Supremo nega pedido de parlamentares para abrir CPI dos bingos
25 de março de 2004, 13h45
Os cinco pedidos de liminar feitos ao Supremo Tribunal Federal para forçar o congresso a abrir a CPI dos bingos foram negados nesta quinta-feira (25/3) pelo ministro Celso de Mello. Os Mandados de Segurança foram apresentados nesta quarta-feira (24/3) por parlamentares do PFL.
O motivo alegado pelo ministro Celso de Mello para negar os pedidos de liminar foi o de que não se verifica urgência para a decisão provisória solicitada.
O próprio ministro, contudo, sinalizou que poderá acabar impondo ao Senado a instalação da CPI. A pista surge na menção feita a Geraldo Ataliba, para estabelecer que a discussão não se refere a questão interna do Congresso e sim a matéria constitucional:
“(…) A Constituição verdadeiramente democrática há de garantir todos os direitos das minorias e impedir toda prepotência, todo arbítrio, toda opressão contra elas. Mais que isso – por mecanismos que assegurem representação proporcional -, deve atribuir um relevante papel institucional às correntes minoritárias mais expressivas.(…)”
No mesmo sentido, Celso de Mello elencou sólidos fundamentos doutrinários para referendar a ampla possibilidade de o STF deliberar a respeito do assunto:
“(…)Não questiono a extrema relevância da matéria ora submetida à apreciação do Supremo Tribunal Federal, notadamente porque a natureza do tema em exame – tal como acentuado, com particular ênfase, pelo magistério doutrinário (J. M. SILVA LEITÃO, “Constituição e Direito de Oposição”, 1987, Almedina, Coimbra; J. J. GOMES CANOTILHO, “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, p. 309/312, 1998, Almedina, Coimbra; DERLY BARRETO E SILVA FILHO, “Controle dos Atos Parlamentares pelo Poder Judiciário”, p. 131/134, item n. 3.1, 2003, Malheiros; JOSÉ WANDERLEY BEZERRA ALVES, “Comissões Parlamentares de Inquérito: Poderes e Limites de Atuação”, p. 169/170, item n. 2.1.2, 2004, Fabris; UADI LAMMÊGO BULOS, “Comissão Parlamentar de Inquérito”, p. 216, item n. 5, 2001, Saraiva; MANOEL MESSIAS PEIXINHO/RICARDO GUANABARA, “Comissões Parlamentares de Inquérito: Princípios, Poderes e Limites”, p. 76/77, item n. 4.2.3, 2001, Lumen Juris, v.g.) – impõe graves reflexões a propósito do reconhecimento, em nosso sistema político-jurídico, da existência de um verdadeiro estatuto constitucional das minorias parlamentares, o que traduz estímulo irrecusável à análise, por parte desta Suprema Corte, do significado que deve assumir, para o regime democrático, a discussão em torno da proteção jurisdicional ao direito de oposição, analisado na perspectiva da prática republicana das instituições parlamentares. (…).
Todos os pedidos levados ao STF possuem o mesmo conteúdo: pedem a instalação e o funcionamento normal da CPI, que pretende investigar as ligações do governo com o escândalo deflagrado pelas gravações em que Waldomiro Diniz aparece negociando contratos da loteria federal com o bicheiro conhecido como Carlinhos Cachoeira.
Os parlamentares queriam que o presidente do Senado José Sarney seja obrigado a indicar os integrantes da comissão, em cumprimento da representação proporcional dos partidos como estabelece o parágrafo 1º do artigo 58 da Constituição Federal.
O dispositivo estabelece que as Comissões Parlamentares de Inquérito –que têm poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas — serão criadas pela Câmara e pelo Senado, em conjunto ou separadamente, por requerimento de um terço de seus membros.
