Caso Parmalat

Parmalat: Juiz considera anômalo comportamento de advogados.

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18 de março de 2004, 23h22

A Justiça quer de volta pelo menos US$ 15 milhões retirados da Parmalat brasileira e enviados para a Itália. O pedido foi feito pelo juiz da 42ª Vara Cível de São Paulo, Carlos Henrique Abrão.

O dinheiro foi enviado em dezembro passado, quando a matriz da empresa já havia naufragado e a sua filial já entrara em crise.

No ofício em que cobra a devolução dos valores, Abrão menciona um pedido anterior, do início no mês, também destinado ao interventor da Parmalat italiana, na condição de representante do Estado italiano.

O juiz usa a correspondência para apontar comportamento que considera anômalo dos advogados da empresa no Brasil. Abrão quer saber se a conduta do escritório é ditada pelos italianos.

Entre os exemplos de mau comportamento dos advogados, o juiz cita o fato de ter sido chamado por eles de “mentiroso”, de estar atuando de forma a obter notoriedade junto à imprensa e de estarem atrapalhando o andamento natural do processo.

A revista Consultor Jurídico procurou o advogado Carlos Miguel Aidar, que representa os administradores afastados. Ele não estava no escritório nem em casa. O celular dele estava desligado.

Pedido em questão

O pedido brasileiro deve cair no vazio. Notícia do site “VoteBrasil”, sobre uma visita do ministro brasileiro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, ao interventor da Parmalat, Enrico Bondi e o ministro das Atividades Produtivas, Antonio Marzano, diz que os italianos deixaram claro que o interesse prioritário deles é preservar o patrimônio produtivo da Itália e não o brasileiro.

Nessa linha, a unidade brasileira poderá até ser vendida como está, mas a hipótese de ajuda financeira da matriz estaria afastada.

“Há um conflito de interesses entre o que nos queremos para o país e a gestão italiana”, admitiu o ministro encontrando os jornalistas na capital italiana, ao termino de sua viagem de dois dias a Roma, Milão e Parma, segundo relatou o VoteBrasil, em fevereiro.

Esta semana, a imprensa italiana voltou a apontar para Gianni Grisendi, presidente da Parmalat Brasil nos anos 90. Grisendi ainda não está formalmente inscrito no registro das pessoas investigadas. Grisendi, que presidiu também a Telecom Italia Mobile (TIM), nos dez anos que passou no comando da Parmalat Brasil teria conseguido aumentar em trinta vezes o faturamento da filial brasileira através de uma série de aquisições.

Os investigadores italianos anunciaram a apreensão de um computador do advogado Gianpaolo Zini onde se localizou um esquema dos mecanismos financeiros e entrelaçamentos societários que poderá servir para reconstituir o fluxo de dinheiro de e para a América do Sul. As investigações sobre o Brasil só começaram há poucos dias e, por isso, são necessárias outras averiguações e provas, inclusive nos documentos apreendidos no escritório do advogado Zini.

“É a primeira vez que se vê um juiz se dirigindo diretamente à imprensa e à empresa, ao invés de falar com os advogados legalmente constituídos. Trata-se de um comportamento no mínimo inusitado”, disse o advogado Thomas Felsberg. Ele representa os administradores afastados.

Leia o ofício

PODER JUDICIÁRIO

SÃO PAULO

Comarca de São Paulo – Foro Central Cível

Juízo de Direito da 42ª. Vara Cível

42º Ofício Cível

Praça João Mendes s/nº, 16º andar – salas nºs 1611/1613, Centro – CEP 01501-900-SP – Tel. (5511) 3042-0400 (CENTRAL PABX)

Of. nº ______________

(Favor usar como referência)

Excelentíssimo Senhor:

