Pelo cano

Sabesp é condenada a pagar R$ 480 mil para vítima de acidente

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22 de março de 2004, 19h30

Em setembro de 1997, Edson Lopes da Silva, na época com 13 anos, saiu mais cedo da escola e foi brincar sobre tubos de aço usados em uma obra de canalização Sabesp. Um dos canos rolou e esmagou a bacia dele. Até hoje, agora já maior de idade, ele tem problemas urológicos, de locomoção, dano psíquico leve e cicatrizes que deverão acompanhá-lo para sempre.

Este mês, a 8ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo mandou a Sabesp pagar R$ 480 mil de indenização por danos morais. Também entendeu que a empresa deve arcar com quaisquer despesas médicas que ele venha a ter. A Sabesp vai recorrer da decisão.

O advogado Michel Rosenthal Wagner, que representa Silva, alegou negligência e imprudência da Sabesp no caso. Solicitou, na época, a tutela antecipada para o pagamento das despesas médico-hospitalares e do tratamento de recuperação. O pedido foi atendido, mas como o pai de Silva possuia convênio médico e despesas como a com cadeiras de rodas foram pagas expontaneamente pela empreiteira responsável pelas obras — a Fendi Construções Especiais Ltda. –, a Sabesp teve de arcar apenas com o transporte da vítima.

Durante o processo, os advogados da estatal alegaram incompetência absoluta e ilegitimidade passiva. Argumentaram que a responsabilidade seria da Fendi. Também afirmaram que a empreiteira reconheceu a culpa pelo acidente ao se dispor a arcar com as despesas médicas. Citaram, ainda, o fato de os pais da criança serem culpados por deixarem o filho brincar nas obras.

O juiz entendeu que as pessoas jurídicas de direito público responderão pelos danos que seus agentes causarem a terceiros, como prevê o artigo 37, parágrafo 6º da Constituição Federal. “O fato de a obra ter sido realizada por empresa contratada não isenta a responsabilidade da Sabesp. Isso porque, mesmo que o dano tenha como causa a culpa exclusiva da empresa contratada pra executar a obra, em razão da atuação culposa de seus prepostos, a ré tem responsabilidade solidária no evento, cabendo à vítima ajuizar ação contra ambas, ou apenas contra uma delas.”

Como o acidente não resultou da má execução dos trabalhos pelo empreiteiro e sim pela obra em si, ficou decidido que a responsabilidade é de quem ordenou os serviços, no caso a Sabesp. A alegação da imprudência dos pais do menino também foi rejeitada. De acordo com o juiz, a ré deveria ter tomado providências para evitar que as crianças se aproximassem do local, através da colocação de grades que evitassem o acesso, e não ficar inerte apesar de ter conhecimento da possibilidade de alguém se acidentar no local.

Ficou decidido que a Sabesp arcará com todas as despesas decorrentes do tratamento médico, inclusive cirurgias plásticas para tentar melhorar o aspecto das cicatrizes, e psíquico de Edson da Silva. A necessidade dos tratamentos será comprovada por meio de declaração do médico ou psicólogo habilitado para tanto.

Dos pedidos feitos por Michel Rosenthal Wagner, foi rejeitado apenas o que solicitava uma pensão a contar de quando a vítima completaria 14 anos. O advogado alegou que a vítima era o filho mais velho e poderia ajudar nos rendimentos da família.

Leia a sentença:

8ª Vara da Fazenda Pública Estadual

Ação ordinária

Autores: Edson Lopes da Silva e José Alves

Processo n.º 11/011.98.458860-9

Sentença (fls. 745/755)

Edson Lopes da Silva e José Alves da Silva, moveram ação de indenização contra SABESP alegando, em síntese, que o co-autor Edson L. da Silva, em 22/09/97, com 13 anos de idade, brincando sobre tubos de aço utilizados em obra de canalização da SABESP, teve parte de seu corpo, a bacia, esmagada em conseqüência da queda de um dos tubos. Sustentam os autores que tal fato ocorreu por negligência e imprudência da ré. O autor Edson ficou preso sob o cano que rolou da pilha e, após o socorro de pessoas que ali se encontravam, foi encaminhado à Casa de Saúde Santa Marcelina, depois ao Hospital onde se submeteu imediatamente a uma cirurgia. Sofreu outras cirurgias posteriormente. Nove meses depois do acidente, o autor ainda não consegue andar e tem suas funções fisiológicas dependentes de suas bolsas. A empreiteira tem auxiliado a família mediante custeio de uma cadeira de rodas, injeções, 20 (vinte) bolsas de colostemia e 1 (um) colchão de água. Alega que a ré responde objetivamente no evento. Posto isso, pediram a antecipação da tutela para condenar a ré ao pagamento, durante o trâmite da ação, das despesas médico-hospitalares e medicamentos que o co-autor Edson Lopes da Silva vier a necessitar, bem como de valor que ressarça o prejuízo que a família vem tendo por impossibilitar a mãe do autor de trabalhar e do co-autor José Alves da Silva em ser obrigado a faltar ao trabalho nas ocasiões que deve levar seu filho a tratamento; e ao pagamento de todas as despesas com o tratamento e recuperação. Ao final pedem que seja pago ao pai da vítima, de uma só vez, valor a ser arbitrado pelo juízo, a título de pensão a contar de quando a vítima completaria 14 anos. E no mais pedem a condenação da ré ao pagamento de indenização por dano estético, psíquico e moral.


