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OAB quer que juízes interroguem detentos na prisão

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25 de março de 2004, 20h02

A Ordem dos Advogados do Brasil não quer a adoção do sistema de videoconferência para interrogar detentos. A audiência virtual, entendem os advogados, diminui a oportunidade de defesa do réu.

Roberto Busato, presidente nacional da Ordem, defendeu nesta quinta-feira (25/3) o deslocamento dos juízes até as penitenciárias para colher depoimentos de detentos considerados de alta periculosidade, como alternativa ao transporte de presos até os fóruns.

“Não vejo nada de mal em que o juiz encarregado do processo vá até a prisão”, afirmou Busato. “Os advogados vão às prisões conversar com seus clientes, o Ministério Público vai corriqueiramente às penitenciárias e os juizes de execução penal também freqüentam as penitenciárias. Qual o problema nisso?”.

O deslocamento de juízes e não dos detentos foi sugerido pelo presidente da OAB como alternativa à fórmula defendida pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), para quem o uso de videoconferências em audiências judiciais evitaria a fuga de presos.

Há uma semana, quatro presos escaparam da Penitenciária do Estado, na Zona Norte da capital. São Paulo já conta com um equipamento de videoconferência e, no ano passado, realizou cinco audiências com o uso dessa tecnologia.

Segundo Alckmin, não há necessidade de regulamentação pelo Legislativo para a ampliação do uso do sistema de videoconferências. O governador de São Paulo quer agendar uma reunião com representantes da OAB para pedir o apoio dos advogados à utilização das videoconferências.

A OAB entende que o ato do interrogatório, obrigatoriamente, precisa contar com a presença física do juiz. Isso porque a presença do magistrado é um direito do cidadão, que pode estar sendo acusado injustamente. “Ele tem o direito de olhar nos olhos do juiz e se defender. O juiz deve poder olhar nos olhos daquele cidadão e buscar a realidade dos fatos”, afirmou Busato.

Leia a íntegra da entrevista com o presidente da OAB:

Qual a sua opinião sobre as declarações do governador Geraldo Alckmin, que pregou uma maior utilização do sistema de videoconferências na tomada de depoimentos como forma de diminuir a fuga de presos durante o transporte para os fóruns?

Não podemos negar que o governador de São Paulo é uma pessoa bastante sensível aos anseios da população, mas nós da OAB entendemos que o ato do interrogatório tem obrigatoriamente que contar com a identidade física do juiz. Isso é uma garantia que o cidadão tem. Ele pode, por exemplo, estar sendo acusado injustamente e tem o direito de olhar nos olhos do juiz e se defender. O juiz deve poder olhar nos olhos daquele cidadão e buscar a realidade dos fatos. Entendemos que é direito do cidadão ser interrogado fisicamente pelo juiz.

Mas qual é o problema do uso da videoconferência como forma de colher depoimentos. Há algum entrave jurídico?

O grande problema da videoconferência é o aspecto psicológico do interrogatório. Isso porque o cidadão está preso numa penitenciária, tendo às vezes confessado sua culpa mediante o uso da violência. Ele permanece ali, dentro do presídio, ao lado daqueles que o prenderam e o atemorizam. Ele se sente ameaçado no dia-a-dia. Para que haja segurança plena no julgamento, faz-se necessária a presença do juiz.

E quanto ao transporte e maior possibilidade de fuga de presos considerados altamente perigosos? A videoconferência não seria uma maneira eficaz de reduzir eventuais fugas?

Com relação a esses detentos mais perigosos, que o Estado não tem condições de transportar e, ao mesmo tempo, preservar a segurança da sociedade, entendemos que seria muito justo que o juiz fosse até o estabelecimento criminal e tomasse lá o depoimento do cidadão tido como perigoso. O próprio Estado às vezes declara que não tem condições de oferecer a devida segurança nesses casos, não ao criminoso, mas à população que convive com aquele elemento durante o seu transporte nos edifícios públicos, nas vias públicas, e tem sua integridade colocada em risco. Eu entendo que, quando o Estado declarar que não tem condições de dar guarida à população durante o transporte de réus perigosos até o fórum, o juiz poderia ir até a penitenciária e fazer a audiência de interrogatório. Isso não seria nada de anormal. Os advogados vão às prisões conversar com seus clientes, o Ministério Público vai corriqueiramente às penitenciárias e os juizes de execução penal também freqüentam as penitenciárias. Qual o problema nisso? Não vejo nenhum mal no fato de o juiz encarregado do processo ir à prisão e tomar o interrogatório do detento considerado de alta periculosidade.

O senhor descarta totalmente o uso das videoconferências e de outras tecnologias?

Absolutamente. Nós entendemos que esse é um assunto que deve continuar sendo discutido entre os operadores de Direito, principalmente aqueles que militam na área criminal, para que se encontre uma solução que atenda aos interesses da sociedade. Defendemos o devido processo legal, que ninguém pode ser condenado sem que tenha sido comprovada a sua culpa, enfim, a segurança dos atos judiciais. Mas acreditamos que essas discussões devem prosseguir porque a videoconferência é um instituto novo e merece debate mais aprofundado quanto à sua utilização.

E quanto à visita que o governador Geraldo Alckmin pretende fazer à OAB para pedir o apoio dos advogados?

O governador de São Paulo está correto. Seu pensamento visa evidentemente oferecer maior proteção à população e essa deve ser mesmo a sua preocupação. Quando Alckmin pede o apoio do Judiciário e diz que irá à OAB para discutir o assunto, acho que ele está propondo um bem enorme à sociedade. Acho que é discutindo esses problemas que se encontra uma solução harmônica. No Paraná, o meu Estado, a OAB firmou um convênio com o Tribunal de Justiça e disponibilizou equipamentos de Informática para gravar audiências criminais. A OAB entende que o uso da tecnologia nos depoimentos deve evoluir, quanto a isso estamos de acordo. Nosso único temor é que audiências para colher o depoimento de detentos sejam feitas sem que haja a presença física do juiz. Nos demais casos, acreditamos que deve haver a utilização dos benefícios da informática. (OAB)

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