Trajeto ilegal

MPF pede a extinção de contrato de concessão de malha ferroviária

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24 de março de 2004, 11h02

O Ministério Público Federal entrou com ação civil pública pedindo a extinção do contrato de concessão da malha ferroviária do Nordeste. A ação, ajuizada nesta terça-feira (23/3), pelo procurador da República Marcelo Mesquita Monte, também visa impedir liberação de financiamento de R$ 100 milhões à concessionária pelo BNDES.

O processo foi motivado porque a Companhia Ferroviária do Nordeste (CFN) não estaria cumprindo as metas estabelecidas no contrato de concessão para operar a malha ferroviária.

O procurador também acusa a CFN de permitir o desaparecimento dos bens públicos federais que recebeu em arrendamento e que deveriam ser utilizados no objeto da concessão. A ação ainda exige que a empresa seja condenada ao pagamento de indenização por perdas e danos.

O contrato de concessão foi firmado em 31 de dezembro de 1997, dentro do Programa Nacional de Desestatização. O MPF argumenta que, segundo informações prestadas pela Agência Nacional de Transportes Terrestres, além do descumprimento das metas de produtividade e segurança estabelecidas contratualmente, foram verificadas diversas outras irregularidades na prestação de serviços, como a falta de segurança adequada para o tráfego, principalmente de produtos perigosos.

Outras irregularidades seriam a não recuperação do segmento ferroviário entre Catende e Capela, atingido pelas chuvas de julho de 2000, e a deficiência nos serviços de manutenção da frota de material rodante.

“A situação descrita no corpo da petição se agrava a cada dia, pois a

omissão da concessionária em cumprir suas obrigações contratuais implica em progressiva deterioração dos bens arrendados, bem como na continuidade da má prestação dos serviços”, afirma o procurador.

Leia trechos da ação

Exmo Juiz Federal da Vara da Seção Judiciária do Estado de Pernambuco.

DISTRIBUIÇÃO URGENTE

Ação Civil Pública n.º 003 / 2004

Ref. Procedimento Administrativo n.º 1.26.000.001182/2002-44

O Ministério Público Federal, no desempenho de suas atribuições legais vem ajuizar a presente Ação Civil Pública contra

ANTT – Agência Nacional de Transportes Terrestres, com endereço no Setor Bancário Norte (SBN), Quadra 2, Bloco C – Brasília – DF – CEP 70.040-020.

CFN – Companhia Ferroviária do Nordeste, com endereço na rua Lauro Muller n.º 116 – 36.º andar – (parte) – Botafogo, Rio de Janeiro-RJ.

UNIÃO, que deverá ser citada na Advocacia da Geral União – Procuradoria Regional 5ª Região, com endereço na Rua da Aurora, 295, Edifício São Cristóvão, SL, cep. 50050-000, Boa Vista.

BNDES – Banco de Desenvolvimento Econômico e Social, com endereço na Av. República do Chile, 100 – Centro, 20031-917 – Rio de Janeiro – RJ.

RFFSA – Rede Ferroviária Federal, com endereço na Praça Procópio Ferreira n.º 86, Rio de Janeiro-RJ.

pelos seguintes

FATOS

Nos autos do procedimento administrativo em referência constatou-se irregularidades no cumprimento das condições estabelecidas na concessão da malha ferroviária do Nordeste, conforme contrato celebrado entre a União Federal e a Companhia Ferroviária do Nordeste, a qual descumpriu o contrato de concessão celebrado para a exploração e o desenvolvimento do serviço público de transporte ferroviário de carga na Malha Nordeste.

O referido Contrato de Concessão foi firmado em 31 de dezembro de 1997, por intermédio do Ministério dos Transportes, com a Companhia Ferroviária do Nordeste – CFN. O contrato decorreu de licitação sob a modalidade de leilão, realizada através do Edital n.º PND/A-02/97/RFFSA, em 18 de julho de 1997, no âmbito do Programa Nacional de Desestatização.

A outorga dessa concessão foi efetivada pelo Decreto Presidencial de 30/12/97, publicado no Diário Oficial da União de 31/12/97. A empresa iniciou a operação dos serviços públicos de transporte ferroviário de cargas em 01/01/98. Também foram firmados um contrato de arrendamento dos bens vinculados à concessão (Contrato n.º 071/97) e um contrato de compra e venda, entre a Rede Ferroviária Federal – RFFSA e a CFN (contrato n.º 072/97).

O objeto do ajuste é a concessão do serviço público de transporte ferroviário de carga da Malha Nordeste, constituída pelas Superintendências Regionais de Recife, Fortaleza e São Luís da Rede Ferroviária Federal – RFFSA.

A incapacidade administrativa da concessionária em comento é claramente demonstrada ao analisarmos os percalços gerenciais atinentes à malha nordeste, desde sua privatização até o presente momento.

Para relatar tais percalços socorremo-nos das informações prestadas às fls. 400/412 pela ANTT – Agência Nacional de Transportes Terrestres, agência reguladora criada pela Lei n.º 10.233, de 05/06/01, e implantada pelo Decreto n.º 4.130, de 13/02/02, que aprovou seu Regulamento e que segundo o art. 24 da recém mencionada lei, tem como uma de suas atribuições gerais “fiscalizar a prestação dos serviços e a manutenção dos bens arrendados, cumprindo e fazendo cumprir as cláusulas e condições avençadas nas outorgas e aplicando penalidades pelo seu descumprimento”.


A ANTT executou inspeções técnico-operacionais na Malha Nordeste, inclusive atentando para as condições da via permanente, que contribuem diretamente para a ocorrência de acidentes. Assim, os trechos onde circulam trens que transportam produtos perigosos foram alvos dessas inspeções técnico-operacionais, principalmente na transposição de perímetros urbanos.

Com base na inspeção técnico-operacional na Malha Nordeste, executada no ano de 2002, a ANTT notificou a Companhia Ferroviária do Nordeste, por meio do Oficio n.º 145/SUCAR/ANTT, de 16/12/02, para tomar, em regime de urgência, as medidas necessárias para o restabelecimento das condições normais de tráfego nessa malha, devido às:

a- Condições da via permanente com sérias deficiências, que não oferecem a segurança adequada para o tráfego, principalmente de produtos perigosos, em diversos segmentos do trecho São Luis – Teresina – Altos, bem como no trecho Campina – Pocinhos;

b- Destruição do segmento ferroviário entre Catende e Capela, promovida pelas chuvas de julho de 2000, necessitando de recomposição da via permanente para restabelecer o tráfego interrompido;

c- Deficiência nos serviços de manutenção da frota de material rodante, pois as locomotivas apresentavam índices de desempenho abaixo dos padrões normais e altas taxas de imobilização, tendo essa última ocorrido da mesma forma para os vagões.

Em resposta à mencionada notificação, complementada pelo Oficio n.º 006/03–SUCAR/ANTT, de 09/01/03, que solicitou informações referentes aos serviços já realizados, a CFN enviou à ANTT a Carta DIR 035/03, de 08/04/03, relatando sobre a elaboração de um plano para melhorar as condições dos ativos (via permanente e equipamentos de tração), além de informar que ele foi apresentado ao Banco de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, que teria aprovado em 29/04/03(1) o projeto de colaboração financeira de todo o plano, no valor de R$ 100 milhões. Além disso, identificou as principais ações da CFN para manutenção dos citados ativos, bem como o escopo do Projeto de Recuperação da Via Permanente, então a ser realizado com o citado financiamento do BNDES.

Ainda na Carta DIR 035/03, a CFN também descreveu as principais ações que já teria realizado na via permanente, com a aplicação de recursos financiados e incrementados a partir do 2º semestre/2002, por meio de capital próprio.

Além disso, a CFN apresentou justificativa informando que tem compatibilizado seus parcos recursos em face de suas limitações financeiras, e que a Malha Nordeste já se encontrava “numa situação bastante precária, existindo cerca de 2.600.000 de dormentes inservíveis, constatados em prospecção realizada em 1998 e com sérios problemas de correção geométrica “. Na referida Carta DIR 035/03, de 08/04/03, a concessionária informou a existência de divergências entre sócios controladores da concessionária, mas que estava sendo finalizada a proposição para uma nova composição acionária para a CFN, o que possibilitaria a contratação das operações com o BNDES viabilizando o atendimento das Notificações da ANTT.

