Ação social

MP paulista pede redução de tarifa de ônibus para desempregados

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19 de março de 2004, 18h01

A promotora de Justiça da cidadania de São Paulo, Andréa Chiaratti, ajuizou ação civil pública contra o município de São Paulo. Ela defende a redução na tarifa — em até 100% — do transporte coletivo urbano (ônibus e lotação) para todos os desempregados desta cidade.

Segundo ela, “os dados estatísticos são impressionantes. O número de desempregados em São Paulo tem crescido de forma alarmante, chegando atualmente, segundo recente publicação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, a 12,9% da população, o que demonstra o grande contingente interessado no efetivo cumprimento da lei em questão”.

Leia a íntegra da ação:

Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz se Direito da Vara da Fazenda Pública da Comarca da Capital

O Ministério Público do Estado de São Paulo, através da Promotora de Justiça da Cidadania infra-assinada, vem perante esse Egrégio Juízo, com fundamento nos artigos 1°, inciso IV e 5°, caput, ambos da Lei 7.347/85; artigos 127, caput e 129, incisos II e III da Constituição Federal; artigo 25, inciso IV, letra “a” da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei n°8.625/93) e artigo 103, incisos I, VII e VIII da Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo (Lei Complementar n°734/93), propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA, em face do Município de São Paulo, representado legalmente pela Sra. MARTA SUPLICY, sediado no Viaduto do Chá, nº 15, Palácio do Anhangabaú, nesta cidade e comarca, pelos fatos e fundamentos a seguir expostos:

1- Dos Fatos

Em meados do ano de 2003, nesta Promotoria de Justiça da Cidadania, foi instaurado o procedimento PJC-CAP n°088/03, que segue em anexo instruindo a presente, noticiando o descumprimento de lei municipal.

Iniciada a investigação, constatou-se que em 1990, quando a economia do país passava por mais uma complexa recessão, apresentando alarmante número de pessoas desempregadas por todo o território, a então Prefeita desta cidade, a Sra. Luiza Erundina de Sousa, promulgou e publicou a Lei n° 10.854/90, autorizando o Poder Executivo do Município a conceder aos desempregados, redução da tarifa no transporte coletivo por ônibus. O referido dispositivo legal, que entrou em vigor na data de sua publicação, teve seu texto original modificado pela Lei n°10.990 de 13 de junho de 1991 e foi regulamentado pelos Decretos n° 28.813 de 02 de julho de 1990 e n°32.331 de 24 de setembro de 1992.

O conteúdo da lei municipal (fl. 07) prevê em destaque:

“Art.1° – Fica o Executivo autorizado a conceder, aos desempregados, redução de até 100% (cem por cento) no preço da tarifa do transporte coletivo por ônibus do Município de São Paulo, observadas as condições estabelecidas nesta lei.”

“Art. 2º – A redução da tarifa somente será concedida aos trabalhadores cadastrados nos sindicatos de suas respectivas categorias profissionais.”

A mens legis determinante de sua edição considerou a gravidade das conseqüências sociais advindas do elevado índice de pessoas desempregadas na região metropolitana de São Paulo na década de noventa, assim como a importância que se reveste o fato do trabalhador desempregado ter que ampliar sua capacidade de locomoção para abrir novos horizontes visando sua recolocação, daí a necessidade de que goze do benefício do transporte público coletivo com redução da tarifa.

Inicialmente, a tarifa dos ônibus coletivos foi de fato reduzida para as pessoas desempregadas representadas por sindicato próprio, tendo sido implementada pela extinta CMTC (Companhia Municipal de Transportes Coletivos) que, após ter passado por período de adaptação, e tendo dificuldades na verificação dos documentos, abdicou da tarefa deixando simplesmente de cumprir a determinação imposta na lei (fl. 34).

