terrorismo e o seu financiamento. Ele foi incluído na legislação como crime antecedente, mas não há sua descrição no Código Penal. Existe algo semelhante, uma descrição na lei que não gostamos de utilizar e que repudiamos porque não nos traz boas lembranças, que é a velha Lei de Segurança Nacional da ditadura militar.

O Código de Processo Penal também precisaria ser atualizado para facilitar o combate à lavagem de dinheiro?

É necessário porque todos os tipos penais e os meios de provas estão voltados para a nossa cultura tradicional de combater e de processar o crime individual, o crime comum. São o interrogatório do réu, audiências de defesa e de acusação e pena de reclusão de competência do juiz singular. Isto não serve para o combate ao crime organizado. A prova geralmente é técnica, pericial, exigindo conhecimentos de informática, mercado de capitais e legislação mundial. A lacuna gera a dificuldade probatória porque não temos a cultura para tratar esses crimes e de utilizar alguns preceitos.


Mas têm ocorrido avanços?

Há dois anos, era impensável que um juiz criminal decidisse questões como a utilização da chamada delação premiada do co-réu. Por informações que ele presta à Justiça, tem a sua pena atenuada ou até abolida. Isto fere o nosso princípio tradicional de que, a cada crime, corresponde a aplicação de uma pena. Temos muito pudor de utilizar esse recurso, porque não faz parte da nossa formação.

Também existem problemas para a infiltração de agentes policiais?

A lei determina que essa autorização se dê com circunstanciada autorização judicial. O Judiciário tem a responsabilidade pelo conteúdo da infiltração e até por eventuais práticas que o agente infiltrado vier a praticar dentro da organização criminosa. Ele vai ser, pelo menos, co-réu dos crimes praticados pela organização. E o juiz deve explicitar os crimes que ele pode cometer.

Qual é o maior desafio dos juízes criminais?

É encontrar o ponto de equilíbrio entre a proteção e garantia aos direitos individuais, à intimidade, ao sigilo bancário e, ao mesmo tempo, conciliar isso com o interesse coletivo e público. Já se disse que, hoje, estamos protegendo mais o patrimônio particular do que o erário público. A pena do furto qualificado é maior do que a aplicada ao crime de sonegação fiscal.

O Ministério Público pode fazer investigações?

A jurisprudência do STJ sempre disse que o MP pode realizar investigações diretas e produzir as provas necessárias ao oferecimento da denúncia. Recentemente, o STF reformou essa jurisprudência, numa decisão precursora que deu azo ao espalhafato que vem causando o julgamento, pelo plenário, do processo do ex-deputado Remi Trinta. A decisão foi relatada, na Segunda Turma, pelo ministro Nelson Jobim, que jamais disse que o MP não podia investigar.

Então qual foi a decisão?

A ementa diz que o MP não pode presidir e realizar inquérito policial diretamente e, com isso, também não pode ouvir diretamente os envolvidos. Mas, os juízes criminais consideram essencial a efetiva participação do MP para o combate ao crime organizado. O MP é um Poder mais isento, porque não está submetido, em princípio, à formulação de que a polícia é um braço do Executivo.

O senhor acha que o MP deveria presidir inquéritos?

Inquérito não. Isso é uma atribuição da polícia. Não pode é haver excessos, como o de um sub-procurador-geral da República ouvir uma pessoa acusada de ser bicheiro, às duas horas da madrugada, no prédio da Procuradoria Geral da República, dizendo até, na pressão do depoimento, que o chefe está chegando.

E por que há excessos?

É preciso que as corregedorias dos MPs funcionem. As estaduais ainda funcionam um pouco. A corregedoria do MPF só está funcionando agora, em termos precários, com a ativa gestão do procurador-geral Cláudio Fonteles. A dificuldade é que cada um era dono do seu nariz e fazia o que bem entendia. Hoje, já há um consenso também no MP, face a essa crítica toda e à possível decisão do Supremo, que vai ser no sentido, não tenho dúvida, de que é possível investigar com critérios. Os excessos não podem retirar a eficácia da generalidade.

Quais são os critérios que o senhor defende?

