Trabalho escravo

Leia denúncia que gerou condenação de Inocêncio de Oliveira

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27 de março de 2004, 18h55

Os trabalhadores considerados “escravos” na fazenda do deputado federal Inocêncio de Oliveira tinham “um orgulho ingênuo de estarem trabalhando para uma pessoa tão importante e poderosa”. Segundo eles, o deputado costumava ir nos barracos “atravessando o rio a cavalo, enquanto os trabalhadores atravessavam a nado”.

Essa e outras afirmações dos trabalhadores constam da denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal, em outubro de 2003. O deputado foi condenado, no ano passado, a pagar uma indenização de R$ 530 mil por submeter 53 trabalhadores rurais a condições similares à escravidão em sua fazenda.

Ele foi condenado também, em outro processo, a se abster de explorar mão-de-obra escrava e de aliciar menores de 16 anos para trabalhar em suas fazendas. Ainda cabe recurso.

Leia a denúncia apresentada pelo MPF:

PGR N.º 1.00.000.009077/ -2002-60

INTERESSADO: DEPUTADO FEDERAL INOCÊNCIO DE OLIVEIRA

ASSUNTO: OF/Nº 1287/02/PGT – DENÚNCIA INQ/2054

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL,

O Ministério Público Federal ajuíza DENÚNCIA contra:

1. Inocêncio Gomes de Oliveira, brasileiro, casado, médico, Deputado Federal, podendo ser encontrado na Câmara dos Deputados – Praça dos Três Poderes – Gabinete 26, Anexo II.

2. Sebastião César Marques de Andrade, qualificado as fls. 57, dos autos do PA 9077/02, que integram esta denúncia, pelos seguintes fatos delituosos: 1.00.000.009077/2002-60

I. Dos Fatos

1.O Grupo Móvel de Fiscalização da Região 04, do Ministério do Trabalho e Emprego constatou, no período compreendido entre os dias 19 a 27 de março de 2002 que na Fazenda Caraíbas, situada no Município do Dom Pedro Maranhão, delitos contra a liberdade e contra a organização do trabalho foram consumados pelos acusados.

2. Em anterior pronunciamento nosso, transcrevemos depoimentos dos trabalhadores e dos chamados “gatos”, ou intermediadores, no aliciamento dos trabalhadores para a roça da juquira, na Fazenda Caraíbas verbis:

“8. Com efeito, depôs Vicente de Pinho Borges e disse, verbis:

“Que ao chegarem à Fazenda Caraíbas, foram levados para

alojamentos precários, sem piso e sem qualquer iluminação, bem como sem instalações sanitárias; Que os 15 (quinze) trabalhadores

ficaram alojados no local ora descrito; Que, ao iniciarem suas atividades, cuja tarefa consistia em roço de juquira, passaram a trabalhar sob as ordens do gato VICENTE, o qual informou aos trabalhadores e ao declarante que o adiantamento que havia sido fornecido aos mesmos seria descontados posteriormente bem como as botas e ferramentas de trabalho (foice) que lhes foram entregues pelo referido gato VICENTE, naquela ocasião,

Que a água fornecida aos trabalhadores era retirada de um cacimba infestado de insetos e “copa-rosa”; Que a alimentação fornecida era de péssima qualidade e era composta apenas de feijão e arroz (no almoço e no jantar), e que o café da manhã consistia apenas em café puro e farinha de puba; Que a alimentação também seria descontada, conforme lhes informou o gato VICENTE, que anotava em caderno todos os gastos com os trabalhadores, inclusive as despesas realizadas com o transportes dos referidos trabalhadores para a citação Fazenda Caraíbas”. (vide: fls. 71)

9. Prosseguiu Vicente, verbis:

“Que no dia 08.03.02 Sexta-feira, o gato VICENTE, a pedido dos trabalhadores, fez o acerto de contas e informou ao final, que dos 15

(quinze trabalhadores apenas 05 (cinco) tinham saldo a receber, no valor de R$ 20,00, sendo que o declarante nada recebeu, pois, segundo o gato 1.00.000.009077/2002-603 VICENTE, suas dúvidas correspondiam aos valores dos dias trabalhados;

Que , para retornar ao seu município foi necessário que os 05 (cinco) trabalhadores que tiveram saldo pagassem as passagens dos demais e inclusive a sua; Que, para sair da fazenda, percorreram cerca de 09 (nove) quilômetros, digo 15 (quinze) quilômetros a pé, até chegarem à cidade de Espírito Santo-MA, de onde retornaram à União-PI.