Atualmente, inclusive com o aumento significativo do número de desempregados em todo o país, principalmente nas grandes capitais, benefícios da mesma ordem foram instituídos em outros órgãos públicos, como é o caso da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), órgão vinculado à Secretaria dos Transportes Metropolitanos do Estado de São Paulo, que em decisão semelhante àquela tomada pela Prefeitura de São Paulo em 1990, também garantiu a gratuidade da tarifa aos usuários daquela malha ferroviária que se encontrem desempregados (fls.46/57), bastando apenas a apresentação da carteira de trabalho com o registro da última baixa de emprego no ato da aquisição dos bilhetes específicos.

2- Dos Fundamentos

A Constituição Federal promulgada em 1988, em seu artigo 30, inciso V, outorgou competência aos Municípios para organizar o transporte coletivo urbano.

“Art. 30 – Compete aos Municípios:

V- organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;”


Não obstante o dever constitucional já regulamentado em nossa cidade através da Lei Orgânica do Município (artigo 7º, inciso III e artigos 172/179) e pela Lei n°10.854 de 22 de junho de 1990, cujo texto foi modificado pela Lei n°10.990 de 13 de junho de 1991, nossos administradores municipais têm fechados os olhos para o ordenamento legislativo, criando sérios entraves para o efetivo cumprimento do dever que lhes era imposto há mais de uma década, em prejuízo de toda uma coletividade, consubstanciada em número crescente do rol de pessoas desempregadas.

Os dados estatísticos são impressionantes. O número de desempregados em São Paulo tem crescido de forma alarmante, chegando atualmente, segundo recente publicação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, a 12,9% da população, o que demonstra o grande contingente interessado no efetivo cumprimento da lei em questão.

Por outro lado, segundo pesquisas realizadas por alguns sindicatos de categorias diversas, um trabalhador empregado gasta, em média por mês, cerca de R$80,00 (oitenta reais) com transporte coletivo do tipo ônibus, isso levando em consideração a hipótese irreal de residir próximo ao trabalho, com a utilização de um ônibus de ida e outro de volta. Entretanto, sabe-se que essa situação é muito diferente, haja vista que a grande massa de trabalhadores reside na periferia da cidade, necessitando de quatro ou mais conduções por dia para efetuar o trajeto de casa ao serviço e vice-versa.

Fato é que o desempregado não pode dispor de seus limitados recursos para suprir gastos com o transporte coletivo, quando a lei autoriza a redução da tarifa nessa circunstância, em até 100% (cem por cento), sob pena de fazer-lhe falta tal dinheiro frente as demais despesas que possui. Frise-se, que o trabalhador que perde seu emprego fica desorientado, necessita muitas vezes de apoio médico e psicológico, necessita também de melhor capacitação para evitar que essa situação perdure por muito tempo, e tudo isso implica em gastos com seus recursos financeiros que já são escassos.

A afronta à lei ora apontada, consistente na omissão do Poder Público em instituir a redução da tarifa do transporte coletivo urbano para todos os desempregados, repercute diretamente no bolso desses últimos, ceifando a possibilidade dos mesmos de melhor promover o sustento de sua família, causando-lhes prejuízos irrecuperáveis.

Sabe-se pela imprensa local que o tempo previsto para que haja a recolocação de uma pessoa no mercado de trabalho, atualmente, gira em torno de dezoito a vinte e quatro meses, período no qual o cidadão paulistano que se encontra sem emprego poderia ter poupado gastos com a tarifa do transporte público municipal.

Estudos feitos pelo DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos), mostram a variação havida no valor da tarifa do transporte coletivo, em comparação com o custo de vida na cidade de São Paulo (fls.128; 139;143).

Historicamente, o custo da chamada “condução” tem pesado muito no orçamento doméstico, chegando a atingir a casa dos dois dígitos, conforme mostram as análises do órgão acima referido, juntado nos autos da representação que a esta segue (fls. 125/149)

Tais dados revelam o despropósito com que a municipalidade tem agido para com os cidadãos desta cidade que se encontram em situação econômico-financeira menos favorecida.

Por outro lado, os termos da lei hoje em vigor estão em desconformidade com o texto constitucional, pois flagrantemente beneficia apenas uma parte da população desempregada, aquela que possui representatividade sindical, em prejuízo dos demais que não estando filiados aos sindicatos, não fazem jus ao transporte coletivo municipal com a redução no preço da tarifa.