Primeiro, quando se faz uma investigação, se extrai uma portaria para dar conhecimento ao chefe. Essa investigação deve ter prazo limitado, assim como as renovações, se necessárias. Não pode ficar investigando a vida de uma pessoa por três, quatro anos. Numa determinada etapa, o acusado precisa ter conhecimento mínimo da investigação desde que não prejudique o seu andamento.

Conheça a íntegra da Lei de Lavagem de Dinheiro

Lei nº 9.613. de 3 de março de 1998

Dispõe sobre os crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

CAPÍTULO I

Dos Crimes de “Lavagem” ou Ocultação de Bens, Direitos e Valores

Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime:

I – de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins;

II – de terrorismo;

II – de terrorismo e seu financiamento; (Redação dada pela Lei nº 10.701, de 9.7.2003)

III – de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção;

IV – de extorsão mediante seqüestro;

V – contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos;


VI – contra o sistema financeiro nacional;

VII – praticado por organização criminosa.

VIII – praticado por particular contra a administração pública estrangeira (arts. 337-B, 337-C e 337-D do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal). (Inciso incluído pela Lei nº 10.467, de 11.6.2002)

Pena: reclusão de três a dez anos e multa.

§ 1º Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de qualquer dos crimes antecedentes referidos neste artigo:

I – os converte em ativos lícitos;

II – os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere;

III – importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros.

§ 2º Incorre, ainda, na mesma pena quem:

I – utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores que sabe serem provenientes de qualquer dos crimes antecedentes referidos neste artigo;

II – participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei.

§ 3º A tentativa é punida nos termos do parágrafo único do art. 14 do Código Penal.

§ 4º A pena será aumentada de um a dois terços, nos casos previstos nos incisos I a VI do caput deste artigo, se o crime for cometido de forma habitual ou por intermédio de organização criminosa.

§ 5º A pena será reduzida de um a dois terços e começará a ser cumprida em regime aberto, podendo o juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la por pena restritiva de direitos, se o autor, co-autor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais e de sua autoria ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime.

CAPÍTULO II

Disposições Processuais Especiais

Art. 2º O processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei:

I – obedecem às disposições relativas ao procedimento comum dos crimes punidos com reclusão, da competência do juiz singular;

II – independem do processo e julgamento dos crimes antecedentes referidos no artigo anterior, ainda que praticados em outro país;

III – são da competência da Justiça Federal:

a) quando praticados contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira, ou em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas;

b) quando o crime antecedente for de competência da Justiça Federal.

§ 1º A denúncia será instruída com indícios suficientes da existência do crime antecedente, sendo puníveis os fatos previstos nesta Lei, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor daquele crime.

§ 2º No processo por crime previsto nesta Lei, não se aplica o disposto no art. 366 do Código de Processo Penal.

Art. 3º Os crimes disciplinados nesta Lei são insuscetíveis de fiança e liberdade provisória e, em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade.

Art. 4º O juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público, ou representação da autoridade policial, ouvido o Ministério Público em vinte e quatro horas, havendo indícios suficientes, poderá decretar, no curso do inquérito ou da ação penal, a apreensão ou o seqüestro de bens, direitos ou valores do acusado, ou existentes em seu nome, objeto dos crimes previstos nesta Lei, procedendo-se na forma dos arts. 125 a 144 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal.

§ 1º As medidas assecuratórias previstas neste artigo serão levantadas se a ação penal não for iniciada no prazo de cento e vinte dias, contados da data em que ficar concluída a diligência.

§ 2º O juiz determinará a liberação dos bens, direitos e valores apreendidos ou seqüestrados quando comprovada a licitude de sua origem.

§ 3º Nenhum pedido de restituição será conhecido sem o comparecimento pessoal do acusado, podendo o juiz determinar a prática de atos necessários à conservação de bens, direitos ou valores, nos casos do art. 366 do Código de Processo Penal.

§ 4º A ordem de prisão de pessoas ou da apreensão ou seqüestro de bens, direitos ou valores, poderá ser suspensa pelo juiz, ouvido o Ministério Público, quando a sua execução imediata possa comprometer as investigações.

Art. 5º Quando as circunstâncias o aconselharem, o juiz, ouvido o Ministério Público, nomeará pessoa qualificada para a administração dos bens, direitos ou valores apreendidos ou seqüestrados, mediante termo de compromisso.

