Contrato de trabalho

Vantagens incorporam-se ao patrimônio jurídico do trabalhador

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17 de março de 2004, 17h23

Os princípios de justiça integram a história do homem. No início a luta era desigual, imperava o instinto animalesco; aos poucos as normas de convivência foram sendo estabelecidas, embora primárias, mas a justiça, compreendida como norma de conduta, começava a ganhar corpo, estabeleceu-se o princípio do “olho por olho, dente por dente”.

A necessidade social de acabar com a prática da “justiça com as próprias mãos”, fez com o que o Estado viesse a suprimir essa prática social fratricida e assumisse a responsabilidade de resolver o conflito, estabelecendo a “tutela jurisdicional do estado”, assegurando o direito de ação e colocando-se como mediador para solucionar os conflitos de interesses, de forma que nenhuma lesão de direito individual fique afastada da tutela jurisdicional do Estado, desde que para tanto invocada.

Esse sistema está estruturado nos estados democráticos (CF, art. 5º, XXXV). Nos países totalitários o Estado também assume a tutela jurisdicional, mas neles normalmente se admite juízos de exceção e os juizes não têm liberdade de decidir segundo a sua consciência, segundo seu livre convencimento racional, pois não há liberdade.

No Brasil, o legislador constituinte idealizando a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, estabeleceu princípios para atingir o desenvolvimento nacional, para conseguir a erradicação da pobreza e a marginalização, para reduzir as desigualdades sociais e regionais, para promover o bem comum – função primordial do Estado.

Para tanto, vinculou, a função social da propriedade ao desenvolvimento da ordem econômica (CF, art. 5º, XXIII e 170, III), valorizando o direito de cidadania, garantindo-se o direito ao salário e ao trabalho (CF, art. 1º, III e IV e art. 7º, IV, V, VI, VII, X).

De se salientar que o Direito do Trabalho nasceu da necessidade social de se buscar um mecanismo que servisse para intermediar os conflitos entre o capital e o trabalho, assegurando ao trabalhador – a parte mais fraca da relação de emprego – uma proteção capaz de equilibrar a sujeição ao poder total de submissão e domínio do dono do capital (patrão).

Num universo de desemprego crescente, relevante é o papel da Justiça do Trabalho e inarredável a aplicação do princípio de proteção ao hipossuficiente. Organizados em sindicatos, os trabalhadores conquistaram importantes vantagens salariais, de forma a tornar menos amarga, menos sofrida, a luta pela subsistência, por exemplo: a jurisprudência dos tribunais trabalhistas passou a reconhecer como integrante do contrato de trabalho também os direitos decorrentes de Acordos, Convenções Coletivas e Decisões Normativas.

A evolução chegou a ser incorporada pela Constituição Federal, art. 114, parte final do § 2º e inciso XXVI do art. 7º, assegurando o respeito às “disposições convencionais e legais mínimas de proteção do trabalho”, bem como o direito ao “reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho”.

De se aclarar que a CF (Capítulo II – dos Direitos sociais) ao enumerar quais sejam os direitos laborais dos trabalhadores urbanos e rurais, nos incisos de I a XXIII do art. 7º, assegura expressamente as possibilidades de ampliação ao afirmar positivamente no caput do art.: “além de outros que visem à melhoria de sua condição social”, garantia esta imexível, não podendo ser alterados nem mesmo por via de Emenda à Constituição, como se extrai do exame do disposto no § 4º do Art. 60 da Carta Política vigente:

“§ 4º – Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I – a forma federativa de Estado; II – o voto direto, secreto, universal e periódico; III – a separação dos Poderes; IV – os direitos e garantias individuais”.

Os direitos trabalhistas assegurados pelo art. 7º da CF estão embasados nos próprios fundamentos do Estado, que visa assegurar a todos os seus cidadãos, o direito à cidadania plena, à dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho (CF, art. 1º, II, III e IV).

É que o constituinte de 1.988, entendendo caber aos empresários não apenas a preocupação com o lucro, mas também e principalmente com o seu papel social diante da sociedade, assegurou a prevalência do social (CF, art. 5º, inciso XXIII e inciso III do art. 170), sendo que deixa ainda taxativo no “caput” do art. 193 que:

“A ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”.

