Projetos antispam

Maioria das propostas antispam atende interesses de spammers

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29 de março de 2004, 11h14

Os trabalhos de nossos nobres legisladores federais (deputados e senadores), relativamente às propostas antispamming apresenta-das até os primeiros meses de 2004, refletiam uma influência doutrinária alienígena não condizente com o sistema legislativo brasileiro; e o pior: somente atendiam aos interesses dos spammers.

A proposta de uma legislação para a Internet, além de ser desnecessária, não leva em conta as opiniões dos usuários, dos técnicos em comunicação, dos técnicos em informática, dos profissionais do Direito &c.

Com o surgimento dessa supermídia, como era de se esperar, vieram à tona diversos problemas, aparentemente sem solução no ordenamento jurídico pátrio.

Entrementes, antes que houvesse uma análise mais profunda do que ocorria, a idiossincrática legismania que sempre assolou o país mais uma vez se fez presente e, de pronto, nossos solícitos hominis legis, em vez de tentarem resolver nossos problemas sócio-jurídicos com soluções nascidas de nossas tradições (e contradições), preferiram se valer de projetos de lei (PLs) e de leis de outras terras — que necessariamente não se ajustam e não se aplicam à realidade brasileira. Preferiram a cópia barata à criatividade. Regrediram na escala evolutiva para aquém das esponjas, as quais pelo menos devolvem a água que ingerem.

Como seria esperado, o resultado foi uma plena e absoluta inadequação, vez que o que é quadrado não é feito para se encaixar no que é circular.

Mas nem todos os PLs em trâmite nos primeiros meses de 2004 foram cópia fiel — e exangue de criatividade — da doutrina ou da legislação além fronteiras. Um exemplo, entre os projetos de Lei então em trâmite no Congresso Nacional, é o PL nº 89/2003(1) — ao menos em sua última alteração(2).

Assim, caso se faça imperante uma mudança na Legislação em de-corrência da Internet, que tal se proceda nos moldes preconizados pelo projeto de Lei nº 89/2003 (sucessor do PL nº 84/99) e não através de Leis extravagantes, cujos projetos serão mais adiante analisados. Eis a parte desse PL destinada a combater o spamming.

ARTIGO 6º OS ARTIGOS 265 E 266, AMBOS DO DECRETO-LEI Nº 2.848, DE 07 DE DEZEMBRO DE 1940 (CÓDIGO PENAL) PASSAM A VIGORAR COM AS SEGUINTES ALTERAÇÕES:

“ATENTADO CONTRA A SEGURANÇA DE SERVIÇO DE UTILIDADE PÚBLICA”

ARTIGO 265 – ATENTAR CONTRA A SEGURANÇA OU O FUNCIONAMENTO DE SERVIÇO DE ÁGUA, LUZ, FORÇA, CALOR OU TELECOMUNICAÇÃO, OU QUALQUER OUTRO DE UTILIDADE PÚBLICA:

………………………… (NR)

“INTERRUPÇÃO OU PERTURBAÇÃO DE SERVIÇO TELEGRÁFICO OU TELEFÔNICO”

ARTIGO 266 – INTERROMPER OU PERTURBAR SERVIÇO TELEGRÁFICO, RADIOTELEGRÁFICO, TELEFÔNICO OU DE TELECOMUNICAÇÃO, IMPEDIR OU DIFICULTAR-LHE O RESTABELECIMENTO:

………………………… (NR)

No entanto esses adendos são dispensáveis porque a Internet é, intrinsecamente, um serviço de utilidade pública em razão de sua utilização objetivar, entre outras coisas, a educação (ou instrução pública) e a construção de estabelecimentos virtuais destinados ao bem geral da comunidade(3). Além disso, a Internet se equipara a um serviço público por ser prestado por empresas de comunicação.

Consoante o ordenamento jurídico pátrio, “têm esse direito certas empresas de transporte, de fornecimento de luz ou água; estabelecimentos de ensino ou assistência social, fundações, associações esportivas, culturais, artísticas, científicas, etc.. (4)”. E todas existem na Internet.

Em poucas palavras: a Internet não apenas é um serviço de utilidade pública, como é o maior serviço de utilidade pública do Planeta, desde que se tem a idéia do que é um serviço de utilidade pública. O comércio, a indústria, o sistema financeiro, os cidadãos e os três Poderes da República, entre tantos outros, valem-se da Internet para alcançarem seus objetivos. Como, então, não considerá-la um serviço de utilidade pública, nos termos dos vigentes artigos 265 e 266 do Código Penal?

“Mas é proibida a analogia em questões penais”, poderá me retrucar quem faz essa leitura.

Concordo, não poderia ser diferente. Entretanto não estou a me valer de um raciocínio analógico, mas, isso sim, de um raciocínio extensivo e abrangente – o que não só é autorizado como também é bastante apreciado pela boa doutrina e pela praxis forense.

Pobre do exegeta cujo coração não possuir uma aurícula analógica e outra extensiva; um ventrículo avaliando o passado e outro tentando imaginar o futuro. Se não for assim, seu coração estará incapacitado para permitir que flua em suas veias o sangue que exorta a eterna revisão, que permite que a doutrina leve oxigênio aos julgados para cristalizar a jurisprudência, ou seja, o direito com prudência.

Enfim, o exegeta deve agir com a mesma atenção dos motoristas de automóveis: ao mesmo tempo que olham para a frente não descuidam com o que passou e, pelo espelho retrovisor, verificam o que existe atrás.

Mesmo sem as alterações legislativas propostas, o exegeta sabe que o spamming é de ser punido nos moldes da legislação vigente.

Notas de Rodapé

(1) O PL nº 89/2004 (aprovado pelo plenário da Câmara aos 05 de novembro de 2003) é sucessor do PL nº 84/99. Ambos são de autoria do deputado federal Luiz Piauhylino (PSDB/PE).

(2) Esse PL sofreu mudanças radicais desde sua apresentação até sua aprovação pelo plenário da Câmara. Não é exagero dizer que mudou da água para o vinho.

(3) Apesar da expressão “utilidade pública” constar da Constitu-ição Federal de 1988, não é lá que será encontrada a sua definição. Será necessário mergulhar no artigo 590, § 2º, I e II, do vetusto Código Civil de 1916, e no artigo 910, da CLT, para serem tomados os elementos que justificam a Internet como um serviço e um instituto de utilidade pública.

(4) NUNES, Pedro, DICIONÁRIO DE TECNOLOGIA JURÍDICA, 10ª edição, Volume II (G-Z), Livraria Freitas Bastos S/A (Rio de Janeiro/RJ), 1997, fls. 863.

Autores

  • é advogado paulistano com dedicação às questões relativas a direito e tecnologia das informações. Além de autor de diversos outros livros, é partícipe da coletânea ATA NOTARIAL (SAFe [Porto Alegre], 2004, 1ª Edição). Foi o coordenador de cursos sobre a importância da ata notarial em diversos Estados, em 2004

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