Foram negados também os Mandados de Segurança impetrados pelos senadores José Jorge de Vasconcelos Lima (PFL/PE) e José Agripino Maia (PFL/RN). Eles requerem a concessão de liminares para preservar o objetivo das ações e que a CPI dos bingos seja instalada provisoriamente e suas atividades investigativas iniciadas. (STF)
MS 24.845, 24.846 e 24.848 e 24.847 e 24.849
Leia a íntegra da decisão:
MED. CAUT. EM MANDADO DE SEGURANÇA 24.846-7 DISTRITO FEDERAL
RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO
IMPETRANTE(S): JORGE KONDER BORNHAUSEN
ADVOGADO(A/S): MARCELO RAMOS PEREGRINO FERREIRA
IMPETRADO(A/S): MESA DO SENADO FEDERAL
DECISÃO: Trata-se de mandado de segurança, com pedido de medida liminar, impetrado contra alegada omissão imputada ao eminente Presidente do Senado Federal, a quem se atribui – consoante sustentado pela parte ora impetrante – a injusta recusa em proceder à instalação da denominada “CPI dos Bingos”.
A presente impetração mandamental apóia-se em alegação de ofensa a direitos impregnados de estatura constitucional, o que parece legitimar – afastado o caráter “interna corporis” do comportamento ora questionado – o exercício, pelo Supremo Tribunal Federal, da jurisdição que lhe é inerente, em face da natureza jurídico-constitucional da controvérsia em causa.
Cumpre ter presente, na espécie, o magistério jurisprudencial, que, firmado por esta Suprema Corte desde a primeira década de nossa experiência republicana, consagra a possibilidade jurídico-constitucional de fiscalização de determinados atos emanados do Poder Legislativo, quando alegadamente eivados do vício da inconstitucionalidade, sem que, ao assim proceder, o Tribunal vulnere o postulado fundamental da separação de poderes:
“A essência do postulado da divisão funcional do poder, além de derivar da necessidade de conter os excessos dos órgãos que compõem o aparelho de Estado, representa o princípio conservador das liberdades do cidadão e constitui o meio mais adequado para tornar efetivos e reais os direitos e garantias proclamados pela Constituição.
Esse princípio, que tem assento no art. 2º da Carta Política, não pode constituir e nem qualificar-se como um inaceitável manto protetor de comportamentos abusivos e arbitrários, por parte de qualquer agente do Poder Público ou de qualquer instituição estatal.
O Poder Judiciário, quando intervém para assegurar as franquias constitucionais e para garantir a integridade e a supremacia da Constituição, desempenha, de maneira plenamente legítima, as atribuições que lhe conferiu a própria Carta da República.
O regular exercício da função jurisdicional, por isso mesmo, desde que pautado pelo respeito à Constituição, não transgride o princípio da separação de poderes.”
(RTJ 173/805-810, 806, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)
Passo a apreciar, em conseqüência, o pedido de medida liminar ora formulado na presente sede mandamental.
Não questiono a extrema relevância da matéria ora submetida à apreciação do Supremo Tribunal Federal, notadamente porque a natureza do tema em exame – tal como acentuado, com particular ênfase, pelo magistério doutrinário (J. M. SILVA LEITÃO, “Constituição e Direito de Oposição”, 1987, Almedina, Coimbra; J. J. GOMES CANOTILHO, “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, p. 309/312, 1998, Almedina, Coimbra; DERLY BARRETO E SILVA FILHO, “Controle dos Atos Parlamentares pelo Poder Judiciário”, p. 131/134, item n. 3.1, 2003, Malheiros; JOSÉ WANDERLEY BEZERRA ALVES, “Comissões Parlamentares de Inquérito: Poderes e Limites de Atuação”, p. 169/170, item n. 2.1.2, 2004, Fabris; UADI LAMMÊGO BULOS, “Comissão Parlamentar de Inquérito”, p. 216, item n. 5, 2001, Saraiva; MANOEL MESSIAS PEIXINHO/RICARDO GUANABARA, “Comissões Parlamentares de Inquérito: Princípios, Poderes e Limites”, p. 76/77, item n. 4.2.3, 2001, Lumen Juris, v.g.) – impõe graves reflexões a propósito do reconhecimento, em nosso sistema político-jurídico, da existência de um verdadeiro estatuto constitucional das minorias parlamentares, o que traduz estímulo irrecusável à análise, por parte desta Suprema Corte, do significado que deve assumir, para o regime democrático, a discussão em torno da proteção jurisdicional ao direito de oposição, analisado na perspectiva da prática republicana das instituições parlamentares.