Tendo em vista a gravidade da situação da Malha Nordeste, a ANTT definiu no Cronograma de Fiscalização Técnico-Operacional de 2003, aprovado por sua diretoria por meio da Deliberação n.º 055/03/ANTT, de 27/03/03, que a Malha Nordeste seria a primeira a ser inspecionada pela equipe da GEFIC/SUCAR nesse exercício. Assim, nos períodos de 24 a 28/03/03, 31/03 a 04/04/03, 07 a 11/04/03, 05 a 09/05/03 e 12 a 16/05/03, a equipe da GEFIC/SUCAR executou inspeção técnico-operacional programada na Malha Nordeste, que abrangeu a via permanente, pátios de formação e recomposição de trens, oficinas de manutenção de materiais rodante e terminais de carga e descarga.

Trecho São Luis – Teresina

Em 17/04/03, por meio da Carta DIR 041/03, a Companhia Ferroviária do Nordeste apresentou à ANTT uma proposta de investimento no trecho São Luis – Teresina, com capital próprio da empresa, em função da importância comercial desse segmento e do seu quadro emergencial, bem como a situação crítica das operações envolvendo produtos perigosos.

Com base na referida inspeção técnico-operacional de 2003, a ANTT, por intermédio da Nota Técnica n.º 16/GEFIC/SUCAR, de 05/05/03, analisou a situação do trecho São Luis – Teresina, considerando a proposta de investimento citada na Carta DIR 041/03, concluindo que o montante apresentado pela CFN era insuficiente para restabelecer as condições adequadas ao transporte de produtos perigosos, conforme as taxas admissíveis de dormentes inservíveis, fixadas na norma IVR-14/RFFSA para linhas do grupo 7, 8 e 9.

Ainda nessa nota técnica, devido à não realização dos serviços de restauração até aquele momento, a ANTT estabeleceu uma relação de medidas especiais e intervenções emergenciais de segurança, para que pudesse ser autorizado, em caráter emergencial, o transporte de produtos perigosos no trecho São Luis – Teresina, além das medidas previstas no Regulamento de Transportes Ferroviários de Produtos Perigosos – RTFPP, resguardando a integridade das comunidades limítrofes à ferrovia e do meio ambiente.


Por meio do Ofício n.º 080/03-GEFIC/SUCAR/ANTT, de 05/05/03, e fundamentada na Nota Técnica n.º 16/GEFIC/SUCAR supracitada, a ANTT autorizou, em caráter extraordinário e sob condições operacionais e de segurança excepcionais, o tráfego de produtos perigosos no trecho São Luis – Teresina, notificando o estabelecimento de medidas especiais (como limitação de horário de circulação dos trens) e intervenções emergenciais necessárias para o transporte desse tipo de produto.

Nessa notificação da ANTT (Ofício n.º 080/03-GEFIC/SUCAR/ANTT), foi fixado o prazo de 180 dias para execução das intervenções apontadas, bem como o encaminhamento do cronograma físico dos serviços, tendo em vista a urgência de recuperação do trecho e a referida autorização, em caráter extraordinário, do transporte de produto perigoso. Além disso, informou que a ANTT suspenderia o transporte de produtos perigosos no trecho São Luis – Teresina, sem prejuízo de outras medidas previstas no Contrato de Concessão da Malha Nordeste e no Regulamento dos Transportes Ferroviários – RTF, até que fossem tomadas as providências para o restabelecimento das condições normais de tráfego.

Em 07/05/03, ocorreu uma reunião na ANTT, com representantes da Companhia Ferroviária do Nordeste, que apresentaram nova proposta de investimentos para recuperação do trecho São Luiz-Teresina, ficando marcada outra reunião para o dia 22/05/03, para a CFN apresentar um programa de investimento, em inteira conformidade com as intervenções estabelecidas na notificação, constante no Ofício n.º 080/03-GEFIC/SUCAR/ANTT.

Posteriormente, em reunião datada de 22/05/03 realizada na sede ANTT, a CFN entregou a Carta DIR 085/03, onde informou a confirmação de aprovação, por parte do BNDES, da concessão de empréstimo no valor de R$100 milhões para restauração da malha, definido que cerca de R$ 65 milhões desses recursos seriam distribuídos à recuperação da via permanente no trecho São Luis – Recife e R$ 32,158 milhões aplicados especificamente no trecho São Luis – Teresina. Além disso, a CFN encaminhou, em anexo à referida carta, um programa de investimento no trecho São Luis – Teresina, ou seja, uma contraproposta considerando as intervenções fixadas na Notificação da ANTT (Oficio n.º 080/03-GEFIC/SUCAR/ANTT), bem como o respectivo projeto de execução dos serviços, a ser financiado pelo BNDES, e um resumo operacional desse trecho.

Com base no citado material entregue pela concessionária na reunião de 22/05/03 e nas notificações promovidas pela ANTT (Oficio n.º 145/SUCAR/ANTT e Oficio n.º 080/03-GEFIC/SUCAR/ANTT), técnicos da agência reguladora discutiram assuntos referentes aos trechos São Luis – Teresina e Catende – Propriá, conforme respectiva Ata de Reunião, onde se determinou o seguinte:

a- A CFN deveria apresentar uma proposição de medidas emergências voltadas à retomada da operação dos trens em horário integral no trecho São Luis – Teresina, ficando acordado que no primeiro segmento a ser liberado (São Luis – Coroatá) a concessionária teria de intensificar a ronda a pé, inclusive diária nas áreas de elevada concentração populacional;

b- No que diz respeito às intervenções emergências estabelecidas no Oficio n.º 080/03-GEFIC/SuCAR/ANTT, os serviços de solda em trilhos no trecho São Luis – Teresina, para eliminação de juntas em áreas de perímetro urbano, deveriam ser iniciados imediatamente, assim como nas curvas, obras de arte e seus acessos e nas passagens de nível, respeitando esse ordenamento de prioridades. Quanto aos serviços de roça, capina e drenagem desse trecho, estes deveriam ser retirados do projeto, que será financiado pelo BNDES, e sim executados à conta do orçamento de custeio da CFN;

c- Quanto a realocação de trilhos do ramal de Macau para o trecho São Luis – Teresina, dependeria de autorização prévia da ANTT, devendo assim a CFN fornecer cronograma físico do referido serviço, sendo que, caso autorizado pela Agência, os serviços seriam iniciados somente após a distribuição das barras provenientes do trecho São Luis – Teresina, ao longo do ramal de Macau, com execução simultânea. No caso de retomada do transporte de carga no ramal de Macau, esse ramal deveria ser recomposto pela CFN, de forma a estar capacitado a ofertar transportes e atender a demanda;

d- Concernente ao trecho Catende – Propriá da Linha Tronco Sul, que compreende o segmento Catende – Capela, também objeto da notificação da ANTT (Oficio n.º 145/SUCAR/ANTT), as intervenções físicas para recuperação das pontes, aterros e cortes, decorrentes das enchentes de 2000 que interromperam o tráfego, deveriam ser iniciadas em outubro de 2003 pela CFN, cujos recursos para restauração do segmento seriam oriundos de financiamento junto à SUDENE (FINOR).

Após a citada reunião de 22/05/03, a CFN encaminhou a Carta DIR 087/03, de 23/05/03, informando que estavam sendo implantadas as medidas especiais de segurança operacional para o transporte de produtos perigosos no trecho São Luis – Teresina, em atendimento a notificação contida no Oficio n.º 080/03-GEFIC/SUCAR/ANTT, bem como as inspeções (ronda a pé) nos perímetros urbanos das grandes cidades, conforme determinado na reunião de 22/05/03. Considerando que essas medidas especiais tinham caráter provisório, até a conclusão dos serviços do projeto de recuperação do trecho São Luis – Teresina, em conformidade com as intervenções emergenciais constantes da notificação (Oficio n.º 080/03–GEFIC/SUCAR/ANTT), a CFN solicitou nessa mesma carta que a circulação dos trens nesse trecho não sofresse restrição de horário, podendo as composições ferroviárias circular ininterruptamente.