1. Como é do conhecimento de V. Exa., foi trazida à cognição deste Juízo uma ação cautelar promovida pelo Banco Sumitomo S/A., relatando a prática de uma série de atos por parte dos antigos gestores da Parmalat Brasil S/A Indústria de Alimentos, em claro benefício de seus controladores e em detrimento da filial brasileira e, por via de conseqüência, em prejuízo de todos os interesses que giram em torno da companhia, desde os interesses dos empregados, dos fornecedores, dos consumidores, dos credores, sem esquecer dos entes fiscais, no que tange aos aspectos tributários. Em síntese, em claro e evidente prejuízo da sociedade e do Estado brasileiros, verificou-se, além da violação de interesses individuais, clara infração a interesses e direitos que se qualificam como coletivos de modo genérico (individuais homogêneos, coletivos propriamente ditos e difusos). É relevante observar, a propósito do tema, que, entre nós, a configuração jurídica dessas novas categorias de direito contou, em seus primórdios, com significativa contribuição dos grandes processualistas italianos.

2. A propósito do assunto, é importante pôr em destaque a forte ligação existente entre o direito brasileiro e o italiano, seja na área

do Direito Comercial, seja na do Direito Processual Civil, bastando relembrar que, nos catastróficos anos do Fascismo e do Nazismo, o Brasil acolheu, de braços abertos, para assegurar-lhes a própria vida, nada menos do que TULLIO ASCARELLI e ENRICO TULLIO LIEBMAN, dois dos maiores expoentes do direito italiano, os quais, lecionando na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, nos legaram lições inolvidáveis, formando uma plêiade de discípulos de nomeada, que têm honrado as tradições peninsulares de respeito ao primado do Direito e que, assim, vêm contribuindo para tornar o Brasil um dos países de maior respeitabilidade no que tange ao Direito Comercial e ao Direito Processual Civil. Quanto a este, não cometerá exagero algum aquele que afirmar que, no tocante à tutela dos direitos difusos e coletivos, pouquíssimos países haverá no mundo que se lhe ombreiem em precisão científica e em perfeição técnica quanto à legislação respectiva, vanguardeiro que é nos estudos que levaram ao notável desenvolvimento desse segmento, notabilizando-se, entre tantos processualistas de prol, as figuras de ADA PELLEGRINI GRINOVER, italiana de nascimento e brasileira por adoção, e CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, discípulo de LIEBMAN, sob cuja orientação fez seus estudos de pós-graduação em Milão na década de 70.


3. Pois bem. Tomando conhecimento daqueles fatos gravíssimos, este Juízo, alicerçado, inclusive, nas lições, “inter alia”, dos citados grandes mestres, e afinado com as exigências normativas das situações empresariais contemporâneas, e em face da necessidade urgente de tutelar, de maneira eficaz, aqueles interesses relevantíssimos, decretou o estado de crise econômico-financeira da filial brasileira da Parmalat, afastando seus antigos gestores e nomeando, em seu lugar, interventores judiciais. Para isso, levou em conta, também, as normas do Projeto de Lei de Recuperação de Empresas (nº 4.376-B), aprovado pela nossa Câmara dos Deputados no final do ano pretérito, e que ora se encontra tramitando perante o Senado Federal, onde foram apresentadas emendas sobre aspectos pontuais, sem que houvesse objeção contra os seus princípios básicos, os quais visam, sobretudo, assegurar a recuperação de empresas em estado de crise, o que, aliás, é algo que já se verifica em vários países do mundo, entre eles os Estados Unidos da América, França, Portugal e a própria Itália.

4. A lei brasileira em vigor (DL 7.661/45), velha de quase sessenta anos, está claramente defasada da realidade contemporânea, sendo ineficiente para resolver os problemas das grandes empresas. O instituto da concordata, por ela previsto, é um caminho pelo qual se transita para um destino certo e praticamente inevitável na maioria dos casos: a falência. Este fato, que é público e notório, nenhum operador do direito brasileiro pode se dar ao luxo de ignorar. Essa lei, ossificada pelo decurso do tempo, de lei mesmo só tem o corpo, faltando-lhe a alma. Exatamente porque tal lei não representa o Direito, ninguém duvida de que, no tocante à disciplina das empresas insolventes, a consciência jurídica nacional está externada no Projeto de Lei acima referido, já devidamente aprovado pelos representantes do povo brasileiro, reunidos na Câmara dos Deputados.

