Seqüestro relâmpago

Senador sugere tipificar seqüestro relâmpago como crime de extorsão

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25 de março de 2004, 19h44

O autor de seqüestro relâmpago poderá ser enquadrado, exclusivamente, no tipo penal que trata da extorsão, sendo apenado com multa e prisão entre seis a doze anos.

A proposta está contida em projeto de lei (PLS 54/04) apresentado, nesta semana, pelo senador Rodolpho Tourinho (PFL-BA), como forma de dirimir os conflitos jurídicos e judiciais na tipificação desse crime. O projeto encontra-se na fase de recebimento de emendas e deverá ser enviado pela Mesa do Senado para a Comissão de Justiça e Cidadania na próxima semana.

“Os debates na doutrina penal e na jurisprudência sublinham a dificuldade de se tipificar essa nova conduta ilícita”, argumenta o senador. Há os que consideram roubo, os que acham ser extorsão e os que enquadram como seqüestro.

O projeto acrescenta o parágrafo 3º ao Art. 158 do Decreto-Lei nº 2.848/40 – Código Penal. A tipificação refere-se ao crime de extorsão no caso de restrição da liberdade da vítima para obter vantagem econômica. Já, em caso lesões corporais e de morte, a tipificação continua sendo a de crime hediondo previsto na Lei nº 8.072/90.

Segundo a justificativa do senador, há juristas, juízes e procuradores argumentando não ser razoável que o criminoso responda por um crime hediondo, se apenas efetuou saques em caixas eletônicos com o cartão de crédito da vítima e depois a liberou.

Leia a íntegra do projeto de lei

PROJETO DE LEI DO SENADO

Nº , DE 2004

Acrescenta parágrafo ao art. 158 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, para tipificar o chamado “seqüestro relâmpago”.

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1ºO art. 158 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, passa a viger acrescido do seguinte parágrafo:

“Art. 158. ………………………………………………………………….

………………………………………………………………………………………..

§ 3º Se o crime é cometido mediante a restrição da liberdade da vítima, e essa condição é necessária para a obtenção da vantagem econômica, a pena é de reclusão, de seis a doze anos, além da multa; se resulta lesão corporal grave ou morte, aplicam-se as penas previstas no art. 159, §§ 2º e 3º, respectivamente. (NR)”

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICAÇÃO

O chamado “seqüestro relâmpago” tem-se tornado prática cada vez mais freqüente em nosso País, e constitui modalidade criminosa de especial gravidade, uma vez que adota os elementos do roubo, da extorsão e do seqüestro. Os debates na doutrina penal e na jurisprudência sublinham a dificuldade de se tipificar essa nova conduta ilícita, havendo os que a consideram roubo, os que acham ser extorsão, e os que a enquadram como seqüestro.

A Lei nº 9.426, de 1996, tentou minimizar essa indefinição acrescentando um inciso V ao § 2º do art. 157 do Código Penal (CP), o qual, contudo, é hoje amplamente rejeitado para a hipótese, pela falta de técnica e precisão na formulação do dispositivo.

Grande parte da doutrina e jurisprudência, até mesmo dos tribunais superiores, inclusive STF, tem se manifestado no sentido de que a coação do criminoso no seqüestro relâmpago não configuraria o roubo, mas, na realidade, a extorsão (art. 158 do CP).

Conforme os ensinamentos do conhecido doutrinador Damásio de Jesus, acerca do enquadramento típico da conduta delituosa que consiste no constrangimento da vítima para efetivar os saques ou entregar o cartão magnético e fornecer a respectiva senha, existem três orientações que distinguem o tipo penal de roubo do tipo de extorsão, sendo duas delas minoritárias e a última, hoje, amplamente dominante entre os jurisconsultos.

De acordo com a primeira das teorias minoritárias, emprestada da doutrina italiana e à qual se filiam Magalhães Noronha e Paulo José da Costa Júnior, o crime de extorsão reclama um intervalo temporal entre a conduta constrangedora do autor, o comportamento da vítima e a obtenção da indevida vantagem econômica; lapso este no qual a vítima não pode ficar fisicamente a mercê do agente, o que diferenciaria essa capitulação da do roubo. Assim, a conduta de constranger alguém a fornecer sua senha de acesso aos caixas eletrônicos constituiria crime de roubo e não de extorsão.

Todavia, Nelson Hungria derruba essa tese. Segundo ele, ao se dizer que no roubo a violência e a locupletação se realizam no mesmo contexto de ação e na extorsão, por outro lado, há um lapso de tempo, ainda que breve, entre uma e outra, é distinguir onde a lei não distingue. Tanto pode haver extorsão com violência atual e locupletação futura quanto com violência e locupletação contemporâneas.

A segunda das correntes minoritárias citada por Damásio de Jesus reza que, no roubo, o agente toma a coisa ou obriga a vítima, sem opção, a entregá-la; enquanto que, na extorsão, a vítima pode optar entre acatar a ordem ou oferecer resistência. Assim, a distinção se faz em face das condutas do autor e vítima: no roubo, o agente é ativo, “subtrai” o objeto material (concrectatio, adprehensio); na extorsão, o agente é passivo, ele recebe, a vítima entrega (traditio). Filiam-se a essa corrente Heleno Cláudio Fragoso e Celso Delmanto.

A jurisprudência que entende que o seqüestro relâmpago, na hipótese de o autor constranger a vítima a lhe entregar o cartão magnético e fornecer a senha, constitui crime de roubo e não extorsão, é francamente minoritária. Nesse sentido: RJDTAcrimSP, 29:226; RT, 604:384; TJSP, ACrim 218.360, 1ª Câm. Crim., voto vencido do Des. Almeida Sampaio, RT 748:613.

