Meia-sola

Presidente do STJ classifica reforma do Judiciário de meia-sola

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19 de março de 2004, 12h10

O presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Nilson Naves, reafirmou nesta quinta-feira (18/3), em Palmas, Tocantins, que é radicalmente contra o controle externo e também contra a proposta de imposição da quarentena de três anos aos membros do Poder Judiciário.

Ele participou da abertura do 64º Encontro do Colégio Permanente de Presidentes de Tribunais de Justiça do Brasil, junto com presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Maurício Corrêa.

Nilson Naves destacou que ao longo dos dois anos à frente do STJ, período que termina em 5 de abril, buscou dar norte não só à Corte que dirige, mas também a todo o Judiciário. “Lutei pela aprovação de nossas propostas referentes à projetada reforma, a qual se arrasta há muito tempo, todos sabem, pelos corredores do Legislativo”, disse o ministro.

O ministro afirmou: “Todavia um dos discursos, o mais importante, entendo, não encontrou, nos outros Poderes, a guarida que esperávamos: aquele concernente à reforma. Foi o único que não teve resposta pronta e acabada. Queríamos uma sola, e o que se nos apresenta perante os olhos não chega a ser uma sola; quem sabe não trata apenas de uma meia-sola”. (STJ)

Leia o discurso feito pelo ministro Naves

O Colégio Permanente de Presidentes de Tribunais de Justiça vem, com eficiência e honradez, há doze anos, acrescentando pinceladas de suma importância – firmes e nas cores certas – à aquarela do Poder Judiciário nacional, desenhada, através dos séculos, por mãos laboriosas, cérebros ilustres e almas idealistas.

O momento que agora vivenciamos me traz à memória um fato que eu diria sintomático: iniciei minha gestão à frente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal visitando o Colégio em um de seus encontros, em Macapá. Também diria sintomático o fato de que, quase ao fim de minha jornada administrativa, aqui estou com o mesmo colegiado, na mais jovem capital brasileira, onde os presidentes se debruçarão sobre temas relevantes cujo debate trará à aquarela novos matizes, imprescindíveis, estou certo, ao aprimoramento da Justiça brasileira.

Por que sintomáticos tais acontecimentos? Sem dúvida, em face do que expressei, porque comungamos, os senhores e eu, ideais nobres acerca do Judiciário. Na verdade, temos lutado, incessantemente, com denodo, muitas vezes nos ferindo no fragor da batalha, em prol de um Poder nos moldes como o que preconizei por ocasião de minha posse: forte e independente, rápido e eficaz, atuante e prestante. Sucede que, hoje, mais que ontem, o que querem mesmo é nos enfraquecer. Então se, ali e acolá, se, aqui, neste momento, porque o momento é propício, não dissermos nada, como nos lembrou o poeta, depois já não poderemos dizer mais nada, terão nos levado a luz, conhecido nosso medo e arrancado a voz de nossa garganta.

Fazendo uma retrospectiva desses quase dois anos de gestão, posso assegurar que me sinto realizado, porém não plenamente. Ao desincumbir-me de tão elevada missão, procurei conferir ao Superior Tribunal o perfeito corpo e a correspondente alma. Para tanto, priorizei, no cumprimento das metas estabelecidas, a efetividade e a celeridade da prestação jurisdicional, pois convicto de que justiça tardia é injustiça qualificada.

Ademais, buscando dar norte não só à Corte que dirijo, mas também ao Judiciário como um todo, lutei pela aprovação de nossas propostas referentes à projetada reforma, a qual se arrasta há muito tempo, todos sabem, pelos corredores do Legislativo.

Realizado, porém não plenamente, repito. Por quê?

