Inferno astral

MP pede até 10 anos de prisão para ex-secretário de Celso Daniel

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31 de março de 2004, 18h23

O ex-secretário de Serviços Municipais de Santo André, Klinger Luiz

de Oliveira Souza, foi denunciado pelo Ministério Público de São Paulo por fraude em licitação e fraude na execução de contrato durante a gestão Celso Daniel. Também foram denunciados, nesta quarta-feira (31/3), Ronan Maria Pinto e Humberto Tarcisio de Castro. As penas máximas somadas chegam a 10 anos para cada um dos acusados pelos promotores Roberto Wider Filho, Amaro José Thomé Filho e José Reinaldo Guimarães Carneiro.

De acordo com Wider, uma empresa tinha cobrado R$ 248 mil para fazer a troca de placas de concreto do Fórum de Santo André. Posteriormente, outra empresa foi contratada e cobrou a quantia de R$ 523 mil pelos serviços prestados. O promotor disse que “o contrato previa a troca das placas de concreto, mas isso não aconteceu. Houve apenas uma restauração”.

Wider afirmou ainda que Ronan Maria Pinto “é o proprietário de fato da empresa que fez as obras. Humberto Tarcisio de Castro o sucedeu, mas continuou empregado dele em outra empresa”.

A pena para fraude em licitação varia de dois a quatro anos. Para fraude na execução de contrato, a pena é de três a seis anos.

Leia a denúncia:

EXCELENTÍSSIMA SENHORA JUÍZA DE DIREITO DA SEGUNDA VARA CRIMINAL DA COMARCA DE SANTO ANDRÉ

Autos da notícia crime nº 1.056/03.

Os Promotores de Justiça infra-assinados, no uso das atribuições que lhes são conferidas em lei e em razão das apurações realizadas no expediente anexo, oriundo do protocolado nº 72.507/00, desarquivado na Instância Superior do Ministério Público (fls. 105/107) e apuração policial civil complementar (fls. 976/978) vêm perante Vossa Excelência para propor, mediante denúncia, ação penal pública incondicionada em face de KLINGER LUIZ DE OLIVEIRA SOUZA, RONAN MARIA PINTO e HUMBERTO TARCISIO DE CASTRO, qualificados, respectivamente, a fls. 134, 127, 141 e 147, pelos seguintes fatos criminosos, e como incursos nos dispositivos legais a seguir indicados.

1. DA FRAUDE À LICITAÇÃO

Em 03 de fevereiro de 1998, em horário não determinado, nas dependências da Prefeitura Municipal de Santo André, os denunciados KLINGER LUIZ DE OLIVEIRA SOUZA, HUMBERTO TARCISIO DE CASTRO e RONAN MARIA PINTO, previamente conluiados e com identidade de propósitos à obtenção do mesmo resultado, fraudaram, mediante ajuste e outros expedientes, o caráter competitivo do procedimento nº 46.743/97-03, da Prefeitura Municipal de Santo André, com o intuito de obter vantagem decorrente da contração da empresa Projeção – Engenharia Paulista de Obras Ltda. pelo Poder Público.

Segundo evidenciado nos documentos que fazem parte do protocolado, em dezembro de 1996, buscando a recuperação das estruturas de concreto que adornam o prédio do Fórum de Santo André, denominadas de brises, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo solicitou consulta à Prefeitura Municipal para viabilizar a obra (fls. 192 – apenso 2). Encetadas as tratativas, inclusive com autorização legal da Câmara Municipal (fls. 195 – apenso 2), a Prefeitura licitou a obra, na modalidade de tomada de preço, por intermédio do procedimento administrativo nº 8.645/97-9, sagrando-se vencedora a empresa Teor Engenharia Ltda., que ofereceu o preço de R$ 144.014,15 (cento e quarenta e quatro mil, quatorze reais e quinze centavos). No entanto, por não ter encontrado no mercado empresa que fabricasse os brises, a vencedora deixou de assinar o contrato. A segunda colocada, Coneng Engenharia Ltda., foi convocada e firmou contrato com a municipalidade para a execução da obra licitada, pelo mesmo valor oferecido pela Teor Engenharia Ltda. Cerca de um mês após o início dos trabalhos, solicitou aditamento do contrato, com elevação de 72,20% do valor original, totalizando R$ 248.060,40 (duzentos e quarenta e oito mil, sessenta reais e quarenta centavos). Essa pretensão acabou recusada pela municipalidade, por interpretação de vedação da Lei de Licitações, tendo sido, então, operada rescisão amigável do contrato (histórico que, nos autos, veio reproduzido no parecer de fls. 365/376 – apenso 2).