Art. 6º O administrador dos bens:

I – fará jus a uma remuneração, fixada pelo juiz, que será satisfeita com o produto dos bens objeto da administração;


II – prestará, por determinação judicial, informações periódicas da situação dos bens sob sua administração, bem como explicações e detalhamentos sobre investimentos e reinvestimentos realizados.

Parágrafo único. Os atos relativos à administração dos bens apreendidos ou seqüestrados serão levados ao conhecimento do Ministério Público, que requererá o que entender cabível.

CAPÍTULO III

Dos Efeitos da Condenação

Art. 7º São efeitos da condenação, além dos previstos no Código Penal:

I – a perda, em favor da União, dos bens, direitos e valores objeto de crime previsto nesta Lei, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé;

II – a interdição do exercício de cargo ou função pública de qualquer natureza e de diretor, de membro de conselho de administração ou de gerência das pessoas jurídicas referidas no art. 9º, pelo dobro do tempo da pena privativa de liberdade aplicada.

CAPÍTULO IV

Dos Bens, Direitos ou Valores Oriundos de Crimes Praticados no Estrangeiro

Art. 8º O juiz determinará, na hipótese de existência de tratado ou convenção internacional e por solicitação de autoridade estrangeira competente, a apreensão ou o seqüestro de bens, direitos ou valores oriundos de crimes descritos no art. 1º, praticados no estrangeiro.

§ 1º Aplica-se o disposto neste artigo, independentemente de tratado ou convenção internacional, quando o governo do país da autoridade solicitante prometer reciprocidade ao Brasil.

§ 2º Na falta de tratado ou convenção, os bens, direitos ou valores apreendidos ou seqüestrados por solicitação de autoridade estrangeira competente ou os recursos provenientes da sua alienação serão repartidos entre o Estado requerente e o Brasil, na proporção de metade, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé.

CAPÍTULO V

Das Pessoas Sujeitas À Lei

Art. 9º Sujeitam-se às obrigações referidas nos arts. 10 e 11 as pessoas jurídicas que tenham, em caráter permanente ou eventual, como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não:

I – a captação, intermediação e aplicação de recursos financeiros de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira;

II – a compra e venda de moeda estrangeira ou ouro como ativo financeiro ou instrumento cambial;

III – a custódia, emissão, distribuição, liqüidação, negociação, intermediação ou administração de títulos ou valores mobiliários.

Parágrafo único. Sujeitam-se às mesmas obrigações:

I – as bolsas de valores e bolsas de mercadorias ou futuros;

II – as seguradoras, as corretoras de seguros e as entidades de previdência complementar ou de capitalização;

III – as administradoras de cartões de credenciamento ou cartões de crédito, bem como as administradoras de consórcios para aquisição de bens ou serviços;

IV – as administradoras ou empresas que se utilizem de cartão ou qualquer outro meio eletrônico, magnético ou equivalente, que permita a transferência de fundos;

V – as empresas de arrendamento mercantil (leasing) e as de fomento comercial (factoring);

VI – as sociedades que efetuem distribuição de dinheiro ou quaisquer bens móveis, imóveis, mercadorias, serviços, ou, ainda, concedam descontos na sua aquisição, mediante sorteio ou método assemelhado;

VII – as filiais ou representações de entes estrangeiros que exerçam no Brasil qualquer das atividades listadas neste artigo, ainda que de forma eventual;

VIII – as demais entidades cujo funcionamento dependa de autorização de órgão regulador dos mercados financeiro, de câmbio, de capitais e de seguros;

IX – as pessoas físicas ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras, que operem no Brasil como agentes, dirigentes, procuradoras, comissionárias ou por qualquer forma representem interesses de ente estrangeiro que exerça qualquer das atividades referidas neste artigo;

X – as pessoas jurídicas que exerçam atividades de promoção imobiliária ou compra e venda de imóveis;

XI – as pessoas físicas ou jurídicas que comercializem jóias, pedras e metais preciosos, objetos de arte e antigüidades.