Não há fundamento para se tratar com desigualdade os cidadãos que se encontram nas mesmas condições, até porque, ao se atribuir o benefício somente aos desempregados sindicalizados, estar-se-ia obrigando os demais que não o são, a se filiarem em entidade daquela categoria para se colocarem no mesmo patamar de direitos.

A regulamentação da lei em apreço, que é dever da municipalidade, não pode fugir à amplitude do direito por ela outorgado, devendo o administrador implantar meios de operacionalizá-la de modo que toda a coletividade de desempregados desta cidade possa dela usufruir, sem restrições ou discriminações condenadas pela Constituição Federal.

Com efeito, a função social dos sindicatos transcende ao indivíduo que ele representa, chegando a amealhar direitos e garantias à respectiva classe que o trabalhador, se pleiteasse individualmente, jamais alcançaria.

Destarte, se o administrador desta cidade entendeu por bem arcar com o ônus político e financeiro de garantir ao desempregado filiado a um sindicato o benefício do transporte público urbano com redução da tarifa de até 100% (cem por cento), muito mais razão há para a lei amparar o trabalhador sem emprego que não possui representação coletiva, que pode estar muito mais fragilizado que o primeiro.


O serviço público é uma obrigação do Estado (sentido lato da palavra) e ele deve ser prestado para a coletividade.

Para tanto, o administrador segue regras que regulamentam sua atuação. Dentre essas, encontra-se o princípio da legalidade, no qual o servidor deve pautar sua conduta para melhor atender a população e, vale dizer, que o mesmo somente pode agir diante do que a lei lhe autoriza e conduzir-se nos termos por ela determinados.

Hely Lopes Meirelles, abordando a questão, escreve: “Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza.”

Segue ele ainda dizendo que “as leis administrativas são, normalmente, de ordem pública e seus preceitos não podem ser descumpridos, nem mesmo por acordo ou vontade conjunta de seus aplicadores e destinatários, uma vez que contêm verdadeiros poderes-deveres, irrelegáveis pelos agentes públicos. Por outras palavras, a natureza da função pública e a finalidade do Estado impedem que seus agentes deixem de exercitar os poderes e de cumprir os deveres que a lei lhes impõe. Tais poderes, conferidos `a Administração Pública para serem utilizados em benefício da coletividade, não podem ser renunciados ou descumpridos pelo administrador sem ofensa ao bem comum, que é o supremo e único objetivo de toda ação administrativa.”(1)(grifei)

Além do dever de agir nos ditames legais, a Administração Pública ainda deve pautar sua conduta no binômio Poder-Dever, sob pena de sua atuação tornar-se lacunosa e prejudicial aos administrados.

Mais uma vez, pede-se vênia para nova citação da obra do autor acima mencionado. Sobre a atuação da Administração Pública, Hely Lopes Meirelles afirma que “se para o particular o poder de agir é uma faculdade, para o administrador público é uma obrigação de atuar, desde que se apresente o ensejo de exercitá-lo em benefício da comunidade. É que o Direito Público ajunta ao poder do administrador o dever de administrar.”(grifo do autor)

Diz ele ainda: “pouca ou nenhuma liberdade sobra ao administrador público para deixar de praticar atos de sua competência legal. Daí que por omissão da autoridade ou o silêncio da Administração, quando deva agir ou manifestar-se, gera responsabilidade para o agente omisso e autoriza a obtenção do ato omitido por via judicial, notadamente por mandado de segurança, se lesivo de direito líquido e certo do interessado.” (grifei)

3. Dos Antecedentes

Conforme consta dos autos da representação onde os fatos foram investigados, o Poder Público municipal vem ignorando a Lei n°10.854/90, com o novo texto que lhe deu a Lei n°10.990/91, prejudicando grande parcela da população paulistana que se encontra desempregada e que não possui recursos financeiros para arcar com o transporte coletivo, sabidamente caro e de péssimas condições. Essa constatação se dá pela simples leitura dos documentos acostados às fls. 34, letra “a” e 84, onde a própria Administração admite ter cessado sua ação na distribuição dos bilhetes que garantem a redução da tarifa aqui discutida.