5. Assim, ao decretar a intervenção na Parmalat brasileira, este Juízo agiu em consonância com aquilo que, na essência, é o Direito, e que Celso definiu com elegância: Jus est ars boni et aequi: honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere. Está aí, em palavras singelas, o Direito em sua expressão mais profunda e verdadeira. Leis ossificadas, que de leis só têm o nome e a aparência formal, que não conseguem realizar os fins visados pelo Direito propriamente dito, obviamente que Direito não veiculam. Lei, na definição de Montesquieu, é a relação necessária que deriva da natureza das coisas. Uma lei que, por sua defasagem em relação ao tempo, por sua ossificação, não mais atende às necessidades do comércio jurídico e, por isso, não mais representa os anseios da sociedade para a qual foi editada, e, por isso mesmo, está prestes a ser substituída por normas que já foram aprovadas pelos representantes do povo, não mais pode ser considerada como consubstanciadora do Direito.

6. Aliás, exatamente por ter sido sensível a tal realidade é que o Parlamento italiano aprovou a Lei nº 39, de 18 de fevereiro de 2004, a qual converte, com modificações, o Decreto-lei nº 347, de 23 de dezembro de 2003, de modo a permitir a intervenção em empresas em estado de insolvência, que pretendam valer-se do procedimento de reestruturação econômica e financeira, prevista no artigo 27, comma 2, lettera b do Decreto Legislativo nº 270, de 8 de julho de 1999. E foi sob a égide da mencionada Lei nº 39, ainda na vigência do Decreto-Lei nº 347, que o Estado italiano decretou a intervenção na Parmalat, tendo V. Exa. sido nomeado “Comissário Straordinario” por ato do [Ministro delle attività produttive).

7.Pelas mesmas razões que levaram o Estado italiano a intervir na Parmalat italiana, este Juízo houve por bem decretar a intervenção na Parmalat brasileira. Se não o tivesse feito, esta última já teria falido. É público e notório que o estado de crise da Parmalat brasileira foi causado, em última análise, pela sua matriz. Estão sendo apurados pelas autoridades competentes o montante e a regularidade das remessas de dinheiro feitas pela filial da Parmalat brasileira à matriz italiana. Por ora, já é do nosso conhecimento que, pelo menos, quinze milhões de dólares foram remetidos, e isso durante o mês de dezembro de 2003, cumprindo registrar, a propósito, que, até agora, este Juízo não obteve nenhuma resposta de Vossa Excelência à solicitação de restituição daquele valor formalizada por meio do ofício 1º de março de 2004.

8. Como se pode verificar, as situações, embora similares, não são perfeitamente simétricas, pois, enquanto na Itália a intervenção se operou por ato do Poder Executivo, no Brasil ela se deu por força da autoridade do Poder Judiciário, no caso representado por este Juízo.

9. Sem embargo da clareza e da indiscutibilidade do direito que deve ser aplicado, necessário e imprescindível para que se preserve a empresa, enquanto atividade produtiva, a Parmalat italiana, sob intervenção, por meio de seus advogados no Brasil, tem aqui agido de modo a criar uma série de obstáculos ao desenvolvimento normal do processo de recuperação, interpondo uma série de recursos contra a decisão que decretou a intervenção. A pretexto de que ainda não foi formalmente promulgada a lei nova, vêm eles verberando a decisão deste Juízo, considerando-a ilegal e arbitrária. Até aí, inteiramente lícito lhes é fazê-lo. Ninguém discute o direito de assim agirem, mesmo porque, de acordo com norma expressa da Constituição brasileira, aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5º, inc. LV).


10. No entanto, uma coisa é o exercício da ampla defesa, dentro dos ditames legais e com obediência aos preceitos constantes do Código de Ética Profissional da Ordem dos Advogados do Brasil. Outra, completamente diversa, é a conduta que, a pretexto de defender os interesses dos constituintes, faz seus advogados agir em flagrante desrespeito à dignidade do Poder Judiciário, representado por este Juízo, e que, outrossim, chega a ofender a figura de um antigo representante deste mesmo Poder, Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo, atualmente exercendo a nobre função de advogado, e a quem este Juízo incumbiu de presidir a Assembléia Geral Extraordinária realizada no dia 4 de março de 2004.

