Gato por lebre

Universidade é condenada a indenizar por propaganda enganosa

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1 de novembro de 2004, 16h33

O consumidor tem direito à informação adequada e clara sobre o serviço prestado. Com esse entendimento, a 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul condenou a Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) a indenizar três alunas, por propaganda enganosa. A Ulbra já recorreu da decisão.

A universidade foi condenada a ressarcir o valor das mensalidades e conceder indenização de 15 salários mínimos para cada uma das estudantes.

De acordo com o TJ gaúcho, a Ulbra distribuíu panfleto anunciando um curso técnico de enfermagem com duração de dois anos. Três alunas da instituição verificaram a impossibilidade de concluí-lo no período, ingressando com a ação para pleitear indenização. O pedido foi concedido em primeira instância. A Universidade apelou ao TJ, que rejeitou o recurso.

As autoras alegaram que despertou interesse a possibilidade de profissionalização em curto espaço de tempo. Dessa forma, fizeram a matrícula para o turno da noite e assinaram contrato que não aludia em nada à duração do curso. Freqüentaram as aulas durante o 1º e 2º semestres do ano 2000, quando perceberam que haviam sido ludibriadas pelo folheto publicitário.

A Universidade alegou ser impossível concluir o curso no período previsto se as alunas estavam matriculadas em número menor de disciplinas, acarretando carga horária inferior à necessária. Registrou, ainda, que os valores pagos relativos a mensalidades e matrículas foram pagos por livre e espontânea vontade, sem ingerência da instituição.

Para o desembargador Léo Lima, relator do recurso, o argumento da Ulbra de que a carga horária mínima não foi cumprida, não é válido. “Pelo que consta, somente os alunos que freqüentassem o curso pela manhã, à tarde e à noite poderiam concluí-lo em dois anos”, afirmou o desembargador.

Lima ressaltou que, ao que tudo indica, as disciplinas oferecidas não poderiam ser cursadas num curto espaço de tempo, como divulgado. Acrescentou que, pela análise dos currículos referentes aos períodos letivos 2001 e 2002, foi verificada a inclusão de uma nova disciplina.

Processo nº 70.009.518.788

Recurso especial 70.010.119.907

Leia a íntegra do acórdão

RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL E MATERIAL. ENSINO PARTICULAR. CURSO TÉCNICO. DURAÇÃO. PROPAGANDA.

O consumidor tem direito à informação adequada e clara sobre o serviço prestado, consoante art. 6º, III, do CDC. Situação em que as autoras, atraídas pela propaganda veiculada pela Universidade ré, matricularam-se no Curso de Técnico em Enfermagem e verificaram que o prazo de duração do curso seria superior ao prometido, o que lhes causou danos material e moral. Dever de indenizar da ré.

Apelação desprovida.

Apelação Cível — Quinta Câmara Cível

nº 70009518788 — Comarca de Guaíba

Universidade Luterana do Brasil Ulbra — Apelante

ELAINE ANDREA ILHA — Apelado

ELIANE OLIVEIRA DA SILVA — Apelado

CELIA GODINHO CORREA — Apelado

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em desprover o apelo.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores DES. PEDRO LUIZ RODRIGUES BOSSLE E DES. UMBERTO GUASPARI SUDBRACK.

Porto Alegre, 16 de setembro de 2004.

DES. LEO LIMA,

Relator.

RELATÓRIO

DES. LEO LIMA (RELATOR)

ELAINE ANDREA ILHA, ELIANE OLIVEIRA DA SILVA e CÉLIA GODINHO CORRÊA ajuizaram ação dita de indenização, cumulada com danos morais por propaganda enganosa, contra a COMUNIDADE ENVANGÉLICA LUTERANA SÃO PAULO – CELSP – CENTRO TECNOLÓGICO DA ULBRA. Dizem que tomaram conhecimento de um Curso Técnico de Enfermagem, oferecido pela ré, por meio de um folheto publicitário, no qual constava que a duração do curso seria de 15 (quinze) meses e mais 5 (cinco) meses de estágio. Referem que a campanha universitária despertou interesse, pois representava a possibilidade de profissionalização em um curto período de tempo.