Portanto, esses direitos não podem ser precarizados, flexibilizados, excluídos, como quer a ideologia neoliberal do capital especulativo transnacional, até mesmo diante da prevalência do princípio da proibição do retrocesso social, ratificado no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que os Estados-partes (dentre eles o Brasil), no livre e pleno exercício de sua soberania, observando-se o princípio da aplicação progressiva dos direitos sociais (in Proteção Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais).


J.J. Gomes Canotilho ao examinar os contornos do princípio da proibição do retrocesso social assim se manifesta:

“O princípio da proibição do retrocesso social pode formular-se assim: o núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efetivado através de medidas legislativas deve considerar-se constitucionalmente garantido, sendo inconstitucionais quaisquer medidas que, sem a criação de esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na prática em uma anulação, revogação ou aniquilação pura e simples desse núcleo essencial. A liberdade do legislador tem como limite o núcleo essencial já realizado” (José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Livraria Almedina, Coimbra, 1998).

Em vista disso tudo, o legislador ordinário, atendendo ao comando constitucional e fazendo prevalecer o princípio da intangibilidade de situações definitivamente consolidadas (CF, art. 5º, inciso XXXVI), aprovou a Lei 8542/92 reconhecedora do direito do trabalhador a ter incorporado no contrato de trabalho as vantagens previstas nos acordos e convenções coletivas, no parágrafo 1º e que tinha a redação seguinte: “As cláusulas dos acordos, convenções ou contratos coletivos de trabalho integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser reduzidas ou suprimidas por posterior acordo, convenção ou contrato coletivo de trabalho”.

Todavia, o governo neoliberal de FHC, astuta e sutilmente, com intento claro de prejudicar a classe trabalhadora, cassou esses direitos no art. 19 da Medida Provisória 1060/98, confiando no apoio de sua dócil maioria parlamentar, que acabou por aprovar a MP, que se converteu na Lei n. 10192, de 14.02.2001.

Indignada com a falta de compromisso do governo FHC que jurou respeitar e cumprir a constituição, apesar de desrespeitá-la, por dobrar-se aos interesses neoliberais da economia de mercado controlada pelas transnacionais mundialmente globalizadas, a Confederação Nacional dos Trabalhadores Marítimos, Aéreos e Fluviais- CONTTMAF, representando milhares trabalhadores lesados, depositária do anseio e esperança de milhões de trabalhadores por ela não representados, buscando o restabelecimento do direito violado, ajuizou no SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1849-0, de 23.06.98), demonstrando a violência da cassação dos direitos dos trabalhadores, reconhecidos pela Constituição e regulamentados pela Lei 8.542.92.

A ação (ADI) foi distribuída ao Ministro Marco Aurélio de Mello, que examinando a relevância da matéria concedeu a LIMINAR requerida, suspendeu os efeitos do art. 19 da Medida Provisória 1060/9810.06. 98, restabelecendo os dispositivos legais então cassados, §§ 1º e 2º da Lei 8.542/92, voltando assim os trabalhadores a ter direito ao reconhecimento das condições e vantagens constantes das cláusulas dos acordos e ou convenções coletivas de trabalho, mesmo não renovados, como integrante do respectivo contrato de trabalho, ficando, em conclusão, assegurado o direito do trabalhador à integração das cláusulas dos acordos/convenções em seu contrato de trabalho.

As alterações decorrentes de não renovação das cláusulas somente atingem os empregados novos, mantendo-se intacto o direito dos empregados antigos, como já vinha reconhecendo a jurisprudência predominante, que encontrava suporte inclusive no entendimento do STF no AI 73.169/78:

“não ofende coisa julgada o acórdão que, em virtude de acordo coletivo anterior, reconhece que os empregados que já haviam preenchido os requisitos para, durante sua vigência, adquirir direito dele resultante, não perdem por não mais constar tal direito de Acordo Coletivo Posterior”.

Apesar da revogação da garantia prevista no parágrafo 1º da Lei 8.542/92, convalidada pela conversão da MP na lei n. 10192, de 14.02.2001, continuamos entendendo que o texto constitucional acoberta a inderrogabilidade dos direitos sociais e trabalhistas do trabalhador, para incorporação ao contrato de trabalho das vantagens e condições mais benéficas existentes, incluindo-se ainda até mesmo as normas mais favoráveis ao empregado constantes do regulamento empresarial, sendo consabido, pois, que este instrumento tão utilizado se constitui numa das formas de manifestação do poder patronal, estabelecendo um conjunto de regras disciplinadoras das relações internas da empresa e/ou de normas procedimentais.