Ao analisar a Carta DIR 087/03, de 23/05/03, a ANTT verificou que a CFN não implantou todas as medidas especiais de segurança estabelecidas no Oficio n.° 080/03-GEFIC/SUCAR/ANTT, pois não fez restrição do horário de circulação de trens com produtos perigosos. Mesmo assim, por meio do Oficio n.º 144/03-GEFIC/SUCAR/ANTT, de 17/06/03, a ANTT autorizou a circulação de trens de forma ininterrupta, em caráter excepcional, condicionado à adoção pela concessionária do procedimento de inspeções diárias a pé nos perímetros urbanos desse trecho, visando identificar e eliminar de imediato os defeitos na via permanente que pudessem provocar acidentes.

Trecho Catende – Palmeira dos Índios

No que diz respeito ao trecho Catende – Palmeira dos Índios, que compreende o segmento ferroviário entre Catende – Capela, objeto do Oficio n.º 145/SUCAR/ANTT, a ANTT notificou a CFN, por meio do Oficio n.º 176/03-GEFIC/SUCAR/ANTT, de 10/07/03, fundamentada na inspeção técnico-operacional efetuada na Malha Nordeste em 2003, para reativar as operações ferroviárias nesse trecho, que até aquela data encontrava-se com tráfego suspenso, devido às enchentes de julho e agosto de 2000. Assim, visando a conexão da Malha Nordeste com o restante do Sistema Ferroviário Nacional, fixando a data de início das obras para 01/10/03, conforme o definido na Ata da Reunião de 22/05/03, e solictando o envio do cronograma físico detalhado da execução das obras e serviços para restabelecimento do tráfego no trecho Catende – Palmeira dos Índios, com a possibilidade de serem realizados em duas etapas.

Por intermédio da Carta DIR 124/03, de 22/09/03, a Companhia Ferroviária do Nordeste informou as fases já superadas para o andamento das ações de início dos serviços para restabelecimento do tráfego no trecho Catende – Palmeira dos Índios, quanto à liberação dos recursos do FINOR e critérios de apresentação do projeto executivo exigido pela SUDENE.

Prossegue, comunicando que a contratação de empresa de consultoria para preparar o projeto executivo, dependeria de um prazo estimado de 30 dias; enquanto que o prazo para conclusão e apresentação do projeto executivo pela empresa consultora encerraria no dia 30/10/03, findo o qual a concessionária acreditava ter cumprido as exigências da SUDENE e iniciaria os procedimentos para contratar empresa para execução das obras, estimando mais um prazo de 30 dias. Assim, a CFN solicitou na citada Carta DIR 124/03 a prorrogação do prazo para início dos serviços nesse trecho expectativa de começar as obras a partir de janeiro de 2004.

Façamos um resumo do diálogo institucional ocorrido entre ANTT e CFN:

ANTT – em 16/12/02 e 09/01/03 reclama das irregularidades na operação da malha e pede providências à CFN;(2)

CFN – em 08/04/03 responde que já gastou um pouco de seus parcos recursos, que recebeu a malha ferroviária em situação física precária, que havia divergências entre os sócios controladores da companhia, mas que resolveria as pendências com o dinheiro que iria conseguir com o BNDES; (3)

CFN – em 17/04/03 apresenta proposta de investimento de recursos próprios no trecho São Luiz/Teresina; (4)

ANTT – constata que os recursos próprios mencionados pela CFN são insuficientes para reestabelecer as condições adequadas ao transporte de cargas perigosas e em 05/05/03 autoriza, extraordinariamente e mediante a adoção de condições especiais, o tráfego de cargas perigosas no trecho São Luiz/Teresina. Outorga prazo de 180 dias para a solução definitiva do problema do transporte de cargas perigosas. (5)

CFN – em reunião de 07/05/03 apresenta nova proposta de investimento no trecho São Luiz/Teresina.

CFN – em reunião de 22/05/03, informou aprovação de financiamento pelo BNDES e mostrou programa de investimento no trecho São Luiz/Teresina, ou seja, fez uma contraproposta ao colocado pela ANTT. Mostrou ainda projeto de execução dos serviços a ser financiado pelo BNDES.(6)

CFN –de 25/05/03 informa a implementação das recomendações contidas no ofício 080/03.(7)

ANTT – contraria a informação anterior da CFN, que ao contrário do afirmado, não cumpriu todas as recomendações em questão.

Trecho Catende/Palmeira dos Índios

ANTT – em 17/07/03 notifica a CFN para reativar trecho que estava com tráfego suspenso em face das chuvas de meados de 2000. Fixa 01/10/03 para início das obras conforme definido na reunião de 22/05/03 e solicita cronograma das obras.(8)

CFN – em 22/09/03 informa que só poderá começar obras em janeiro/04 em face dos trâmites para obtenção de liberação de financiamento da SUDENE.(9)

No dia 26/11/03 ocorreu na sede da Companhia Ferroviária do Nordeste, em Fortaleza-CE, uma reunião solicitada pela ANTT, para tratar de assuntos voltados à recuperação da Linha Tronco Norte (trecho São Luis / -Teresina) e a Linha Tronco Sul, tendo a concessionária informado que foi concretizada a pactuação de R$100 milhões, junto ao BNDES, e de R$ 35 milhões do FINOR, com possibilidade de acréscimo de mais R$ 7 milhões deste último. Visando complementar os trabalhos de inspeção já iniciados anteriormente, os representantes da ANTT com a participação dos presentes à reunião verificaram in loco o estado atual dos segmentos mais afetados da malha, cujo estado da via (infra e superestrutura) ainda permanecem com problemas de conservação.


Vale notar que a ANTT foi criada anos depois da efetivação da concessão em comento e que em pouco tempo depois de seu nascimento teve chamada sua atenção para o grau de contraste entre as metas contratuais e a realidade implementada pela concessionária.

Diante de tal realidade notificou a CFN para o cumprimento dos termos ajustados, instando-a várias vezes a agir conforme o comprometimento contratual.

Por sua vez a concessionária permaneceu no seu costumeiro inadimplemento, justificando-se com argumentos inaceitáveis como, por exemplo, o precário estado em que recebeu a malha viária, divergências de diretoria e falta de capacidade financeira.

Ora, ao assumir a concessão, a CFN tinha conhecimento do estado em que se encontrava a malha ferroviária, valendo salientar que, estivesse em melhores condições, o preço ajustado teria sido outro, não podendo alegar que descumpre seus deveres contratuais porque avaliou mal o investimento que fez.

O mesmo se dá com relação à sua pretensa falta de dinheiro para implementar melhorias na malha, pois, sabendo de seu estado e assumindo a obrigação de fazer operar o sistema, não poderia contar que a solução não demandaria dinheiro. Se não tinha dinheiro não se comprometesse. Divergências de diretoria obviamente também não servem como justificativa, sendo assunto de economia interna da empresa.

Interessante observar que tais divergências entre os acionistas da Companhia Ferroviária do Nordeste, as quais teriam contribuído para o atraso na obtenção dos recursos necessários para investir na Malha Nordeste, foram dirimidas pela ANTT, no mês de setembro de 2003, a qual promoveu Audiência Pública com o objetivo de divulgar e obter sugestões dos agentes envolvidos no assunto, bem como a comunidade em si, para aprimorar e pactuar a propostas de reestruturação societária para a CFN. Assim, mediante a Resolução n.º 294, aprovada pela ANTT, foi autorizada a deslimitação da participação acionária da CFN, equacionando a composição acionária da empresa, bem como permitindo a liberdade de negociação da CFN junto ao BNDES e ao FINOR, quanto ao financiamento de recursos para a recuperação dos trechos São Luis -Teresina e Catende – Propriá (Linha Tronco Sul), respectivamente.