XII – as pessoas físicas ou jurídicas que comercializem bens de luxo ou de alto valor ou exerçam atividades que envolvam grande volume de recursos em espécie. (Incluído pela Lei nº 10.701, de 9.7.2003)

CAPÍTULO VI

Da Identificação dos Clientes e Manutenção de Registros

Art. 10. As pessoas referidas no art. 9º:

I – identificarão seus clientes e manterão cadastro atualizado, nos termos de instruções emanadas das autoridades competentes;

II – manterão registro de toda transação em moeda nacional ou estrangeira, títulos e valores mobiliários, títulos de crédito, metais, ou qualquer ativo passível de ser convertido em dinheiro, que ultrapassar limite fixado pela autoridade competente e nos termos de instruções por esta expedidas;


III – deverão atender, no prazo fixado pelo órgão judicial competente, as requisições formuladas pelo Conselho criado pelo art. 14, que se processarão em segredo de justiça.

§ 1º Na hipótese de o cliente constituir-se em pessoa jurídica, a identificação referida no inciso I deste artigo deverá abranger as pessoas físicas autorizadas a representá-la, bem como seus proprietários.

§ 2º Os cadastros e registros referidos nos incisos I e II deste artigo deverão ser conservados durante o período mínimo de cinco anos a partir do encerramento da conta ou da conclusão da transação, prazo este que poderá ser ampliado pela autoridade competente.

§ 3º O registro referido no inciso II deste artigo será efetuado também quando a pessoa física ou jurídica, seus entes ligados, houver realizado, em um mesmo mês-calendário, operações com uma mesma pessoa, conglomerado ou grupo que, em seu conjunto, ultrapassem o limite fixado pela autoridade competente.

Art. 10A. O Banco Central manterá registro centralizado formando o cadastro geral de correntistas e clientes de instituições financeiras, bem como de seus procuradores. (Incluído pela Lei nº 10.701, de 9.7.2003)

CAPÍTULO VII

Da Comunicação de Operações Financeiras

Art. 11. As pessoas referidas no art. 9º:

I – dispensarão especial atenção às operações que, nos termos de instruções emanadas das autoridades competentes, possam constituir-se em sérios indícios dos crimes previstos nesta Lei, ou com eles relacionar-se;

II – deverão comunicar, abstendo-se de dar aos clientes ciência de tal ato, no prazo de vinte e quatro horas, às autoridades competentes:

a) todas as transações constantes do inciso II do art. 10 que ultrapassarem limite fixado, para esse fim, pela mesma autoridade e na forma e condições por ela estabelecidas;

a) todas as transações constantes do inciso II do art. 10 que ultrapassarem limite fixado, para esse fim, pela mesma autoridade e na forma e condições por ela estabelecidas, devendo ser juntada a identificação a que se refere o inciso I do mesmo artigo; (Redação dada pela Lei nº 10.701, de 9.7.2003)

b) a proposta ou a realização de transação prevista no inciso I deste artigo.

§ 1º As autoridades competentes, nas instruções referidas no inciso I deste artigo, elaborarão relação de operações que, por suas características, no que se refere às partes envolvidas, valores, forma de realização, instrumentos utilizados, ou pela falta de fundamento econômico ou legal, possam configurar a hipótese nele prevista.

§ 2º As comunicações de boa-fé, feitas na forma prevista neste artigo, não acarretarão responsabilidade civil ou administrativa.

§ 3º As pessoas para as quais não exista órgão próprio fiscalizador ou regulador farão as comunicações mencionadas neste artigo ao Conselho de Controle das Atividades Financeiras – COAF e na forma por ele estabelecida.

CAPÍTULO VIII

Da Responsabilidade Administrativa

Art. 12. Às pessoas referidas no art. 9º, bem como aos administradores das pessoas jurídicas, que deixem de cumprir as obrigações previstas nos arts. 10 e 11 serão aplicadas, cumulativamente ou não, pelas autoridades competentes, as seguintes sanções:

I – advertência;

II – multa pecuniária variável, de um por cento até o dobro do valor da operação, ou até duzentos por cento do lucro obtido ou que presumivelmente seria obtido pela realização da operação, ou, ainda, multa de até R$ 200.000,00 (duzentos mil reais);

III – inabilitação temporária, pelo prazo de até dez anos, para o exercício do cargo de administrador das pessoas jurídicas referidas no art. 9º;

IV – cassação da autorização para operação ou funcionamento.