O Ministério Público interveio nos autos em virtude da presença de menor no pólo ativo da lide (fls. 75/80).

O pedido de antecipação de tutela foi parcialmente deferido (fls. 82). Contra essa decisão, a ré interpôs agravo de instrumento (fls. 102/107).

Devidamente citada, a ré contestou a ação (fls. 136/151) alegando, em preliminar, incompetência absoluta e ilegitimidade passiva. Denunciou da lide a empresa Fendi Construções Especiais Ltda. No mérito, sustenta que razão nenhuma assiste à pretensão dos autores. Os autores vêm sendo auxiliados pela empreiteira que executa as obras no local. Dessa forma, reconhecem quem é a culpada pelos danos causados. Por outro lado, trata o presente caso de culpa “in vigilando” dos pais, posto que sabiam da existência das obras da SABESP e permitiam que seus filhos brincassem nos tubos. Também contestou os valores pedidos. Requerem a improcedência da ação.

Houve réplica (fls. 205/214).

A Nobre Representante do Ministério Público opinou pela rejeição das preliminares.

A ré interpôs agravo de instrumento, em face da decisão (fls. 246/249) que repeliu as preliminares argüidas em contestação. Foi dado parcial provido ao agravo, para reconhecer a competência da Vara da Fazenda Pública.

Em audiência ocorrida em 05/04/00 foi determinada a realização de perícia médica no autor. O laudo médico foi juntado às fls. 531/557.

As partes manifestaram-se sobre o laudo. O IMESC prestou esclarecimentos.

Na audiência realizada em 04/12/02 foi colhido o depoimento pessoal autor do José Alves da Silva e foram ouvidas 04 (quatro) testemunhas dos autores.

O Ministério Público deixou de intervir nos autos, em razão do autor ter atingindo a maioridade no curso do feito (fls. 702).

Em audiência ocorrida em 25/09/03 foi ouvida a testemunha arrolada pela ré.

As partes manifestaram-se em alegações finais, através da juntada de memoriais (fls. 712/729 e 735/742).

É o relatório. Decido.

Os autores pretendem a condenação da ré ao pagamento de indenização decorrente dos prejuízos sofridos em razão do acidente ocorrido em obra realizada pela SABESP.

A requerida alega ausência de culpa no evento uma vez que o próprio autor reconhece a verdadeira culpada no evento, pois alega que está sendo auxiliado pela empreiteira que executou as obras no local. Além disso, cuida-se de culpa “in vigilando”, posto que os pais da vítima permitiram que seu filho brincasse no local onde se realizava a obra.

É incontroverso o fato do autor Edson Lopes da Silva ter sofrido o acidente descrito na petição inicial. Também incontroverso o fato do acidente ter ocorrido em obra da SABESP, realizada por empresa por ela contratada.

Prevê o artigo 37, § 6º da Constituição Federal, que as pessoas jurídicas de direito público responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros.

De acordo com esse artigo, a Constituição Federal adotou a teoria do risco administrativo. Assim, a caracterização da responsabilidade independe de dolo ou culpa dos servidores, admitindo, contudo, a contraprova da excludente ou atenuante da responsabilidade.

A requerida não trouxe aos autos uma única prova que tivesse o condão de excluir ou atenuar sua responsabilidade.

O fato de a obra ter sido realizada por empresa contratada não isenta a responsabilidade da requerida. Isso porque, mesmo que o dano tenha como causa a culpa exclusiva da empresa contratada para executar a obra, em razão da atuação culposa de seus prepostos, a ré tem responsabilidade solitária no evento, cabendo à vítima ajuizar ação contra ambas, ou apenas contra qualquer deles.

