Caso Waldobicho

Fonteles pede abertura de inquérito contra procuradores

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31 de março de 2004, 19h02

O coordenador criminal do Ministério Público Federal em Brasília, Marcelo Antônio Ceará Serra Azul, o procurador Mário Lúcio de Avelar, bem como o sub-procurador, José Roberto Figueiredo Santoro, que extrapolaram suas funções na investigação do caso Waldomiro, poderão sofrer desde a pena mínima de advertência até a máxima, que seria a demissão.

Os atos por eles praticados afrontam “ao princípio do Promotor Natural e improbidade administrativa na modalidade de violação do dever de lealdade para com a Instituição”, no entender de Cláudio Fonteles, procurador-geral da República, que, nesta quarta-feira (31/3), encaminhou à Corregedoria-Geral do órgão pedido de abertura de inquérito administrativo. (veja íntegra abaixo)

Segundo Fonteles, ao tomarem conhecimento, no dia 4 de fevereiro passado, das fitas gravadas da conversa entre Waldomiro Diniz e o bicheiro Carlos Cachoeira, que foram enviadas pelo senador Antero Paes de Barros (PSDB-MT) com um pedido de investigação, deveriam ter encaminhado o material para o primeiro grau. “Eles invadiram atribuições”, afirmou.

O corregedor, segundo Fonteles, pode acolher o pedido, como também optar pelo seu arquivamento. No caso de acolhimento será aberto inquérito administrativo e nomeada uma comissão. Trata-se de um processo demorado que, para o Procurador-Geral, não poderia também ser resolvido pelo Conselho Nacional do Ministério Público, previsto na Reforma do Judiciário, que se encontra em discussão no Senado.

O texto do relator, senador José Jorge (PFL-PE), previa que o Conselho teria a competência de demitir procuradores. Mas, emenda do senador Demóstenes Torres (PFL-GO), aprovada também hoje pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, eliminou essa possibilidade.

Indagado pela revista Consultor Jurídico, Fonteles aplaudiu a decisão. “O Conselho não pode ter poder para mandar alguém para o olho da rua”. Segundo ele, o Conselho poderia apreciar, instruir e enviar o processo ao Poder Judiciário. “Isto é a garantia do estado democrático de direito. Só o Poder Judiciário pode tomar essa decisão. Ainda bem que [a possibilidade de demissão pelo Conselho] caiu hoje”.

Leia a íntegra do pedido do procurador-geral:

Senhor Corregedor-Geral:

1. Da documentação, cuja autuação determinei, tem-se que aos 16 de fevereiro passado, a Revista Época lançou reportagem em que fica claro que teve acesso direto a depoimentos tomados no âmbito do Ministério Público Federal.

2. A fls. 4, temos a matéria jornalística, onde se vê, verbis:

“Depoimentos ao Ministério Público acusam Waldomiro de defender interesses de Alejandro Ortiz” (grifei)

“As fitas foram entregues aos procuradores da República no dia 4 de fevereiro. No dia 7, o Ministério Público tomou depoimentos de duas testemunhas ligadas ao esquema dos bingos e do jogo do bicho. Os nomes das testemunhas estão sendo mantidos em sigilo para protegê-las, mas Época teve acesso ao que elas declaram às autoridades. Ambas denunciaram a ligação do Waldomiro com a contravenção. Um dos depoentes acusa o subchefe da Articulação Política de ser intimamente ligado aos irmãos Ortiz. Ele conta que “o ex-presidente da Loterj, Waldomiro Diniz, passou a negociar…” (fls. 4, grifos do original e meu)

3. Efetivamente, a fls. 03, do Apenso, tem-se que aos 4 de fevereiro do ano em curso, “cumprindo determinação do Senhor Senador Antero Paes de Barros”, o Chefe de Gabinete do aludido Senador em correspondência endereçada, exclusivamente, ao Subprocurador-Geral da República, José Roberto Figueiredo Santoro, tem “a honra de encaminhar a Vossa Excelência a documentação anexa, para as providências cabíveis”.

4. No mesmo dia, o Dr. José Roberto Santoro encaminha a documentação anexa, em mãos, ao Coordenador Criminal da Procuradoria da República no Distrito Federal (fls. 04, do anexo).

5. Esse Coordenador Criminal, que é o Dr. Marcelo Serra Azul, deliberou, três (3) dias depois, e num dia de sábado, dia 7 de fevereiro, no gabinete do Dr. José Roberto Santoro, e também na presença do Procurador da República, Dr. Mário Lúcio de Avelar, colher depoimentos de Messias Antônio Ribeiro Neto e Carlos Roberto Martins.