É notório que a municipalidade não só vem descumprindo a lei, ignorando-a de forma dolosa, em flagrante prejuízo à população desempregada que vive nesta cidade, como também tem colocado entraves burocráticos como forma de impedir e dificultar seu acesso nos termos do Decreto n°28.813/90 que regulamenta o benefício.

A título ilustrativo, consta dos autos cópia da inicial de mandado de segurança impetrado por atuação conjunta de alguns sindicatos, visando a obtenção do cadastro exigido pela lei ora analisada.

Conforme se observa, somente aqueles impetrantes tiveram reconhecido o direito a que seus representados possam usufruir do transporte público municipal com redução da tarifa (fls. 15/33), sendo que o resultado do processo equivale a uma confissão da própria Administração, no sentido de que afastou-se do cumprimento do dever que lhe era imposto.

Não obstante a pendência de recurso de ofício (fl.42), a própria municipalidade, através da Secretaria de Assistência Social, limitou o acesso daqueles impetrantes ao benefício, exigindo prévia aprovação do cadastro para que a autarquia responsável pelo gerenciamento do sistema de transporte coletivo do Município (SPTrans) formalize, em tese, a distribuição pretendida.

Neste caso, estamos diante de uma sistematização sem propósito, que somente vem impedindo o trabalhador desempregado e de categoria profissional sem representatividade em sindicato, de garantir seu direito ao transporte coletivo municipal com a redução da tarifa de até 100% (cem por cento).

Em verdade, é dever da Prefeitura de São Paulo determinar a aplicação do benefício em questão a toda população que se encontra sem emprego, eliminando as barreiras que ferem a Constituição da República, desburocratizando a atuação do Poder Público.


Assim, bastaria a apresentação da comprovação da condição de desempregado (com a prova do recebimento do seguro desemprego) junto aos balcões de venda de bilhetes, como é feito na CPTM (fl. 57), para se garantir o direito disposto na lei. Entretanto, ao contrário, o ato normativo ora questionado determinou que o benefício somente fosse concedido a trabalhadores desempregados sindicalizados (art. 2º), excluindo os demais que se encontram nas mesmas condições e que não se filiaram ao órgão representativo da respectiva classe.

Tal limitação afronta dispositivo da Constituição Federal, que diz que “ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato.” (art.8º, inciso V Constituição Federal)

Dentro dos critérios de conveniência e oportunidade, se a Prefeitura de São Paulo pretendeu amparar o trabalhador desempregado, proporcionando-lhe condições para ampliar sua capacidade de locomoção na demanda de novos empregos, bem como minorar a gravidade das conseqüências sociais que se associam aos elevados índices de desemprego, não há como aceitar a discriminação expressa na lei que restringe o benefício somente aos que possuem registro em sindicato, devendo haver, portanto, a concessão da redução da tarifa no transporte coletivo municipal a todos aqueles que se acham nas mesmas condições, devidamente comprovada pela baixa do registro em carteira de trabalho e recebimento do respectivo seguro desemprego.

Persistindo a referida discriminação entre trabalhadores sindicalizados e não sindicalizados para recebimento de direito previsto em lei, estar-se-ia forçando os últimos a se filiarem a entidade de classe, o que a Constituição Federal terminantemente repudia.

A conduta legislativa assumida pela Prefeitura de São Paulo criou duas classes de desempregados – sindicalizados e não sindicalizados – ferindo o princípio da igualdade, também consagrado constitucionalmente (art.5º, caput, CF).

Qual será o intuito da Municipalidade em adiar a aplicação da lei ou dificultar seu cumprimento? Orçamento não deve ser o problema, pois é de conhecimento público que a administração municipal vem gastando cerca de R$ 44.200.000,00 (quarenta e quatro milhões e duzentos mil reais), aproximadamente, em publicidade a cada ano, conforme demonstra a cópia do relatório do Tribunal de Contas do Município, encartada nos autos (fls.86/106). Nesse sentido, tem lógica afirmar-se que se um governo gasta com a divulgação de seus atos altíssimos valores como os ora apresentados, é porque possui verba suficiente para ser aplicada na área social, que deve ser prioridade em qualquer administração.