Conclui-se de tal ocorrência o grau de desorganização da administração da concessionária, que precisou ser ‘socorrida’ por órgão estatal, sem atribuições para tal, para conseguir resolver problemas de seu quadro acionário.

Permitimo-nos relembrar que um dos mais relevantes motivos justificadores do processo de privatização no governo federal foi justamente a inépcia administrativa do poder público em lidar com problemas atinentes ao mundo empresarial. Ora, partindo de tal premissa não temos como não concluir pela extrema incapacidade da concessionária em conseguir os fins a que se propôs no momento da celebração do ajuste de concessão, visto que até para definir a básica premissa do estabelecimento de seu corpo acionário, teve que contar a com a ajuda do incompetente Estado.

A narrativa até agora apresentada serve para ilustrar parte do caminho percorrido pela CFN na execução do contrato de concessão.

A empresa referida ‘comprou’ uma concessão de 30 anos, prorrogáveis por mais 30, pagando em condições favoráveis, pois saldou à vista apenas 5 % do lance vencedor, tendo 3 anos de carência para o início do restante do pagamento, o qual foi parcelado por 27 anos. Resumindo, o pagamento foi parcelado em frações trimestrais a serem pagas durante os 30 anos da concessão.

Algum cidadão que não tenha acompanhado a propaganda oficial do governo pode erroneamente afirmar que a empresa recebeu a concessão praticamente de graça, pois a forma de pagamento permite que a dívida seja saldada com o próprio faturamento.

Ocorre que a vantagem da privatização em comento estaria não apenas no preço recebido como pagamento pela concessão(10), mas sim, e talvez principalmente, nos investimentos que seriam feitos pelo concessionário na rede ferroviária, visto que a situação de pobreza do governo federal não permitia que tais investimentos fossem feitos quando estatal era a administração do serviço.

Realmente o argumento seduz, pois precisando o Brasil de investimento em infra-estrutura, sem que tivesse recursos para tal, passa a execução do serviço para o setor privado, o qual, ao contrário, estaria cheio de dinheiro e de vontade para investir no objeto da concessão, o que resultaria em melhora da tal infra-estrutura, com conseqüente aquecimento da atividade produtiva, com crescimento da economia e dos níveis de emprego.

Ótimo, só que na hora de colocar dinheiro no objeto da concessão, ou seja, quando do momento dos investimentos privados a cargo do concessionário, esse afirma que seus recursos são parcos, mas que conseguirá dinheiro junto a órgãos financiadores estatais. Explicitando, o investimento que seria oriundo do bolso do concessionário, será emprestado pelo governo que não tinha recursos para investi-lo quando executava o serviço que veio a ser concedido.


Aluysio Biondi(11) bem afirma que “Na venda das redes ferroviárias, por exemplo, houve uma entrada de 10% a 20% do valor, com prazo, no total, de nada menos de 30 anos. Isto é, nesses três primeiros anos o ‘comprador’ recebe dinheiro, fatura, utilizando o patrimônio formado pelo Estado ao longo de décadas, e nada paga (e atenção: ainda recebe empréstimos do BNDES para ‘investir’).”

Todavia, a presente ação não ataca a decisão de governo no sentido da privatização, pois estamos partindo da premissa que tal decisão diz respeito à conveniência administrativa que estaria fora do alcance do controle judicial.

Assim, se restar deferido o pedido que ao final se fará, decidindo-se pela caducidade da concessão, poderá o governo federal fazer uma nova concessão, até mesmo nos mesmos termos da que ora nos referimos.

O motivo central da presente ação é a constatação de descumprimento do contrato por parte da concessionária, que não cumpriu as metas ajustadas com o concedente.

A cláusula quinta do contrato trata da qualidade do serviço e traz as seguintes disposições:

5.1- Da prestação do serviço:

A concessionária deverá atingir, nos primeiros cinco anos, os níveis mínimos de produção anual abaixo discriminados, devendo prover os investimentos necessários ao atingimento de tais metas:

– 0,9 bilhões de toneladas.quilômetro úteis no 1º ano;

– 1,2 bilhões de toneladas.quilômetro úteis no 2º ano;

– 1,5 bilhões de toneladas.quilômetro úteis no 3º ano;

– 1,7 bilhões de toneladas.quilômetro úteis no 4º ano;

– 1,8 bilhões de toneladas.quilômetro úteis no 5º ano.

Parágrafo Único – A concedente estabelecerá novas metas anuais de produção de transporte que deverão ser pactuadas com a concessionária para cada qüinqüênio subseqüente. Para servir de subsídio ao estabelecimento de tais metas, a concessionária deverá apresentar à concedente as projeções de demanda de transporte ferroviário, devidamente consubstanciadas por estudos específicos de mercado.

5.2– Da segurança do serviço

A concessionária obedecerá às normas de segurança vigentes para a prestação do serviço objeto da concessão e para a operação e a manutenção dos ativos a ela vinculados.

A segurança do serviço oferecido será avaliada precipuamente pela freqüência da ocorrência de acidentes, medida pelo seguinte índice: número de acidentes/milhão de trens.quilômetro.

Parágrafo 1º – Para apuração do índice de segurança, serão considerados:

– número total anual de acidentes apurado de acordo com as normas NDSE 004 e NDSE 005, da RFFSA, conceituados e classificados de acordo com a norma NDSE 001, também da RFFSA; e

– o total de trens.quilômetro, por ano, de todos os tipos (carga, mistos, serviço e passageiros).

Parágrafo 2º – A concessionária deverá atingir as seguintes metas mínimas de redução do número de acidentes, tendo como referência o índice de 170 acidentes/milhão de trens.quilômetro registrado na Malha Nordeste em 1996, de acordo com o critério estabelecido mo parágrafo primeiro desta cláusula, devendo prover os investimentos necessários ao atingimento de tais metas:

-5% até o final do 1º ano;

-15% no 2º ano;

-25% no 3º ano;

-35% no 4º ano; e

-40% no 5º ano.

Parágrafo 3º – A concedente estabelecerá novas metas anuais, pactuadas com a concessionária, relativas à segurança do serviço por ela oferecido, para cada qüinqüênio subseqüente.

Entretanto, as metas previstas contratualmente não foram cumpridas. A produção anual no primeiro qüinqüênio foi bastante inferior ao estabelecido na cláusula 5.1 do Contrato de Concessão e o número de acidentes muito superior às metas de segurança dispostas na cláusula 5.2.

(…)

Ademais, nos autos da TC 003.835/2001-1, do Tribunal de Contas da União, foram encontradas diversas irregularidades na execução do contrato de concessão do transporte ferroviário de carga firmado com a Companhia Ferroviária do Nordeste, conforme demonstrado na decisão n.º 647/2002 TCU-Plenário. O relatório do Ministro Marcos Vilaça traz as conclusões da auditoria realizada na Secretaria de Transportes Terrestres, do Ministério dos Transportes, para aferir o cumprimento das cláusulas fixadas nos contratos (fls. 209/244).

O item V, da cláusula 9.1 do Contrato de Concessão coloca como obrigação da concessionária “adotar as medidas necessárias e ações adequadas para evitar ou corrigir danos ao meio ambiente causados pelo empreendimento, observada a legislação aplicável e as recomendações da concedente específicas para o setor de transporte ferroviário”. A equipe de auditores técnicos do TCU concluiu que no Plano Trienal de Investimentos da CFN não há previsão explícita de investimentos em meio ambiente, bem como não há referência ao assunto no Relatório de Inspeção Econômico-Financeiro.


O item XIV, também da Cláusula 9.1, obriga a concessionária a “zelar pela integridade dos bens vinculados à concessão, conforme normas técnicas específicas, mantendo-os em perfeitas condições de funcionamento e conservação, até a sua transferência à concedente ou à nova concessionária”. O relatório do TCU afirma que a equipe de inspeção técnico operacional da Secretaria de Transportes Terrestres constatou que o estado de degradação da via permanente, aliada ao mau estado da frota de material rodante foram fatores decisivos para o não-atingimento das metas contratuais. O quadro de degradação da via permanente foi considerado crítico, tendo a direção da empresa limitado a velocidade máxima dos trens em 20 km/h (velocidade média de 18 Km/h), na maior parte dos trechos.