§ 1º A pena de advertência será aplicada por irregularidade no cumprimento das instruções referidas nos incisos I e II do art. 10.

§ 2º A multa será aplicada sempre que as pessoas referidas no art. 9º, por negligência ou dolo:

I – deixarem de sanar as irregularidades objeto de advertência, no prazo assinalado pela autoridade competente;

II – não realizarem a identificação ou o registro previstos nos incisos I e II do art. 10;

III – deixarem de atender, no prazo, a requisição formulada nos termos do inciso III do art. 10;

IV – descumprirem a vedação ou deixarem de fazer a comunicação a que se refere o art. 11.

§ 3º A inabilitação temporária será aplicada quando forem verificadas infrações graves quanto ao cumprimento das obrigações constantes desta Lei ou quando ocorrer reincidência específica, devidamente caracterizada em transgressões anteriormente punidas com multa.

§ 4º A cassação da autorização será aplicada nos casos de reincidência específica de infrações anteriormente punidas com a pena prevista no inciso III do caput deste artigo.


Art. 13. O procedimento para a aplicação das sanções previstas neste Capítulo será regulado por decreto, assegurados o contraditório e a ampla defesa.

CAPÍTULO IX

Do Conselho de Controle de Atividades Financeiras

Art. 14. É criado, no âmbito do Ministério da Fazenda, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, com a finalidade de disciplinar, aplicar penas administrativas, receber, examinar e identificar as ocorrências suspeitas de atividades ilícitas previstas nesta Lei, sem prejuízo da competência de outros órgãos e entidades.

§ 1º As instruções referidas no art. 10 destinadas às pessoas mencionadas no art. 9º, para as quais não exista órgão próprio fiscalizador ou regulador, serão expedidas pelo COAF, competindo-lhe, para esses casos, a definição das pessoas abrangidas e a aplicação das sanções enumeradas no art. 12.

§ 2º O COAF deverá, ainda, coordenar e propor mecanismos de cooperação e de troca de informações que viabilizem ações rápidas e eficientes no combate à ocultação ou dissimulação de bens, direitos e valores.

§ 3o O COAF poderá requerer aos órgãos da Administração Pública as informações cadastrais bancárias e financeiras de pessoas envolvidas em atividades suspeitas. (Incluído pela Lei nº 10.701, de 9.7.2003)

Art. 15. O COAF comunicará às autoridades competentes para a instauração dos procedimentos cabíveis, quando concluir pela existência de crimes previstos nesta Lei, de fundados indícios de sua prática, ou de qualquer outro ilícito.

Art. 16. O COAF será composto por servidores públicos de reputação ilibada e reconhecida competência, designados em ato do Ministro de Estado da Fazenda, dentre os integrantes do quadro de pessoal efetivo do Banco Central do Brasil, da Comissão de Valores Mobiliários, da Superintendência de Seguros Privados, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, da Secretaria da Receita Federal, de órgão de inteligência do Poder Executivo, do Departamento de Polícia Federal e do Ministério das Relações Exteriores, atendendo, nesses três últimos casos, à indicação dos respectivos Ministros de Estado.

Art. 16. O COAF será composto por servidores públicos de reputação ilibada e reconhecida competência, designados em ato do Ministro de Estado da Fazenda, dentre os integrantes do quadro de pessoal efetivo do Banco Central do Brasil, da Comissão de Valores Mobiliários, da Superintendência de Seguros Privados, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, da Secretaria da Receita Federal, de órgão de inteligência do Poder Executivo, do Departamento de Polícia Federal, do Ministério das Relações Exteriores e da Controladoria-Geral da União, atendendo, nesses quatro últimos casos, à indicação dos respectivos Ministros de Estado. (Redação dada pela Lei nº 10.683, de 28.5.2003)

§ 1º O Presidente do Conselho será nomeado pelo Presidente da República, por indicação do Ministro de Estado da Fazenda.

§ 2º Das decisões do COAF relativas às aplicações de penas administrativas caberá recurso ao Ministro de Estado da Fazenda.

Art. 17. O COAF terá organização e funcionamento definidos em estatuto aprovado por decreto do Poder Executivo.

Art. 18. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 3 de março de 1998; 177º da Independência e 110º da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

(Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 4.3.1998)

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