4. Da Legitimidade Ativa do Ministério Público

A presente demanda implica no reconhecimento de direito coletivo, que abrange a categoria dos desempregados, com números que variam a cada dia.

Definindo o que vem a ser direito coletivo, José Marcelo Menezes Vigliar escreve dizendo que “são os interesses que compreendem uma categoria determinada, ou pelo menos determinável de pessoas, dizendo respeito a um grupo, classe ou categoria de indivíduos ligados por uma mesma relação jurídica-base (ou básica, como preferem alguns autores) e não apenas por meras circunstâncias fáticas, como acontecia na modalidade de interesses supra-individuais analisada (nos interesses difusos).” (2)

No mesmo sentido escreve Hugo Nigro Mazzilli, afirmando que “coletivos são interesses indivisíveis de um grupo reunido por uma relação jurídica básica comum.” (3)

Conforme dito anteriormente, o Ministério Público foi incumbido da defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses individuais indisponíveis, além de ter como função institucional o dever de promover a ação civil pública, para a proteção de interesses difusos e coletivos que estão previstos em lei.

Nesse contexto, a omissão do administrador em cumprir lei que ele próprio promulgou, determina conduta que vem colidir com direito amparado dos trabalhadores desempregados desta cidade no que se refere ao transporte público coletivo com redução de até 100% (cem por cento) do valor da tarifa.

Destarte, é mister que a municipalidade seja compelida a cumprir a lei por ela promulgada, regulamentando-a, sem que, no entanto, venha ferir direito de terceiro que se encontra em condição de igualdade ao beneficiário inicial, e que está consagrado constitucionalmente.

Diante disso, torna-se inquestionável, a legitimidade ativa do Ministério Público para a propositura de ação civil pública para a defesa dos interesses coletivos da população desempregada desta cidade.

5. Da Tutela Antecipada

A pretensão ora deduzida encontra-se consubstanciada na Lei n°10.854/90, com a redação que lhe deu a Lei n°10.990/91, a qual previu o benefício da redução da tarifa ao trabalhador desempregado que se utilizar do transporte por ônibus na cidade de São Paulo.


Agindo da forma omissa como vem fazendo, a municipalidade, vem impedindo que todas as pessoas desempregadas deste Município tenham acesso ao direito que a lei lhes outorgou, criando também entraves para que os diversos sindicatos possam se cadastrar junto a Secretaria de Assistência Social, nos termos do Decreto n°3.2331/92 para a obtenção do mencionado direito. Tal conduta do Poder Público causa grande prejuízo àquela gama de indivíduos, que jamais conseguirão se ressarcir dos valores que indevidamente vêm pagando no transporte coletivo, fatores que, portanto, autorizam a antecipação da tutela pretendida, nos termos do artigo 273, inciso I do CPC, inclusive com a cominação de multa diária pelo descumprimento.

Reza o artigo 273 do Código de Processo Civil:

“Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:

I- haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou …”

O legislador pátrio ao estabelecer na lei a possibilidade do Magistrado acolher desde o início do processo o pedido (causa de pedir) deduzido pela parte autora, haja vista encontrar-se presente na articulação fática e de direito a verossimilhança da alegação, a prova inequívoca de sua ocorrência e, no caso, fundado receio de que o dano causado pela conduta do adversário seja irreparável, ou mesmo de difícil reparação, instituiu parâmetros para que o Julgador possa depositar, motivadamente, sua convicção de que há necessidade da antecipação do bem da vida pretendido pelo requerente.

Verossimilhança, segundo nota exarada por Humberto Theodoro Júnior(4) é, “em esforço propedêutico, que se quadre com o espírito do legislador, a aparência de verdade, o razoável, alcançando, em interpretação ‘lato sensu’, o próprio ‘fumus bonis iuris’ e, principalmente, o ‘ periculum in mora’.”

