Vida em risco

Fiscal do trabalho escravo pede segurança para colegas

Autor

30 de março de 2004, 20h27

A auditora de trabalho Valderez Maria Monte Rodrigues abriu nesta terça-feira (30/3) o painel sobre trabalho escravo. Na ocasião, ela apelou para que o governo adote, com rapidez, medidas de segurança para proteger as equipes de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho que atuam em áreas onde há registro de trabalho escravo.

Em depoimento no Fórum Internacional sobre Direitos Humanos e Direitos Sociais, promovido pelo Tribunal Superior do Trabalho, ela disse que desde que os três auditores fiscais e um motorista da equipe de fiscalização foram mortos, em janeiro, nenhuma medida de segurança foi adotada para proteger as equipes. Segundo ela, “a situação é de marasmo, como se nada tivesse acontecido”.

No primeiro painel do dia, Valderez, que se aposentou no início deste mês, relatou as difíceis condições de trabalho dos fiscais e alertou para o problema mais grave no momento, que é a ausência de medidas de segurança para proteger os auditores. “Não se trata de dar segurança para cada um dos auditores, mas, sim, de adotar soluções adequadas”.

Valderez confessou-se acanhada em falar para o público do Fórum, “como aquele trabalhador humilde que, quando chegamos para resgatar, começa a tremer porque se sente tímido diante de uma autoridade”. Para “não se perder” na exposição, ela leu o depoimento que escreveu com antecedência.

Entre as vitórias obtidas no combate ao trabalho escravo, a auditora de trabalho citou as atuais discussões para alteração do Código Penal, da Constituição e de demais instrumentos legais e a mudança de postura das autoridades que, até há pouco tempo, negavam a existência de trabalho escravo no País. “Ainda hoje, há autoridades que acham que trabalho escravo é ficção e delírio nosso”, afirmou.

A criação das Varas Itinerantes de Trabalho, “com resultados excelentes”, e a adesão dos procuradores do trabalho às equipes foram apontadas pela auditora como um dos principais avanços registrados nos últimos anos no combate ao trabalho escravo.

Criado em 1995, o Grupo de Fiscalização Móvel iniciou o trabalho com a parceria apenas da Polícia Federal. As dificuldades iniciais foram superadas, mas as condições de trabalho dos auditores, não. Para chegar aos locais onde existe trabalho escravo, quase sempre distante dos centros urbanos, é preciso locomover-se com o transporte disponível: canoa, carroça, cavalo, trator. Quem tem disposição física, anda até 20 quilômetros a pé.

Valderez contou que o trabalho das equipes de fiscalização “se dá vencendo atoleiros, chegando a locais inóspitos e perigosos, de acesso tão difícil que às vezes, mesmo com mapas e informantes, elas se perdem”. Não se trata apenas de verificar as irregularidades em relação à legislação trabalhista. O trabalho é de investigação, desde entrevistas com o trabalhador à busca de trabalhadores que são escondidos pelos fazendeiros.

Da experiência de oito anos no resgate de trabalhadores submetidos à super exploração, Valderez chegou a algumas conclusões:

1 – O trabalho infantil é o elo inicial e final na cadeia da escravização. Os trabalhadores escravizados começaram a trabalhar quando eram crianças. É a perpetuação da miséria e do analfabetismo, “que fragiliza o homem pela falta de comida e pela negação da cidadania”.

2 – Já existem medidas paliativas, mas insuficientes.

3 – O trabalho escravo no campo no País teve origem na abertura das fronteiras agrícolas do País, incentivada no regime militar com o slogan “integrar para não entregar”. Nessas áreas de fronteira, na Amazônia e Centro-Oeste, instalaram-se grandes latifúndios. “Derrubavam-se as matas, formavam-se lindas e intermináveis fazendas a custa de mão-de-obra escrava“. A ocupação das fronteiras resultou também na degradação ambiental e no avanço sobre o território indígena.

4 – O trabalho escravo está associado a outras práticas criminosas e pode, inclusive, estar ligado ao crime organizado: plantação de maconha, degradação de rios, desmatamento desenfreado, trabalho infantil, prostituição, pistas clandestinas.

5 – O trabalhador escravizado está preso a uma cadeia imaginária. Ele acredita que está endividado com o patrão, pela aquisição de alimentos e outros meios de subsistência. (TST)

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!