Quanto à obrigação de “manter as condições de segurança operacional da ferrovia de acordo com as normas em vigor” (Cláusula 9.1, XXIII), o relatório do TCU diz que na inspeção na CFN verificou-se que vagões transportando ácido terafitálico não estavam lacrados nem continham rótulos de risco e painéis de segurança do produto. Além disso, as condições atuais da via permanente aumentam o risco de acidentes, podendo ocasionar danos ao meio ambiente e vitimar pessoas que se instalem às margens da ferrovia.

O relatório da TC 003.835/2001-1 informa ainda que as inspeções econômico-financeira e técnico-operacional realizadas pela Secretaria de Transportes Terrestres – STT no ano de 2000 constataram impropriedades relevantes: a) a CFN continua com passivo a descoberto, no montante de R$ 2.336.000,00; b) os custos operacionais superam a receita líquida em 34,87%; c) as despesas operacionais líquidas têm 86% de sua totalidade de despesas financeiras líquidas; d) apesar do ingresso de recursos através de empréstimos, adiantamento de curto prazo e recursos de acionistas para aumento de capital, a situação não foi revertida, pois os prejuízos em 2000 foram de R$ 11.161.000,00, em total acumulado de R$ 66.214.000,00; e) a via permanente necessita ser urgentemente reparada, a fim de restabelecer as condições normais de tráfego; f) o material rodante caracteriza-se pela baixa capacidade de tração e pelo mau estado de conservação, necessitando recuperar 44 locomotivas da frota morta; g) os vagões encontram-se em estado precário, apresentando em 1999 taxa de disponibilidade média de 65%, valor abaixo dos padrões normais (90%); h) as passagens de nível, tanto em rodovias quanto no perímetro urbano, apresentam sérias deficiências quanto à segurança.

Abaixo transcrevo algumas passagens do relatório da TC 003.835/2001-1, elaborado pelo Ministro do TCU, Marcos Vilaça:

“A situação descrita nos relatórios de inspeção revela o descaso com que os acionistas da CFN vêm tratando a concessão e os bens operacionais da malha ferroviária. A produção está decrescendo e o número de acidentes está aumentando, ampliando o hiato entre as metas pactuadas e a situação real da ferrovia. De acordo com o quadro de comunicações, a única providência por parte da STT em relação à CFN foi a aplicação de uma multa, no valor de R$ 66.500,00, em 12/04/2000, por não ter encaminhado informações solicitadas pela STT (fl. 221).”

“A situação precária do material rodante e da via permanente da CFN exigem providências por parte da STT e uma posição por parte do Ministério dos Transportes para o caso de caducidade, prevista em contrato (com a liquidação da Rede Ferroviária Federal, fica a dúvida sobre quem assumirá a operação da malha que vier a sofrer a referida caducidade). Nenhum processo administrativo foi aberto tendo como motivação o descumprimento das cláusulas contratuais pelas concessionárias. Ressalta-se que o descumprimento das metas de produção e segurança é a regra; exceção é cumpri-las (fl. 223).”

Advogando a inadimplência da CFN, a ANTT argumenta que as metas de produção de transporte, previstas para os primeiros anos, não foram atingidas pela Concessionária, devido a fatores internos e externos, tais como:

a- não há demanda de carga preferencial na Região que favoreça o segmento ferroviário, havendo a prevalência da carga geral;

b- em muitos trechos ocorre o “frete morto”, ou seja, da origem o trem sai carregado de mercadoria, mas volta do destino vazio;

c- comportamento, para menor, das previsões do crescimento da demanda por transporte ferroviário, contidas nos estudos do BNDES;

d- desregulamentação da indústria petroleira, pelo Departamento Nacional de Combustíveis – DNC, que provocou forte concorrência pela modalidade rodoviária, na captacão de cargas derivadas de petróleo, resultando em perda significativa para algumas ferrovias;

e- ocorrência de chuvas intensas no ano de 2000, provocando a interrupção de tráfego no trecho Catende – Propriá, que liga a Malha Nordeste à Região Sudeste do País. Este fato ocasionou a perda da maior receita de transporte da ferrovia;


f- não aplicação dos investimentos previstos para a Malha Nordeste, o que impactou também no não atingimento da metas de redução de acidentes.

Observo que os aspectos de letras ‘a’ e ‘b’ dizem respeito a realidades já conhecidas, por existentes desde antes do momento da concessão. A CFN ‘compra’ o negócio pretendendo pagar o preço com seu faturamento, sendo que a demanda pelo seu ‘produto’ não existia – ou era reprimida em face da ineficiência do serviço até então prestado – em termos satisfatórios desde antes da compra.

O comprador adquiriu uma posição em mercado já conhecido, não podendo alegar surpresa, mormente porque dependeria dele próprio alavancar tal mercado com seus investimentos e modicidade das tarifas.

Os itens ‘c’ e ‘d’ se aproximam dos que os precedem, pois ainda dizem respeito à procura pelo produto da concessão, sendo que a referência por outros meios de transporte de cargas claramente deriva da ineficiência do transporte ferroviário oferecido pelo concessionário, o qual, por reveses administrativos de sua íntima culpa (divergências entre acionistas por exemplo), e por não ter investido dinheiro seu, e aí temos a justificativa de letra ‘f’, não ofereceu o serviço público adequado e apto a concorrer com o transporte rodoviário.

Finalmente a letra ‘e’, que bem espelha a realidade do caso sobre o qual nos debruçamos. Ocorreram chuvas que destruíram parte de trecho que era responsável pela maior receita da malha concedida. Tais chuvas foram em meados de 2000, e não ocasionaram nada que o dinheiro que a iniciativa privada pretensamente detinha não resolvesse.

Na realidade era deficiente o serviço então prestado pelo Estado, que não tinha dinheiro para investir e por isso fez a concessão à empresa privada, que pagou pouco em face dos investimentos que deveria fazer.

E eram justamente tais investimentos, não só financeiros, mas também de competência gerencial, que possibilitariam a melhora dos serviços oferecidos, implicando no aumento da demanda.

O que pretende a concessionária é inverter a ordem das coisas. Diz que não cumpre as metas por não haver demanda pelo serviço, mas a demanda pelo serviço surge em decorrência dos investimentos feitos.

Repito, se o negócio já estivesse funcionando a contento, o preço seria diverso do aceito pelo concedente. O dinheiro não gasto pela empresa na ‘compra’ deveria ser gasto na melhoria da malha.

Por outro lado a aceitação do inadimplemento contratual da CFN por parte do Estado implica em uma indireta burla ao edital de concorrência, pois se desde tal edital fosse esclarecido que haveria uma posição complacente em relação às metas estabelecidas, possivelmente outros concorrentes teriam se proposto a disputar a concessão.

Imaginemos empresário com interesse na concessão de que estamos tratando, que tem apenas dinheiro para a compra (os tais 5%), mas não para os investimentos, e que em face disso não entre na licitação. Soubesse que não precisava investi, teria concorrido.

Ou então empresário que mesmo com dinheiro para investir discorde das metas estabelecidas e por isso tenha deixado de oferecer proposta. Soubesse que o concedente não cobraria o cumprimento de tais metas, teria concorrido.

Por último, as desculpas apresentadas pela ANTT em benefício da CFN, no máximo a eximiriam das metas relativas à produção, mas nunca às relativas à segurança, as quais não dependem de demanda. Se não existe demanda – insisto que no caso tal demanda não existe por culpa da concessionária – não pode haver produção. Mas com relação à segurança de tráfego a demanda não é relevante, pois as metas são estabelecidas não em termos absolutos, mas sim relativas pela fórmula ‘acidentes/milhões de trem.km’.

Acessório ao contrato de concessão, a CFN celebrou com a RFFSA – Rede Ferroviária federal S/A, contrato de arrendamento dos bens operacionais da rede ferroviária para que fossem utilizados na prestação do transporte ferroviário na faixa de domínio da malha nordeste, objeto da concessão.