As vantagens nele reguladas não podem, portanto, ser reduzidas, alteradas, suprimidas, integrando-se ao patrimônio jurídico do empregado, podendo ser alteradas apenas para os empregados novos. Nesse sentido o entendimento pacificado pelo Enunciado 51 do TST e que tem a redação seguinte:

“Vantagens. As cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento” (Enunciado aprovado pela Resolução Administrativa n. 41/1973, DJU de 14.06.1973 e mantido pela Resolução n. 121, DJU de 19, 20 e 21.11.2003).


O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, examinando a questão da supressão de vantagens integradas ao contrato de trabalho no RMS-23539 / DF em que foi Rel. o Ministro MARCO AURÉLIO, já decidiu que tal integração tem esteio no princípio da irredutibilidade:

“A integração, aos vencimentos, dos valores decorrentes do denominado “acréscimo bienal” esteou-se no princípio da irredutibilidade, descabendo suprimir a vantagem”.

Apesar do entendimento flexibilizador da jurisprudência em favor das exigências da economia de mercado que tem em vista o afastamento do Estado das relações capital-trabalho para que tudo se regule pela tal da “autonomia da vontade” defendida, inclusive nas propostas tida como de “consenso” no âmbito do FNT, a verdade é que não se pode priorizar o lucro em detrimento do social, da responsabilidade coletiva das empresas com as necessidades gerais dos cidadãos em prol do bem comum, sendo certo, pois, que a incorporação ao patrimônio jurídico do trabalhador das vantagens de cláusulas normatizadas em acordos/convenções tem esteio no próprio art. 7º, VI da CF (irredutibilidade salarial), sendo que sua supressão ofende inclusive o princípio da intangibilidade contratual “in pejus” aos operários (CLT, art. 468):

“Vantagens previstas em norma coletiva não mais em vigor e que são concedidas de modo espontâneo pelo empregador incorporam-se ao patrimônio jurídico de seus empregados, não podendo ser suprimidas ou reduzidas posteriormente, sob pena de ofensa aos postulados da irredutibilidade salarial (CF, art. 7º, VI) e da intangibilidade contratual “in pejus” aos operários (CLT, art. 468). Recurso conhecido e não provido. (TRT 10ª R. – AC. 3ª T./99 – AIRO 76/99 – Rel. Juiz Douglas Alencar Rodrigues – DJU 09.06.2000.

Também o TRT da 1ª Região examinando o disposto no § 2º do art. 114 da CF, conclui que os direitos emergentes de norma coletiva aderem ao contrato de trabalho:

“Os direitos emergentes de norma coletiva aderem ao contrato são “as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho previstas no § 2º, do art. 114 da nova constituição.” (TRT 1ª R. – RO 07131/88 – 3ª T. – Rel. Juiz. Júlio Menandro de Carvalho – DORJ 27.03.1989). Os direitos trabalhistas são de ordem pública, alimentares e indisponíveis, só podendo ser renunciáveis na presença do Juiz do Trabalho, como forma de evitar-se fraudes, como ressalva PINTO MARTINS: “(…) pois nesse caso não se pode dizer que o empregado esteja sendo forçado a fazê-lo” (MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho, 8ª edição, SP Edit. Atlas, 1999).

Ainda, sobre esta mesma questão, da indisponibilidade e da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas, elucidativo são os ensinamentos da emérita Professora Aldacy Rachid Coutinho da Universidade Federal do Paraná:

“No direito do trabalho, unânime a aceitação de que a regra é a inderrogabilidade relativa das regras jurídicas, máxime diante dos arts. 9º, 444 e 468, da Consolidação das Leis do Trabalho; as partes interessadas podem dispor, sim, desde que não contrariem os patamares mínimo e máximo estabelecido pelo ordenamento jurídico, quer em lei, quer em instrumento normativo da categoria, sob pena de nulidade (…). Os direitos dos trabalhadores, quer os previstos em lei, quer os negociados em acordos, convenções coletivas ou previstos em sentença normativa, assim como os abrangidos por normas emanadas de autoridades administrativas no exercício de sua competência legal, se inserem nos contratos individuais de trabalho, tornando irrenunciáveis as respectivas cláusulas”. (autora citada, em seu artigo intitulado: A INDISPONIBILIDADE DE DIREITOS TRABALHISTAS, monografia publicada na Revista da Faculdade de Direito da UFPR Vol. 33 – 2000, pág. 09).