Por sugestão do Juiz de Direito Diretor do Fórum (fls. 188/189 – apenso 2), a Prefeitura instaurou o procedimento nº 46.743/97-6 para contratação emergencial de empresa que pudesse executar a obra, com dispensa de licitação. Aqui, já delimitado o propósito criminoso, consultadas três empresas, a PROJEÇÃO ofereceu o menor preço, no total de R$ 486.224,29 (quatrocentos e oitenta e seis mil, duzentos e vinte e quatro reais e vinte e nove centavos), considerado por KLINGER “o orçamento mais vantajoso ao interesse público” (fls. 350 – apenso 2). Contudo, o então Secretário de Serviços Municipais, preparando a consumação do crime em seu favor e de seus comparsas, deliberadamente deixou de consultar a empresa Coneng, que, classificada na licitação, já havia examinado o prédio e oferecido proposta muito inferior àquela que acabou sendo a contratada.


KLINGER, em razão do cargo, no comando do aludido procedimento, agindo previamente conluiado com RONAN, verdadeiro proprietário da empresa PROJEÇÃO, e HUMBERTO, sucessor deste e concomitantemente empregado em outra de suas empresas (fls. 305/312, 259/263 e 299/304), tratou de excluir a empresa Coneng, mais apta à realização do serviço pelo critério do menor valor, tanto que inicialmente classificada no certame anulado, direcionando-o com dispensa de licitação à PROJEÇÃO, com o exclusivo propósito de favorecer os interesses criminosos do grupo, por sinal, já denunciado, entre outros delitos, também por formação de quadrilha com o objetivo de cometer crimes contra a administração municipal, nos autos dos processos nº 557/02 e 785/02, ambos em trâmite na 1a Vara Criminal de Santo André (fls. 1303/1323 – apenso 5, 1347/1424 – apenso 6, 184/195 e 196/203).

A proposta da PROJEÇÃO, segundo apurado, veio tratada sempre de forma diferenciada, subtraída a pesquisa do corpo técnico da Prefeitura Municipal, encaminhada ao procedimento diretamente pela Diretoria Municipal de Equipamentos Urbanos (fls. 446/450).

Assim é que, em 03 de fevereiro de 1998, consumando a fraude, consistente em dirigir a escolha do fornecedor e executante das obras, deixando de consultar, para justificar o preço, as empresas vencedoras da tomada de preço anteriormente realizada, infringindo o disposto no artigo 26, parágrafo único, incisos II e III, da Lei de Licitações, foi assinado o contrato nº 035/98, entre a Prefeitura Municipal e a PROJEÇÃO, para a recuperação estrutural e troca dos brises do Fórum de Santo André, pelo valor de R$ 486.224,29 (quatrocentos e oitenta e seis mil, duzentos e vinte e quatro reais e vinte e nove centavos), com prazo de noventa dias para execução dos serviços (fls. 417/429 – apenso 2).

2. DA FRAUDE NA TROCA DOS BRISES

Entre os dias 03 de fevereiro e 28 de agosto de 1998, em datas e horários não determinados, no Paço Municipal de Santo André, KLINGER LUIZ DE OLIVEIRA SOUZA, HUMBERTO TARCISIO DE CASTRO e RONAN MARIA PINTO, previamente conluiados e com identidade de propósitos à obtenção do mesmo resultado, fraudaram licitação instaurada para a aquisição de bens e o contrato dela decorrente, elevando arbitrariamente os preços e vendendo como perfeita mercadoria deteriorada, alterada em sua substância e qualidade, em prejuízo da Fazenda Pública Municipal.