“O dano causado por obra pública gera para a administração a mesma responsabilidade objetivo estabelecida para os serviços públicos, porque embora a obra seja um fato administrativo, deriva sempre de um ato administrativo de quem ordena a sua execução. Mesmo que a obra pública seja confiada a empreiteiros particulares, a responsabilidade pêlos danos oriundos do só fato da obra é sempre do Poder Público que determinou sua realização. O construtor particular de obra pública sé responde por atos lesivos resultantes de sua imperícia, imprudência ou negligência na conclusão dos trabalhos que lhe são confiados. Quanto a lesões às terceiros ocasionados pela obra em si mesmo, ou seja, por sua natureza, localização, extenção ou duração prejudicial ao particular, a administração pública que a planejou responde objetivamente, sem indagação de culpa de sua parte. Exemplificando: se na abertura de um túnel ou de uma galeria de águas pluviais o só fato da obra causar danos aos particulares, por estes danos responde objetivamente a administração que ordenou os serviços, mas, se tais danos resultam não da obra em si mesma, porém, da má execução dos trabalhos pelo empreiteiro, a responsabilidade é do executor da obra, que, como particular, há de indenizar os lesados pela imperfeição de sua atividades profissional. – Div. Adm. Bras., Ed. RT, S. Paulo, 3º ed. 1975, p. 596/597)”


Irrelevante a cláusula contratual isentando a ré da responsabilidade pela reparação dos danos causados por comportamento culposo da empresa contratada para executar a obra na execução do contrato, uma vez que tal avanço constitui apenas “res inter alios”.

Por outro lado, não colhe a alegação de que o acidente ocorreu “por culpa ‘in vigilando’ dos pais, posto que sabiam da existência das obras da SABESP, em contrapartida permitiam, que seus filhos brincassem nos referidos tubos”. No dia dos fatos Edson foi dispensado mais cedo que o previsto da escola, pois não teve as duas últimas aulas. A genitora do autor é quem costumava buscá-lo na escola, e no dia dos fatos não foi informada de que ele sairia mais cedo. Tampouco constam dos autos notícias de que Edson brincava com freqüência no local, ou de que seus genitores tinham ciência desse fato.

Além disso, tal fato vem apenas corroborar a culpa da ré no evento. Sendo de conhecimento notório que crianças brincavam nas imediações da obra, que se localizava nas proximidades de uma escola, deveria a ré, através de seus prepostos, ter tomado providências a fim de evitar que essas crianças se aproximassem do local, tais como colocar seguranças ou grades que evitassem o acesso, e não ficar inerte, aguardando acidente que poderia ser previsto e evitado.

Ficou demonstrado nos autos o nexo de causalidade, ou seja, que os danos sofridos por Edson ocorreram em razão do acidente noticiado na petição inicial.

Evidenciada a responsabilidade da ré, cumpre analisar, isoladamente os pedidos os pedidos integrantes da pretensão dos autores.

Os autores pedem a condenação da ré no pagamento de todas as despesas com o tratamento e recuperação do autor Edson. Durante o processo ficou demonstrado nos autos várias despesas que os autores vêm tendo para tratar a saúde física e psíquica de Edson. Também ficou demonstrado que tais despesas são imprescindíveis para o processo do tratamento e recuperação do autor Edson.

Os laudos de fls. 536 e 544 informam que em relação às cicatrizes ainda há possibilidade de realização de cirurgia para recuperação. Além disso, a testemunha Zein Mohamed Sammour, médico que tratou do autor, declara que “o autor possui cicatrizes e cirurgia plástica pode melhorar muito a aparência delas, mas não pode removê-las totalmente.”

O laudo de fls. 540 descreve o dano psíquico leve sofrido pelo autor, bem como a necessidade de 01 (um) ano de psicoterapia em sessões quinzenais para sua melhora.

E quanto aos danos físicos, a testemunha Zein Mohamed Sammour esclarece que ao autor Edson é recomendado visita trimestral ao urologista, sendo que não está isento de vir a sofrer nova intervenção cirúrgica dado o caráter crônico da doença. Quanto à parte urológica afirma que o autor tem micção anormal, não está curado e tem de se submeter a tratamento porque sua bexiga e uretra não funcionam bem (fls. 647).

Desse modo, deve a ré arcar com todas as despesas decorrentes do tratamento médico (que também compreendem cirurgias plásticas) e psíquico do autor, Edson Lopes da Silva, cuja necessidade será comprovada através de declaração de médico ou psicólogo habilitado para tanto. Também arcará com as despesas decorrentes da aquisição de medicamentos e produtos necessários para o tratamento do autor, desde que comprovada a necessidade através da declaração de médico habilitado. A requerida ainda arcará com as despesas de transporte dos autores, necessárias para o tratamento acima mencionado.

O autor também pede o pagamento de indenização por dano estético, dano moral e dano psíquico.

Os danos estéticos e psíquicos, que se inscrevem na categoria dano moral, podem gerar indenização a título de dano moral e a título de dano material, por participarem de aspectos de um e de outro.

Quanto ao aspecto patrimonial, a questão já foi acima analisada.