Que no local de trabalho (Fazenda Caraíbas) ainda ficaram vários trabalhadores, sob as ordens de outros gatos.” (vide fls. 72/73) 10. Edilson Diniz Ferreira também esclareceu que, verbis:

“Num barraco de 6x4m ficam alojados cerca de 30 trabalhadores, não haviam instalações sanitárias; não era fornecida água potável (a água

para consumo era retirada do açude). Os barracos não têm paredes e são de terra batida. Muitas vezes foram encontrados animais peçonhentos, como cobras e aranhas dentro do barracão. O declarante informa que desde dezembro/2001 o acesso ao alojamento está alagado, sendo os trabalhadores obrigados a nadarem em locais onde a água alcança a altura do peito de um homem adulto para se locomoverem do alojamento até a sede da Fazenda, e de lá de volta para o alojamento.” vide: fls. 75–)


11. Prosseguiu Edilson, verbis:

“O Sr. Edilson declara que os primeiros 2.000,00 foram recebidos do Sr. Inocêncio, o qual, pessoalmente mandou-o contratar de 30 a 40 homens para trabalhar e não o Sr. César como declarado anteriormente. Declara ainda que, geralmente, os trabalhadores recebiam pelo serviço feito (por produção) com exceção de um outro caso de trabalhador que deixou a Fazenda sem esperar que o pagamento chegasse. Declara ainda que no caso de algum trabalhador que quisesse deixar a Fazenda, sendo apurado saldo a pagar pelo mesmo em razão da alimentação e compra das ferramentas ou botas era exigido que o mesmo permanecesse trabalhando até que o saldo fosse acertado.”(fls. 76, grifamos)

12. Jeremias Marcos da Silva diz, verbis:

“No presente momento declaro que, digo, estão trabalhando no roço juquira cerca de 50 (cinqüenta) homens, contratados por 06 (seis) gatos, porém esse número chegou a 80 (oitenta) e varia em razão do rotatividade de trabalhadores que não permanecem por muito tempo em virtude dos baixos salários praticados e das condições de trabalho e alojamento oferecidas. Declara o trabalhador que controla diretamente a produção e pagamento da mesma com os gastos, digo, gatos, mas não acompanha a contratação, pagamento dos trabalhadores pelos mesmos. O pagamento aos gatos e demais trabalhadores da Fazenda é feito mensalmente, em torno do dia 05 (cinco), época em que, invariavelmente, o proprietário Sr. Inocêncio permanece no local o qual o mesmo percorre a Fazenda acompanhado pelo declarante observando os trabalhadores, conversando com todos, certificando- 1.00.000.009077/2002-60 4 se das condições de trabalho e moradia oferecidas e por fim efetuado o pagamento a todos. Declara que não possui registro em CTPS e desconhece algum trabalhador da Fazenda que o possua.” (vide: fls. 79-verso, grifamos)

13. O “gato” Vicente da Silva Souza tudo admite e diz, como os demais, da presença ostensiva do proprietário Inocêncio de Oliveira na fazenda, verbis:

“Que todos os empre ados dormem no mesmo barraco, construído de tronco de árvores, cobertura de palha de coqueiro, piso de terra batida, sem janelas, sem instalações sanitárias dormindo todos

juntos, inclusive a cozinheira; que a alimentação é preparada de forma

improvisada, no chão a água servida é retirada de uma cacimba e armazenada em um recipiente plástico, de origem desconhecida com

inscrição “não reutilizar esta embalagem”, os trabalhadores utilizam copo coletivo e a água não recebe qualquer tratamento. Não há local onde ? ? refeição e os mantimentos são armazenados de forma inadequada em cima de um “jirau” (tábuas de madeiras). Não é fornecido qualquer tipo de proteção, digo, equipamento de proteção individual, alguns trabalhadores usam botas compradas do “gato” Vicente ao preço de R$ 12,00 (doze reais).