Segundo o apurado, a Prefeitura Municipal contratou a empresa PROJEÇÃO para execução de obras na fachada do Fórum de Santo André, com aquisição de novos brises, em substituição total dos antigos, por cláusula contratual expressa (fls. 417/429 e 486/487 – apenso 2). Entretanto, a par de ter sido direcionada a licitação, em manobra evidenciada em parecer técnico do Centro de Apoio Operacional à Execução – CAEX, do Ministério Público do Estado de São Paulo (fls. 132/153), na realização da obra houve, ainda, superfaturamento do contrato, na ordem de 13,91%, equivalentes a R$ 59.374,07 (cinqüenta e nove mil, trezentos e setenta e quatro reais e sete centavos), tomando-se por base, exclusivamente a planilha de custos apresentada pela PROJEÇÃO (fls. 247 – apenso 2) e aquela elaborada pelos assistentes técnicos que subscreveram o referido parecer (fls. 155 – apenso 1).

Não satisfeitos, os denunciados fraudaram a execução do contrato, já que não foi realizada a troca total dos referidos brises, que foram, ao menos em parte, restaurados no próprio Paço Municipal. Tal fato acabou confirmado no referido parecer técnico, dada a evidência de que “muitos brises apresentam manchas de estucamento provavelmente cobrindo trincas ou fissuras preexistentes, denotando que foram simplesmente recuperados” (fls. 139 – apenso 1). Destarte, os brises que deveriam ter sido trocados pela PROJEÇÃO foram apenas restaurados, caracterizando, pois, a entrega de mercadoria deteriorada, com alteração de sua substância e qualidade, valendo-se o grupo de simulada contratação de empresa no litoral paulista, onde, apenas por aparência, os brises estariam sendo confeccionados.

Sobre a empresa, por sinal, Betonleve Pré-Moldados de Concreto, simples diligência no local foi suficiente para constatar sua desativação e a falta de aptidão técnica para a confecção de brises, à época em que esteve em funcionamento.

RONAN e HUMBERTO, responsáveis pela empresa PROJEÇÃO, superfaturaram o valor do contrato e fraudaram sua execução, locupletando-se dos valores recebidos. KLINGER, então Secretário Municipal, conluiado com os dois primeiros, para também se beneficiar do dinheiro havido, considerou o orçamento apresentado pela PROJEÇÃO “vantajoso” para o Município e deixou de determinar a fiscalização da obra, embora a restauração dos brises que deveriam ter sido trocados tenha ocorrido no próprio Paço Municipal, ao lado da sede da Prefeitura.


No dia 22 de março de 1999, em horário não determinado, nas dependências da Secretaria de Serviços Municipais, nesta cidade, os denunciados, já consumados os delitos, desviaram em proveito da empresa PROJEÇÃO Engenharia Paulista de Obras Ltda., a quantia de R$ 36.860,07 (trinta e seis mil, oitocentos e sessenta reais e sete centavos), em prejuízo dos cofres públicos municipais, mediante singela solicitação do setor técnico da empresa PROJEÇÃO (fls. 467 – apenso 2), dando conta de que teria havido equívoco na quantidade de brises substituídos, que, conforme já mencionado, nem estavam sendo fabricados.

Ao cabo das transações ilícitas que envolveram a contratação da empresa PROJEÇÃO, para quem, segundo se viu, havia sido direcionado ardilosamente o procedimento de licitação, inclusive com total desconsideração das outras concorrentes iniciais, que já haviam ofertado melhores preços, a Prefeitura Municipal de Santo André experimentou, nas fraudes ora denunciadas, prejuízo total de R$ 523.074,33 (quinhentos e vinte e três mil, setenta e quatro reais e trinta e três centavos), correspondente à somatória dos valores pagos para a troca dos brises, que ao final não se realizou, e o dinheiro desviado dos cofres públicos, diretamente, sem lastro em contrato, a título de “indenização”, após o término dos serviços, com autorização dos funcionários públicos municipais denunciados, a quem incumbiria justamente fiscalizar e evitar a malversação de verbas.

O valor final da obra superou aquele ofertado inicialmente pela empresa Este-Reestrutura Engenharia Ltda., também consultada no procedimento de dispensa de licitação (fls. 208 –apenso 2).

Por derradeiro, ficou também evidenciado que no dia 21 de junho de 2002, nas dependências do Centro de Apoio Operacional à Execução – CAEX, do Ministério Público do Estado de São Paulo, na rua Minas Gerais, 316, na Cidade e Comarca de São Paulo, os denunciados ainda prestaram informações falsas acerca da fabricação dos brises, assumindo-os como de confecção própria, com o propósito exclusivo de atrapalhar as investigações desenvolvidas sobre as fraudes ora denunciadas (fls. 157 – apenso nº 01).