Na cláusula quarta do ajuste (fl.377 e seguintes) temos as obrigações da arrendatária:

“A ARRENDATÁRIA assume perante a RFFSA as obrigações a seguir relacionadas:

I) não se exonerar das responsabilidades decorrentes deste contrato, transferindo–as a terceiro(s);

II) facilitar e prestar todo o apoio necessário aos encarregados da fiscalização da RFFSA, destinada à verificação das condições de uso, conservação e manutenção dos bens arrendados, garantindo-lhes o livre acesso, a qualquer tempo, às instalações e equipamentos e o transporte gratuito em sua malha, quando em serviço;

III) manter as condições de segurança operacional e responsabilizar-se pela conservação e manutenção adequadas dos bens objeto deste contrato, de acordo com as normas técnicas específicas e os manuais e instruções fornecidos pelos fabricantes;


IV) responder por todo e qualquer dano ou prejuízo causado à própria RFFSA ou a terceiro, decorrente do uso dos bens objeto do presente contrato;

V) devolver à RFFSA qualquer bem arrendado que venha a ser desvinculado da prestação do serviço concedido ao longo do prazo da concessão, sucateado ou não, excetuada a sucata da superestrutura da VIA PERMANENTE das linhas em operação;

VI) arcar com o pagamento de todos os tributos incidentes sobre os bens arrendados;

VII) manter atualizados os inventários dos bens operacionais arrendados que integram o Anexo II do presente contrato;

VIII) colocar à disposição da RFFSA área adequada e necessária para o depósito do material rodante arrendado que venha a ser desvinculado, bem como para os materiais sucateados, com exceção daqueles pertencentes à superestrutura da VIA PERMANENTE que venham a ser substituídos pela ARRENDATÁRIA, os quais serão de sua propriedade, até que a RFFSA providencie sua retirada, no prazo máximo de 12 (doze) meses, a partir da comunicação da desvinculação do bem. Após o encerramento do referido prazo, cessará toda a responsabilidade da ARRENDATÁRIA pela guarda dos referidos materiais;

IX) abster-se de descaracterizar os imóveis arrendados e de invocar quaisquer u privilégios sobre os mesmos;

X) promover as medidas necessárias, inclusive judiciais, à proteção dos bens arrendados contra ameaça ou ato de turbação ou esbulho que vier a sofrer, dando conhecimento a RFFSA;

XI) responder pelo pagamento das despesas incorridas pela RFFSA para obter o cumprimento das obrigações constantes deste contrato ou ressarcimento das perdas e danos que forem acarretadas, inclusive custas judiciais, honorários advocatícios e demais encargos;

XII) substituir, no caso de destruição de algum dos bens arrendados, por outro nas mesmas condições de conservação, mantida sua condição de bem arrendado, ou ressarcir a ARRENDADORA, no valor do bem antes da destruição. Entende-se por destruição a perda, em virtude de acidente ou negligência na conservação, que torne a recuperação do bem economicamente injustificável”.

Nos períodos de 25/08 a 06/09/2003 e 27/10 a 07/11/2003 a RFFSA realizou inspeção nos bens arrendados à CFN, com o objetivo de verificar seu uso e estado de conservação.

O relatório decorrente da inspeção, cuja cópia está às fls. 487/528, aponta diversas situações que demonstram o descumprimento do contrato de arrendamento, merecendo destacar sua conclusão, às fls. 527/528:

“Nas linhas onde existe tráfego regular de trens, e maneira geral, as condições de manutenção e guarda dos bens arrendados continuam as mesmas das inspeções an-teriores.

Com relação a via permanente, as intervenções executadas são, na sua gran-de maioria, corretivas e não preventivas. Não existem trilhos em estoque, e os trilhos recuperados dos furtos na Linha Centro de Pernambuco, que estavam estocados no pátio de Cinco Pontas, já não se encontravam mais lá, levando-se a supor que a CFN tenha feito uso dos mesmos para manutenção da via. Existem diversos locais, principalmente em trechos em aclives, onde os trilhos externos das curvas já apresentavam desgaste acentuado no boleto, necessitando serem trocados com urgência.

A dormentação, apesar da constatação de aplicação recente de dormentes no-vos, ainda apresentava elevadas taxas de inservíveis, nesse aspecto, destaca-se o trecho Teresina/São Luís, onde as taxas são muito altas, principalmente se considerarmos que os principais produtos transportados são o derivado de petróleo e o álcool, o que repre-senta elevado risco para o material rodante e todos os agentes envolvidos no transporte.

O lastro, juntamente com a dormentação, é o elemento que mais compromete o transporte na malha. Na Linha São Luís/Teresina, existem trechos onde ele nem existe mais, até mesmo ° corpo do aterro está escoado, deixando a linha abaixo de seu “greide” ideal. Existem diversos locais precisando de recomposição. Em alguns locais a CFN es-tava aplicando, como material de lastro, o pó de pedra, que não é adequado para tal fun-ção. Os trechos que apresentavam melhor situação são aqueles que foram contemplados com recursos do BIRD durante o processo de privatização.

Nesses aspectos acima citados, a linha São Luís/Teresina é a que mais preocupara, existem segmentos em situação muito ruim, onde o risco de acidente, apesar da baixa VMA, é latente. Nesses trechos os dispositivos de drenagem, além dos itens cita-dos anteriormente, estavam comprometidos, contribuindo para a deterioração acentuada da já precária condição da via permanente.

Os dispositivos dos equipamentos chave de mola e detetores de descarrila-mento estão sendo depredados paulatinamente, alguns já nem existem mais.

Outra preocupação, que exige ações mais enérgicas e eficazes da CFN, diz respeito a quantidade de invasões de faixa de domínio/segurança da ferrovia. As ocupações estão sendo feitas até mesmo por Prefeituras. A CFN deve estar ciente que é responsável pela manutenção e guarda da faixa e que não existe nenhum agente autorizado a invadí-la ou ocupá-la, devendo para tal ter autorização formal do Poder Concedente e da RFFSA.


Preocupa-nos, de maneira efetiva, a situação em que se encontrava a linha Tronco Sul de Pernambuco/Alagoas, no trecho Palmares/Entronc. com a FCA, e o Ramal de Macau, no trecho entre Paula Cavalcanti/Parnamirim/Ceará-Mirim/Macau, haja vista que esses trechos estão sem tráfego regular de trens.

A Linha Tronco Sul continua sem tráfego, as condições pioraram em função da falta de manutenção, estavam acontecendo furtos de materiais da via permanente e inva-sões generalizadas da faixa de domínio/segurança, Devido a esses fatores começam a aparecer novos pontos da linha com problemas de infra-estrutura.

Com relação ao Ramal de Macau, a situação é mais preocupante, pois devido ao abandono da Linha, corre-se o risco de ocorrer fatos idênticos aos da Linha Centro de Pernambuco, onde foram furtados cerca de quarenta quilômetros de material de via permanente. Nesse Ramal, as invasões de faixa são comuns ao longo de todo o percurso, sem que a CFN adote medidas eficazes para estancá-las e corrigí-las.

As condições encontradas na Linha Tronco Sul, no Ramal de Macau e na Linha Teresina/São Luís, caracterizam um descumprimento formal das Cláusulas Contratuais, que prescreve a manutenção adequada da Via Permanente e a guarda dos bens arrendados. Diante desses fatos, a CFN deverá adotar as medidas necessárias, a luz dos Contratos de Arrendamento e Concessão, para sanear as irregularidades encontradas, sob pena de sujeitar-se as penalidades previstas nos referidos Contratos.

Em outras palavras, os bens arrendados estão se acabando em nada, pois a arrendatária não lhes dá a devida e contratual atenção, abandonando-os à natureza sem praticamente qualquer ato de manutenção e até mesmo de precaução de guarda, visto que constantemente furtados, conforme mencionado acima.