A crítica feita, todavia, é a de que, se aplicada essa orientação, haveria um esvaziamento do tipo legal previsto no art. 158 do CP, posto que apenas em raríssimos casos concretos teria o julgador prova suficiente de que na psique do constrangido tinha ele a opção de entregar ou não ao malfeitor o bem por ele visado. Além disso, condicionar a ocorrência de determinado tipo penal ao subjetivismo do sujeito passivo representa uma afronta à moderna teoria do delito.

A orientação majoritária hoje é a de que o critério mais explícito e preciso na diferenciação entre a extorsão e o roubo é o da prescindibilidade ou não do comportamento da vítima. Assim, quando o agente criminoso pode obter o objeto material dispensando a conduta da vítima, trata-se de roubo; quando, entretanto, a consecução do escopo do agente depende necessariamente da ação do sujeito passivo, trata-se de extorsão (TACrimSP, ACrim 989.971, 8.ª Câm., Rel. Juiz Bento Mascarenhas, RT, 729:583; TAPR, ACrim 91.511, 1.ª Câm., Rel. Juiz Nério Ferreira, j. 26.3.98, RT, 755:727).

No caso do seqüestro relâmpago, se a vítima não se dispuser a efetivar os saques ou a fornecer a senha de seu cartão bancário, não haverá saque algum a ser efetuado nos caixas eletrônicos.

Portanto, estamos diante de uma extorsão. Nesse sentido, considerando que o seqüestro relâmpago configura crime de extorsão e não de roubo: STF, HC 77.990, 2.ª Turma, Rel. Ministro Carlos Velloso, RT, 767:509; STJ, HC 10.375, 6.ª Turma, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, j. 4.11.99, DJU 29.11.99, p. 208; TAPR, ACrim 91.511, 1.ª Câm., Rel. Juiz Nério Ferreira, j. 26.3.98, RT, 755:727; TACrimSP, ACrim 989.971, 8.ª Câm., Rel. Juiz Bento Mascarenhas, RT, 729:583; TACrimSP, Rev. Crim. 342.902, 7.º Grp. Câms., Rel. Juiz Renê Ricupero, RT, 774:589; TJSP, ACrim 184.041, 5.ª Câm. Crim., Rel. Des. Tristão Ribeiro, RT, 720:438; TJSP, ACrim 274.543, 6.ª Câm. Crim., Rel. Des. Barbosa Pereira, RT, 770:565; TJSP, ACrim 218.360, 1.ª Câm. Crim., Rel. Des. Jarbas Mazzoni, RT, 748:610; TJSP, Rev. Crim. 246.038, 1.º Gr. Câms., Rel. Des. Andrade Cavalcanti, RT, 775:583 e 584; Julgados do TACrimSP, 80:269; TJMT, ACrim 58.899, 2.ª Turma, RT, 769:647.

E quanto à questão da privação da liberdade da vítima? Alguns doutrinadores usam o princípio da consunção para dizer que a privação de liberdade é crime-meio. Por ter servido de meio para a consumação do roubo e da extorsão, restou absorvida por um ou por outro (crimes-fim).

Outros preferem usar o princípio da especialidade, devendo-se buscar a norma penal mais próxima ao fato concreto. Para Cezar Roberto Bittencourt, o princípio fundamental para a solução do conflito aparente de normas é o princípio da especialidade que, por ser o de maior rigor, é o mais adotado pela doutrina.

Assim, aparecem duas possibilidades: reconhecer a privação da liberdade como integrante do delito de extorsão, deslocando a tipificação penal do art. 158 para o art. 159 (extorsão mediante seqüestro), ou, reconhecer como parte componente do crime de roubo, circunstanciando essa capitulação (art. 157, § 2º, V).

A jurisprudência já vem paulatinamente descartando a última hipótese, como já exposto. O inciso V só se aplicaria quando a privação da liberdade da vítima ocorresse por tempo superior ao necessário para a subtração. A privação da liberdade seria, assim, um plus ao tipo principal, e não uma condição de executabilidade. Assim, o seqüestro relâmpago não configuraria roubo circunstanciado, mas simples (se não incidirem os outros incisos do § 2º ou qualificadoras).

Todavia, muitos doutrinadores defendem a aplicação do princípio do favor rei para que o seqüestro relâmpago não seja enquadrado no art. 159, que possui pena bastante superior ao roubo e à extorsão, cujas penas são iguais. Conforme a doutrina penal, esse princípio significa que, nos casos em que não for possível uma interpretação unívoca, mas se conclua pela possibilidade de duas interpretações antagônicas de uma norma legal (antinomia interpretativa), deve-se escolher a interpretação mais favorável ao réu.

Apesar de a conduta se enquadrar perfeitamente no tipo do art. 159, há vozes argumentando que não seria razoável que o criminoso que apenas efetuou saques em caixas eletrônicos com o cartão da vítima e depois a liberou respondesse por um crime hediondo, com todos os rigores da Lei nº 8.072, de 1990.

Portanto, respeitando as tendências atuais com relação ao tema, apresentamos o presente projeto de lei, para incluir a conduta do seqüestro relâmpago no tipo penal que trata da extorsão, e, ao mesmo tempo, sem dedicar a essa nova modalidade os rigores atribuídos ao seqüestro propriamente dito (art. 159), crime hediondo e, de fato, mais grave.

Todavia, em caso de lesão corporal grave ou de morte, a pena do seqüestro relâmpago seguirá a mesma da do seqüestro qualificado (art. 159, §§ 2º e 3º), para se manter um mínimo de razoabilidade sistêmica.

Sala das Sessões,

Senador Rodolpho Tourinho

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