O mesmo procedimento – entrave às investigações – foi utilizado pelos denunciados quando da presença de Ronan e Humberto na Promotoria de Justiça. Eles trataram de trazer aos autos do procedimento administrativo nº 01/2002, da Promotoria Criminal, as notas fiscais da empresa Betonleve Premoldados de Concreto Celular Ltda. – ME referentes à aquisição dos brises (fls. 1020, 1024/26, 1034, 1039. 1047, 1049, 1051, 1058/59. 1064, 1068, 1072/73, 1078, 1080/82, 1089, 1095, 1098/99, 1104, 1106, 1111/12, 1114, 1118/20, 1122, 1124, 1128/30, 1134/36, 1142, 1145, 1148/49, 1151, 1154/55, 1172/73, 1183, 1186, 1190, 1193, 1196, 1201, 1208/10, 1212/12, 1215/16 e 1230, apenso 5), no valor total de, aproximadamente, R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), relativas à venda de 911 placas de concreto – brises.

Além da dissonância com as informações anteriormente prestadas pelos denunciados, os referidos documentos não retratam a verdade, já que, conforme descrito no item 2, os referidos brises não foram integralmente substituídos, demonstrando que não foram adquiridas as 911 (novecentas e onze) placas de concreto constantes das notas fiscais.

Realizadas diligências na firma Betonleve pelo Centro de Apoio Operacional à Execução – CAEX, do Ministério Público, conforme relatório de fls. 89/90, instruído com as fotografias de fls. 91/103 e 158/171, todas do apenso 1, constatou-se que aquela firma jamais teve capacidade para produzir os referidos brises, demonstrando que os documentos fiscais juntados pela empresa PROJEÇÃO não condizem com a verdade. As notas fiscais juntadas são de numeração seqüencial, de 00020 até 00082, indicando a pífia atividade comercial exercida pela firma, que, aliás, ao tempo da diligência já estava completamente desativada.

Pelo exposto, denunciamos a Vossa Excelência:

a) KLINGER LUIZ DE OLIVEIRA SOUZA como incurso no artigo 90 e 96, I, II e IV, c.c. o artigo 84, § 2º, todos da Lei 8.666/93, bom como com os artigos 29 e 69, ambos do Código Penal.

b) RONAN MARIA PINTO como incurso no artigo 90 e 96, I, II e IV, ambos da Lei 8.666/93, c.c. os artigos 29 e 69, do Código Penal.

c) HUMBERTO TARCISIO DE CASTRO como incurso no artigo 90 e 96, I, II e IV, ambos da Lei 8.666/93, c.c. os artigos 29 e 69, do Código Penal.

Requeremos que, recebida e autuada esta, seja instaurado o devido processo legal, pelo rito previsto nos artigos 100 e seguintes da Lei 8.666/93, citando-se e interrogando-se os denunciados, determinando-se a oitiva das pessoas arroladas, prosseguindo-se nos demais atos do processo até sentença condenatória.

Santo André, 31 de março de 2004.

ROBERTO WIDER FILHO

1º Promotor de Justiça

AMARO JOSÉ THOMÉ FILHO

5º Promotor de Justiça

JOSÉ REINALDO GUIMARÃES CARNEIRO

8º Promotor de Justiça

ROL DE TESTEMUNHAS:

1. Ari Sarzedas (funcionário público) – fls. 21/24, apenso 1;

2. André Nagy (funcionário público) – fls. 118/120, apenso 1;

3. Paulo Roberto Pires (funcionário público) – fls. 121/125, apenso 1;

4. Euclides Bandeira Ramaldes (CAEX) – fls. 89/90, apenso 1;

5. Ricardo Alvarez (vereador) – fls. 110/115, apenso 1;

6. Rosângela Gabrilli – fls. 09/12 apenso 1;

7. Julio Leandro de Jesus – fls. 988;

8. Ailton Moacir da Silva – investigador de polícia – fls. 989/990;

9. Solange Boligian – funcionária pública – fls. 446/450

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