Se foi a presidência, por razões mais que conhecidas, um período exaustivo, havendo de se lhe acrescentarem, sucessivos que foram, anteriormente, o período em que cuidei das coisas do Eleitoral e aquele em que estive na vice-presidência, é inegável, penso eu, que, nesses quase dois anos, tive discursos – ou melhor, tivemo-los juntos –, altaneiros e ressoantes; enfrentamos significativos combates, como disse; alcançamos expressivas vitórias. Todavia um dos discursos, o mais importante, entendo, não encontrou, nos outros Poderes, a guarida que esperávamos: aquele concernente à reforma. Foi o único que não teve resposta pronta e acabada. Queríamos uma sola, e o que se nos apresenta perante os olhos não chega a ser uma sola; quem sabe não se trata apenas de uma meia-sola.

Penso que não estou exagerando. O controle externo, por exemplo, que tentam empurrar-nos goela abaixo, tem a nítida pretensão de macular, de extirpar a independência e a soberania do Judiciário, em flagrante violação de cláusula pétrea da Constituição Federal. Sou contrário, sim; somos contrários, sim – e com opinião inabalável –, à criação do funesto controle, constituído de pessoas estranhas à função judicante. O que o Superior Tribunal de Justiça defende, porque é racional – e creio ser esse o sentimento da maior parte da magistratura –, é a criação de um conselho composto exclusivamente de membros do próprio Poder. Raciocinando com lucidez, não vemos alternativa. Tal proposta foi reafirmada e reiterada pelo Superior Tribunal na sessão plenária de 16 de fevereiro último, posição que noticiei, por ofício, a todos os Senadores; aos Presidentes do Senado e da Comissão de Constituição e Justiça, bem como ao relator do projeto, levei tais expedientes pessoalmente.

Somos contrários, também, entre outros pontos, à tão extensa quarentena que estão querendo impor aos magistrados: o decurso de três anos após a cessação da atividade judicante para poderem exercer a advocacia. Como justificar tal discriminação? O prazo, no Executivo, não alcança os seis meses. Plausível mesmo é a proposta do Superior Tribunal, isto é, apenas o intervalo de um ano entre o afastamento do cargo e o exercício da advocacia, exigência válida, tão-somente, quando se tratar do tribunal ou juízo do qual se afastou o magistrado.

Será que estamos perdendo a guerra após algumas batalhas ganhas? A resposta, só o tempo, aliado à determinação de cada um de nós, há de revelá-la. Particularmente, preocupa-me sobremaneira o destino do Superior, isso porque, entre outras, as sugestões legislativas apresentadas pelo Tribunal no tocante à distribuição das atuais competências constitucionais não têm sido acolhidas pelos legisladores; por essa razão, tende o Tribunal a se esmaecer, a perder sua real missão – a de zelar irrecorrivelmente pela guarda das leis e dos tratados federais. A proposta da unicidade dos recursos, surgida de inopino e em má hora, será desastrosa para o Superior, em todos os aspectos, sobressaindo o de sua transformação em tribunal de passagem, o que, se concretizado, aumentará os passos do processo, enquanto o que as melhores inteligências recomendam é exatamente a diminuição desses passos.

A conjuntura é preocupante, entretanto de uma coisa estou certo: apenas a fé e a união de todos nós impediram fosse vilipendiada a configuração nacional da magistratura quando, por exemplo, da reforma previdenciária. É inegável que essa mesma fé e essa mesma união, renováveis sempre, impedirão que o controle da magistratura seja vendido como a panacéia de todos os problemas do Judiciário; também impedirão que o propalado controle externo seja instituído.

Assim pensando, sinto-me tranqüilo e esperançoso, porque, conquanto, dentro em breve, não mais esteja na presidência, não perderei a voz; dela continuarei fazendo uso para disseminar minhas idéias – idéias que nem sempre agradam a todos. Mas que hei de fazer se, hoje, mais que ontem, mantenho acesa a inquebrantável fé, a teimosa fé que sempre tive nos destinos da Justiça brasileira?

Temos boas razões para comemorar e excelentes razões para continuar lutando pelo Judiciário com o qual sonhamos, que é também anseio de nosso povo.

Estamos num campo de batalha, e o que está em jogo, à mercê da artilharia, é a soberania do Poder Judiciário. Além disso, está em jogo a soberania da própria Constituição, garante maior da cidadania.

Muito obrigado.

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