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Direito de imagem é discutido em julgamento do Supremo

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18 de março de 2004, 21h19

O Supremo Tribunal Federal não confirmou, nesta quinta-feira (18/3), a liminar concedida pelo ministro Cezar Peluso em favor da defesa do chinês Law Kin Chong. Peluso determinava que não houvesse a divulgação da imagem do depoimento do empresário durante audiência pública pela CPI da Pirataria, na Câmara dos Deputados. A decisão foi aprovada por sete a dois, vencidos os ministros-relator Cezar Peluso e Gilmar Mendes. A sessão terminou depois que a Câmara dos Deputados já havia descumprido a liminar de Peluso e autorizado a gravação das imagens pelas redes de TV, inclusive a TV Câmara.

Último a votar, o ministro Sepúlveda Pertence, que presidiu parte da Sessão do STF, falou em defesa do ministro Cezar Peluso, cuja decisão foi criticada por membros da CPI. “Meu repúdio mais veemente é às agressões de baixa estatura dirigidas, por alguns parlamentares, ao ministro-relator Cezar Peluso”, disse Pertence, que classificou o colega como “figura exemplar da magistratura brasileira, tanto como notável intelectual quanto condução de uma vida moralmente ilibada”.

O empresário chinês impetrou novo MS contra o presidente da CPI da Pirataria para impedir a exposição de sua imagem na imprensa, fundamentado na garantia constitucional de seu direito de imagem. Segundo o advogado de Kin Chong, a liminar anteriormente concedida pelo STF foi violada a partir do momento em que a TV Câmara transmitiu o depoimento de seu cliente. As imagens foram aproveitadas e retransmitidas pelas demais redes televisivas.

O relator da matéria, Cezar Peluso, deferiu a liminar e proibiu o acesso de câmeras de televisão, gravadores e máquinas fotográficas de particulares ou concessionárias, incluindo as da TV Câmara e Senado, nas dependências onde Chong depôs. Na manhã desta quinta-feira, o ministro recebeu um pedido da Câmara dos Deputados para reconsiderar a liminar concedida.

O relator trouxe a liminar para ser referendada pelo Colegiado devido à relevância da matéria. O ministro Marco Aurélio intercedeu com o argumento de que a cautelar em MS é da competência do relator, não estando sujeito ao referendo da Corte. Questionou, ainda, se o pedido de reconsideração seria recepcionado como um Agravo, e apontou que a jurisprudência sumulada no STF seria no sentido de ser incabível esse recurso na liminar em Mandado de Segurança.

Sobre as alegações de Marco Aurélio, o ministro Cezar Peluso ponderou sobre o disposto no Regimento Interno do STF, em seu artigo 21, inciso IV, que determina ao relator a submissão ao Plenário ou à Turma, nos processos da competência respectiva, as medidas cautelares necessárias à proteção de direito suscetível de grave dano de incerta reparação, ou ainda destinadas a garantir a eficácia da posterior decisão da causa.

Peluso entendeu que o não cumprimento da liminar poderá causar um grave dano, passível de reparação ao empresário chinês. Ressaltou também que o caso envolve outro Poder da União. O ministro Sepúlveda Pertence apontou que tal preliminar já foi examinada pelo STF, em casos similares, deixando a critério do ministro relator trazer matérias de sua competência individual à consideração do Plenário. Na mesma linha, o ministro Celso de Mello observou que diante da gravidade da situação o relator pode tornar legítima a iniciativa de levar a matéria ao conhecimento do Colegiado.

Carlos Velloso entendeu ser um caso de referendo da liminar pelo Plenário, pois “parece que está surgindo uma situação conflituosa entre um dos Poderes com o Supremo Tribunal Federal, que está cumprido sua atribuição, sua competência, sua missão constitucional. Me sinto na obrigação de trazer aos eminentes colegas estes esclarecimentos”, afirmou Velloso. Os ministros conheceram, por maioria, da preliminar para prosseguir com a apreciação pelo Plenário da liminar concedida pelo relator.

O ministro Peluso entendeu que a questão em causa é grave e delicada. Segundo ele, envolve uma colisão de princípios constitucionais, implicando o reconhecimento da limitação do âmbito de um deles, “ponderada no exame das circunstâncias do caso concreto, qualquer que seja o teor da resposta, que há de ser pronta”. Argumentou, ainda, que o pedido do empresário seria razoável, já que está à disposição da CPI e permite a publicidade dos atos, porém deseja resguardar sua imagem de abuso de exposição na mídia.

Peluso observou que é freqüente a exibição de imagens, pela mídia, de pessoas supostamente envolvidas em fatos criminosos, e que se vêem antecipadamente submetidas a verdadeiro julgamento público. Tais suspeitos podem não ser culpados, apresentando a prova de sua inocência. Porém, segundo o ministro, a mera divulgação de rostos pela imprensa, sugerindo se tratar de criminosos, é fato irreparável. A exposição lhes imprime uma nódoa de desonestidade e periculosidade que dificilmente será desfeita, deixando um dano moral de difícil reparação.