Que mensalmente o proprietário da fazenda Inocêncio de Oliveira comparece à fazenda e nessa ocasião acerta com o declarante serviço que foi executado e o “gato” pagar aos trabalhadores conforme a produção, ou seja, R$ 3,00 (três reais) por linha roçado. Este valor e variável sendo que o máximo recebido, digo, pago aos trabalhadores foi R$ 6,00 ou ?. Declara que os trabalhadores em média 25 linhas por mês cada um no valor de R$ 3,00 ou R$ 5,00. Que o pagamento dos trabalhadores é feito através do “gato” o qual pagou aos

trabalhadores, que o proprietário da fazenda em mensalmente ou o sr.

Sebastião efetuou o pagamento. Que todos os trabalhadores conhecem o proprietário e o gerente da fazenda. (vide: fls. 81-v/82, grifamos) 14. Francisca Trindade disse, verbis:

“Informa que não possui. Declara que até o presente momento recebeu apenas R$ 50,00 de salário. O local onde a trabalhadora prepara as refeições consiste de fogão à lenha de cerca de 60 cm de altura. A água utilizada para beber e cozinhar é depositada em recipiente plástico (galão de 60 litros) reutilizado, apesar de no próprio recipiente estar escrita a recomendação. “não reutilizar esta embalagem”. (fls. 83-v)

15. Miguel Ferreira disse, verbis:

“Os trabalhadores utilizou a mata para sua necessidade fisiológicas. A água que bebe, lava as roupas, toma banho e cozinha a comida, é retirada de uma açude próximo ao barraco. Segundo, os trabalhadores, e constatado pela fiscalização a água é bastante suja, com lama, cabeça de prego, “capa rosa” e fezes de animal (gado). O gado, os cavalos e outros 1.00.000.009077/2002-60 5 animais também usou o açude para beber água e se banhar. O empregador não fornece EPI e ferramentas para o trabalho. A bota que usa foi comprada pelo trabalhador na cidade de Alexandre Costa/MA ao preço de R$ 12,00. Não existe materiais de primeiros socorros à disposição dos empregados. Quando adoece, compra seus remédios na cidade. Desde que começou a trabalhar se ausentou apenas alguns dias para visitar sua família. O Declarante informa que no mês de dezembro de/2001, O fazendeiro Inocêncio Oliveira chegou até o local onde estavam alojados, barraco semelhante ao que se encontra atualmente, para inspecionar o serviço juntamente com o gerente, vaqueiro Geremias, todos montados a cavalo – inspecionou o serviço e falou com os três trabalhadores que estavam presentes: o declarante, Zaquel e o gato Ferreira. A comida é fornecida pelo fato, que foi acertado, não ser descontada pois alinha R$ 4,00 é mais barata.” ( fls. 84-v)


16. José Alves de Souza disse, verbis:

“Que a alimentação fornecida é composta de arroz e feijão, que geralmente é servido carne. Que a alimentação já está incluída da linha roçada. Que à água servida é retirada de uma cacimba e é utilizada para beber e fazer a alimentação. Que não recebeu do fazendeiro ou do encarregado nenhuma bota, chapéu etc., que já comprou bota para trabalhar ao preço de R$ 12,00 (doze reais): que a bota é vendida pelo “gato” Vicente; a ferramenta de trabalho (foice) é vendida pelo Vicente a preço de R$ 6,00 (seis reais). Que durou os 06 (seis) meses de trabalho não conseguiu receber um salário mínimo por mês; que no barraco com 12 (doze) pessoas, inclusive uma mulher, D. Francisca que é a cozinheira que dorme todos juntos, que o barraco construído com troncos de árvores, coberto de folhas de coqueiro, piso de terra batida, sem janelas, sem instalações sanitárias; que fazem as suas necessidades fisiológicas no mato; que conhece o proprietário da fazenda e o gerente Sr. Sebastião César; que o Sr. Inocêncio em todo mês à fazenda ou o gerente Sr. Sebastião. Que algumas vezes trabalha aos domingos para aumentar a produção que gostaria de Ter a sua Carteira de Trabalho assinada.” (vide: fls. 85 – v grifamos) (vide fls. 22/26-PA nº 9077/2002) 3. Reabertas as investigações, depuseram as Auditoras Fiscais, que não

tinham sido ouvidas, que positivaram, verbis:

“que sem indicação precisa do local onde estava situada esta fazenda, a equipe de fiscalização fez indagações a pessoas encontradas próximas à cidade de Alexandre Costa (MA), quando pela primeira vez foi referido de que poderia tratar-se “da fazenda do Inocêncio”; que o modo de atuação usual da equipe do Grupo Móvel não incluiu pesquisa prévia acerca da propriedade da fazenda; que foi a verificação física e entrevista dos trabalhadores que revelou à equipe de fiscalização móvel que o proprietário da fazenda era o deputado federal Inocêncio de Oliveira, pois 1.00.000.009077/2002-60

6 todos os trabalhadores alcançados naquela fiscalização do

trabalho declararam este fato, e alguns deles vestiam camisa de

campanha eleitoral do deputado, no dia 19 de março; a seguir, a

depoente procurou o encarregado da fazenda, de nome Jeremias, que diante da solicitação para apresentar documentação da fazenda e a referente aos empregados, necessária para a fiscalização do trabalho, informou que tais documentos não estavam na fazenda, e que a propriedade pertencia ao deputado federal Inocêncio de Oliveira; que tais documentos poder-lhe- iam ser entregue em data posterior; a depoente solicitou-lhe, então, que entrasse em contato com o proprietário da fazenda e o informasse que a propriedade estava sob fiscalização do trabalho e que era indispensável a apresentação imediata dos documentos aos fiscais; que os documentos deveriam ser apresentados na cidade de Presidente Dutra onde a equipe de fiscalização estava hospedada; no dia seguinte, em Presidente Dutra, a equipe de fiscalização foi procurada por um preposto do proprietário, de nome Cesar;” (vide: Depoimento de Claudia Brito- Coordenadora da Fiscalização a fls. 29/30 – PA 9077/2002, grifamos)

4. Prosseguiu Claudia, verbis:

“Que ele afirmou que os documentos estavam vindo de Serra Talhada/PE, que providenciaria a vinda dos documento e duas funcionárias do escritório do deputado federal em Serra Talhada, para providenciar o registro das anotações dos trabalhadores e respectivas rescisões de contrato de trabalho; dois dias após, as pessoas

e os documentos chegaram; que ao proceder a fiscalização do

trabalho no dias 19/03/2002, a equipe móvel verificou uma situação de extrema gravidade quanto ao descumprimento da legislação trabalhista;

os trabalhadores estavam alojados de forma precaríssima, em barracos coletivos para até 30 trabalhadores, deteriorados, com paredes esburacadas, com cobertura de palha, com piso de chão batido, sem instalações sanitária e elétricas, alguns barracos não tinham paredes nem qualquer proteção lateral mas apenas um teto de palha; eram um total de 56 trabalhadores na fazenda dos quais 53 estavam nestas condições; a pessoa que se apresentou como encarregado da fazenda na ausência do proprietário, de nome Jeremias, não tinha CTPS assinada, e morava com três filhos na fazenda, todos menores de idade, dentre os quais apenas o mais velho estudava, tendo de percorrer 24 Km até a escola, os dois menores de 07 e 08 anos de idade estavam fora da escola; foi a fiscalização do trabalho quem determinou a assinatura da CTPS do seu Jeremias; que quanto a dois vaqueiros que trabalhavam na fazenda um desde 1997 e outro 1999, a fiscalização determinou correção da assinatura da CTPS cujo registro era a partir de janeiro de 2002;os demais 53 trabalhadores retiradas da fazenda bebiam água de açude, ou de cacimba, que são buracos de cerca de, aproximadamente 1 metro de diâmetro cavados no chão, onde aflora água; que na superfície da água haviam uma “capa rosa”; que a alimentação fornecida a estes trabalhadores consistia apenas em café puro com farinha, pela 1.00.000.009077/2002-607 manhã e em arroz e feijão no almoço e no jantar, que pouquíssimas vezes comiam carne, e que mesmo estes alimentos eram descontados da remuneração dos trabalhadores.” (fls. 30, grifamos) 5. Claudia marcou a presença ostensiva do acusado Inocêncio Oliveira nos fatos, verbis:


Que os trabalhadores não tinham conhecimento dos valores que seria descontados de sua remuneração, os quais eram anotados em caderno; que segundo o relato dos trabalhadores o deputado federal