Informam, então, que se dirigiram à sede do curso e firmaram contrato de prestação de serviços educacionais com a demandada para o período de 2000/1. Contudo, verificaram que o tempo de conclusão do curso era de 4 (quatro) anos, ou seja, 3 (três) anos e meio de aulas teóricas e aproximadamente meio ano de estágio, considerando aquele aluno matriculado em todas as disciplinas e nunca reprovado. Registram que o dolo da ré, em ludibriar seus clientes com informações publicitárias que carecem de verdade, está caracterizado, razão pela qual tem o dever de reparar os prejuízos causados. Aduzem que o contrato avençado entre as partes não alude ao tempo de integralização do Curso Técnico de Enfermagem. Acrescentam que o contrato previa a obrigação da ré em ministrar o ensino médio e profissionalizante através de aulas e demais atividades escolares, devendo o plano de estudos, programas, currículo e calendário estarem em conformidade com a legislação em vigor e de acordo com seu plano escolar no período de janeiro a junho de 2000. Destacam que mais uma vez foram induzidas em erro, porquanto pagaram a matrícula e assinaram o contrato com base em propaganda enganosa, de concluírem o curso em 20 meses, ou seja, 15 meses de aula e 5 meses de estágio. Observam que a demandada faltou com a verdade na publicidade do curso e no tempo de conclusão, fazendo incidir o art. 37, § 1º, do CDC. Alegam que tentaram reclamar junto à requerida, mas não receberam resposta satisfatória ou concreta, apenas a informação de que o que consta do “folder” estava correto. Afirmam que o prejuízo suportado inclui os valores desembolsados a título de prestação mensal, matrícula, livros, custeio de deslocamento, xerox de material didático, entre outras despesas. Pedem a condenação da ré ao pagamento de indenização por dano material, a ser apurado em oportuna execução, e dano moral, no valor de 40 (quarenta) salários mínimos para cada autora. Requerem, ainda, a inversão do ônus da prova e a concessão da assistência judiciária gratuita.


O benefício da gratuidade foi deferido.

O julgador de primeiro grau designou audiência de conciliação, a qual restou inexitosa.

Na contestação, a ré argúi, preliminarmente, a carência de ação, uma vez que as autoras não trouxeram, aos autos, prova documental dos alegados danos e de que tenha praticado alguma conduta culpável apta a produzir algum dano, o que dificulta a defesa. No mérito, esclarece que as autoras foram alunas do Curso de Técnico em Enfermagem da ULBRA, freqüentando as aulas durante o primeiro e segundo semestre de 2000. De acordo com os requerimentos de matrícula e os históricos escolares, registra que as demandantes se matricularam em várias disciplinas, cursando normalmente dois períodos letivos. Sustenta que ministrou regularmente o referido curso para as autoras, durante o primeiro e segundo semestre de 2000, sendo que todas foram aprovadas nas disciplinas por elas escolhidas. Salienta que, durante o primeiro semestre de 2000, a autora Elaine se matriculou somente em duas disciplinas, enquanto que Eliane e Célia se matricularam em somente três disciplinas. Menciona que as disciplinas são escolhidas pelo aluno, porém, este fica condicionado à base curricular autorizada pelo Conselho Estadual de Educação.