De se ressaltar ainda que a questão da incorporação ao patrimônio jurídico das vantagens convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho foram elevadas à categoria de direitos fundamentais (art. 114 parte final do § 2º, da CF).

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, no exercício de sua competência plena e exclusiva de guardiã da Lex Legum (CF, art. 102, caput e inciso III “a”), decidiu que o direito de respeito ao negociado não pode violar os direitos legais irrenunciáveis dos trabalhadores:

“STF, Primeira Turma. Acordo Coletivo e Estabilidade de Gestante. Considerando que os acordos e convenções coletivas de trabalho não podem restringir direitos irrenunciáveis dos trabalhadores, a Turma deu provimento a recurso extraordinário para reformar acórdão do TST que afastara o direito de empregada gestante à estabilidade provisória prevista no art. 10, II, b, do ADCT (“II – fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa: … b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.”), em razão da existência, na espécie, de cláusula de acordo coletivo que condicionara o mencionado direito à necessidade de prévia comunicação da gravidez ao empregador. RE 234.186-SP, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 5.6.2001.(RE-234186).


Ainda mais recentemente o mesmo STF, pelo Ministro Celso de Mello ao interpretar o texto constitucional, art. 7º, que além dos direitos elencados de I a XIII, assegura também outros não assinalados “além de outros”, pacificou o entendimento que os direitos ali assegurados são inderrogáveis, quer individual, quer coletivamente, acertando em cheio na vontade do legislador constituinte ao invocar a responsabilidade internacional do Estado na preservação do interesse social envolvido no direito do trabalho:

AGRAVO DE INSTRUMENTO 448.572-8 SÃO PAULO

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

AGRAVANTE(S): DINORAH MOLON WENCESLAU BATISTA

ADVOGADO(A/S): RODOLFO ANDRÉ MOLON

AGRAVADO(A/S): AIR LIQUIDE DO BRASIL S/A

ADVOGADO(A/S): UBIRAJARA WANDERLEY LINS JUNIOR E OUTRO(A/S)

EMENTA: EMPREGADA GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA (ADCT, ART. 10, II, “b”). PROTEÇÃO À MATERNIDADE E AO NASCITURO. DESNECESSIDADE DE PRÉVIA COMUNICAÇÃO DO ESTADO DE GRAVIDEZ AO EMPREGADOR. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

– A empregada gestante tem direito subjetivo à estabilidade provisória prevista no art. 10, II, “b”, do ADCT/88, bastando, para efeito de acesso a essa inderrogável garantia social de índole constitucional, a confirmação objetiva do estado fisiológico de gravidez, independentemente, quanto a este, de sua prévia comunicação ao empregador, revelando-se írrita, de outro lado e sob tal aspecto, a exigência de notificação à empresa, mesmo quando pactuada em sede de negociação coletiva. Precedentes.

DECISÃO: O legislador constituinte, consciente das responsabilidades assumidas pelo Estado brasileiro no plano internacional (Convenção OIT nº 103, de 1952, promulgada pelo Decreto nº 58.821/66, Artigo VI) e tendo presente a necessidade de dispensar efetiva proteção à maternidade e ao nascituro (FRANCISCO ANTONIO DE OLIVEIRA, “Comentários aos Enunciados do TST“, p. 614, 4ª ed., 1997, RT), veio a estabelecer, em favor da empregada gestante, expressiva garantia de caráter social, consistente na outorga, a essa trabalhadora, de estabilidade provisória, nos termos previstos no art. 10, II, “b”, do ADCT.

