Limites legais

Constituição não pode ser considerada declaração de boa vontade

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31 de março de 2004, 10h28

Preceitos constitucionais não podem ser considerados como declarações de boa vontade. “Devemos encará-los de forma contrária”. A afirmação é do professor uruguaio Oscar Ermida Uriarte e foi feita na terça-feira (30/3) durante palestra no Fórum Internacional sobre Direitos Humanos e Direitos Sociais, na sede no Tribunal Superior do Trabalho.

O professor disse que na Constituição “estão os direitos fundamentais de um pacto de vida em comum e, por isso, devem ter a eficácia máxima”. A relevância dos direitos humanos consagrados pela Constituição e por normas internacionais, segundo o especialista da OIT, permite sua interpretação como regras que sobrepõem às mudanças.

“A importância atual da questão é que os direitos humanos, vistos como fundamentais enquanto essenciais à personalidade humana e presentes na Constituição, operam como um limite de ordem pública, são indisponíveis, encontram-se fora da esfera de disponibilidade dos poderes públicos e, por isso, são insuscetíveis de flexibilização”, afirmou o especialista uruguaio, que também leciona na Argentina, Chile, Peru, Colômbia e Espanha.

Ao tratar do tema “A Aplicação Judicial das Normas Constitucionais e Internacionais sobre os Direitos Humanos Trabalhistas”, o palestrante iniciou sua abordagem analisando o aspecto constitucional da matéria.

Uriarte detectou a existência de duas espécies de direitos humanos previstos nos textos constitucionais da América Latina. Os específicos, que são típicos do trabalhador; e os inespecíficos que alcançam os cidadãos e, por isso, também se estendem aos trabalhadores.

Essas prerrogativas foram consideradas pelo especialista internacional como supra-ordenadas, de uma hierarquia superior, intangíveis, auto-aplicáveis, conforme pode ser verificado na tendência jurídica moderna.

A segunda parte da conferência foi reservada às normas internacionais cuja vida é dupla: “possuem independência por pertencer ao plano internacional, mas também estão integradas ao direito interno das nações”. Segundo Uriarte, os pactos internacionais podem ser vistos como superiores, com base no princípio de que o direito internacional tem primazia sobre o nacional.

Essas normas também podem ser consideradas como integrantes de uma ordem pública internacional, onde são consideradas a boa-fé, o cumprimento dos acordos e os direitos humanos – os três elementos alcançam a todos.

Logo após expor os critérios de integração das normas internacionais no plano jurídico interno dos Estados, o conferencista concluiu sua participação apresentando oito conclusões, que também podem, segundo ele, serem vistas como propostas sobre o tema abordado:

1 – A Constituição é a norma máxima da ordem jurídica nacional, o que permite dizer que esse texto deve ser o primeiro passo de qualquer operação jurídica interpretativa ou aplicativa e por isso deve ser vista como de máxima eficácia e de aplicação direta;

2 – As normas internacionais sobre direitos humanos são de hierarquia máxima e de aplicação direta e formam parte da nossa Constituição;

3 – Existe uma tendência de evolução para considerar os direitos humanos como universais e não apenas como internacionais. Os direitos humanos não correspondem a um problema de direito internacional, entre nações, mas uma questão universal, da espécie humana;

4 – Superação da antinomia jusnaturalismo X juspositivismo. Quando encontramos na Constituição uma norma jurídica positiva, uma remissão a direitos próprios da pessoa, temos uma norma positiva recolhendo em seu seio uma parte do jusnaturalismo e vice-versa;

5 – Também há superação da velha oposição entre monismo e dualismo, que envolvia as discussões entre prevalência da ordem internacional sobre a nacional ou o contrário. Na medida em que a Constituição remete a tratados internacionais, como ocorre no art. 5º §2º do texto brasileiro, a discussão se torna obsoleta;

6 – Indisponibilidade dos direitos humanos. Esses direitos universais, reconhecidos como constitucionais e universais, estão supra-ordenados face à lei ordinária. É intangível, inalcançável pelo legislador nacional e, portanto, impassível de flexibilização. E permite, também, uma reconstrução do Direito do Trabalho, só possível aos magistrados;

7 – Necessidade de uma reconstrução conceitual, ou seja, a premência do desenvolvimento de um pensamento fundado em direitos. Se a essência da ordem pública internacional e do constitucionalismo nacional é esse elenco de direitos humanos fundamentais, nosso pensamento tem que partir daí e potencializar isso;

8 – Necessidade de uma reconstrução jurisprudencial, que corresponde ao papel dos juízes. A reconstrução do Direito do Trabalho só se torna real com a atuação dos magistrados. Este é o momento supremo do Direito, em que as obras jurídicas aterrisam e são aplicadas pelo juiz, com base na doutrina jurídica e a pedido dos advogados. (TST)

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