A comissão de liquidação da RFFSA, em ofício dirigido ao Ministério Público Federal (fls. 485//486), dá conta da situação alarmante de tais bens. Preciso aqui transcrevê-lo, ressalvando que o assunto do expediente, sintomaticamente foi apontado pela RFFSA como “Ruptura da Malha Ferroviária Brasileira”. Os negritos são meus:

“Em atenção ao Oficio/PRR/2.ª Reg/RJ/LCPL n° 30/04-05/02/2004, no qual V.Sa pede providências referente à recuperação do trecho ferroviário denominado Linha Sul, localizado entre Recife(PE) e a divisa dos Estados de Alagoas e Sergipe, no Município de Propriá, temos a prestar os seguintes esclarecimentos:

Como é de vosso conhecimento, devido às intensas chuvas ocorridas em 2000, o trecho em questão foi bastante danificado, exigindo significativo volume de recursos para a sua recuperação, conforme constou de nossos relatórios de inspeção.

A Companhia Ferroviária do Nordeste – CFN, com recursos próprios e de Clientes conseguiu, desde então, recuperar apenas o trecho compreendido entre Recife e Palmares, no Estado de Pernambuco permanecendo, entretanto, interrompido o segmento entre Palmares e o Entroncamento com a Ferrovia Centro-Atlântica – FCA, isolando desta forma, a Malha Nordeste do restante do Sistema Ferroviário Nacional.

Por sua natureza, o fato acima apontado está intrinsicamente ligado a aspectos regidos pelos Contratos de Concessão, a cargo do Poder Concedente, que após a promulgação da Lei n° 10.233, passou à esfera de atuação da Agência Nacional de Transportes Terrestres, a qual foi devidamente cientificada da situação vigente, em diversas ocasiões, pela Rede Ferroviária Federal.

A CFN, conforme consta de Relatório TC-014849/2002-3, do Tribunal de Constas da União – TCU, cópia anexa, pleiteia, junto a Órgãos Governamentais, a liberação de financiamento, com recursos previstos na Lei 8.167/1991, no valor de R$100 milhões, para aplicação de parte desses recursos nesse trecho.

Devido ao caráter fortuito dos acontecimentos de 2000, à condição financeira precária da CFN, à não atuação do Poder Concedente no sentido de exigir o restabelecimento da circulação dos trens entre as Malhas do Centro-Leste e Nordeste, e a perspectiva, cada vez mais evidente, da liberação dos recursos públicos pretendidos pela CFN, aguardava-se por uma posição oficial daquela Empresa sobre as cobranças de recuperação do trecho formuladas pela RFFSA.

Entretanto, considerando que o assunto não evoluía no sentido da recuperação do trecho danificado, a RFFSA promoveu pelos engenheiros de seu Grupo de Trabalho dos Contratos de Arrendamento, GT-ARREN, nova inspeção na Malha Nordeste, entre Agosto e Novembro de 2003, com a presença de representantes técnicos da CFN e de Empresas de Engenharia, que percorreram o trecho danificado para levantamento dos problemas e apresentação de proposta financeira para execução das obras de recuperação. Durante o desenvolvimento dos trabalhos foi constatado que os danos apontados, desde da nossa última inspeção, evoluíram negativamente, agravando o quadro de degradação do nosso patrimônio, conforme está descrito em nossa Minuta de Relatório, da qual anexamos cópia, caracterizando que a CFN não vinha tomando nenhuma medida que evitasse a degradação dos bens arrendados.


Considerando que os fatos levantados comprovam o agravamento da situação, a falta de zelo da CFN e, que ainda não está perfeitamente delineado o início da recuperação dos danos causados ao patrimônio arrendado, a RFFSA tão logo esteja finalizado o Relatório acima citado, estará impondo, através de Notificação, multa por descumprimento do Contrato de Arrendamento n° 071/97.”

DO DIREITO

A CFN não observou as metas de produção nem de segurança nos cinco primeiros anos do contrato e a única providência tomada pela Agência Nacional de Transportes Terrestres, responsável pela fiscalização do setor, foi a aplicação de uma multa no valor de R$ 66.500,00 pela não prestação de informações solicitadas. Além das cláusulas relacionadas à segurança e à produção, outras foram também descumpridas, como os itens XIV e XXIII da Cláusula 9.1, configurando inadimplência reiterada das obrigações, sendo que o instrumento contratual estabelece de maneira vaga as punições para o descumprimento por parte da concessionária dos deveres previstos na cláusula 9.1 do ajuste.

Além do descumprimento do contrato de concessão observamos o desrespeito ao contrato de arrendamento, restando configurado que a concessionária, por sua omissão, além de não estar prestando o serviço público objeto do contrato principal, está concorrendo para o desaparecimento dos bens, móveis e imóveis, vinculados ao contrato de arrendamento.

A ineficiência da contratada foi além das hipóteses relacionadas às punições previstas contratualmente, pois alcançaram a situação de inadequação/ineficiência na prestação do serviço público objeto da concessão.

Temos em verdade não apenas descumprimento de deveres cuja importância, em decorrência do princípio da proporcionalidade, poderia acarretar punições compreendidas entre advertências e multas, mas temos sim o próprio descumprimento do “mérito contratual”.

A Lei n.º 8.987/95, que dispõe sobre o regime da concessão de serviços públicos, prevê as punições que podem ser aplicadas ao concessionário para a hipótese de inexecução do contrato:

“Art. 38 – A inexecução total ou parcial do contrato acarretará, a critério do poder concedente, a declaração de caducidade da concessão ou a aplicação das sanções contratuais, respeitadas as disposições deste artigo, do art. 27 e as normas convencionadas entre as partes.

§ 1o A caducidade da concessão poderá ser declarada pelo poder concedente quando:

I – o serviço estiver sendo prestado de forma inadequada ou deficiente, tendo por base as normas, critérios, indicadores e parâmetros definidores da qualidade do serviço;”

Sobre tal dispositivo, Marçal Justen Filho(12), doutrina que:

“A definição dos requisitos de configuração do serviço como adequado e satisfatório deverá constar objetivamente da lei, do regulamento ou do contrato. Eventualmente, configurar-se-á norma em branco, remetendo a matéria ao conhecimento técnico-científico. Em tal hipótese, as regras técnicas serão juridicionalizadas, na acepção de que o serviço deverá (juridicamente) ser prestado segundo as imposições nelas contidas.

A aplicação do inciso I não pode retratar-se em cláusula contratual genérica. Será juridicamente inválida cláusula contratual que vincule a decretação da caducidade a cláusulas genéricas e abertas. Deverão existir critérios que definam a inadequação ou deficiência, de molde a permitir avaliação objetiva.

A definição objetiva da qualidade do serviço exterioriza-se em parâmetros ou critérios mensuráveis segundo avaliação empírica, no mundo dos fatos. Tal como exposto anteriormente, o art. 6.º da Lei de Concessões prevê que o controle da atividade do concessionário depende da existência desses critérios objetivos. Ademais, o contrato deverá estabelecer o mínimo aceitável na observância do critério ou parâmetro. Assim, o serviço caracterizar-se-á como inadequado ou ineficiente na medida em que sejam infringidos os limites mínimos previstos no instrumento contratual, relativamente aos parâmetros de avaliação do serviço.”

Ora, o que observamos no presente caso concreto é justamente o reiterado descumprimento pela concessionária, dos parâmetros mínimos que foram fixados na cláusula QUINTA do contrato, o que leva a inafastável conclusão de que o serviço público está sendo inadequada e ineficientemente prestado, implicando em sólido motivo para a caducidade do ajuste, pois, como demonstrado, nem o contrato prevê, nem a lei permitiria solução mais branda em tal hipótese.

A própria lei 8.987/95 dá objetividade ao que se deve entender como serviço adequado, sendo claro que a concessionária CFN nunca atendeu a tais exigências normativas:

Art. 6o Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.


§ 1o Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.

§ 2o A atualidade compreende a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço.

Não obstante tais fatos, a ANTT não diligenciou pela adoção da medida extrema referida, preferindo apresentar insuficientes justificativas para desatendimento das metas de produtividade da concessão.

Poderia argumentar um leitor menos atualizado que o caput do acima transcrito art. 38, ao afirmar que a inexecução do contrato acarretará caducidade ou outras punições, A CRITÉRIO DO PODER CONCEDENTE, afastaria o controle jurisdicional do caso em comento, pois, estar-se-ia tratando de pura discricionariedade administrativa.