Observa que, conforme a base curricular do Curso Técnico de Enfermagem, de nível médio, o curso tem previsão de duração de 1 (um) ano e meio, sendo necessário que os alunos realizem a carga horária prevista na grade curricular, mais o estágio supervisionado de um semestre. Refere que a escolha e quantidade de disciplinas a serem cursadas durante o semestre é de deliberação do aluno, porém, não podem as autoras concluir o curso no período previsto quando estão matriculadas em número menor de disciplinas, acarretando uma carga horária inferior à prevista. Acrescenta que, se as demandantes pretendessem concluir o curso no período de um ano e meio, mais o estágio, deveriam obedecer à grade curricular oferecida pela instituição de ensino. Pondera que não houve propaganda enganosa, tampouco intenção de ludibriar os alunos na divulgação dos folhetos publicitários. Enfatiza que basta uma simples análise dos requerimentos de matrícula e históricos escolares das autoras para verificar que não houve cumprimento de carga mínima para concluir o curso no período divulgado pela instituição. Argumenta que a decisão das autoras, em abandonar o curso pretendido, não pode ser atribuída à instituição de ensino. Questiona o fato de as demandantes ingressarem em juízo, postulando indenização, após transcorridos quase dois anos. Frisa que a garantia constitucional de acesso aos níveis mais elevados de ensino não isenta o cidadão da observância às normas vigentes, consoante art. 209, I, da Constituição Federal. Além disso, menciona que a Carga Magna outorga, às Universidades, autonomia em seu funcionamento, observadas as normas gerais da educação nacional. Aduz que a freqüência mínima exigida e o êxito nas disciplinas integrantes do currículo do Curso de Técnico em Enfermagem são necessários à conclusão do referido curso, não podendo ser alterado pelas autoras. Enfatizam que, ao contrário do alegado, não houve alteração do currículo do curso. Refere que, mesmo que tivesse havido alteração curricular, tal se deveria às determinações para melhoria do aprendizado e da qualidade de ensino. Outrossim, alega que não restou comprovada lesão a algum bem ou direito das autoras, de molde a oportunizar a pretendida indenização, seja de ordem moral ou material, tampouco praticou ato ilícito. Registra que as demandantes pagaram os valores das matrículas e mensalidades das disciplinas que freqüentaram regularmente, sendo que o fizeram de livre e espontânea vontade, sem ingerência da instituição. Impugna os documentos das fls. 19/20, pois não representam a grade curricular do curso freqüentado pelas autoras, uma vez que ingressaram no primeiro semestre de 2000.

As autoras se manifestaram sobre a contestação.

Em audiência, o julgador de primeiro grau entendeu que a preliminar se confunde com o mérito, fixando os pontos controvertidos. Instruído o feito, inclusive, com a produção de prova oral, as partes apresentaram memoriais.

Lançada a sentença, a ação acabou julgada parcialmente procedente, para condenar a ré a ressarcir, às autoras, o valor das mensalidades, com correção monetária pelo IGP-M e juros de 6% ao ano até o advento do novo CC e, após, 12% ao ano, desde a citação, bem como ao pagamento de indenização por dano moral no valor de 15 (quinze) salários mínimos para cada autora, acrescido de juros de 12% ao ano e correção monetária pelo IGP-M. A ré também foi condenada a suportar as custas processuais e a verba honorária de 15% sobre a condenação, porquanto mínimo o decaimento das autoras.

Inconformada, a ré apelou, reforçando os argumentos já externados.


Respondido o recurso, os autos vieram à apreciação desta Corte.

É o relatório.

VOTOS

DES. LEO LIMA (RELATOR)

Improcede o apelo.

Acontece que o”folder”, acostado à fl. 21 e v., divulgado pela ré e que levou as autoras a se inscreverem no Curso Técnico em Enfermagem, é bem claro ao prever que a duração do curso seria de 15 (quinze) meses, acrescido de mais 5 (cinco) meses de estágio.

O referido material publicitário, inclusive, chega a destacar que o curso seria de curta duração.

Além disso, o documento enfatizou que os interessados acima de 40 (quarenta) anos de idade teriam um desconto de 25% e que seriam aceitas inscrições para o curso noturno.

Ora, se as autoras se matricularam no Curso de Técnico em Enfermagem, no turno da noite, com base nas informações constantes do “folder”, divulgado pela demandada, e verificaram que não poderiam concluir o curso no prazo previsto, é justificável que pretendam o ressarcimento pelos danos material e moral causados.

A teor do inciso III do art. 6º do Código de Defesa do Consumidor, era dever da ré, enquanto prestadora do serviço, informar as autoras sobre as condições do contrato, de modo adequado e claro.

Ainda, não há qualquer referência no “folder” de que o curso noturno teria duração diferenciada em relação aos demais turnos, nem que os alunos teriam que cursar parte das disciplinas em outros turnos, de molde a concluírem o curso no tempo previsto.

Nessa linha de considerações, então, perde relevância o argumento da ré, de que as autoras não cumpriram a carga horária mínima para concluir o curso no período divulgado, já que teriam se matriculado em número menor de disciplinas (fl. 41).

Pelo que consta, somente os alunos que freqüentassem o curso pela manhã, à tarde e à noite é que poderiam conclui-lo em 2 (dois) anos.