Lapidar, sob tal aspecto, a advertência do saudoso e eminente Professor GERALDO ATALIBA (“Judiciário e Minorias”, “in” Revista de Informação Legislativa, vol. 96/189-194):
“É que só há verdadeira república democrática onde se assegure que as minorias possam atuar, erigir-se em oposição institucionalizada e tenham garantidos seus direitos de dissensão, crítica e veiculação de sua pregação. Onde, enfim, as oposições possam usar de todos os meios democráticos para tentar chegar ao governo. Há república onde, de modo efetivo, a alternância no poder seja uma possibilidade juridicamente assegurada, condicionada só a mecanismos políticos dependentes da opinião pública.
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A Constituição verdadeiramente democrática há de garantir todos os direitos das minorias e impedir toda prepotência, todo arbítrio, toda opressão contra elas. Mais que isso – por mecanismos que assegurem representação proporcional -, deve atribuir um relevante papel institucional às correntes minoritárias mais expressivas.
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Na democracia, governa a maioria, mas – em virtude do postulado constitucional fundamental da igualdade de todos os cidadãos – ao fazê-lo, não pode oprimir a minoria. Esta exerce também função política importante, decisiva mesmo: a de oposição institucional, a que cabe relevante papel no funcionamento das instituições republicanas.
O principal papel da oposição é o de formular propostas alternativas às idéias e ações do governo da maioria que o sustenta. Correlatamente, critica, fiscaliza, aponta falhas e censura a maioria, propondo-se, à opinião pública, como alternativa. Se a maioria governa, entretanto, não é dona do poder, mas age sob os princípios da relação de administração.
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Daí a necessidade de garantias amplas, no próprio texto constitucional, de existência, sobrevivência, liberdade de ação e influência da minoria, para que se tenha verdadeira república.
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Pela proteção e resguardo das minorias e sua necessária participação no processo político, a república faz da oposição instrumento institucional de governo.
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É imperioso que a Constituição não só garanta a minoria (a oposição), como ainda lhe reconheça direitos e até funções.
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Se a maioria souber que – por obstáculo constitucional – não pode prevalecer-se da força, nem ser arbitrária nem prepotente, mas deve respeitar a minoria, então os compromissos passam a ser meios de convivência política.” (grifei)
Cabe assinalar, no entanto, não obstante a seriedade do tema ora suscitado perante o Supremo Tribunal Federal, que o caráter sumaríssimo e célere do processo mandamental revela-se apto a descaracterizar, na espécie, a situação alegadamente configuradora do “periculum in mora”, eis que – uma vez apreciada e eventualmente superada a questão pertinente à cognoscibilidade da presente ação de mandado de segurança – não resultará, da omissão em causa, imputada ao Excelentíssimo Senhor Presidente do Senado Federal, a ineficácia da medida impetrada, “caso seja deferida” (Lei nº 1.533/51, art. 7º, II, “in fine”).
Como se sabe, o deferimento da medida liminar, resultante do concreto exercício do poder cautelar geral outorgado aos juízes e Tribunais, somente se justifica em face de situações que se ajustem aos pressupostos referidos no art. 7º, II, da Lei nº 1.533/51: a existência de plausibilidade jurídica (“fumus boni júris”), de um lado, e a possibilidade de lesão irreparável ou de difícil reparação (“periculum in mora”), de outro.
Sem que concorram esses dois requisitos – que são necessários, essenciais e cumulativos -, não se legitima a concessão da medida liminar, consoante enfatiza a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:
“Mandado de segurança. Liminar. Embora esta medida tenha caráter cautelar, os motivos para a sua concessão estão especificados no art. 7º, II da Lei nº 1.533/51, a saber: a) relevância do fundamento da impetração; b) que do ato impugnado possa resultar a ineficácia da medida, caso seja deferida a segurança.
Não concorrendo estes dois requisitos, deve ser denegada a liminar.”
(RTJ 112/140, Rel. Min. ALFREDO BUZAID – grifei)
Sendo assim, em sede de estrita delibação, e tendo em consideração as razões expostas, indefiro o pedido de medida liminar.
2. Requisitem-se informações ao Excelentíssimo Senhor Presidente do Senado Federal, encaminhando-se-lhe cópia da presente decisão.
Publique-se.
Brasília, 25 de março de 2004
(180º aniversário da primeira Constituição Política do Brasil)
Ministro CELSO DE MELLO
Relator
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