Para o ministro, a restrição à exposição abusiva da imagem não sacrifica o interesse público, figurado no livre trabalho de apuração da CPI e na publicidade dos atos. Peluso ressaltou que o Regimento Interno da Câmara dos Deputados submete à discrição do presidente das Comissões a condição de haver ou não televisionamento, decisão não essencial à publicidade do ato. Assim, o RICD submete à consideração específica das circunstâncias históricas a autorização prévia para irradiação ou gravação dos atos das CPIs, tampouco, da publicidade de seus atos.

Ressaltou, ainda, que o particular não tem direito subjetivo de gravar nem fotografar a inquirição de testemunhas. O relator entendeu que é permitida a presença de pessoas em audiências das CPIs, pois “pode, sem degradação alguma da liberdade de informação e da imprensa, ser até vetada, quando dela possa advir escândalo, inconveniente grave, ou perturbação da ordem como prevê o artigo 792 do Código de Processo Penal, combinado com a Lei das Comissões Parlamentares de Inquérito (Lei nº 1.579/52)”.

Referendo

O presidente da CPI da Pirataria ingressou com um pedido de reconsideração por entender que o caso não seria de colisão de direitos fundamentais, mas de invasão de competência constitucional, pois a CF/88 e o RICD garantiriam a publicidade dos atos das Comissões Parlamentares de Inquérito, e que a exibir matérias de interesse da sociedade.

Finalmente, o deputado argumentou que a liminar afrontaria o direito à informação e configuraria censura prévia, sendo inexeqüível decisão no capítulo que impede qualquer gravação de imagem ou voz em outros recintos da Câmara. “Ao meu ver, senhor presidente, com devido respeito, não procede nenhum dos argumentos”, afirmou o relator.

O princípio constitucional da universalidade garante que nenhuma lesão a direito individual fica imune a apreciação judicial, segundo Peluso. A jurisprudência assentada no Supremo é que não é a natureza da norma que torna a matéria interna dos órgãos, mas a questão de saber se o ato fundado na Constituição ou no regimento interno, pode, em tese, violar ou não direito subjetivo dos próprios congressistas.

Decisões proferidas pelo tribunal apenas limitam a exposição perniciosa da imagem de quem, não se sabe, se é testemunha ou indiciado — a CPI não define como o cidadão intimado deva comparecer perante ela, “se na condição debuxada de indiciado ou testemunha”. A liminar, segundo o relator, mantém todos os poderes da CPI, e permite que a imprensa faça suas anotações, mas sem que haja divulgação da imagem do empresário.

Peluso considerou que tal fato seria uma fraude à decisão concedida. Diante desse caso o relator ponderou que já estava no momento de se definir, não apenas os poderes constitucionais do Supremo, mas a necessidade de preservar os direitos fundamentais do cidadão contra qualquer ato abusivo do Estado. Por fim, o ministro não viu qualquer procedência nos argumentos opostos a sua decisão, referendando a liminar.

Divergência

O primeiro voto contrário ao referendo foi proferido pelo ministro Carlos Ayres Britto, para quem o núcleo da liminar deferida foi a proibição do televisionamento do depoimento. O ministro citou dispositivo da Constituição Federal (parágrafo 1º, artigo 220) que, ao falar sobre liberdade de imprensa estabeleceu que “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV”. Ele defendeu a conciliação desse dispositivo com incisos do artigo 5º que prevêem a liberdade de pensamento, o direito de resposta, a inviolabilidade da honra, da imagem, vida privada e a intimidade.

“Nós estamos vivendo uma Idade-Mídia, por paráfrase com a Idade Média. Nessa Idade-Mídia, é natural que tudo venha a lume, porque é próprio da democracia que todos se tomem dessa curiosidade – santa curiosidade – pelas coisas do Poder, pelas coisas que dizem respeito a toda coletividade. A democracia é um regime de informação por excelência e, por isso mesmo, prima pela excelência da informação, e é claro que a informação televisada ganha essa tonalidade de excelência, de transparência. Então, no caso, eu entendo que não houve prejuízo ao direito líquido e certo do impetrante de ver sua imagem subtraída do televisamento direto”, observou Britto.

Carlos Ayres Britto defendeu que o Supremo adote posicionamento no sentido de “apurar os fatos e tomar as providências reativas corretivas” sobre a informação, que apontou como grave, de que a liminar deferida pelo ministro Peluso teria sido desrespeitada pela CPI da Pirataria. No início da votação, o presidente do STF, ministro Maurício Corrêa, comunicou aos colegas que a TV Câmara estava transmitindo ao vivo o depoimento do comerciante chinês prestado à CPI. (STF)

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