O mesmo autor, abordando o outro requisito de concessão da tutela antecipada, referindo-se à prova inequívoca, firma que “é aquela clara, evidente, que apresenta grau de convencimento tal que a seu respeito não se possa levantar dúvida razoável, …”

Não há dúvidas de que o pedido ora deduzido expõe conduta da Administração Municipal afrontosa a texto expresso na Constituição Federal.

Primeiramente porque está criando duas categorias de pessoas desempregadas que se encontram em idêntica situação econômica-financeira e social, e a uma delas estaria sendo concedido, em tese, o benefício da redução da tarifa no transporte coletivo de até 100% (cem por cento), excluindo a outra de tal acesso, ferindo, como dito acima, os artigos 5º, caput e artigo 8º, inciso V, ambos da Carta da República promulgada em 1988.

Em segundo lugar, a Prefeitura de São Paulo simplesmente quedou-se inerte na aplicação da lei em questão que vem sendo descumprida há mais de uma década, causando prejuízo a milhões de pessoas desempregadas nesta cidade que diariamente têm que pagar as tarifas no transporte público, quando a lei estaria a lhes garantir redução de até 100% (cem por cento), daí surgindo o prejuízo que coletivamente se mostra muito grande.

Não há dúvidas, ademais, quanto a possibilidade de haver concessão de tutela antecipada mesmo contra a Fazenda Pública, havendo inclusive decisões emanadas do Supremo Tribunal Federal. (5)

Pelo exposto, requer-se, de forma antecipada, initio litis e inaudita altera pars, seja a municipalidade de São Paulo compelida à obrigação de fazer, no prazo máximo de trinta dias, contados da data da decisão antecipatória da tutela, consistente em:

a) Implantar a tarifa de transporte coletivo municipal através de ônibus e lotações com a redução de até 100% (cem por cento) de seu valor a todos os trabalhadores desempregados desta cidade;

b) Emitir ato administrativo regulamentador da concessão do benefício para toda a coletividade de desempregados desta cidade;

c) Determinar a imediata aplicação da lei aos órgãos responsáveis pelo gerenciamento do sistema de transporte coletivo urbano, dotando-os de recursos e numerário suficiente para efetivação do benefício;

d) Divulgar comunicados na imprensa local, e realizar campanhas esclarecedoras, informando a população paulistana dos termos da lei que instituiu o benefício ora analisado;

Requer-se, também, de forma antecipada, initio litis e inaudita altera pars, seja a municipalidade de São Paulo compelida à obrigação de não fazer, no prazo máximo de trinta dias, contados da data da decisão antecipatória da tutela, consistente em:

– Não limitar o acesso ao benefício da redução da tarifa no transporte coletivo municipal de até 100% (cem por cento), somente aos trabalhadores desempregados com representação sindical.


Embora possa parecer repetitivo o pedido acima deduzido, é mister destacar as condutas comissivas necessárias para adequar o texto legislativo aos ditames constitucionais e as condutas omissivas que devem ser impostas para amparar o direito dos iguais.

Com o deferimento dos pedidos a título de tutela antecipada, requer-se a imposição de pena de multa diária pelo descumprimento da decisão antecipatória de tutela, nos termos do artigo 287 do CPC, c.c. artigo 461, §4° do mesmo diploma legal. A medida coercitiva deve consistir no pagamento de R$3.000.000,00 (três milhões de reais) a ser depositado em conta específica aberta pela municipalidade, para a manutenção do transporte com redução de até 100% (cem por cento) no valor da tarifa, de 12% da população da cidade de São Paulo (estimativa feita pelo IBGE). Tal valor foi calculado levando-se em consideração que nesta capital há 10.434.252 (dez milhões, quatrocentos e trinta e quatro mil, duzentos e cinqüenta e dois) habitantes, conforme último censo publicado pelo mesmo órgão acima referido, e que a referida parcela da população faz uso de pelo menos dois ônibus diários em busca de novos horizontes de trabalho visando sua recolocação (informações das entidades sindicais), bem como em razão do atual valor da tarifa do coletivo de R$1,70 (um real e setenta centavos).