A própria coordenadora do curso, Lirian Rejane Czupriniak, em seu depoimento da fl. 145, revelou:

“(…) Que as disciplinas podem ser agrupadas de acordo com o tempo. Que o curso é conhecido como parecer 45. Que para quem já possuía o 2º grau, este era feito como técnico profissionalizante. Que cursando disciplinas de forma gradativa , o curso seria concluído em 3 anos. Que com o aumento do número de turmas, foram oferecidas mais disciplinas. Que a aluna Lieide terminou o curso em dois anos, mas fez disciplinas de manhã, tarde e noite. Que as disciplinas eram oferecidas nos três turnos. (…) Que não sabe informar quantas pessoas fizeram o curso em dois anos”.

Cumpre referir que, mesmo que a ré oferecesse outros turnos para que os alunos pudessem cursar disciplinas também integrantes do Curso de Enfermagem, no caso, as autoras não poderiam fazê-lo, já que isso aumentaria a carga horária, vindo de encontro, justamente, à vantagem que lhes foi oferecida, de formação técnica num curto espaço de tempo.

Nesse aspecto, merece destaque o depoimento da autora Eliane:

“(…) Que o curso começou no primeiro e segundo semestre de 2000. Que as disciplinas durante o dia era curso profissionalizante, para quem não tinha o segundo grau. Que a noite era o curso para quem já tinha o segundo grau. Que não foram informadas que o curso seria durante o dia e sequer cogitaram disso, tendo em vista que trabalham durante o dia. Que tratava-se de turmas especiais e que por isso foram pela informação de que seriam 15 meses e mais 05 de estágio” (fl. 142).

Já a autora Elaine mencionou:

“(…) Que não foram oferecidas disciplinas durante o dia, sendo que a depoente, inclusive, dá aula somente pela manhã, tendo as tardes livres. Que se tivessem sido oferecidas disciplinas durante a tarde, as teria cursado. Disse que se tivesse alternativa, teria cursado mais disciplinas, como na faculdade de pedagogia, na Unisinos, quando fazia intensivos. Que recebeu a grade curricular por volta do terceiro semestre. Que o problema é que as disciplinas não eram oferecidas para matrícula, pois não haviam alunos suficientes, pois alegavam que não podiam abrir uma turma com poucos alunos” (fl. 143).

Tudo indica, então, que as disciplinas oferecidas no Curso de Técnico em Enfermagem não poderiam ser cursadas num curto espaço de tempo, como prometido e divulgado pela ré no material da fl. 21 e v. Tanto é que foram abertas outras turmas e ministradas várias disciplinas em outros turnos para que o curso pudesse ser concluído no prazo de 2 (dois) anos.

De qualquer forma, o fato é que as autoras se matricularam no Curso em tela com a expectativa de se formarem em Técnico em Enfermagem no prazo de 2 (dois) anos, sendo que, desses, 15 meses eram destinados a aulas teóricas e 5 meses destinados ao estágio, conforme divulgado.

Mas, no decorrer do curso, isto é, nos primeiros dois semestres, perceberam que não poderiam concluí-lo nesse prazo, a menos que freqüentassem aulas em outros turnos, que não aquele para o qual foram matriculadas (noite).

Com isso, restando evidente a propaganda enganosa de parte da ré, ao divulgar curso que não poderia ser cumprido no prazo prometido. Deve, pois, indenizar os prejuízos causados às autoras, tanto de ordem material como de ordem moral, aliás, como acabou decidido no primeiro grau.

Frise-se que confrontando o currículo das fls. 72 e 97, atinentes aos períodos letivos de 2000/01 e 2000/02, com o das fls. 48/49, verifica-se que, pelo menos, uma disciplina que fazia parte do Curso, qual seja, “Introdução à Enfermagem III” (fl. 97), sequer, constava da Base Curricular, o que faz supor que foi incluída posteriormente, aumentado a carga horária.

Como bem salientou o julgador de primeiro grau, as autoras investiram tempo num curso que prometia algo diverso do esperado e divulgado.

Ante o exposto, nego provimento ao apelo.

DES. PEDRO LUIZ RODRIGUES BOSSLE (REVISOR) – De acordo.

DES. UMBERTO GUASPARI SUDBRACK – De acordo.

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