Com relação ao aspecto moral, ficou vastamente demonstrado nos autos o prejuízo sofrido.

Durante a instrução comprovou-se que o autor submeteu-se a várias cirurgias a fim de corrigir os danos causados em seu corpo. Também ficou demonstrado que o autor ficou impossibilitado de andar e foi obrigado a usar fraldas descartáveis, durante longo período; que usou bolsas de cistostomia e colostomia durante aproximadamente 06 (seis) meses; que deixou de freqüentar a escola durante 01 (um) ano; que por conta do acidente a bexiga do autor passou a funcionar de maneira errada e não consegue armazenar o volume de urina por 3(três) horas, o que reflete na urgência de micção; que o autor apresenta alterações pós fratura em bacia esquerda, com incapacidade parcial e definitiva pela fratura na bacia e lesão neurológica concomitantes; que apresenta quadro reativo, psicogenérico e situacional (dano psíquico leve); e que apresenta cicatriz e seqüelas compatíveis com o tipo de acidente, sendo que algumas persistirão permanentemente.


Não há dúvida de que as conseqüências do acidente afetaram profundamente sua estrutura emocional, ou seja, causaram uma repercussão prejudicialmente moral. O autor submeteu-se a tratamento sofrido, com limitações severas em sua vida. Apesar de atualmente apresentar quadro evoluído, o sofrimento a que se submetem á patente, além de algumas seqüelas ainda persistirem.

Cabe indenização para reparar pecuniariamente o mal originado do ato ilícito, pois a indenização pecuniária é uma forma de abrandar o sofrimento de autor.

Não se tratando de pensão ou alimentos, mas satisfação de um dano moral, a verba deve ser paga de uma só vez, de imediato. O valor da verba deve compensar a dor sofrida, e arbitrada segundo as circunstâncias. Não deve ser fonte de enriquecimento, nem inexpressiva.

Conforme já decidido, “no arbitramento do valor do dano moral é preciso ter em conta o grau em que o prejuízo causado terá influído no ânimo, no sentido daquele que pleiteia a reparação. A intensidade da culpa, a violência, as circunstâncias em que ocorreu o evento danoso poderão informar o critério a ser adotado em tal arbitramento, árduo e dedicado, porque entranhado de subjetividade “(TJRJ – 8ª C. Ap. Rel. Des. Paulo Pinto – j. 6.8.85 – RT 602/188).

Desse modo, levando-se em consideração o nível sócio-econômico da autora, a intensidade da culpa da ré a circunstância em que o evento ocorreu, fixo a quantia de dois mil salários mínimos como valor a ser indenizado ao autor.

O autor José Alves da Silva, ainda pede a condenação da ré “a pagar ao pai da vítima co-autor, de uma só vez, valor a ser arbitrado por V.Ex.a. a título de pensão a contar de quando a vítima completaria 14 anos (idade que nossa Magna Carta permite o trabalho remunerado)”.

Não há como ser acolhida tal pretensão uma vez que eventual rendimento auferido por Edson Lopes da Silva, não integraria o patrimônio de seu pai. Eventual prejuízo financeiro, que sequer foi demonstrado, afetaria o patrimônio de Edson, mas nunca o de seu pai, não fazendo eles jus a pensão pedida.

Ante o exposto e considerando tudo o mais que dos autos consta, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação que EDSON LOPES DA SILVA E JOSÉ ALVES DA SILVA movem contra a COMPANHIA DE SANEAMENTO BÁSICO DO ESTADO DE SÃO PAULO – SABESP e, em conseqüência, condeno a ré ao pagamento de todas as despesas decorrentes do tratamento médico (que também compreendem cirurgias plásticas) e psíquico do autor Edson, cuja necessidade será comprovada através de declaração de médico ou psicólogo habilitado para tanto. Também arcará com as despesas decorrentes da aquisição de medicamentos e produtos necessários para o tratamento do autor, desde que comprovada a necessidade através da declaração de médico habilitado. A requerida ainda arcará com as despesas de transporte do autor, necessárias para o tratamento acima mencionado. Por fim, condeno a ré ao pagamento de indenização por dano moral ao autor Edson Lopes da Silva correspondente a dois mil salários mínimos. Juros de mora a partir da citação. Ante a sucumbência mínima dos autores, arcará a ré com as custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em dez por cento do valor da condenação. PRI – valor da causa: R$ 100,00 -v. corrigido: R$ 145.14 – v. preparo: R$ 1,45

FLS. 760: defiro a expedição de nova guia como requerido, observadas as cautelas de estilo.

Intime-se os advogados: MICHEL ROSENTHAL WAGNER – 130.902; CARLOS F.BARBOSA LIMA; RENATA COSTA BOMFIN – 131.915; VERA LUCIA MAGALHÃES – 190.514.

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