O valor jurídico-social dessa inderrogável garantia de índole constitucional, que busca dar efetividade à proclamação constante do art. 6º da Lei Fundamental da República, teve a sua importância reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, por mais de uma vez, já deixou assentado, a propósito desse tema, que o acesso à estabilidade provisória depende da confirmação objetiva do estado fisiológico de gravidez da empregada, independentemente, quanto a este, de sua prévia comunicação ao empregador, revelando-se írrita, de outro lado e sob tal aspecto, a exigência de notificação à empresa, mesmo quando pactuada em sede de negociação coletiva, consoante esta Suprema Corte teve o ensejo de decidir:

“A empregada gestante tem direito subjetivo à estabilidade provisória prevista no art. 10, II, “b”, do ADCT/88, bastando, para efeito de acesso a essa inderrogável garantia social de índole constitucional, a confirmação objetiva do estado fisiológico de gravidez, independentemente, quanto a este, de sua prévia comunicação ao empregador, revelando-se írrita, de outro lado e sob tal aspecto, a exigência de notificação à empresa, mesmo quando pactuada em sede de negociação coletiva. Precedentes.

(AI 392.303/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

Esse entendimento acha-se consagrado em decisões proferidas por ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal (RTJ 180/395, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – RE 339.713-AgR/SP, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, v.g.):

“O art. 10, II, ‘b’ do ADCT confere estabilidade provisória à obreira, exigindo para o seu implemento apenas a confirmação de sua condição de gestante, não havendo, portanto, de se falar em outros requisitos para o exercício desse direito, como a prévia comunicação da gravidez ao empregador.

Precedente da Primeira Turma desta Corte.

Recurso extraordinário não conhecido.”

(RE 259.318/RS, Rel. Min. ELLEN GRACIE – grifei)

“Estabilidade provisória decorrente da gravidez (C.F., art. 7º, I; ADCT, art. 10, II, b). Extinção do cargo, assegurando-se à ocupante, que detinha estabilidade provisória decorrente da gravidez, as vantagens financeiras pelo período constitucional da estabilidade.”

(RTJ 181/996, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – grifei)

A orientação jurisprudencial referida, por sua vez, tem sido observada em outras decisões emanadas de eminentes Juízes deste Supremo Tribunal (AI 315.965/DF, Rel. Min. SYDNEY SANCHES – RE 220.567/DF, Rel. Min. CARLOS VELLOSO), que reconhecem, no tema ora em análise, a responsabilidade objetiva do empregador, inerente aos riscos derivados da própria atividade empresarial, satisfazendo-se, esta Corte, por isso mesmo e para efeito de incidência da garantia constitucional da estabilidade provisória da gestante, com o mero estado de gravidez da trabalhadora, independentemente do prévio conhecimento desse fato pelo empregador.

Cabe mencionar, ainda, que essa percepção da “ratio” subjacente à cláusula constitucional asseguradora da estabilidade provisória instituída em favor da trabalhadora gestante reflete-se, por igual, no magistério da doutrina (EDUARDO GABRIEL SAAD, “Constituição e Direito do Trabalho”, p. 92, item n. 6.1, 2ª ed., 1989, LTr; NEI FREDERICO CANO MARTINS, “Estabilidade Provisória no Emprego”, p. 84-87, itens ns. 4.2.1, 4.3.1 e 4.3.3, 1995, LTr; ALICE MONTEIRO DE BARROS, “Proteção do Trabalho da Mulher e do Menor”, in “Curso de Direito do Trabalho”, p. 325-326, item n. 1.8.15, 2000, Forense; JOÃO CARLOS FRANCKINI, “Contrato de prova – Instrumento de fraude à legislação trabalhista, como forma de frustrar a estabilidade provisória da empregada gestante”, in Síntese Trabalhista, Ano VII – Março de 1996, nº 81/27-29; ZÉU PALMEIRA SOBRINHO, “A Estabilidade da Empregada Gestante”, in Síntese Trabalhista, Ano XII – Setembro de 2000, nº 135/35-40, 36; ARI PEDRO LORENZETTI, “Os Limites da Garantia de Emprego da Gestante”, in Revista do TRT/18ª Região, Ano 4 – Dezembro de 2001, nº 1/39-46).

O exame da presente causa evidencia que o acórdão impugnado em sede recursal extraordinária diverge da orientação jurisprudencial que o Supremo Tribunal Federal firmou na análise da matéria em referência.

Sendo assim, pelas razões expostas, conheço do presente agravo, para, desde logo, conhecer e dar provimento ao recurso extraordinário (CPC, art. 544, § 4º), em ordem a reconhecer a estabilidade da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, independentemente do conhecimento dessa condição fisiológica por parte do empregador.

Publique-se.

Brasília, 27 de fevereiro de 2004.

Ministro CELSO DE MELLO

Relator

Fonte: http://conjur.uol.com.br/textos/25130/

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