6. Dos atos de inquirição participou, ostensivamente, o Dr. José Roberto Figueiredo Santoro, quem, primeiro, os subscreveu (fls. 150 e 154, do Apenso).

7. O documento de fls. 03 dos autos, emanado da Coordenação Jurídica da PR/DF certifica que, verbis:

“… após consultar os registros desta Coordenadoria Jurídica que não ingressou formalmente pelo Protocolo desta Procuradoria da República no Distrito Federal documentação encaminhada pelo Senador Antero Paes de Barros…” (fls. 3, grifos do original)

8. O Dr. Marcelo Serra Azul, em manifestação endereçada à Procuradora-Chefe-substituta da PR/DF, reconheceu que, verbis:


“Recebi a documentação referente ao caso mencionado encaminhada pelo Exmo. Sr. Subprocurador-Geral da República José Roberto Santoro.

Como costumeiramente ocorre, deixei-a para analisar a fim de elaborar o despacho de distribuição o qual, obrigatoriamente, segundo as normas da PR/DF deve conter um resumo dos fatos e verificação de conexão e prevenção (trabalho extra para o Coordenador Criminal”

(Fls. 6/7, grifei)

9. E prosseguiu, verbis:

“Após a oitiva, por considerar que a matéria poderia envolver a pessoa do Secretário de Justiça do Rio de Janeiro e por considerar que o local da infração foi a cidade do Rio de Janeiro, encaminhei ao Exmo. Procurador Regional Chefe da PRR 2ª Região, apesar de nesta PR/DF existir procedimentos criminais acerca de Bingos vinculados ao meu ofício, 6º ofício Criminal, o que geraria prevenção e distribuição a este Procurador da República caso houvesse atribuição da Procuradoria da República no Distrito Federal.

Atente-se que somente após as oitivas é que se constatou que a competência para o feito estava afeita ao Rio de Janeiro.

Note-se que tal procedimento é normal no âmbito da PR/DF, visto que pelas normas de distribuição ao Coordenador Criminal compete a análise prévia para elaboração do despacho de autuação e verificação, ficando o mesmo responsável por qualquer providência necessária enquanto não distribuído ou despachado para outra Procuradoria da República, causando espécie que tenha gerado pedido de informações do Exmo. Procurador Geral da República.

Acerca de três anos sou Coordenador Criminal e jamais tal procedimento foi questionado por quem quer que seja, visto que agiliza a prestação ministerial e diminui o trabalho administrativo e burocrático, atendendo aos princípios da celeridade e razoabilidade.

(vide: fls. 7/8, grifamos)

10. O lacônico despacho do Dr. Marcelo Serra Azul, o Dr. Mário Lúcio Avelar não o firmou, lido a fls. 155 do apenso diz, verbis:

“Após a análise da documentação e fitas encaminhadas pelo Exmº Senhor Subprocurador-Geral da República José Roberto Santoro e a colheita dos depoimentos concluímos que o fato não está afeito à atribuição da PR/DF, visto que os crimes federais demonstrados nos documentos e nas oitivas ocorreram no Rio de Janeiro, sendo que há possibilidade de participação nos crimes federais de secretário de estado do Rio de Janeiro. Assim, encaminhe-se as peças ao Exmº Senhor Procurador-chefe da Procuradoria Regional da República na 2ª Região a quem cabe dizer se vislumbra ou não, a priori, participação de autoridade com foro privilegiado.”

(Fls. 155, do Apenso)

11. Quais os crimes federais vislumbrados? Em que situações concretas infere-se que “há possibilidade de participação nos crimes federais do Secretário de Justiça do Estado do Rio de Janeiro?

12. Nada diz, minimamente, a propósito, o Dr. Marcelo Serra Azul no despacho lavrado no mesmo dia de sábado, 7 de fevereiro!

13. No dia 9 de fevereiro, segunda-feira, já tudo tinha sido autuado no Gabinete do Procurador-Chefe da Procuradoria Regional da República da 2ª Região, Dr. Roberto Santos Ferreira, capeamento assim apresentado, verbis:

INTERESSADO: Gab. Dr. José Roberto F. Santoro

AUTOR: Gab. Procurador-Chefe

ORIGEM: Senado Federal

(vide: fls. 02, do Apenso)

14. E na mesma segunda-feira, dia 9, o Dr. Roberto Santos Ferreira, singelamente, encaminha o processado à Chefia da PR/DF “para seu conhecimento e providências cabíveis” (fls. 156, do Apenso) aí finalmente acontecendo normal distribuição à Procuradora da República, Dra. Andréa Silva Araújo (fls. 157, do Apenso).