11. Tendo em vista a situação exposta, este Juízo considera de fundamental importância solicitar de Vossa Excelência que informe se, na qualidade de “Comissario Straordinario”, representando, portanto, o Estado italiano, aprova a conduta de seus advogados no Brasil, consubstanciada nos seguintes episódios:

[a] Inclusão, na petição inicial do Mandado de Segurança nº 343.402.4/1, do item “61” com o seguinte teor: “Com o mais absoluto respeito , o D. Magistrado da 42ª. Vara Cível tornou-se um holofote para as câmeras de televisão, e, em razão do estrelato que lhe proporcionam os meios de comunicação, passou a legislar, como se legislador fosse; passou a desrespeitar ordens judiciais, como se ditador fosse; passou a desrespeitar seus colegas de profissão, como se corporativismo não houvesse; e, o que é pior, passou a mentir veladamente, como se mentiroso fosse um ser ético e respeitador do estado democrático de direito (vide o teor inserto na sua manifestação nos autos do conflito de competências, ao asseverar, em um dia, que não interviria na ré da cautelar, para, no dia seguinte, INTERVIR SIM!).

[b] – Colocação em dúvida, de modo reiterado, na Assembléia Geral do dia 4 de março de 2004, da palavra de honra do Presidente da Mesa dos Trabalhos, no sentido de que havia sido oficialmente nomeado para presidi-la, por força da decisão judicial constante dos autos do respectivo processo

[c] – Argüição da suspeição deste Juízo, acusando-o de tomar atitudes “que demonstram seu interesse pessoal no desenrolar do processo, como a participação em assembléias da empresa”;

12. Este Juízo aproveita o ensejo para reiterar a solicitação feita a Vossa Excelência, no ofício de 1º de março de 2004, de que providencie, com a máxima urgência, a restituição do valor de quinze milhões de dólares remetida à matriz italiana no mês de dezembro de 2003, quando a filial brasileira já se encontrava em evidente estado de crise econômico-financeira, valor esse que é de fundamental importância para a sobrevivência da empresa. Confiante nas assertivas feitas pelas pessoas que se têm apresentado como seus mandatários no Brasil, os Drs. Oscar Bernardes e Nelson Bastos – ambas merecedoras de crédito, em face das posições de relevo que ocupam nos meios empresariais brasileiros – de que a Parmalat italiana, sob sua intervenção, tem a maior boa vontade em colaborar para a recuperação da Parmalat brasileira, este Juízo acredita que Vossa Excelência determinará as providências no sentido da imediata restituição do valor acima.

13. Por outro lado, honrado Interventor, Dr.Enrico Bondi,muito agradeceria este Juízo uma resposta de Vossa Excelência, com a máxima brevidade possível, e que fosse acompanhada do plano detalhado a ser apresentado ao Ministro Marzano, no propósito de, a partir de uma possível conciliação no processo de intervenção, verificar o empenho da Itália em alocar recursos destinados à preservação da empresa no Brasil.

14. Finalmente, deseja este Juízo deixar registrado ter redigido este ofício em italiano, não só como preito de admiração à grande Nação italiana, em cujo solo floresceu, há milênios, uma civilização que legou ao mundo o arcabouço daquilo deve ser considerada sua herança fundamental – o Direito –, mas, também, como homenagem a Vossa Excelência, o qual, pelo que este Juízo tem sido informado, se revela filho digno e exemplar dessa grande Nação.

15. Este Juízo aproveita o ensejo para renovar-lhe os protestos de estima e consideração.

Atenciosamente,

CARLOS HENRIQUE ABRÃO

Juiz de Direito da 42ª. Vara Cível

Excelentíssimo Senhor

Enrico Bondi

DD. Comissario Straordinario

Parmalat Itália

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