Cena brasileira

Mercado exclui jovens e idosos e inclui crianças, diz sociólogo.

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30 de março de 2004, 17h08

Enquanto o mercado de trabalho é fechado para os jovens recém-saídos da universidade e para “idosos” a partir de 40 anos, a atual lógica do mercado inclui “criminosamente” no sistema de produção as crianças, que estão sendo exploradas nas carvoarias, nas plantações de sisal, na fabricação de calçados e no trabalho doméstico. Dessa forma o professor de Sociologia do Trabalho da Unicamp, Ricardo Antunes, concluiu sua palestra sobre “Trabalho: entre a perenidade e a superficialidade”, no painel de discussões sobre Trabalho Infantil no Fórum Internacional sobre Direitos Humanos e Direitos Sociais do TST.

O professor fez uma ampla exposição sobre os motivos que levaram à atual crise no mundo do trabalho, que gerou tal lógica. Segundo ele, as últimas três décadas macularam o trabalho em escala global, trazendo desemprego, que ele considera “um flagelo mundial”, precarização do trabalho, trabalho escravo, trabalho infantil, informalidade e desigualdade no tratamento de trabalhadores homens e mulheres. De acordo com o professor, precarizar o emprego foi a forma que os capitais globais encontraram para aumentar sua competitividade e lucros.

Ele lembrou que, segundo dados da Organização Internacional do Trabalho, dos três bilhões de trabalhadores que existem no mundo, um bilhão está no subemprego. Nas grandes capitais brasileiras, ressaltou o professor, 20% dos trabalhadores estão desempregados. Em meados da década de 80, existiam um milhão de bancários no País, e hoje são 360 mil; na região do ABC eram 260 mil metalúrgicos, e hoje são cem mil.

De acordo com o sociólogo, a atual situação é resultado de vários fatores. O primeiro teria sido a reestruturação no modo de produção global, iniciada em 1973, com a crise estrutural do sistema de capitais em escala planetária. Na época, lembrou ele, começaram as fusões de empresas, numa reestruturação para aumentar a competitividade e, conseqüentemente, o lucro. A concorrência violenta levou à perda do trabalho vivo, num processo que o professor chamou de “secagem”: as empresas passaram a enxugar, desempregar e buscar desregulamentar a legislação trabalhista. O processo continua. Ele citou como exemplo a Volkswagen alemã, que anunciou que demitirá em breve cinco mil de seus trabalhadores, para ficar mais competitiva.

Segundo o professor, as empresas cada vez mais exigem que os trabalhadores sejam “polivalentes” e “multifuncionais”. “Assim, onde trabalhavam dez pessoas antigamente, hoje são três empregados, que podem produzir três vezes mais que os dez anteriores. Porém, é importante perguntar onde estão os sete que foram demitidos? E em quem condições trabalham os três que ficaram?”, indagou ele. Para o professor, houve um enorme aumento da exploração do trabalhador, que passou a ser muito mais cobrado individualmente em termos de responsabilidade e produtividade, com um salário que não corresponde à mudança de quadro.

O segundo fator citado foi a disseminação das idéias neoliberais, que levaram à privatização das empresas públicas, numa onda que começou com Margareth Thatcher, na Inglaterra, e seguiu com George Bush pai, nos Estados Unidos, depois espalhando-se pelo mundo. A “praga neoliberal”, para o professor, é, porém, mais devastadora no chamado Terceiro Mundo. Atualmente, mais de 50% da força de trabalho do Brasil, que é de 78 milhões de pessoas, é formada por empregados terceirizados, muitos vinculados às antigas empresas públicas que foram privatizadas. As empresas transnacionais, que atuam em vários países, pagam salários diferentes para os trabalhadores em cada país que atuam, porém.

Ricardo Antunes afirmou que há também hoje uma crescente pressão das transnacionais para que os governos flexibilizem suas leis trabalhistas, o que é uma exigência do sistema global para facilitar a contratação e demissão de trabalhadores ao sabor das necessidades imediatas das empresas. A flexibilização da legislação trabalhista, segundo ele, tem dois resultados imediatos: o aumento do poder econômico das empresas, que, com a perda dos direitos dos trabalhadores, pagam salários menores; e o político, que é a fragmentação da classe trabalhadora, inclusive os sindicatos, que ficam fragilizados, sem poder de barganha e à mercê de acordos desfavoráveis aos trabalhadores.

O terceiro fator foi o aumento do trabalho feminino, que chega a representar 40% da força de trabalho em diversos países. Para o professor, a mulher ganhou ao sair do âmbito patriarcal por meio do trabalho. Porém, existe já uma nova divisão dos trabalhadores por gênero; as mulheres têm ocupado os empregos onde há trabalho intenso, e o homens, onde há capital intenso.

Em quarto lugar está o aumento do proletariado do setor de serviços, que deixou de ser público para ser privado. Houve, pois, de acordo com o professor, uma substituição do trabalhador estável por um novo proletariado precarizado, sem direitos, terceirizado, part time, no setor de serviços. Trabalhadores que atuam em condições de trabalho muito estressantes porque, além da falta de segurança, não têm alternativas. A alternativa é o desemprego. O surgimento dessa nova “classe” de trabalhadores mostra, para o sociólogo, que apesar de tudo a classe trabalhadora não vai desaparecer.

Por fim, houve a exclusão do mercado de trabalho de jovens e idosos – aí se considerando quem tem a partir de 40 anos. Ricardo Antunes lembrou que o jovem sai da universidade e não tem emprego, e os mais velhos, quando o perdem, não conseguem se recolocar. Ao mesmo tempo, lembrou ele, “inclui-se, criminosamente, na produção, as crianças, que estão sendo exploradas nas carvoarias, nas plantações de sisal, na fabricação de calçados, no trabalho doméstico. Todos setores de difícil fiscalização”.

Os trabalhos escravo, infantil e dos imigrantes são resultado da lógica do mercado, concluiu o professor. Para ele, ao invés do fim do trabalho como o conhecíamos existe uma nova polissemia do trabalho. Ou seja, a palavra passou a ter vários significados. Nesse mundo, disse ele, a Justiça do Trabalho pode ajudar a evitar que a precarização do trabalho atinja a dimensão que vem atingindo. (TST)

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