Inocêncio de Oliveira ia mensalmente à Fazenda Caraíbas, onde passava cerca de 3 dias residindo na sede principal da fazenda; conversa pessoalmente com os trabalhadores, verificava se o serviço havia sido executado e então procedia ao pagamento dos serviços executados aos gatos por ele diretamente contratados ou contratados pelo Cesar; que ficou clara para a equipe de fiscalização que todos os trabalhadores conheciam e mantinham contato com o deputado federal Inocêncio de Oliveira e manifestavam um orgulho ingênuo de estarem trabalhando para uma pessoa tão importante e poderosa; que afirmaram que o deputado federal conheciam os locais onde moravam e costumava ir nos barracos, nos locais onde eles estavam trabalhando; que mesmo nos barracos situados no outro lado do rio o deputado federal costumava ir, atravessando o rio a cavalo, enquanto os trabalhadores atravessavam a nado.” (fls. 31, grifamos)

6. Disse mais, verbis:

“Que também recorda-se do depoimento do gato Edilson que afirmou ter recebido R$ 2000,00 de adiantamento, diretamente do deputado federal Inocêncio de Oliveira que também lhe ordenou que contratasse de 30 a 40 homens para trabalhar na Fazenda Caraíbas, mediante pagamento por produção, com desconto de despesas alimentação, ferramentas ou botas, que os trabalhadores que deveriam trabalhar na fazenda, sem dela poder ausentar, enquanto a diferença entre o valor de seu salário e o de sua dívida não fosse quitado; que Edilson era submetido as mesmas condições de trabalho dos demais trabalhadores e morava em barraco junto com os trabalhadores e servia-se do mesmo tipo de água; que esta orientação era transmitida também pelo Cesar; que o Sr. Jeremias também declarou que na Fazenda Caraíbas havia grande rotatividade de trabalhadores em virtude dos baixos salários e das condições de trabalho oferecidas; que o sr. Jeremias afirmou que o deputado federal Inocêncio de Oliveira comparecia a fazenda em torno do dia 5 de cada mês, percorria a propriedade na companhia de Jeremias e fiscalizava o serviço executado, mantinha contato com os trabalhadores, conversava com todos, visitava as instalações e efetuava o pagamento dos trabalhadores; que o sr. Cesar sempre comparecia a fazenda acompanhando o deputado Inocêncio de Oliveira em sua visita mensal à fazenda; que quando o deputado por alguma razão não podia comparecer era Cesar que o substituía; que Cesar também conhecia todas as condições de trabalho 1.00.000.009077/2002-60 8 definidas pelo proprietário na fazenda e a situação a que eram submetidos os trabalhadores que os gatos estavam incumbidos de aplicar; que César queria que a fiscalização do trabalho atribuísse aos gatos toda a responsabilidade pela situação e condições de trabalho

descontos da remuneração, condições de aliciamento, ambiente de trabalho a que eram submetidos os trabalhadores; que esta argumentação não resistiu minimamente tanto que os registros trabalhistas e as rescisões contratuais foram feitas pelo real empregador, na ocasião representado pelo sr. César Marques; que toda a equipe de fiscalização móvel ficou impressionada com a situação precaríssima a que os trabalhadores estavam submetidos.” (fls. 32, grifamos)

7. Os depoimentos de Virna Damasceno – fls. 33/36 -, também Auditora do Trabalho, e presente no local; de Celso Roberto Dantas, Engenheiro de Segurança do Trabalho, igualmente presente no local – fls. 37/38 – e de Débora Barboza, outra Auditora participante da fiscalização in loco – fls. 45/49, confirmam o quadro traçado

nesta denúncia. Disse Débora, verbis:

“A pessoa que se apresentou como encarregado da fazenda chamava-se Jeremias Marcos da Silva. Jeremias disse que trabalhava lá há cerca de um ano (desde abril de 2001), sem registro em carteira. Foi contratado pelo gerente da fazenda, Sebastião César. Sua função era controlar o trabalho do dia a dia (criação de gado e roçamento da juquira). Era Jeremias quem contratava os “gatos” que arregimentavam os trabalhadores. Normalmente a arregimentação era feita em cidades próximas, exceção feita aos trabalhadores do Piauí. O gerente da fazenda, Sebastião, ia até lá uma vez por mês, em regra

geralmente acompanhado de proprietário da fazenda, Inocêncio de Oliveira. Sebastião e Inocêncio permaneciam de dois a três dias na área, tomavam conhecimento da produção e faziam diretamente o acerto com os “gatos”. Eram os “gatos” quem pagavam os trabalhadores.