Não há dúvida de que a demora na concessão da pretensão somente vem agravar as conseqüências da omissão da municipalidade frente ao dever de garantir o direito concedido em lei, causando mais prejuízos à população desempregada e tornando impossível sua reparação.

6. Do Pedido

Diante de tudo quanto acima foi exposto, requer-se que Vossa Excelência:

a) Se digne receber a presente inicial, determinando sua autuação com os documentos encartados no procedimento em anexo;

b) Determinar a citação da ré na pessoa de seu representante legal, domiciliado no Viaduto do Chá, nº15, Palácio do Anhangabaú, nesta cidade, para que, se o desejar, conteste os termos da presente ação que deve obedecer o rito ordinário;

c) Deferir o pedido de tutela antecipada deduzido, vez que presente os requisitos legais para sua concessão;

d) Julgar integralmente procedente a presente ação para condenar a municipalidade de São Paulo à obrigação de fazer para conceder a toda população desempregada desta cidade a redução de até 100% (cem por cento) do valor da tarifa no transporte coletivo por ônibus e lotação, cumprindo o artigo 1º da Lei nº 10.852 de 22 de junho de 1990, com a nova redação que lhe foi dada pela Lei n° 10.990 de 13 de junho de 1991;

e) Para determinar seja regulamentada a forma de aplicação do benefício da tarifa reduzida no transporte coletivo público municipal a todos os desempregados de São Paulo;

f) Julgar integralmente procedente a presente ação para também condenar a municipalidade de São Paulo à obrigação de não fazer, para impedir que a Prefeitura de São Paulo trate com desigualdade os desempregados desta cidade, impedindo que ela limite o acesso ao benefício da redução da tarifa no transporte coletivo do Município de até 100% (cem por cento), somente aos trabalhadores desempregados que possuam representação em sindicato;

g) Determinar a imposição de multa diária consistente no pagamento de R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais) por dia de descumprimento da sentença;

h) Dispensar o autor do pagamento de custas e emolumentos e outros encargos, tendo em vista o disposto nos artigo 18 da Lei n° 7.347/85 e artigo 87 da Lei n° 8.078/90, que instrumentalizam o dever do Ministério Público de defender a ordem jurídica e os interesses difusos e coletivos previstos nos artigo 129, inciso III da Constituição Federal; (grifei)

i) Sejam as intimações do autor feitas pessoalmente, mediante a entrega e vista dos autos na Promotoria de Justiça da Cidadania da Capital, atualmente situada na Rua Minas Gerais, n° 316, 7° andar, Higienópolis, São Paulo, Capital, face o disposto no artigo 236, § 2° do CPC e artigo 41, inciso IV da Lei Federal n° 8.625/93 e

j) Deferir a produção de todas as provas em direito admitidas, notadamente a pericial, a testemunhal, o depoimento pessoal das partes, a juntada de documentos novos e tudo o mais que se fizer necessário para a completa elucidação e demonstração dos fatos aqui articulados.

7. Valor da Causa

Dá-se à causa o valor simbólico de R$1.000,00 (mil reais).

São Paulo, 18 de março de 2004.

Andréa Chiaratti do Nascimento Rodrigues Pinto

6º Promotor de Justiça da Cidadania da Capital

Notas de rodapé

1-Direito Administrativo Brasileiro, p.83, 24ª edição, Saraiva

2- Vigliar, José Marcelo Menezes, p.48, 2ª edição, Atlas

3-Mazzilli, Hugo Nigro, p.5, 9ª edição, Saraiva

4- Código de Processo Civil Anotado, ed. Forense

5- Fadel, Antecipação da tutela no processo civil, n. 25, p.84 ss; Dorival Renato Pavan & Cristine da Costa Carvalho, RP 91/137; Orione, Trat. limin., v. I, n.315, 256 ss; Otávio Augusto Reis de Sousa, A antecipação da tutela e as pessoas jurídicas de direito público, p.70 ss; STF, Pleno, ADC 4, rel. Min. Sydney Sanches, mv, j. 10.9.1997; TJRJ 60

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