Podemos entender, de modo simplista, como existente a discricionariedade administrativa quando em determinada situação concreta o administrador público, para atender ao interesse da coletividade, tem mais de uma opção de agir, sendo qualquer dessas opções adequada à finalidade pública.

Contrapõe-se à discricionariedade a atividade administrativa vinculada, na qual o administrador, diante de determinado caso concreto não tem opções de agir, indicando-se a lei um único modo de atuação.

Superficialmente tais conceitos parecem resolver o tema proposto na presente petição, pois a punição/caducidade aplicável ao concessionário, poderia ou não ser aplicada pelo poder concedente, que teria a opção não só de aplicar apenas determinada punição, ou tal punição acrescida de caducidade, mas mesmo, não fazer nada, deixando impune a inadimplente CFN.

Voltemos à discricionariedade para afirmar que ela é limitada pela legalidade, ou seja, a opção do administrador no caso concreto deve estar dentro das fronteiras legais, como de resto toda a atividade administrativa.

Ocorre que a discricionariedade, mesmo dentro dos limites legais, em determinados casos concretos não pode implicar em total liberdade de escolha do administrador, pois mesmo dentro de tais limites legais teremos, por muitas vezes, uma seara vinculada.

Melhor dizendo. Embora a lei diga em tese, que em tais circunstâncias o administrador pode escolher a atuação que mais lhe pareça conveniente e oportuna, no momento da concreção da lei, ou seja, da análise do caso concreto, pode restar ao administrador uma única opção, sendo-lhe vedada escolha diversa.

Sobre o tema melhor se expressa Celso Antônio Bandeira de Mello(13):

“89. (2) O segundo tópico respeita ao exame do caso concreto, pois a existência de norma ensanchadora de liberdade administrati-va não é o bastante para concluir-se que exista discrição na práti-ca de um determinado ato. É requisito indispensável; não porém suficiente. Com efeito, desde logo, quando a lei se vale de concei-tos vagos, fluidos, imprecisos (“gravidade” de uma infração, ofen-sa à “moralidade” pública, situação “urgente”, passeata “tumultuo-sa” etc.), dos quais resultaria certa liberdade administrativa para ajuizar sobre a ocorrência de situações assim qualificáveis, tal liber-dade só ocorre em casos duvidosos, isto é, quando realmente é pos-sível mais de uma opinião razoável sobre o cabimento ou descabimento de tais qualificativos para a espécie.

Assim como a dúvida pode se instaurar procedentemente, em inúmeras situações – quando, então, haverá espaço para um juízo subjetivo pessoal, do administrador -, em inúmeras outras, pelo contrário, não caberá dúvida alguma sobre o descabimento ou então sobre o cabimento da qualificação. Ou seja: será óbvio que dada infração não é “grave”, que não houve ofensa à “moralidade”, que inexiste “urgência”, que inocorre “tumulto”, ou, opostamente, esta-rão evidentes a gravidade, a moralidade, a urgência, o tumulto etc. Aí, então, não haverá discricionariedade alguma para o administra-dor. Em suma: a aplicabilidade dos conceitos vagos só proporciona-rá discricionariedade nas situações marginais.

É que mesmo estes conceitos chamados “fluidos” possuem um núcleo significativo certo e um halo circundante, uma auréola mar-ginal, vaga ou imprecisa. Daí resulta que haverá sempre uma zona de certeza positiva, na qual ninguém duvidará do cabimento da aplicação do conceito, uma zona circundante, onde justamente pro-liferarão incertezas que não podem ser eliminadas objetivamente, e, finalmente, uma zona de certeza negativa, onde será indisputavel-mente seguro que descabe a aplicação do conceito.

90. Por outro lado, a “liberdade” que a norma haja conferido em seu mandamento ao administrador, quando lhe abre alternativas de conduta (agir ou não agir, conceder ou negar, praticar o ato “A” ou o ato “B”), não lhe é outorgada em seu proveito ou para que faça dela o uso que bem entenda. Tal liberdade representa apenas o reco-nhecimento de que a Administração, que é quem se defronta com a variedade uniforme de situações da vida real, está em melhor posi-ção para identificar a providência mais adequada à satisfação de um dado interesse público, em função da compostura destas mesmas situações. Por isso, a lei, não podendo antecipar qual seria a medi-da excelente para cada caso, encarrega o administrador, pela outor-ga de discrição, de adotar o comportamento ideal: aquele que seja apto no caso concreto a atender com perfeição à finalidade da norma.


91. Assim, a discricionariedade existe, por definição, única e tão-somente para proporcionar em cada caso a escolha da providência ótima, isto é, daquela que realize superiormente o interesse público almejado pela lei aplicanda. Não se trata, portanto, de uma liberdade para a Administração decidir a seu talante, mas para deci-dir-se do modo que torne possível o alcance perfeito do desiderato normativo. Logo, para verificar-se se o ato administrativo se conte-ve dentro do campo em que realmente havia discrição, isto é, no interior da esfera de opções legítimas, é preciso atentar para o caso concreto. Esta esfera de decisão legítima compreende apenas e tão-somente o campo dentro do qual ninguém poderá dizer com indis-putável objetividade qual é a providência ótima, pois mais de uma seria igualmente defensável. Fora daí não há discrição.

Com efeito, considerada cada situação com sua fisionomia e coloração específicas, poder-se-á, algumas vezes, verificar que a satisfação de finalidade normativa reclamaria, para além de qual-quer dúvida possível, unicamente o ato “A” e não o ato “B”; o defe-rimento de cada pretensão e não seu indeferimento, ou vice-versa.

Vale dizer: haverá casos em que pessoas sensatas, equilibradas, nor-mais, serão todas concordes em que só um dado ato – e não outro – atenderia à finalidade da lei invocada; ou, então, assentirão ape-nas em que, de todo modo, determinado ato, com certeza objetiva, não a atenderia. Segue-se que, em hipóteses deste jaez, se a Admi-nistração agir de maneira inversa, evidentemente terá descumprido a finalidade legal. Por isso, não lhe aproveitará invocar a norma atributiva de discrição, pois, consoante se disse, a discrição na regra de Direito é condição necessária mas não suficiente para configurá–la quando da prática do ato. A discricionariedade do ato só existe in concreto, ou seja, perante o quadro da realidade fática com suas fei-ções polifacéticas, pois foi em função disto que a lei se compôs de maneira a obrigá-la.

Assim, é óbvio que o Poder Judiciário, a instâncias da parte, deverá invalidar atos que incorram nos vícios apontados, pois nes-tes casos não há realmente discrição, mas vinculação, ou a discri-ção não se estende até onde se pretendeu que exista, já que – repi-ta-se – discricionariedade é margem de liberdade que efetivamente exista perante o caso concreto. Discricionariedade ao nível da norma pode ou não engendrar discrição em face de uma específica situação ocorrente na realidade empírica, e, de toda sorte, estará sempre restringida aos limites que a situação vertente comporta”.

Pensar de maneira diversa implica em privilegiar o meio em detrimento do fim, significa optar por uma legalidade procedimental quando a escolha deveria ser a legalidade finalística.

Concordar com tal postura é privilegiar uma legalidade formal, quando se deve na realidade, sob pena de contrastar com o direito, optar pela legalidade de resultado.

Não se está querendo afirmar que o fim justifica os meios, inclusive quando tais meios acarretarem uma ilegalidade. Não. Pois quando no caso concreto não houver de fato mais de uma opção para o administrador, a única opção restante deverá residir dentro da lei, não podendo o judiciário, provocado em face de inércia ou escolha indevida do gestor público, decidir por outra coisa que não seja àquela única opção, dentro da lei.

Desse modo a finalidade pública nunca levará que o administrador, ou o julgador quando provocado, conclua e decida por opção não aceita legalmente.

Esse novo modo de se ver a legalidade, sob um prisma finalista, de resultados, é decorrência da correta observância dos diversos fatores que incidem sobre a atividade administrativa, fatores esses consistentes em princípios jurídicos diver

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