Jeremias apenas contratava os “gatos” e acompanhava o dia a dia da fazenda. O pagamento porém era feito por Sebastião e Inocêncio, segundo relato de Jeremias feito à declarante. O Grupo Móvel permaneceu na fazenda apenas um dia. Foram então para a cidade de Presidente Dutra, um município próximo. No hotel da cidade apareceu Sebastião César. Se apresentou como preposto do proprietário da fazenda, Inocêncio de Oliveira, e recebeu as notificações do Ministério do Trabalho.” (fls. 47/48, grifamos)


8. O acusado Sebastião César, parente de Inocêncio Oliveira, admitiu que era o administrador da Fazenda Caraíbas e que a mesma, na

época dos fatos, era de propriedade de Inocêncio de Oliveira (fls. 57 – PA nº 9077/02), tendo reconhecido como verdadeira a procuração que Inocêncio outorgou-lhe, e presente a fls. 93 e v, do Apenso I (fls. 58). 1.00.000.009077/2002-609 9. Admitiu Sebastião César que, verbis:

“(…) QUE a função do depoente na Fazenda Caraíbas era a de

administrador; QUE nessa função o depoente contratava e demitia empregados, dirigia a atividade pecuária e praticava todas as demais atividades necessárias à administração da fazenda; QUE gerenciou de modo geral os trabalhos de roço da juquira na fazenda na época da fiscalização; QUE juquira é a denominação que se dá, no Maranhão, ao mato que o gado não come e que tem de ser extraído periodicamente, para dar lugar ao capim de que o gado se alimenta; QUE roço é justamente a denominação que se dá à extração desse mato; (…)” (fls. 58, grifamos)

10. Acentuou que o roço da juqueira “era feito uma vez por ano, durando de dois a três meses por ano” e que área em que o roço era

manual atingia 1.300 hectares (fls. 58, in fine).

11. Admitiu que, verbis:

“(…)

QUE o depoente sempre residiu em Serra Talhada, no período em que trabalhou na Fazenda Caraíbas, e ia todo mês à fazenda, lá permanecendo de dez a quinze dias, por vez; QUE quando o depoente estava no Recife, ia à fazenda de avião até Teresina (PI) e

de lá até a fazenda, a cerca de 180 quilômetros dessa capital; QUE quando estava em Serra Talhada, ia à fazenda de automóvel, cobrindo cerca de mil quilômetros de distância; QUE na ausência do depoente, a fazenda era administrada pelo vaqueiro chefe, o Sr. JEREMIAS, que, ao que consta, trabalhava ainda lá até um mês atrás; QUE não sabe o nome completo desse cidadão; (…)” (fls. 59, grifamos)

12. Também reconheceu que, verbis:

” (…)

QUE o Sr. INOCÊNCIO OLIVEIRA chegava à fazenda por avião, desembarcando em Teresina e, às vezes, em São Luís (MA), sendo que desta última para a fazenda a distância era de uns 350 quilômetros; QUE ele geralmente permanecia de sexta-feira a segunda-feira na fazenda, a cada vez, e ia sozinho; QUE na Semana Santa, Carnaval e outros feriados longos o Sr. INOCÊNCIO OLIVEIRA costumava ir com a família à fazenda; QUE ele ficava na casa-sede da fazenda, a qual possui três quartos e dependências para empregada; QUE a alimentação do depoente era feita na fazenda no café da manhã e, no almoço e jantar, freqüentemente na cidade de Sem. Alexandre Costa; QUE o Sr. INOCÊNCIO OLIVEIRA fazia refeições mais ou menos como o 1.00.000.009077/2002-60 10 depoente, quando lá estava; QUE às vezes a mulher do vaqueiro JEREMIAS, cujo nome não recorda, fazia rfeições para o depoente e para o Sr. INOCÊNCIO OLIVEIRA; QUE sede da fazenda tinha

instalações sanitárias próprias; QUE quem costumava pagar os

trabalhadores era o próprio depoente; QUE, retificando, declara que na verdade pagava os “gatos” e não os “juquireiros”; QUE o dinheiro para o pagamento era sacado em banco pelo depoente na cidade de Pres. Dutra (MA);

QUE o pagamento aos “gatos” era feito mensalmente; QUE o Sr.