15. De logo, desponta dado cristalino: se no sábado, dia 7 de fevereiro, o Dr. José Roberto Santoro, em seu gabinete, aqui em Brasília tomava o depoimento de duas pessoas, secundado pelos Procuradores da República Marcelo Serra Azul e Mário Lúcio Avelar, e nada passou pela PR/DF (item 7, deste Pronunciamento), quem levou em mãos, ao Dr. Roberto Santos Ferreira a documentação, só então por ele autuada na imediata segunda-feira, e na mesma segunda-feira por ele, Dr. Roberto Santos Ferreira despachada à PR/RJ?

16. Mais: a conclusão do Dr. Marcelo Serra Azul de encaminhar a documentação ao Dr. Roberto Santos Ferreira é equivocada!

17. Com efeito, lidos os depoimentos, tem-se que:

a) Messias Antônio Ribeiro Neto diz que não foi unicamente no Rio de Janeiro que Carlos Ramos obteve contratos, verbis:

“QUE em razão destes fatos o CARLOS RAMOS aproveitou tal fato para dissolver sua sociedade de fato com o depoente, não o mais recebendo, o que leva à conclusão de que RAMOS teria sido a fonte das reportagens, pois estas o beneficiaram, QUE, após CARLOS RAMOS ter se livrado do depoente e ter conseguido passar a imagem de mero prestador de serviços de informática para o Estado, desvinculando sua imagem do jogo, este obteve, sucessivamente, contratos com o Governo de Minas Gerais, Governo Itamar Franco, com o Governo do Paraná, gestão Jayme Lerner, cuja gestão do jogo era efetivada por uma pessoa chamada CAMPELO QUE, no Paraná a parceria foi feita a empresa Argentina INTERCHANGE, formando o consórcio LARAMI – Diversões Eletrônicas, no Governo Rio Grande do Sul, na gestão de Olívio Dutra, sendo que a presidência da LOTERS, era exercida Sr. JOSÉ VICENTE BRIZOLA QUE, CARLOS RAMOS também ganhou um contrato para explorar uma Loteria on line no Estado do Rio de Janeiro, gestão Anthony Garotinho, com a Presidência da LOTERJ, do Sr. WALDOMIRO DINYZ, QUE, então, CARLOS RAMOS recorreu ao depoente em razão de precisar de contatos para a implantação do jogo eletrônico no Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, QUE, o depoente assentiu com a proposta e procurou um grupo francês, QUE, o depoente conseguiu fechar o negócio com os franceses da EDITEC – Frank Attal, QUE, na hora de finalizar os negócios, exatamente quando os franceses vieram ao Rio de Janeiro para os contatos finais, RAMOS não os recebeu, QUE, mais tarde o depoente veio a saber qe empresários coreanos é que deram suporte ao negócio no Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, através da empresa COMBRALOG, que pertence a uma off shore no URUGUAI, de nome LEMINOR S/A, que por sua vez lidera o consórcio CAPITAL ENGENHARIA E LIMPEZA e PICOSOFT que pertence aos coreanos, QUE, o último contato do depoente com CARLOS RAMOS foi nessa época em que este havia consegido os contratos no Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, e Paraná, QUE, o contrato do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul teve a peculiaridade de serem firmados pela empresa de lixo de Anápolis, CAPITAL ENGENHARIA E LIMPEZA, QUE, a referida empresa pertence ao irmão de CARLOS RAMOS, SEBASTIÃO DE ALMEIDA RAMOS JÚNIOR, QUE, o depoente a partir daí, ficou minúsculo não sendo sequer recebido por CARLOS RAMOS, que por sua vez diversificou seus negócios, como a aquisição da Indústria Farmacêutica VITAPLAN, no DAIA – Distrito Agroindustrial de Anápolis”


(Fls. 149/150, do Apenso, grifamos)

b) Carlos Roberto Martins mantem-se na linha da expansão de negócios de Carlos Ramos em mais de um Estado-membro da Federação; não menciona governos estaduais; e de Waldomiro diz que era estreitamente ligado a Alejandro Ortiz, embora aquele, quando Presidente da Loterj, negociou com Carlos Ramos para assumir o local de Ortiz no Rio de Janeiro, acabando, todavia, por defender os interesses do Ortiz, “no Congresso e no Governo”, verbis:

“QUE o jogo em Goiás hoje se encontra monopolizado pela família de CACHOEIRA; QUE o depoente ficou amarrado a GERPLAN e com percentual fixo de 35% (trinta e cinco por cento) para CACHOEIRA;