INOCÊNCIO OLIVEIRA não tratava com os “gatos” nem lhes fazia

pagamentos, assim como não ser relacionava com os “juquireiros”, até porque ele ia lá mais para lazer e, em termos de trabalho, o máximo que fazia era supervisionar o rebanho; QUE o depoente, como gerente da fazenda, reportava-se ao Sr. INOCÊNCIO OLIVEIRA para decidir assuntos de maior importância e de interesse da fazenda; QUE tratava

com o Sr. INOCÊNCIO OLIVEIRA em geral uma vez por semana, para

dar notícias da fazenda; (…)” (fls. 62, grifamos)

13. Ainda, verbis:

“(…)

QUE são autênticas as assinaturas do depoente nos termos de

rescisão de contrato de trabalho (TRCTs) e recibos de fls. 148-221 e

autos de infração (Ais) de fls. 223-233, os quais registram que o

proprietário da fazenda é o Sr. INOCÊNCIO OLIVEIRA; QUE a conta bancária usada para pagar os gastos da fazenda tinha o nº 21.353-5 e

era em nome do depoente, como ainda é hoje, no Banco do Brasil S.A., agência Serra Talhada (PE), prefixo 0246-1; QUE o depoente sacava na agência Pres. Dutra por esta ser interligada à outra; QUE o total dos pagamentos feitos na ocasião chegou a cerca de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais); QUE a conta não possuía esse valor, o qual o depoente solicitou que fosse remetido ao Sr. INOCÊNCIO OLIVEIRA; (…)” (vide: fls. 63, grifamos)

14. É de minha lavra o registro feito a fls. 26, verbis:

“17. A farta prova documental, exposta em fotografias (fls. 18; 19; 21; 22; 23; 24; 25; 26; 30; 31; 32; 33; 34; 35; 36; 37; 39; 40;), comprova as condições sub-humanas a que foram submetidas as pessoas levadas à realização da roça da juquira na Fazenda Caraíbas.

18. Também a documentação de fls. 96/146 evidencia que tudo

era descontado das pessoas aliciadas.” (fls. 26)

II – Do Enquadramento Legal

1.00.000.009077/2002-60

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1. Porque, desde fins – dezembro – de 2001 até março de 2002, Inocêncio Gomes de Oliveira proprietário, e Sebastião César Manuel de Andrade, gerente, na Fazenda Caraíbas, e para a roça da juquira, primeiramente aliciaram; depois frustraram os direitos de trabalhadores rurais, que ainda reduziram à condição análoga à de escravo, mantendo-os em condições sub-humanas de vida, é que estão ambos os acusados incursos nas penas dos artigos 207, § 1º; 203, § 1º, I, com a causa de aumento prevista no § 2º de ambos os textos, e ainda no tipo criminal previsto no artigo 149, todos do Código Penal, este em concurso formal homogêneo com os dois primeiros tipos penais.

III – Do Pedido

1. Requer-se, inicialmente, a autuação do PA nº 9077/2002 que

se consolida nesta denúncia como Iquérito Policial originário, nele

anexados os dois Apensos: o de nº I, que instruiu a manifestação da il. colega Raquel Dodge a fls. 9/13 do PA 9077/2002; e o do nº II que se constitui nos autos originais da Ação de Fiscalização na Fazenda

Caraíbas. Pede-se a distribuição, para Relatoria, outrossim. 2. Escolhido o em. Relator, sejam notificados os acusados para o fim

presente no artigo 4º, da Lei 8038/90, confiando-se no recebimento desta denúncia e, a final, o reconhecimento de sua procedência com a condenação dos infratores, pelas condutas que perpetraram. 3. Cancelo o registro de sigilo, dada a publicidade inerente a este ato processual.

Brasília, 08 de outubro de 2003

CLAUDIO FONTELES

PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

1.00.000.009077/2002-60

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Rol de Testemunhas:

1. Claudia Marcia Ribeiro Brito – qualificada a fls. 29.

2. Virna Soraya Damasceno: qualificada a fls. 33.

3. Celso Roberto Cavalcanti Dantas: qualificado a fls. 37.

4. Debora Maraisa Barboza: qualificada a fls. 45.

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