QUE com Goiás nesta situação, CACHOEIRA resolveu se expandir indo em direção ao Paraná e ao Rio Grande do Sul, onde este conseguiu parcela e/ou a totalidade do jogo; QUE nestes locais CARLOS CACHOEIRA avançou em direção às máquinas de ORTIZ, tendo conseguido expulsá-lo destes Estados; QUE em razão de ORTIZ temer CARLOS CACHOEIRA, os novos “donos” da LOTERJ resolveram atrair CACHOEIRA para o Rio de Janeiro, que tinha o jogo controlado pelo “laranja” de ORTIZ, JOSÉ RENATO GRANADO, QUE JOSÉ RENATO é o operador de ORTIZ no Rio de Janeiro, e é quem põe as máquinas no Bingo, retira, dá manutenção, recolhe o dinheiro, remete a parte de ORTIZ etc…;

QUE o ex-Presidente da LOTERJ, WALDOMIRO DINYZ, passou a negociar com CACHOEIRA para que este entrasse no jogo do Rio de Janeiro e com isto afastasse ORTIZ ou criasse as condições para subir os percentuais pagos a título de propina para os “donos” do jogo no Estado; QUE iniciadas as tratativas, CACHOEIRA acabou por se recompor com ALEJANDRO ORTIZ, através de JOSÉ RENATO, QUE esta sociedade se comprova, entre outros, pela empresa COMBRALOG e as 1.000 autorizações para explorar máquinas de rua em Goiás dadas por CACHOEIRA a JOSÉ RENATO; QUE a citada empresa opera com a LOTERJ; QUE desta sociedade houve um estreitamento entre o ex-presidente da LOTERJ, VALDOMIRO DINYZ e ORTIZ; QUE WALDOMIRO passou, após ter se afastado da LOTERJ, a defender os interesses de ORTIZ no Congresso e no Governo, QUE esta defesa não se dá às claras, e sim, é intermediada pelos contatos entre o dono do Bingo Augusta e Presidente da ABRABIN, OLAVO SALLSES, que carrega as instruções de ORTIZ para WALDOMIRO QUE os interesses do jogo são defendidos por WALDOMIRO através de orientações de ORTIZ; QUE quando das reuniões da ABRABIN fala OLAVO SALLES como Presidente, QUE todo mundo da ABRABIN sabe que WALDOMIRO defende os interesses de OLAVO SALLES e da própria ABRABIN, nessas reuniões.”

(vide: fls. 153, do apenso)

18. Desses depoimentos o que se deveria ter extraído era:

1º) o encaminhamento das declarações ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro para a apuração da conduta de Waldomiro Diniz enquanto Presidente da Loterj.

2º) a abertura do procedimento criminal investigatório na PR/DF para o exame da conduta de Waldomiro Diniz como servidor público federal – adjunto da assessoria parlamentar da Casa Civil do Governo Federal – “na defesa dos interesses do Alejandro Ortiz no Congresso e no Governo”.

19. O encaminhamento da documentação à Procuradoria Regional da República é que se mostrou insustentável.

20. Aliás, o Dr. Roberto Santos Ferreira tão logo recebeu-a, despachou-a, imediatamente, para a PR/RJ.

21. Na data de ontem, Senhor Corregedor-Geral, foi amplamente noticiado o envolvimento explícito e ostensivo do Subprocurador-Geral da República José Roberto Santoro nos fatos aqui articulados, traduzido em depoimento que tomou, em plena madrugada, de “Carlos Cachoeira”, no seu gabinete de trabalho, assim permanecendo na investigação à qual nunca teve atribuições funcionais, reitero, utilizando-se do nome deste Procurador-Geral da República, por mais de uma vez, para conseguir, sob a veiculação deste cargo, o original da fita em que “Carlos Cachoeira” gravara conversa que teve com Waldomiro além de apresentar o Ministério Público Federal, pela conduta funcional deste Procurador-Geral da República, que o chefia, como de subserviência ao Governo Federal. (junto, a tudo demonstrar, fita de gravação do Jornal Nacional, que me encaminha a Assessoria de Comunicação da Procuradoria Geral da República, e material da imprensa escrita).

22. Tudo assim objetivamente apresentado, Senhor Corregedor-Geral, encaminho estes autos a V. Excia. para a adoção das providências cabíveis a propósito das condutas funcionais dos Drs. José Roberto Santoro; Marcelo Antônio Ceará Serra Azul e Mário Lúcio de Avelar no que significam de afronta ao princípio do Promotor Natural e improbidade administrativa na modalidade de violação do dever de lealdade para com a Instituição: Ministério Público Federal (artigo 11, caput, da Lei 8429/92).

Brasília, 31 de março de 2004 .

CLAUDIO FONTELES

PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

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